O deputado Antônio Jorge (centro) anunciou que será disponibilizado um site para receber queixas de pessoas que não foram atendidas com tratamento adequado

Cartão para tratar o diabetes é proposto em debate na ALMG

Ideia é contornar problemas no fornecimento de medicamentos e insumos, que causam danos e mortes.

15/04/2016 - 18:23

“Eu perdi uma sobrinha de 24 anos de idade, diabética”. Com essas palavras, o deputado Antônio Jorge (PPS) iniciou sua fala de encerramento do Debate Público Diabetes - A Amarga Realidade da Política Pública, promovido pela Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta sexta-feira (15/4/16). Mais que um depoimento pessoal, no entanto, o deputado propôs três iniciativas para mudar o quadro de mortes e danos causados pela irregularidade no fornecimento de insumos para o tratamento do diabetes no Estado.

A principal proposta, que o deputado deixou claro não depender apenas da Assembleia, é a criação de um cartão que desburocratize o fornecimento da insulina e outros materiais para tratamento do diabetes. “Um sistema (como o de hoje) em que a União licita a insulina convencional, o Estado regula o fornecimento de análogos de insulina e das tiras reagentes, e o município compra as lancetas e agulhas, não pode dar certo”, afirmou. Por meio de um acordo entre o Estado e as empresas fornecedoras, Antônio Jorge acredita que seria possível os pacientes já registrados comprarem a insulina e outros insumos por um preço mais baixo, que é o preço pago hoje pelo poder público. A compra direta evitaria os problemas de fornecimento que hoje causam até mortes.

Antônio Jorge também anunciou que, em 30 dias, irá disponibilizar um site para receber queixas e denúncias de pessoas que não foram atendidas em seu direito a um tratamento adequado, relacionado ao diabetes. Essas denúncias serão encaminhadas ao Estado, com acompanhamento parlamentar. A terceira iniciativa anunciada é de uma audiência com o governador Fernando Pimentel, para criação de um comitê paritário que discutirá reivindicações relacionadas aos diabéticos. O deputado Geraldo Pimenta (PCdoB) assumiu o compromisso de participar desse esforço. “Pode contar com esse deputado, que vai ser parceiro nessa luta”, afirmou Pimenta.

Participantes relatam casos de complicações, coma e morte

Várias vítimas da escassez e da irregularidade do fornecimento de insulina e de outros insumos para controle de diabetes também participaram do debate público na Assembleia e fizeram apelos dramáticos por mais respeito. “Eu estive dez dias em coma e quase morri. É um milagre eu estar aqui”, afirmou Carla Bomsanto, portadora de diabetes tipo 1. Moradora de Juiz de Fora, com 29 anos, ela teve hiperglicemia em consequência da falta de um medicamento específico, a insulina glargina. Segundo ela, o produto está em falta desde novembro.

A presidente da Associação de Diabetes Infantil de Minas Gerais (ADI), Cidinha Campos, também participou dos painéis da tarde, reforçando que o custo, para o poder público, do tratamento das complicações decorrentes da diabetes é quase 20 vezes maior que o gasto com medicamentos e insumos para o tratamento do diabetes. O tratamento adequado pode garantir uma vida normal ao diabético, mas a falta desse tratamento pode causar a morte ou complicações graves, como cegueira, insuficiência renal ou amputações.

Cidinha Campos afirmou que hoje há crianças no Estado que precisam andar um quilômetro apenas para medir o nível de glicose no sangue. Não apenas a insulina, mas tiras reagentes para medir a glicose, seringas adequadas e lancetadores estão entre os materiais indispensáveis que não são fornecidos com regularidade, observou. A dirigente da ADI apresentou imagens de Bruna, que morreu no início de 2015, aos 24 anos de idade, por complicações decorrentes de um tratamento inadequado.

Além de exigir o fornecimento adequado dos insumos para tratamento, Cidinha Campos também ressaltou a importância de outras medidas: a proibição da venda de doces nas escolas e a isenção de impostos para medicamentos relativos ao diabetes e para alimentos diets.

Especialistas defendem importância dos insumos

A defesa do uso de insumos como tiras reagentes e insulina glargina prevaleceu no discurso dos palestrantes que participaram do evento. A endocrinologista Célia Maria Novaes Pereira, presidente da Associação de Diabéticos de Juiz de Fora (Zona da Mata), defendeu o uso contínuo de tiras reagentes pelos pacientes diabéticos para medir com regularidade o nível de glicose, rebatendo o discurso de que a distribuição desses produtos representa um alto custo para o Estado.

“Não tem como tratar de diabético sem tira. É retroceder e acarreta um custo muito mais alto para o Estado, traduzido em hospitalização, outros medicamentos e manutenção do paciente fora do mercado de trabalho”, argumentou. O mesmo foi defendido, também, pela enfermeira Roseli Rezende, da Organização Não Governamental (ONG) AVJ – Diabetes Brasil, e pelo endocrinologista pediátrico Cristiano Túlio Maciel Albuquerque, médico dos hospitais infantis João Paulo II e São Camilo, em Belo Horizonte, e colaborador do Programa de Assistência Ambulatorial às Crianças e Adolescentes Diabéticos (Paacad) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Assim como Célia Maria, a enfermeira Roseli Rezende foi enfática na defesa de campanhas educativas e de informação junto aos pacientes diabéticos e seus familiares. Segundo ela, hoje, o paciente diabético dispõe de muitos recursos, como novos medicamentos, tiras, produtos diet e light, que facilitam a vida e proporcionam mais qualidade de vida ao paciente e, por isso, devem ser disponibilizados pelo poder público.

Vontade política – O endocrinologista pediátrico Cristiano Albuquerque condenou a retirada dos medicamentos análogos de insulina da lista do Sistema Único de Saúde (SUS), acrescentando que “falta vontade política”. Ele também defendeu mais investimento na formação de endocrinologistas pediátricos, afirmando que em Minas Gerais são formados apenas três especialistas como esses, por ano, pela UFMG.

Segundo ele, pesquisas realizadas informam que mais de 50% dos pais de crianças e adolescentes diabéticos têm baixa escolaridade. “Por isso, um programa de educação e saúde é muito importante”, frisou. Ele defendeu também a incorporação de novas tecnologias no tratamento da doença, como o uso de canetas para aplicação de insulina, que estão em falta no mercado, e de bombas de insulina e censores de medição.