Participantes lotaram o Auditório da Assembleia na audiência que discutiu o fortalecimento da democracia
João Pedro Stélide manifestou apoio a Lula e classificou a Lava Jato de hipócrita

Crise é do capitalismo, afirma Stédile

Coordenador nacional do MST participa de debate na ALMG, condena golpe e defende projeto popular para o Brasil.

11/03/2016 - 20:11

Um projeto popular que reúna as classes sociais e seja aceito pelo conjunto da sociedade. Para o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, essa é a única saída para a crise vivida pelo Brasil, que é uma crise do modelo capitalista. Stédile participou, nesta sexta-feira (11/3/16), de audiência da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e classificou de “hipócrita” a operação Lava Jato, da Polícia Federal, que apura desvios de recursos na Petrobras.

O coordenador do MST afirmou que a atual crise já é equiparada por alguns analistas às situações vividas nas décadas de 1930, 1960 e 1980. “É uma crise grave, que não vai se resolver com a eleição de 2018. Não é uma questão de governo ou de partido. As classes sociais precisam se unir e produzir um projeto com um modelo novo, como foi feito, por exemplo, em 1989, com a eleição”, reforçou. Stédile também afirmou que mesmo a classe dominante está dividida e que, por isso, a presidente Dilma Rousseff ainda está no poder.

O dirigente do MST manifestou apoio ao ex-presidente Lula pelo que chamou de perseguições de alguns membros do Ministério Público de São Paulo e do Poder Judiciário Federal. “É um momento grave no País, amplificado e distorcido pela imprensa, o que exige uma reflexão profunda”, afirmou. Nesse ponto, ele também defendeu uma reforma do Judiciário. “O Judiciário no Brasil ainda é autoritário. E quem disse isso foi um membro do Poder, Marco Aurélio Mello (ministro do STF), ao afirmar que a pior ditadura é a do judiciário”, citou.

Antecedentes – Stédile fez uma retrospectiva dos antecedentes históricos necessários, segundo ele, para a compreensão do atual momento. Lembrou a derrota do que chamou “projeto democrático popular”, em 1989, e os 15 anos do neoliberalismo no Brasil. Esse sistema, segundo ele, provocou contradições e não solucionou questões como emprego e igualdade racial. “A resposta foi a eleição de Lula, em 2002, mas o projeto de Lula já não era o democrático popular. Ele fez pacto com elites no que chamamos neodesenvolvimentismo”, afirmou.

Para o coordenador do MST, naquele momento o neodesenvolvimentismo era necessário para bloquear a "sanha do capital" e fazer a transição para novo período histórico. O projeto se baseava em três pilares: a retomada do crescimento econômico; a recuperação, pelo Estado, de seu papel como indutor de políticas públicas; e a distribuição de renda, concretizada, sobretudo, pelos ganhos do salário mínimo. “Todos ganharam, dos banqueiros aos mais pobres”, salienta. Mas, segundo ele, a partir de 2013, por conjecturas do modo de funcionar o capitalismo, os pilares se esgotaram.

País vive conjunção de quatro problemas

Atualmente, de acordo com João Pedro Stédile, o Brasil vive a conjugação de quatro crises simultâneas, que não podem ser analisadas com emoção e independem da vontade de pessoas e governos. Além da crise econômica, segundo ele, há a crise ambiental, resultado da "sanha do capital sobre a natureza". “É uma apropriação estúpida, e a população paga por isso”, afirmou, lembrando o acidente da Samarco no município mineiro de Mariana, em novembro do ano passado. “A Vale matou um rio de 770 quilômetros. Esse é o maior acidente ambiental do mundo no século XXI”, afirmou, citando também as vítimas da tragédia.

Outra crise, a social, foi prenunciada pela juventude em 2013, segundo Stédile, no movimento que pediu melhores condições no transporte, entre outras demandas. “A moçada é um termômetro”, salientou. O dirigente do MST lembrou avanços como a construção de moradias e o aumento, de 7% para 15%, da população universitária. Mas salientou que ainda há déficits e que, a qualquer hora, essas demandas explodirão. “Oito milhões fizeram o Enem para 1,6 milhão de vagas. Vamos dizer o quê aos jovens? Eu digo: vão pra rua exigir os direitos”, afirmou.

Política – Por fim, Stédile citou a crise política e sua relação com o financiamento de campanhas por grandes empresas. “A democracia representativa foi sequestrada. As empresas decidem, pelo financiamento privado, quem se elege. Precisamos de reforma para que o povo escolha quem ele quer”, afirmou. Ele citou os recursos repassados a diversos partidos pelos esquemas da Petrobras. Stédile também defendeu a convocação de uma assembleia constituinte, que faça andar a reforma política. “Tínhamos uma ilusão de que esse congresso faria isso”, admitiu.

Classes têm divisões internas, e o povo está atônito

O coordenador do MST aponta uma divisão interna das classes sociais brasileiras, que leva a uma imobilidade da população. Segundo ele, há uma parcela da classe dominante, representada pelas grandes empresas, que quer a volta do neoliberalismo. Outros setores querem o neodesenvolvimentismo, porque dependem da renda dos trabalhadores e ganharam dinheiro nesse sistema. “E uma pequena burguesia acha que a saída é o golpe. São reacionários e antissociais”, define. Nesse cenário, segundo Stédile, nenhuma das propostas avança.

Os trabalhadores também enfrentam dificuldades, não por falta de propostas, mas por não convencer as massas. “O povo está parado, não sabe onde ir. Por isso a crise continua. Porque seu principal componente está parado”, afirma. Por outro lado, Stédile aponta que, nesse quadro de indefinições, a classe dominante usa seu poder hegemônico na mídia para brecar a construção de um projeto. “Um dos principais inimigos da classe trabalhadora, nesse momento, é a Rede Globo, que explicita a vontade ideológica classe dominante”, enfatizou.

Lula – Outra tática dessa classe, segundo Stédile, é agir no governo Dilma com uma pauta neoliberal, como a reforma da previdência e a saída da Petrobras da exploração do Pré-Sal. Para ele, é preciso ter coragem de apontar os erros do governo para evitar que tudo o que foi construído se perca. “E há a tática para inviabilizar candidatura lula. E não é juridicamente. É no imaginário das massas. Eles sabem que uma vitória do Lula em 2018 seria, necessariamente, para um projeto superior ao do neodesenvolvimentista. Seria um projeto popular”, conclui.

Stédile lembrou a agenda de manifestações em prol da democracia, a primeira delas no próximo dia 18, em todas as capitais, e clamou os presentes a se posicionarem contra o “golpe”.

Deputados e outros participantes convocam militância

Os participantes da audiência, que lotaram o Auditório e o Salão do Café na ALMG, defenderam que as manifestações a favor da democracia e do estado de direito ganhe as ruas. “Daqui vamos irradiar a mobilização para a sociedade brasileira”, afirmou o presidente da comissão, deputado Cristiano Silveira (PT). “Os estudantes vão às ruas para defender o projeto que os colocou na universidade e no primeiro emprego, que deu oportunidade para pobres e negros”, completou Luana Paiva, presidente União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais.

Durval Ângelo (PT) contou que seguia para João Monlevade (Central) quando soube do pedido de prisão do ex-presidente Lula. “Quando chegamos lá, já havia uma manifestação na mesma quadra que presenciou tantas greves, inclusive com a presença de Lula”, afirmou, acrescentando que deixou a cidade com muitas mensagens escritas de apoio ao ex-presidente. Já Beatriz Cerqueira, presidente da Central Única dos Trabalhadores em Minas Gerais (CUT/MG) e coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sindi-UTE/MG), ponderou que o que está em risco é mais que um governo ou partido, é a pauta conservadora que tramita no Congresso.

Rogério Correia (PT), autor do requerimento para a audiência, leu trecho de carta assinada por bispos pedindo que os congressistas de todos os partidos fortaleçam a governabilidade e, assim, a democracia. “A tentativa de golpe é para evitar o aprofundamento da divisão de renda. É uma politicagem travestida de legalidade”, afirmou, citando que o mesmo foi feito com Getúlio Vargas. “Hoje temos mobilização social e capacidade de resistência. Não há condições de golpe sem que haja reação do povo brasileiro”, disse.

Críticas – O deputado federal Reginaldo Lopes (PT) criticou a atuação do PSDB, que estaria reforçando a crise política, com apoio de parte do Judiciário e da mídia. “O único crime que Dilma cometeu foi ganhar as eleições de um candidato que se comportou a vida toda como príncipe”, ironizou, referindo-se ao senador tucano Aécio Neves (PSDB). Por outro lado, o petista fez críticas também ao governo Dilma e afirmou que o PT disputará com o governo a adoção de pautas mais progressistas. “Nosso partido começa a ter uma nova postura. Vamos escutar o governo, porque ele é nosso, com orgulho. Mas não seremos submissos”, avisou.

Consulte o resultado da reunião.