Participantes defendem o marco para assegurar a liberdade de expressão, a democratização do acesso à informação e a privacidade dos usuários
Carlos Souza ressaltou que o marco civil é fruto de um amplo debate foi realizado na internet há cinco anos

Marco Civil da Internet é defendido por especialistas

Entretanto, palestrantes de ciclo de debates admitem que ainda existem pontos a serem melhorados.

11/04/2014 - 15:00 - Atualizado em 11/04/2014 - 18:00

O jornalista carioca Gustavo Gindre, especialista em regulação da atividade cinematográfica e audiovisual, resumiu o consenso estabelecido na manhã desta sexta-feira (11/4/14) no Ciclo de Debates Comunicação, Regulação e Democracia, realizado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). “Nossa atenção deve ser direcionada a um único objetivo: aprovar o Marco Civil da Internet no Senado”, afirmou.

O projeto, aprovado dia 25 de março pela Câmara dos Deputados, foi o tema abordado também por outros dois especialistas. Todos os participantes defenderam o marco para assegurar a liberdade de expressão, a democratização do acesso à informação e a privacidade dos usuários, mas também admitiram que alguns pontos ainda precisam ser equalizados. O debate foi coordenado pelo deputado Adelmo Carneiro Leão (PT).

Embora totalmente favorável ao projeto apresentado pelo Governo Federal, Gindre provocou a plateia a fazer algumas reflexões. Ele lembrou que alguns pontos abordados pelo marco terão que ser regulamentadas por decreto do Executivo, o que, em sua opinião, traz outra preocupação. “O decreto terá que descer a um nível de sutileza para garantir que os critérios técnicos de gestão da rede sejam contemplados sem permitir que outros pontos sejam imbutidos para manter o que desejamos evitar”, afirmou.

Gindre citou o exemplo da regra da neutralidade da internet. O novo Marco Civil determina que os provedores não poderão limitar o acesso do usuário a qualquer conteúdo disponível na rede. Na opinião do especialista, não existe uma rede totalmente neutra, pois em algum nível a operadora faz diferenciação de pacotes de serviços oferecidos. Ele concorda, por exemplo, que seja diferenciada a prioridade para serviços oferecidos pelos provedores aos usuários. E citou o exemplo de dois deles - download de vídeos e envio de e-mails -, defendendo que nesse caso pode haver priorização do primeiro serviço, já que ele ocupa mais espaço na rede. Isso, explicou Gindre, é diferente de o provedor diferenciar usuários por seu poder econômico, o que é vedado pelo Marco Civil.

O especialista também falou da privacidade na rede, o que, em sua opinião, será um desafio. “Provavelmente o Google sabe mais de nossa vida do que nós mesmos. Essa é uma questão que precisa ser mais bem equacionada”, disse. O especialista ressaltou, no entanto, que o marco aprovado pelos deputados federais é um grande avanço em relação à primeira proposta apresentada pelo ex-senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que segundo ele pretendia simplesmente criminalizar o uso da internet.

Neutralidade e privacidade são princípios da nova legislação

Para o fundador do projeto Software Livre Brasil, Marcelo D'Elia Branco, o Marco Civil da Internet passa a ser um direito fundamental do brasileiro, na medida em que tenta estabelecer um princípio próprio para o serviço que vai nortear inclusive decisões judiciais. A neutralidade, conforme o texto aprovado na Câmara dos Deputados, não permitirá que as operadoras coloquem filtros para interferir na qualidade dos conteúdos oferecidos a seus usuários. “Internet não é um serviço de telecomunicações, e sim uma rede de pacotes onde a informação está circulando por caminhos diversos. As telecomunicações é que passaram a ser um serviço de internet”, explicou. Por isso, as relações comerciais e de mercado, segundo ele, precisam ser repensadas e não podem impedir que o marco seja aplicado – como já ocorre em outros países.

Outro ponto polêmico abordado pelo Marco Civil é a garantia da privacidade ao usuário da internet. A norma proíbe que os provedores utilizem as informações do internauta sem sua autorização expressa. Marcelo Branco lembrou que a maioria dos usuários não lê as licenças que assinam com vários serviços. Ao assinar o contrato com o Windows, por exemplo, o internauta autoriza que todo o conteúdo de seu computador seja enviado para a Microsoft. O Instagram também tem a permissão de seus usuários para comercializar qualquer foto publicada no aplicativo. “Hoje os provedores armazenam nossos hábitos diários e vendem essas informações para clientes corporativos, sem que saibamos”, afirmou.

A proteção à intimidade esbarra em outro ponto, que é o da responsabilidade dos provedores por crimes cometidos por usuários. O Marco Civil determina que cabe apenas ao Poder Judiciário o direito de usar as informações confidenciais dos usuários, proibindo definitivamente a vigilância atualmente praticada pelas corporações que utilizam a internet. Dessa forma, o grampo é proibido, assim como a retirada de conteúdos de forma unilateral. Apenas conteúdos que ferem a dignidade humana, como imagens de pornografia e pedofilia, podem ser imediatamente retirados.

Marco Civil é fruto de amplo debate

O consultor do Comitê Gestor da Internet no Brasil, Carlos Affonso Pereira de Souza, ressaltou que o Marco Civil é fruto de um amplo debate foi realizado na própria internet há cinco anos. Foi elaborado a partir de sugestões apresentadas por diferentes segmentos num site específico para sua discussão.

Foram apresentadas mais de 2 mil sugestões enviadas por acadêmicos, organizações diferenciadas, governo e representantes da sociedade civil. Também foram consideradas experiências enviadas por embaixadores brasileiros que trabalham em outros países, como Suécia, Argentina, África do Sul, Japão, Israel, entre outros.

“Ele é apenas um passo num processo mais longo de construção colaborativa das normas da internet, mas é o melhor projeto de lei possível”, defendeu. Conforme afirmou, a proposta não atende todos os interesses de nenhum setor isolado, mas representa um acerto entre as forças de interesses.

Carlos Souza afirmou que é fundamental a aprovação da norma para evitar que no futuro a internet fique sujeita a acordos que podem rivalizar com modelos econômicos estabelecidos. “As leis têm que criar o ambiente para que as inovações prosperem, afinal, nenhum modelo de negócio tem direito garantido à sua sobrevivência”, disse.

“Pode parecer paradoxal, mas defendo que o marco seja, ao mesmo tempo, conservador e revolucionário: conservador para preservar a internet que temos hoje, aberta à inovação e a novos modelos de negócios e expressão cultural; e revolucionário ao permitir que essas inovações surjam por esta rede aberta”, afirmou Carlos Souza.

Debates enfocam direitos autorais e conteúdos impróprios na rede

Na fase de debates, várias pessoas formularam questões aos palestrantes. O jornalista Paulo Barcala questionou como fica a responsabilização do provedor de serviço diante de uma atitude criminosa por parte de um usuário. Ele citou o caso de vários comentários machistas e racistas criticando a campanha “Eu não mereço ser estuprada”, proposta por mulheres nas redes sociais.

O consultor Carlos Affonso Pereira de Souza respondeu que há legislação contra crimes de ódio e racismo, mesmo que sejam praticados na internet. Além disso, segundo ele, o texto do novo Marco Civil da Internet aponta no sentido de que a pessoa que gerou o conteúdo inadequado seja notificada para que retire o comentário. Se isso não for feito, aí sim, é acionado o provedor.

Para Marcelo Branco, do projeto Software Livre Brasil, a polícia deveria identificar as pessoas que pregam o ódio e o racismo na web, em vez de ficar procurando quem baixa músicas. Aliás, tratando de direitos autorais, respondendo a uma questão da jornalista Lidyane Ponciano, ele afirmou que nova legislação precisa ser discutida no Brasil. “Não é possível que se considere crime o compartilhamento sem fins comerciais”, destacou. Na sua avaliação, as licenças Creative Commons são as mais adequadas, “porque é o autor que vai dizer de que forma autoriza a veiculação de sua obra”.

O especialista Gustavo Gindre, falando sobre direitos autorais, afirmou que o cenário atual é de crise e oportunidade ao mesmo tempo. “O modelo atual é concentrador de receita nos intermediários – gravadoras, editoras etc. Novos modelos estão surgindo, mas não são necessariamente positivos. A web não resolve todos as questões; na verdade, são novos problemas”, postulou. Para ele, é preciso não só discutir novos modelos de negócio, mas dar um passo além. “Precisamos discutir cultura além da mercadoria. Como garantir que os produtores de cultura sobrevivam e os usuários tenham acesso aos conteúdos?”, indagou.

Segurança de dados - Os participantes Marco Eliel, Mônica Santos e Florence Posnansky mostraram-se preocupados com a segurança dos dados pessoais na internet e perguntaram como o assunto é tratado no novo Marco Civil.

Na avaliação de Carlos de Souza, o Marco Civil até agora não avançou muito com relação à guarda de dados. “Sua aprovação é o primeiro passo, e o desafio agora é regulamentar como a lei será aplicada”, concluiu. Também para Gustavo Gindre, o problema dos data centers, que armazenam dados da internet, é uma questão não resolvida. “Esse debate terá que ser feito na Organização das Nações Unidas. Temos que discutir soluções de governança da web em nível mundial. Os data centers sozinhos não vão resolver”, advertiu.