A autorregulamentação como forma de dirimir conflitos envolvendo obras de arte foi defendida na reunião
O secretário de Estado adjunto de Cultura, João Batista Miguel (à esquerda), mostrou-se preocupado com a desconstrução das expressões artísticas
A deputada Marília Campos avaliou que o objetivo da reunião não foi cumprido; para o deputado Léo Portela, falta compreensão aos dois lados

Defesa da liberdade de expressão marca audiência pública

Artistas questionam ataque moralista contra a arte e reiteram importância da diversidade criativa.

23/10/2017 - 19:51 - Atualizado em 24/10/2017 - 11:11

Participantes de reunião da Comissão de Cultura Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) defenderam, nesta segunda-feira (23/10/17), a liberdade de expressão em todas as formas de manifestação artística. Solicitada pela deputada Marília Campos e pelo deputado Rogério Correia, ambos do PT, a audiência teve como objetivo debater como se expressa essa liberdade de criação.

Para Brígida Campbell Paes, artista plástica e professora da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), defender a liberdade de expressão é defender a arte em geral. Ela afirmou que a arte deve ser vista não como simples contemplação e deleite, mas como um terreno de debate. “O campo da arte é político; é o lugar da diversidade, onde várias formas de pensamento se encontram para discutir”, opinou.

Ela acredita que as críticas a exposições de arte e peças de teatro (que classificou como cruzada moralista) fazem parte de um projeto maior, de aprofundar o que chamou de golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff. “O que está em jogo é o enfraquecimento de espaços onde prevalece a autonomia e a liberdade, o que é o caso da arte”, argumentou.

Na opinião de Guigo Pádua, vice-presidente da Associação Curta Minas, desde os primórdios, há pessoas se arvorando o direito de dizer o que deve ou não ser visto e apreciado pela sociedade, como forma de mostrarem seu poder. “Para isso, se valem de recursos como a intimidação”, reforçou.

O público, segundo Guido, acaba embarcando nesses discursos porque é formado em grande parte por pessoas que se deixam manipular ao se contentarem com respostas prontas.

Já na visão de Michele Sá, atriz do Coletivo de Teatro As Bacurinhas, o atual momento de “caça às bruxas” se mostra de modo mais evidente na perseguição a artistas que estavam à margem e que ocuparam espaços importantes na sociedade.

“Vemos atrizes trans com competência inquestionável sendo perseguidas. No final, isso passa a atingir não só a nós, artistas, mas ao público, que recebe uma imagem distorcida da arte”, avaliou.

A arte não cooptada é trans

Refletindo sobre o caráter subversivo da manifestação artística, a artista plástica e professora da PUC Minas Marta Cristina Pereira Neves disse que a arte não cooptada é trans. Por esse motivo, afirmou, todas as mostras dessa modalidade vêm sendo duramente atacadas no Brasil.

Ela exemplificou com a polêmica envolvendo a peça "O Evangelho segundo Jesus Rainha do Céu", de Jo Clifford, em que o Messias é um transgênero. Segundo Marta, foi necessário garantir na Justiça a exibição da peça em São Paulo, já que grupos conservadores tentavam impedi-la.

Marta acrescentou ainda que Jo Clifford, uma dramaturga trans britânica, escreveu a peça pensando Jesus como um oprimido falando aos oprimidos. “Cometem erros aqueles que pensam que o objetivo da obra é confundir crianças ou transformá-las em gays. Não se impõe um gênero a pessoa nenhuma”, concluiu.

Autorregulamentação - Rômulo Avelar Fonseca, presidente da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte, defendeu a autorregulamentação como forma de dirimir conflitos envolvendo obras de arte. “Não dá para aceitar que algum iluminado venha dizer o que pode ou não ser exibido”, afirmou. Ele defendeu que a classe artística precisa ser ouvida na regulamentação dessa matéria.

João Batista Miguel, secretário de Estado adjunto de Cultura, também se mostrou preocupado com o que chamou de “tentativa de desconstrução das expressões artísticas”. “Muitas opiniões expostas nas redes sociais partem de quem não viu a exposição, e nada é mais cômico do que criticar um livro que não se leu”, afirmou.

Deputado considera obra de Moraleida ofensiva

O deputado Léo Portela (PRB) defendeu o diálogo entre os grupos favoráveis e contrários à exposição de Pedro Moraleida no Palácio das Artes, “Faça sua própria Capela Sistina”. Para ele, falta racionalidade aos dois lados. “Dessa discussão, chegaremos a uma síntese boa, para o melhor”, defendeu, colocando-se como artista que viveu de música e chegou a vender 10 mil CDs.

Sobre a exposição, o parlamentar disse que, depois de visitá-la, retiraria apenas uma tela, a qual, segundo ele, seria agressiva a crianças. “A arte é livre, mas a liberdade não pode ser manto para a prática delituosa. A linha entre a liberdade e o crime é muito tênue. Não há estado democrático sem lei, que deve ser observada por todos, inclusive pelos artistas”, defendeu.

Em resposta, Luiz Bernardes, pai do pintor Pedro Moraleida, disse que nunca foi para "porta de igreja" para criticar pedofilia e cobrança de dízimo porque respeita as diferentes religiões. “Não vejo pedofilia em shows e peças de teatro. Nessa exposição, o que há de diferente são coisas que divergem da cultura majoritária", afirmou.

Defesa das liberdades - Ao final, a deputada Marília Campos disse ter a sensação de que o objetivo da reunião não foi cumprido. “Saio com mais perguntas do que respostas, mas com algumas convicções. Temos que radicalizar a luta em defesa das liberdades artística, política e religiosa e em defesa da democracia, que prevê a convivência com as diferenças”, concluiu.

Consulte o resultado da reunião.