Atendimento em BH a pacientes do interior é criticado
Para participantes de audiência, regionalização dos serviços e aumento de verba para saúde minimizariam problema.
21/10/2015 - 21:11Deslocamentos a grandes distâncias de pacientes atendidos na alta complexidade; falta de estrutura e de humanização no atendimento; greves constantes no setor; dificuldades para exames e outros procedimentos de média e alta complexidade. Esses são alguns dos problemas enfrentados pelos pacientes de cidades do interior de Minas Gerais que fazem tratamento médico na Capital. Para enfrentar a questão, mais recursos para a saúde e descentralização dos serviços são apontados como saídas possíveis.
O assunto foi abordado em audiência pública da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada nesta quarta-feira (21/10/15). O requerimento da reunião é da autoria do presidente da comissão, deputado Arlen Santiago (PTB). Segundo ele, a solicitação partiu inicialmente do vereador de Belo Horizonte Pablito, que já promoveu reunião na Câmara Municipal para tratar do tema.
Ederson Alves da Silva, vice-presidente do Conselho Estadual de Saúde (CES), entregou à comissão um relatório com inúmeras reclamações de usuários do SUS em Belo Horizonte, provenientes das várias regiões do Estado. Ele acrescentou que muitos veículos que transportam pacientes do Vale do Jequitinhonha e do Norte de Minas são inadequados, sem ar condicionado, tornando as viagens um verdadeiro suplício.
O conselho recebeu ainda reclamações de valores insuficientes de ajuda de custo. “Temos que garantir o atendimento adequado aos pacientes em Belo Horizonte, já que eles só vêm para a Capital porque não são atendidos em suas cidades”, concluiu.
Lourdes Machado, conselheira do CES, acrescentou que os horários para marcação de exames é bem reduzido, de 11h30 às 14h30. Também mencionou que os pacientes, depois de ficarem por horas nos veículos, ainda enfrentam sofrimento para aguardar consultas, marcadas em horários inadequados, como 6 horas da manhã ou no fim da tarde.
Também Renato Barros, diretor do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind Saúde), criticou o acolhimento dos pacientes na Capital: “Qual a política do Estado para atender a esses pacientes? Eles não podem ser transportados como animais”.
Renato defendeu a melhoria do transporte e a definição clara de um projeto de regionalização da saúde, para que serviços de média e alta complexidade sejam efetivados em cada região do Estado. Na sua avaliação, se persistir o modelo atual, Belo Horizonte continuará sobrecarregada e a regionalização não será implementada efetivamente.
O vereador Pablito acrescentou que muitas prefeituras enviam veículos à Capital sem profissionais qualificados para orientar os pacientes. Por isso, pessoas se deslocam por grandes distâncias e, às vezes, voltam às suas cidades sem atendimento. Ele defendeu que os Governos do Estado e de Belo Horizonte criem um órgão ou outra instância para dar apoio às pessoas que vem do interior. “Precisamos oferecer um melhor atendimento aos cidadãos que chegam aqui, amenizando o sofrimento deles”, sugeriu.
Gestores de saúde defendem atendimento
Rejane Valgas Oliveira, presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde (Cosems) - regional Sete Lagoas, disse que nos municípios sob sua jurisdição, o problema de qualificação de pessoal do transporte é menos comum. Também secretária de Saúde de Curvelo (Região Central do Estado), ela acrescentou que sempre nos veículos, vem, junto ao motorista, um agente de saúde, justamente para orientar os pacientes.
Por outro lado, ela reconheceu que, no caso de municípios mais distantes, é mais complicado. “Quem vem de mais longe é porque tem algum problema de saúde, uns mais graves, outros menos”. Rejane lembrou um outro problema vivenciado pelo interior que é a dificuldade de acesso. “Há muitas pessoas precisando de tratamentos, vagas em leitos, exames ou consultas. E é muito difícil marcar”, afirmou.
Zeila de Fátima Abrão, gerente do Centro de Marcação de Consultas do SUS, destacou que, apesar de algumas dificuldades, atualmente, o gestor do interior consegue marcar previamente o procedimento para cada paciente. “Cada pessoa já vem agendada, tanto para consulta, exame ou atendimento de urgência, tudo feito de forma organizada”, elogiou.
A gestora ressalvou que muitos dos problemas decorrem de pessoas que vem buscar o atendimento na Capital sem esse agendamento. “Muitos fazem isso porque sabem que o SUS na Capital tem um atendimento melhor. Depois de chegarem, esses pacientes se tornam nossa responsabilidade”, constatou. Zeila também reconheceu que, do ponto de vista da humanização, é realmente desumano um paciente viajar 10 horas ou mais para fazer quimioterapia ou hemodiálise em Belo Horizonte, procedimentos que deveriam ser realizados em seus locais de origem .
Maria Nunes Álvares, médica do Centro de Especialidades Médicas (CEM), informou que a unidade realiza 22 mil consultas por mês, sendo 7 mil de pessoas do interior. Ela rebateu as críticas quanto ao mau atendimento: “Nós somos considerados um centro de excelência no SUS”, ponderou, lembrando que o CEM atende a cinco vezes mais pessoas que quando começou e recebendo a mesma verba.
Regionalização efetiva minimizaria problema
Maria Elizete Ferreira Lisboa, coordenadora do CEM, explicou que o Estado foi dividido em 13 macrorregiões e um dos pressupostos é que a sede de cada uma absorvesse as demandas regionais. Na avaliação dela, muitas das macrorregiões ainda estão dependentes de Belo Horizonte, quando deveriam atender, no mínimo, atender até a média complexidade. “Não é isso que vemos. Um exemplo é a oftalmologia: pessoas estão ficando cegas porque não têm atendimento básico em seus municípios”, lamentou.
Também Rejane Valgas, do Cosems regional Sete Lagoas, reclamou que muito da demanda de sua região provem da falta de serviços de média e alta complexidade naqueles municípios. “Fizemos uma UTI neonatal , temos serviço de hemodiálise na minha região e tudo está fechado porque não temos recursos para mantê-los funcionando”, diagnosticou. Para ela, o problema passa também pelo financiamento, pois se a região conseguisse bancar suas estruturas de saúde, o atendimento na Capital seria desafogado.
Com entendimento semelhante, o deputado Ricardo Faria (PCdoB) reconheceu que há grande concentração de serviços de saúde em Belo Horizonte e que é preciso descentralizar, empoderando as macrorregiões e os consórcios de saúde. “Esperamos que, com a construção dos hospitais regionais e dos centros de especialidades médicas em cada região, possamos melhorar isso”, defendeu.
O deputado Glaycon Franco (PTN) concordou que não há como resolver os problemas decorrentes da centralização dos serviços de saúde na Capital sem trilhar o caminho da regionalização. Ele destacou que na sua região de atuação, o Alto Paraopeba, praticamente não funcionam serviços de alta complexidade, o que traz inevitavelmente os pacientes para Belo Horizonte. “Temos que rever o papel das macrorregiões e dos hospitais regionais” postulou.
Participantes pedem mais recursos para setor
Gabriel de Almeida Silva Jr., vice-presidente da Associação Médica de Minas Gerais (AMMG), considerou o subfinanciamento da saúde como o principal gargalo do setor. “Sem elevar a participação federal nas verbas para a saúde fica difícil mudar esse quadro”, advertiu, recordando do movimento Assine + Saúde, idealizado pela ALMG.
Flávia Rodrigues, do CEM, disse que a questão financeira atrapalha muito o atendimento. “Um exame complexo, como um estudo urodinâmico, por exemplo, que tem um custo de 112,00, o SUS remunera esse procedimento em R$ 7,00. Com isso, ficamos com um déficit muito grande”, relatou.
Também o deputado Arlen Santiago avalia que a questão financeira da saúde tem que ser revista urgentemente. Durante a reunião, ele citou diversos exemplos de procedimentos médicos que são remunerados pelo SUS muito abaixo dos valores praticados pelo mercado. Para ilustrar a questão, ele relatou que o Ministério da Saúde suspendeu o pagamento das cirurgias eletivas (que não são de urgência), o que deixou o Governo de Minas com uma dívida de R$ 143 milhões a ser paga aos hospitais. Desse valor, o ministério teria pago R$ 40 milhões deixando o restante para o Estado.
Da mesma forma, o deputado Geraldo Pimenta (PCdoB) afirmou que é importante mobilizar a sociedade para a defesa de mais recursos para o financiamento do SUS. “Sem isso, não vamos resolver o problema. O gasto por ano com saúde tem aumentado, mas ainda é insuficiente”, declarou. O parlamentar defendeu ainda a volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), desde que os recursos arrecadados fossem “carimbados” para o SUS e divididos entre estados e municípios. E propôs também a tributação das grandes fortunas.
Já o deputado Jean Freire (PT), apesar de reconhecer que o subfinanciamento da saúde é real, advogou que o problema do setor não se resume a questão financeira. Para ele, a solução virá também da melhoria da gestão. “Porque o transporte de alguns municípios que vem para cá funciona e de outros não? Temos aí um problema de gestão”, constatou. Por isso, ele defendeu a replicação do modelo que consórcios de saúde que funcionam bem. “Quando os consórcios funcionam bem isso desafoga a Capital. Por isso, se o governo investir mais no interior, vai melhorar também em Belo Horizonte”, explicou.
Mitos - Por sua vez, o deputado Antônio Jorge (PPS) procurou desfazer alguns mitos com relação aos problemas da saúde. Um deles se refere à chamada “ambulanciaterapia”, que seriam as prefeituras encaminhando pacientes para a Capital em vez de dar o atendimento nos seus municípios. “Em muitos casos, os pacientes têm que vir mesmo para Belo Horizonte, devido a complexidade do atendimento. Temos que lembrar também que a macrorregião da Capital tem quase 7 milhões de habitantes, o que eleva a quantidade de atendimentos”, analisou.
Outro fator apontado pelo deputado que faz com que Belo Horizonte receba mais pacientes é que, por ser capital, recebe vantagens que outras cidades não têm: rede Fhemig, hospital João 23 (financiado com recursos estaduais). Ainda assim, ele afirma que as unidades da Capital atendem majoritariamente a população local. E que, apesar das deficiências no interior, as taxas de resolubilidade (de atendimento adequado) vêm aumentando nas várias regiões do Estado.
Em relação aos problemas na vinda de pacientes do interior para a Capital, Antônio Jorge disse que o transporte de saúde em Minas Gerais é considerado um “case” internacional. E que os desvios ou dificuldades apresentadas devem ser tratadas caso a caso. Por fim, Antônio Jorge considerou que a mãe de todos os males na saúde é mesmo o subfinanciamento.
Ainda na reunião, foram aprovados diversos requerimentos referentes a outros assuntos tratados pela comissão.