Cerca de 70% da população do município de Resende Costa está envolvida com o artesanato; são cerca de 100 lojas que vendem produtos artesanais na cidade
Para o empresário Alessandro Resende, a necessidade da padronização pode impactar toda a cadeia de produção
Wander Borges vai apresentar requerimento para que os questionamentos sejam encaminhados ao Ipem-MG e ao Inmetro

Tradição de Resende Costa, artesanato sofre ameaça

Em audiência da Comissão do Trabalho, artesãos relatam dificuldade em cumprir norma do Inmetro, sob pena de multa.

03/07/2014 - 12:54 - Atualizado em 03/07/2014 - 16:59

A exigência do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) de que peças artesanais tenham etiquetas contendo os tamanhos especificados, com a possibilidade de margem de erro de 2%, foi a preocupação que motivou audiência pública da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Ação Social da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em Resende Costa (Região Central do Estado). A reunião, realizada nesta quinta-feira (3/7/14), foi requerida pelo deputado Wander Borges (PSB).

Além de ser uma tradição, a produção de peças artesanais de tear é a principal atividade econômica local. Cerca de 70% da população está envolvida com o artesanato têxtil, e o município conta com cerca de 100 lojas que vendem produtos artesanais como tapetes, almofadas, colchas, cortinas e redes.

Aproximadamente 70 toneladas/mês de resíduos têxteis são reaproveitadas pela atividade, segundo a Associação das Empresas e do Turismo de Resende Costa. Como esses produtos são feitos com resíduos diversos, os tamanhos saem diferentes, o que tornaria necessário que fossem feitas etiquetas variadas para atender a exigência do Inmetro, dificultando assim o trabalho dos artesãos.

A padronização do tamanho nas etiquetas dos produtos também tem preocupado outros profissionais do setor. É o caso do empresário de bobinas e acessórios para tecelagem Alessandro Silva Resende. Ele explica que atende 400 clientes e emprega 12 pessoas em sua empresa. Para fazer as bobinas utilizadas pelos artesãos na tecelagem, há um processo dividido em várias etapas para que o produto tenha, posteriormente, o tamanho e as cores solicitadas pelos clientes. A necessidade de padronização pode impactar toda a cadeia de produção. “A porcentagem de erro que pode haver na especificação desses tamanhos é pequena. Antes, trabalhávamos com os tamanhos P, M ou G nas etiquetas, uma forma bem melhor”, diz.

Alessandro e sua esposa Maria Estela da Silva Resende também têm uma loja que vende produtos artesanais. Lá, eles precisam etiquetar essa produção. Diante da diferença dos tamanhos entre os produtos, como tapetes, e da necessidade de ter etiquetas variadas, eles instalaram um programa para fazer essas etiquetas. Ela conta que mediu diversos tapetes e fez uma média para inserir o tamanho nas etiquetas, mas viu que mesmo assim há diferença nos tamanhos. “Daqui a pouco, teremos que fazer uma etiqueta diferente para cada produto, o que dificultaria nosso trabalho”, afirma.

Multa - O empresário e membro da Comissão de Etiquetação, Edmar Assis, também tem uma loja que vende esses produtos. Ele relata que todas as suas peças estão etiquetadas, mas que ainda fica temeroso porque não sabe se estão em conformidade com as exigências do Inmetro. Ele conta que, no ano passado, foi multado porque não sabia que tinha que colocar uma etiqueta dentro do produto e outra fora da embalagem. Um produto da sua loja revendido em Santa Catarina não estava nessas condições, o que gerou uma multa de R$ 900.

Participantes de audiência esclarecem dúvidas

Durante a audiência pública, os participantes reivindicaram a revisão das exigências do Inmetro e esclareceram suas dúvidas com representantes do Instituto de Metrologia e Qualidade do Estado de Minas Gerais (Ipem-MG).

O integrante da Comissão de Etiquetação de Resende Costa, Edmar Assis, questionou se os artesãos poderiam inserir nas etiquetas dos produtos os tamanhos P, M e G, como era no passado. Respondendo a essa questão, o gerente de fiscalização do Ipem, Raimundo Mendes Costa, disse que o artesanato não está isento da regulamentação vigente. “É fundamental que todos os itens sejam especificados. Em relação ao tamanho, os produtos de cama, mesa e banho precisam ter largura e comprimento especificados em suas etiquetas”, contou.

Apesar disso, o gerente disse que, no caso do artesanato, considerando as dificuldades, não sabe se pode ser usada a classificação P, M e G para tapetes e outros itens e sugeriu que o questionamento seja feito ao Inmetro.

Também foi questionado na reunião se os artesãos poderiam colocar na etiqueta dos produtos um padrão menor do tamanho real da peça. Por exemplo, o artesão colocaria 75 cm de largura numa peça de 78 cm. Para o gerente do Ipem, essa pode ser uma saída, porque o instituto entende que a peça menor do que o especificado na etiqueta é o que lesa o consumidor. Essa alternativa será avaliada.

O presidente da Associação das Empresas e do Turismo de Resende Costa, Valnei Diego de Sousa, questionou se a criação de um selo poderia substituir essas etiquetas. A diretora de qualidade do Ipem, Adriane Lacerda Barbato, falou que não pode ser criado um instrumento que se sobreponha à lei e que é preciso que ele seja mais bem analisado.

Providências - O deputado Wander Borges lembrou que um primeiro passo já foi dado em reunião sobre o assunto realizada em novembro passado e que é preciso caminhar para uma solução definitiva. O parlamentar destacou que o artesanato, cada vez mais, será alvo de fiscalização. “Tudo isso precisa ficar bem definido”, disse. Ele disse que apresentará um requerimento para que todos os questionamentos feitos sejam encaminhados ao Ipem e ao Inmetro.

Tradição que passa de pai para filho

Maria do Perpétuo Pinto, mais conhecida como Dona Lelita, tem 74 anos. Há 61 anos trabalha com tear em Resende Costa, fazendo tapetes, passadeiras e colchas. A artesã conta que aprendeu o ofício com uma tia, mas que o conhecimento vem da sua avó. “Isso vem de família, dos antigos”, destaca. Para não fugir da tradição, ela ensinou a atividade para seus oito filhos. Hoje alguns netos também sabem como tecer. “Gosto muito de trabalhar com o tear. Fazer o que se gosta não tem melhor”, afirma.

A história de Marcileia de Lourdes Maia Pinto com o tear também vem de família. “Aprendi com minha mãe, mas esse trabalho já vem dos meus avós. Isso passa de geração em geração”, diz. Além de também produzir tapetes e colchas, ela também proporciona o trabalho a pessoas da zona rural. Léia, como é chamada, já morou na fazenda, lá tecia e fez amigos que nutriam o mesmo gosto. Apesar de ter mudado para a cidade, entende as dificuldades de quem vive na “roça”.

Dona Lelita relata que, apesar de fazer uma medição, os tamanhos dos produtos não saem idênticos, porque cada tecido rende de uma forma. De acordo com Léia, uma bobina de linha faz cerca de 700 tapetes e esses produtos poderiam estar empilhados em 20 filas de diferentes tamanhos. Assim, etiquetar cada um desses tapetes de modo diverso pode virar um transtorno. Léia relata, também, que o quilo do resíduo têxtil sai a R$ 3,50. “No saco vem todo tipo de resíduo. Se não aproveitarmos tudo, não temos lucro. E essa diferença dos resíduos é que altera o tamanho do tapete, dificultando um padrão”, ressalta.

Consulte o resultado da reunião.