Crédito e extensão rural: desafios da agricultura familiar
Painéis simultâneos do ciclo de debates também apresentam experiências positivas para pequenos produtores rurais.
21/08/2014 - 20:09Na tarde desta quinta-feira (21/8/14), os participantes do Ciclo de Debates Agricultura Familiar: Mãos que Alimentam e Cuidam do Planeta se dividiram em sete painéis temáticos realizados simultaneamente em vários espaços da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Foram abordados diversos desafios que os pequenos produtores rurais precisam enfrentar, como o acesso à assistência técnica e ao financiamento da safra. Também foram apresentadas alternativas para viabilizar melhorias na produção agrícola familiar, como as cooperativas e os consórcios intermunicipais.
Em alguns grupos, foram apresentadas propostas para melhorar a qualidade de vida dos agricultores familiares. O deputado Rogério Correia (PT), que coordenou o painel 1, realizado no Plenário, informou que essas sugestões serão encaminhadas à Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial e deverão contribuir para a elaboração do Plano Anual de Agricultura Familiar do Estado.
Novo programa combina crédito rural com assistência técnica
Uma nova linha de crédito rural, o Pronaf Produtivo Orientado, que combina concessão de crédito para os trabalhadores do campo com assistência técnica, foi um dos destaques do painel 1, que abordou "O financiamento da agricultura familiar". Anunciado pelo Governo Federal no início deste mês, o novo programa estará disponível entre setembro e outubro e destina-se a agricultores do semiárido, o que deve beneficiar o Norte de Minas.
A nova linha de crédito foi defendida pelo representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário, João Guadagnin. Ele instruiu os pequenos agricultores sobre como obter esse e outros tipos de financiamento nos agentes financeiros responsáveis pela liberação dos recursos: o Banco do Brasil e o Banco do Nordeste.
Marco Antônio Leite, diretor do programa federal Mais Alimentos, informou que em todo o Brasil 5.061 municípios estão sendo beneficiados com a concessão de equipamentos agrícolas, sendo 792 em Minas Gerais. Ele defendeu que a própria comunidade precisa fiscalizar a correta utilização desses equipamentos, para evitar desvios e distorções.
Carlos Geovane Rodrigues Queiroz, do Banco do Brasil, e Ananias Pereira de Souza, do Banco do Nordeste, esclareceram dúvidas sobre a liberação de recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Segundo Queiroz, Minas Gerais é o segundo colocado em investimentos do Pronaf, atrás do Rio Grande do Sul, e já conta com recursos da ordem de R$ 2,3 bilhões, distribuídos em 128 mil contratos.
Escoamento da produção é desafio a ser superado
No painel 2, o tema discutido foi "Escoamento e comercialização dos produtos da agricultura familiar". O consultor da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (Fao-ONU), Altivo Cunha, apresentou uma pesquisa sobre a comercialização de produtos da agricultura familiar no mercado livre, espaço nas centrais de abastecimento reservado para a venda direta pelos produtores rurais.
Entre os desafios detectados nesse levantamento, estão a vulnerabilidade dos municípios dependentes da monocultura e o risco do uso inadequado de agrotóxicos nos municípios com produção agrícola diversificada. O consultor citou ainda a falta de acesso à informação sobre preços em outros mercados por produtores locais; a falta de orientação técnica; a dificuldade de acesso ao crédito para investimentos; o ultrapassado modo de acompanhamento da produção; e a defasagem na educação rural (somente 2,6% dos produtores rurais têm ensino superior completo, segundo essa pesquisa).
O superintendente de Abastecimento Alimentar e Comercialização da Subsecretaria de Estado de Agricultura Familiar e Regularização Fundiária, Lucas Scarascia, apresentou outros obstáculos a serem superados pelos pequenos produtores rurais, como a necessidade de diversificação dos canais de comercialização e os desafios logísticos, tributários e de regulamentação sanitária.
Cooperativismo pode fortalecer a agricultura familiar
O cooperativismo como forma de organizar os agricultores familiares e a autonomia dos conselhos municipais pautaram as discussões do terceiro painel - “Agricultura familiar: organização e representação”. O presidente da União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária, Aparecido Alves de Souza, falou sobre a visão solidária das cooperativas em contraponto a monoculturas como soja e cana-de-açúcar.
De acordo o expositor, o cooperativismo precisa avançar no âmbito da agricultura familiar. “Temos apenas 49 cooperativas. Ao todo são mais de 8 mil cooperados, mas é necessário expandir nossa representação em Minas para que sejamos capazes, de fato, de mobilizar o poder público”, salientou Souza.
Já Marcelo Fragoso dos Santos, representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário, falou sobre as ações do Governo Federal voltadas para o fortalecimento da gestão social da agricultura familiar.
Extensão rural beneficia agricultores familiares
O painel 4 tratou da importância da "Assistência técnica, extensão rural e pesquisa". “Quando o agricultor familiar recebe assistência técnica frequente, tem um retorno quatro vezes a mais do que foi investido”, disse o gerente da Unidade de Planejamento Estratégico da Emater-MG, Carlos Eduardo Bovo. De acordo com ele, o combate à pobreza passa necessariamente pelo atendimento da população rural. “E a extensão rural age nesse processo, com produção sustentável e crescimento econômico”, completou.
Coordenador-geral de Fomento da Assistência Técnica de Extensão Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Everton Ferreira Costa apresentou o trabalho da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater) e a política nacional voltada para esse segmento. De acordo com ele, são atendidas por assistência técnica e extensão rural 892 mil famlias em todo o País. Em Minas Gerais, 22 mil famíllias são atendidas por extensionistas.
Segundo a chefe da Divisão de Transferência Tecnológica da Epamig, Juliana Carvalho Simões, 79% dos estabelecimentos rurais no País são de agricultura familiar, e a empresa estatal de pesquisa agropecuária tem vários programas em áreas como floricultura, fruticultura e processamento de leite, por exemplo. No programa voltado para a cafeicultura, a instituição contribui com a geração de tecnologias e processos que os extensionistas da Emater difundem para estimular os agricultores a adotarem boas práticas de produção, por meio do programa estadual Certifica Minas Café. Em Minas, a agricultura familiar é responsável por 32% da produção de café, como ela informou.
Consórcios são alternativa para redução de custos
O quinto painel teve como tema “Consórcios intermunicipais multifinalitários e secretarias municipais de agricultura”. Representante da Associação Mineira de Municípios (AMM), Leandro Rico fez uma breve apresentação sobre a organização e os benefícios de consórcios criados para gerir as demandas compartilhadas de uma mesma região. Ele destacou a escassez de recursos nos municípios e a necessidade, inversamente proporcional, de investimentos para arcar com serviços básicos para a população.
Para o consultor, os consórcios intermunicipais são uma solução para o rateio de despesas entre as prefeituras participantes. Como exemplo, ele explicou a situação de agricultores familiares que vendem produtos de origem animal e que, sem profissionais, infraestutura e orientações de boas práticas sanitárias fornecidos pelo consórcio, não conseguiriam cumprir as condições para receber certificados dos serviços de inspeção.
A segurança no campo foi outro assunto discutido no painel. O assessor de Doutrina Organizacional da Polícia Militar, major Eugênio Valadares, explicou como funcionam as patrulhas rurais. De acordo com o major, o serviço atende 183 municípios mineiros. Ele informou que até o final do ano viaturas e novos policiais serão incorporados às patrulhas rurais, além de um drone – veículo áreo não tripulado – que deve ser adquirido em breve. O major ainda ressaltou a potencialização dos serviços da patrulha rural que os consórcios intermunicipais propiciam, pela atuação em conjunto entre a polícia e as prefeituras.
Preocupação com a gestão das águas
O sexto painel tratou da “Gestão ambiental na agricultura familiar”. O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano, destacou que o uso da água deve ser planejado. “É fundamental que os agricultores familiares façam parte dos comitês de bacias. Queremos fortalecer os comitês, e os agricultores precisam estar inseridos nesse processo”, afirmou.
Polignano frisou também que as ações humanas estão modificando os ciclos hídricos. “As terras à margens do Rio São Francisco estão em processo de desertificação", exemplificou. Ele explicou que a Copasa tem pluviômetros para medir o nível de chuva na bacia do Rio das Velhas. Segundo ele, nos últimos 20 anos os níveis vêm mostrando tendência à redução, uma consequência do aquecimento global. “Os sistemas de barraginhas e de captação de águas da chuva são os que têm funcionado melhor”, finalizou.
A coordenadora executiva da Articulação do Semiárido Brasileiro, Leninha Alves de Souza, disse que as chuvas no semiárido são mal distribuídas e chegam a provocar enchentes com as quais muitos agricultores não sabem como lidar. “A seca sempre existiu e sempre existirá. Ela não deve ser combatida, se aprende a conviver com ela", defendeu. Ela informou que, a partir de 2010, foram tomadas ações como a construção de cisternas, por meio do programa estadual Água para Todos. “Temos a meta de construir um milhão de cisternas em Minas Gerais e já conseguimos mais de 540 mil. Para muitas famílias, a única fonte de água é a chuva”, disse.
Opressão das mulheres do campo
As dificuldades de mulheres e jovens no campo dominaram as discussões no painel 7, sobre "Gênero, aspectos geracionais, sucessão rural, educação do campo e no campo".
Sandra Maria da Silva, consultora de Políticas para Mulheres Rurais e Quilombolas do Ministério de Desenvolvimento Agrário, destacou que a divisão sexual do trabalho doméstico é a base social da opressão e estrutura a desigualdade de gênero. “A sociedade capitalista valoriza somente o trabalho dos homens, considerado produtivo, em detrimento do trabalho reprodutivo e doméstico da mulher”, afirmou.
Mas ela avaliou que essa realidade não é imutável. “Nós podemos ser responsáveis pela desconstrução desse cenário”, disse. Para a socióloga, a opção a esse modelo é a economia feminista e solidária, dando protagonismo à mulher, para que tenha autonomia econômica. “As mulheres têm que poder dizer o que vão fazer com o fruto do próprio trabalho”, defendeu.
A secretária de Planejamento e Projetos de Tombos, Margarida Pinheiro, apresentou experiências desenvolvidas nesse município da Zona da Mata. Segundo ela, mesmo com as dificuldades, os projetos geram bons resultados. Ela exemplificou com o programa de documentação da mulher rural. “Ficamos surpresas com o grande número de documentos emitidos, o que fez com que a mulher rural valorizasse sua profissão de agricultora familiar”, comemorou.