Último painel do evento teve como tema:
Eliane Araújo, da Sedese, traçou um perfil dos turistas que irão visitar o Páis durante a Copa

Campanha Coração Azul dá exemplo contra o tráfico de pessoas

Parceria entre poder público e iniciativa privada é fundamental para o combate a esse tipo de crime.

08/05/2014 - 20:18 - Atualizado em 09/05/2014 - 15:22

A ditadura militar desmobilizou a sociedade brasileira e dificultou o combate a crimes como o tráfico de pessoas. A avaliação é da presidente do comitê Coração Azul no Rio de Janeiro, Marília Carvalho Guimarães, que participou na tarde desta quinta-feira (9/5/14) do painel "Rede de enfrentamento do tráfico de pessoas: articulação interinstitucional e mobilização da sociedade". O painel faz parte da programação do Ciclo de Debates Enfrentamento do Tráfico de Pessoas, que a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realiza no Plenário desde a manhã desta quinta-feira (9).

Por outro lado, Marília Guimarães mostrou-se otimista ao afirmar que “o povo brasileiro aprendeu a calar naquela época e agora está aprendendo a falar de novo”. Segundo ela, o poder público tem trabalhado incessantemente contra o tráfico de pessoas e tem contado com a parceria da iniciativa privada. Ela citou como exemplo a inserção na novela da Rede Globo “Salve Jorge” de conteúdos sobre o tráfico de pessoas, o que ajudou na conscientização sobre o problema. Ela acredita que estamos num segundo estágio, de união do Estado com a sociedade civil - e aí entra a Campanha Coração Azul.

São 11 comitês Coração Azul no Brasil, nas cidades onde haverá jogos da Copa do Mundo. “Esperamos que no Mundial o grito não seja só contra o racismo, mas também contra o tráfico de pessoas”, defendeu. E aproveitou para divulgar os números de telefone 100 e 180, em que os cidadãos podem fazer denúncias anônimas quanto ao tráfico de pessoas. “São números seguros. Por isso, não tenham medo de denunciar”, concluiu.

Representante do Comitê Interinstitucional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas de Minas Gerais, a delegada da Polícia Civil Cristina Coeli Cicarelli também tratou da articulação da rede de enfrentamento. Ela lembrou que, há pouco tempo, cada órgão era como uma ilha isolada tentando enfrentar o problema. A partir de 2013, com a criação do comitê Coração Azul, foi possível debater soluções conjuntas. Mas ela ressalvou que cada instituição tem um olhar diferenciado sobre o tema e hão há um alinhamento conceitual. O comitê reúne as Polícias Militar, Civil e Federal, ALMG, Ministério Público, Governo do Estado e Poder Judiciário, entre outros órgãos.

Na opinião de Cristina Coeli, uma das principais pautas do comitê tem sido a facilidade para se fazer o registro tardio de nascimento de uma criança e depois levá-la para outro país. Ela citou o caso recente de tentativa de tráfico de criança em Contagem (RMBH). “Em três dias a criança foi registrada em nome dos sequestradores, mas felizmente conseguimos descobrir o crime a tempo”, comemorou.

Eventos paralelos à Copa são mais perigosos para menores

Um perfil do turista da Copa – estrangeiro ou brasileiro – foi apresentado por Eliane Quaresma Araújo, coordenadora da Política Pró-Criança e Adolescente da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese). De acordo com ela, que representa o Comitê Local de Proteção Integral à Criança e ao Adolescente, 60% dos turistas são homens e 45% são solteiros. A renda familiar média desses turistas é de R$ 23 mil.

O comitê de proteção tem a coordenação da Sedese e da Secretaria Municipal de Políticas Sociais de Belo Horizonte. O objetivo, segundo Eliane Araújo, é permitir que crianças e adolescentes participem da Copa de forma protegida, sem serem vítimas de qualquer violação de direitos. Além da Copa, haverá eventos paralelos, como a Fun Fest no Parque da Gameleira, com 20 dias de shows e previsão de 20 mil pessoas por dia. Para Eliane Araújo, é nesses eventos paralelos que as crianças e adolescentes ficam mais vulneráveis à ação de bandidos.

Por isso, o comitê vai atuar no espaço temporário de convivência próximo à Fun Fest na Gameleira, para o qual serão encaminhados crianças e adolescentes em situação de risco. Haverá também um plantão integrado na sede do Juizado de Menores – com membros do conselho tutelar, Defensoria Pública e Sedese, entre outros. Atuarão ainda equipes volantes, que ficarão nas ruas e nos eventos.

Exploração de crianças - Por fim, a coordenadora da Associação das Prostitutas de Minas Gerais, Maria Aparecida Vieira, disse que as categoria vem denunciando a exploração de crianças e adolescentes. “Se você vai à Avenida Afonso Pena, em Belo Horizonte, não vê menores trabalhando na prostituição”, relatou ela, que também é membro titular no Conselho Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. No entanto, ela reclamou que a classe não recebe bom tratamento de alguns órgãos públicos. “Na Delegacia de Mulheres não entra prostituta violentada. Uma mulher violentada no trabalho tem que ser ouvida pela delegacia”, afirmou.

Imigrantes são vítimas de trabalho escravo no Brasil

Pascal Roger Peuzè, do Centro Zanmi, que apoia imigrantes estrangeiros no Brasil, contou que recebe denúncias de trabalho escravo principalmente de haitianos. Segundo ele, é comum a ilusão transmitida pelos coiotes (pessoas que cobram para conseguir atravessar imigrantes na fronteira) de que o Brasil é um “Eldorado cheio de oportunidades”.

Ele citou o caso de um haitiano que trabalhou num frigorífico. Segundo ele, o estrangeiro teve a promessa de que ganharia bem no Brasil, mas, quando foi receber, o chefe descontou a comida e a hospedagem, pagando-lhe apenas R$ 119,00. São comuns, segundo Pascal Peuzè, denúncias de jornadas de trabalho de 14 horas por dia, não pagamento de horas-extras e de trabalhadores doentes obrigados a trabalhar. “Incentivamos as pessoas a denunciarem, mas o medo é muito forte”, declarou.

Coração Azul quer ampliar campanha de conscientização

Na fase dos debates, o presidente do comitê Coração Azul em Minas Gerais, Betinho Duarte, apresentou três propostas. Ele sugeriu que a ALMG envie a autoridades nacionais e internacionais, entre elas o Papa Francisco e a presidente Dilma Rousseff, a ONU, a Fifa e a CBF, um pedido para que, a exemplo da campanha contra o racismo, a Copa do Mundo encampe a campanha contra o tráfico de pessoas. Seriam também divulgados os números para denúncias: 100, 180 e 0800-0311119.

Outra proposta é de que a ALMG se empenhe para que os municípios mineiros criem seus comitês Coração Azul. A última sugestão é de que a Casa participe em 30 de julho do Dia Internacional contra o Tráfico de Pessoas, instituído pela ONU.

No encerramento, a deputada Luzia Ferreira (PPS), que coordenava os debates, comprometeu-se a encaminhar as propostas em forma de requerimento para serem apreciados e votados na ALMG.