Os primeiros painéis do debate público abordaram a situação de insumos para diagnósticos no Estado e o uso dos análogos de insulina
Segundo Homero Filho, no Brasil, atualmente, a doença atinge 6,2% da população e em Minas 6,4%
Cidinha Campos informou que o Estado encaminha seringas inadequadas para municípios do interior
Rafael Mantovani disse que os análogos estão há 20 anos no mercado e não são um experimento
Leonardo Diniz afirmou que, segundo pesquisas, o uso do análogo não é melhor do que a insulina nativa

Debate público cobra tratamento universal do diabetes

Dificuldades de acesso a medicamentos e insumos são uns dos desafios apresentados em evento no Plenário.

15/04/2016 - 13:30

O direito universal e igualitário à saúde foi defendido pela presidente da Associação de Diabetes Infantil de Minas Gerais (ADI), Cidinha Campos, que fez um desabafo sobre as dificuldades de acesso a medicamentos e tratamento para os portadores dessa doença. Já o superintendente de Assistência Farmacêutica da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES), Homero Cláudio Rocha de Souza Filho, apresentou dados que mostram o aumento do acesso a medicamentos e tratamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Ambos participaram da primeira mesa do Debate Público Diabetes – A Amarga Realidade da Política Pública, promovido pela Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta sexta-feira (15/4/16). Os trabalhos prosseguem no Plenário na parte da tarde, com previsão de encerramento às 17h30.

Na mesa “A dispensação de insumos para diabéticos no Estado de Minas Gerais”, Cidinha relatou casos de crianças de quatro ou cinco anos e adolescentes morrendo por falta de acesso à saúde, perfurando seus dedos com seringas e agulhas inadequadas. Para ela, o direito universal e igualitário à saúde é uma inverdade no Brasil, assim com a de que o poder público sabe cuidar das pessoas. “Temos problemas de boa vontade e atitude em um País onde nós pagamos impostos, mas não temos direito à saúde, segurança, à nada”, cobrou.

Segundo ela, hoje as crianças estão sem insulina e sem tiras reagentes. Cidinha ponderou que as pessoas não são números e elas querem que a lei funcione. “Não queremos migalhas, mas o retorno do que contribuímos”, disse. Cobrou que o debate público faça valer o que a ALMG se propõe, de ser a Casa do povo, e que se chegue a um consenso.

Por outro lado, o superintendente da SES, Homero Cláudio Rocha de Souza Filho, defendeu que a discussão seja feita não apenas no acesso aos medicamentos e insumos, mas em desafios pontuais que precisam ser enfrentados, como o papel da atenção básica e rede de atenção à saúde, o estilo de vida e hábitos saudáveis e o papel da indústria farmacêutica. Ele informou que, no mundo, atualmente, são 387 milhões de pessoas diabéticas – daqui a 15 anos esse número chegará a 592 milhões. No Brasil, a doença atinge 6,2% da população e em Minas 6,4%. Desse total, no Estado, 70% são diabéticos do tipo II.

Homero ponderou, ainda, que os avanços do SUS são uma conquista da sociedade, “que não podemos abrir mão”. Segundo ele, a política de atenção aos portadores de diabéticos aponta para um cenário razoável de acesso ao tratamento, com 77,3% desse segmento que não pagou pelo serviço e 22,7% pagou. Ele ainda apresentou números mostrando que existe uma taxa alta de não adesão ao tratamento medicamentoso na atenção básica e que, não é possível investir alto apenas na compra de medicamentos se a população não se conscientizar sobre a importância do tratamento.

Normalização no fornecimento de tiras deve ocorrer em maio

Sobre a falta de insumos, o superintendente da SES, Homero Filho, disse que o fornecimento de tiras reagentes (para medir a glicose), por exemplo, está com a entrega normalizada para 40% dos diabéticos do Estado, sendo que, até meados de maio, esse entrega vai atender 100% dessa população no Estado. Ele explicou que, desde 2014, vem tentando comprar tiras, mas os processos licitatórios foram impugnados e só está conseguindo regularizar a situação porque teve apoio do Ministério Público estadual para comprar as tiras.

Já Cidinha Campos cobrou que o Estado, além de compilar dados, precisa oferecer insumos e equipamentos adequados ao tratamento, como seringa correta. “Se tem técnicos para compilar dados, achem técnicos para comprar seringas corretas”, disse, ao mostrar seringas inadequadas encaminhadas para municípios do interior. De acordo com ela, em Minas, são quase dois milhões de pessoas portadoras de diabetes.

O promotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde, Gilmar de Assis, disse que o MP precisa e deve continuar atento à demanda desses pacientes. Ele propôs um grande articulação solidária para encontrar uma solução de forma antecipada e preventiva às demandas apresentadas pelos diabéticos. Também cobrou mais investimentos e melhorias na atenção básica de saúde que, atuando na prevenção, pode diminuir o número de intervenções e internações relativas à doença.

Expectativas – Na abertura do evento, o autor do requerimento para o debate, deputado Antônio Jorge (PPS), fez um panorama dos trabalhos desta sexta (15) e disse que o debate público é uma oportunidade para discutir esse assunto de “grande relevo e importância”, principalmente para o SUS. Ponderou que a ausência de tiras glicêmicas tem sido uma constante nos governos e que é preciso caminhar para a correta gestão clínica dos diabéticos. Afirmou, ainda, que o diabético é uma pessoa reconhecida, que tem uma doença crônica e perene, que é de responsabilidade do Estado. “As compras centralizadas pelo Ministério da Saúde, o Estado, que geram grandes estoques e desperdício, precisam ser revistas", disse.

Já o deputado Geraldo Pimenta (PCdoB) apresentou sua expectativa de que o debate contribua para criar medidas para resolver o problema da saúde pública para os diabéticos.

Ainda na mesa de abertura, o secretário municipal de Saúde de Belo Horizonte, Fabiano Geraldo Pimenta Júnior, defendeu a continuidade de políticas públicas de acesso ao tratamento. Informou que, na Capital mineira, de 2010 a 2014, houve avanço do diagnóstico para detectar e controlar a doença. O diabetes tipo I teve um aumento de diagnóstico de 23% e o tipo II de 63%. Fabiano ponderou que o diagnóstico e o tratamento adequado e continuado produzem o efeito desejado de controlar a doença.

A presidente da Sociedade Brasileira de Diabéticos (Regional Minas Gerais), Maria José Ribeiro, disse que a instituição espera ser parceira do Estado e que quer ajudar nessa política pública de saúde, no sentido de fazer uso racional dos seus insumos.

Especialistas divergem sobre o uso dos análogos de insulina

Na segunda mesa de trabalhos, cujo tema foi “Análogos de insulina de longa duração e ultrarrápida no Sistema Único de Saúde: economia da saúde X realidade do usuário”, especialistas em endocrinologia divergiram sobre o uso do protocolo, considerado de alto custo para o Estado.

O membro da Divisão de Endocrinologia da Criança e do Adolescente pela Faculdade de Medicina da UFMG, Rafael Machado Mantovani, lembrou que os análogos estão há 20 anos no mercado e não se tratam de um experimento. Em sua fala, defendeu o uso do protocolo, mas considerou que é mal utilizado. “Por ser caro, deve ser usado em pacientes prioritários, como crianças e hipoglicêmicos mais graves. Acredito que o SUS deva oferecer os análogos de duração longa e curta”, ressaltou. Para ele, falta empatia do governo, assim como decisões mais técnicas para que se defina os melhores usos dos análogos. “Precisamos melhorar o modelo”, pediu.

A presidente da Sociedade Brasileira de Diabéticos, Maria José Sieiro, também defendeu o uso dos análogos e ponderou que nenhum outro medicamento salvou tantas vidas em todo o mundo quanto a insulina. Segundo ela, os análogos são bastante eficazes em casos de hipoglicemias e que há custo-benefício em seu uso. “O medicamento é moderno e será revertido em economia para o poder público com a redução das complicações agudas e crônicas. Além disso, leva mais qualidade de vida para o paciente, o que não tem preço”, disse.

Contraponto – O endocrinologista e doutor em Medicina e professor da Faculdade de Medicina da UFMG, Leonardo Maurício Diniz, apresentou pesquisas que apontam que o uso do análogo não seria melhor do que a insulina nativa. Em relação ao custo, destacou que, em 2014, o análogo custou, média, R$ 258, e a insulina R$ 11,57 por aplicação, o que representa uma diferença de 2.136%. Em 2016, a diferença será de 581%, segundo ele.

O especialista apresentou, ainda, dados que apontam pouca diferença no uso do análogo em relação à insulina em pacientes. Para ele, o problema não é o medicamento, mas a forma de tratamento. “Proponho que o Estado aplique recursos em ações eficazes de cuidado aos pacientes; e reveja protocolos e diretrizes clínicas de tratamento, na perspectiva de tratar pessoas diabéticas e não a diabetes”, concluiu.

Ao final, o deputado Antônio Jorge defendeu uma discussão mais aprofundada sobre a importância do protocolo e seu custo, que é alto. Na opinião do parlamentar, o governo precisa reconhecer a necessidade de certos segmentos da sociedade e dar uma contrapartida por meio da redução de tributos.