O evento foi realizado no Plenário nesta quinta-feira (10) e continua nesta sexta (11)
Segundo Wilson Gomes, oposição e situação estão juntas quando o assunto é criticar os meios de comunicação

Pesquisadores explicam projeto para regular mídia eletrônica

Palestrantes concordam que meios de comunicação precisam ser regulamentados para garantir pluralidade de ideias.

10/04/2014 - 18:59

O projeto de lei de iniciativa popular que regulamenta a comunicação social eletrônica no Brasil foi o tema central no painel da tarde do Ciclo de Debates Comunicação, Regulação e Democracia. O evento foi realizado no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quinta-feira (10/4/14) e continua nesta sexta (11).

Um dos formuladores do projeto popular, o professor titular da Escola de Comunicação da UFRJ, Marcos Dantas, destacou que a proposta se inspira no modelo europeu de radiodifusão, que permite a pluralidade de vozes nos meios de comunicação. Segundo ele, o Brasil já tem legislação que adota esse padrão, que é a Lei Federal 12.485, de 2011, a chamada “Lei da TV Paga”.

O pesquisador destacou que a Europa foi vanguarda nesse processo, promovendo uma regulamentação interessante neste novo ambiente em que há múltiplas vozes e em que é necessário garantir a diversidade de opiniões. Na prática, afirmou ele, isso é proporcionado com a regulação por camadas, que tem como princípio separar, na atuação das mídias eletrônicas (rádio e TV), a infraestrutura da atividade de produção de conteúdos. Esse principio, de acordo com Dantas, foi observado na Lei 12.485. “Acredita-se que a adoção desse critério abra espaço para a diversidade, a expressão da pluralidade cultural da sociedade. E o projeto de iniciativa popular também caminha nesse sentido”, observou.

Ele complementou que na Inglaterra, onde a legislação do setor segue essa premissa, a BBC, a partir da nova lei, tornou-se somente uma emissora de TV. Ela não detém mais as frequências de transmissão, que passaram para as mãos das operadoras de rede. “Comparando, é o mesmo que acontece nas estradas: o dono da frota de caminhões não é o concessionário das estradas, que cobra pedágio”, explicou.

Pluralidade - Já para o professor do Departamento de Ciência Política da UFMG, Juarez Rocha Guimarães, o principio geral do projeto de iniciativa popular é o fundamento de que para ser livre, a comunicação tem que ser organizada pelo direito público. Ele dividiu a proposição em três áreas fundamentais. Uma delas trata da propriedade dos meios de comunicação, que deveria ser tripartite: um terço público, um terço privado e um terço estatal. “Se os meios de comunicação continuarem sendo controlados de cima, qualquer proposta de democratização é limitada”, declarou.

Outra área do projeto explicitada pelo professor é a programação dos canais, que deve expressar a pluralidade da sociedade brasileira. Essa perspectiva aponta no sentido contrário do que a mídia brasileira atual vem veiculando, na avaliação de Guimarães. Para ele, a programação é neoliberal, americanista, fundamentalista (no plano religioso), branca (pois não é porosa à demandas de negros, índios e mulatos), machista e centrada na Região Sudeste.

O terceiro aspecto destacado por Juarez Guimarães diz respeito à necessidade da regulação democrática dos conteúdos da mídia. “Sou totalmente contrário à censura, mas favorável a mecanismos democráticos de controle - exatamente o oposto da censura praticada atualmente pela mídia no Brasil”, concluiu.

Professor defende debate sem polarização

O professor de Teoria da Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Wilson Gomes, fez um contraponto às falas anteriores. “Minha primeira preocupação é eliminar algumas armadilhas desse debate”, introduziu. Apesar de se dizer favorável ao projeto de iniciativa popular para regular os meios eletrônicos, Gomes fez alguns questionamentos. "Pode-se regular a TV pública, mas a atenção pública também? Não é possível. Não se pode obrigar o cidadão a largar a Rede Globo e ver a TV pública", afirmou.

Na avaliação dele, para os políticos, há dois tipos de televisão: aquela vista como serviço público e outra de entretenimento, privada. “Mas para o público, os tipos de TV são outros: a interessante e a chata”, disse. Ele lembrou de experiências de regulação de TVs pelo mundo que, a seu ver, não foram bem sucedidas. “Na Alemanha, a TV estatal é muito eficiente, estruturada, transmite sessões do Parlamento, e os alemães detestam assisti-la”, explicou.

Wilson Gomes afirmou ainda que esquerda e direita estão juntas quando o assunto é criticar os meios de comunicação. A esquerda, conforme Gomes, tem a premissa de querer proteger as pessoas de seus desejos. E os conservadores odeiam a TV por pregar comportamentos mais liberais. Para avançar na discussão sobre a melhor regulação da mídia, o pesquisador defende um debate sem polarização, com pluralismo e realismo. “Na minha opinião, há possibilidade de avançar se os patamares forem pluralidade, igualdade, direitos civis”, disse.

"Opinião imposta" - Renata Mielli, da Coordenação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, foi a última a falar. Ela concordou com os dois primeiros debatedores ao afirmar que o País não tem um sistema de comunicação que permita a expressão da diversidade política e da pluralidade cultural brasileiras. “Existe uma opinião imposta pelos grandes conglomerados”, disse.

Ela lembrou que a Constituição Federal tem um capítulo inteiro tratando da comunicação social, que não foi regulamentado até hoje. “A Constituição afirma que deve haver complementariedade entre sistemas público, privado e estatal, que deve haver espaço para a comunicação regional e respeito a crianças e adolescentes. Mas, em nenhum caso, diz como isso vai ser feito”, observou. Ela destacou que o projeto de iniciativa popular caminha no sentido de regulamentar esses pontos e que serão necessários 1,3 milhão de assinaturas.

Renata Mielli destacou números de pesquisa da Fundação Perseu Abramo que embasam essa necessidade de regulação do setor. “Na pesquisa realizada com mais de 20 mil pessoas, 71% são favoráveis a estabelecer regras para a programação da TV; 60% não sabem que os meios de comunicação são concessões públicas. Outros 54% avaliam que eles não mostram a diversidade da sociedade brasileira e mais de 50% não se veem representados na TV”, disse.

Um dos grandes objetivos do projeto, para ela, é a criação de um Conselho Nacional de Políticas de Comunicação. “Isso existe em várias áreas. Por que não para esse setor, em uma sociedade tão midiatizada como a nossa?”, questionou.

Deputado critica visão única do País

O deputado Rogério Correia (PT) registrou que este é o primeiro ano em que se comemora a Semana Estadual pela Liberdade de Expressão, pela Democratização dos Meios de Comunicação e pelo Direito à Informação Pública. A comemoração no dia 7 de abril foi estabelecida por meio de projeto de sua autoria.

Concordando com a opinião dos palestrantes, ele disse que não existe no Brasil uma democracia nos meios de comunicação, e sim um monopólio, que retrata uma visão única do País. "Temos na Assembleia o Bloco Minas sem Censura, e fica claro o papel que a mídia exerce favoravelmente a um projeto político aqui no Estado”, criticou. Ele acrescentou que a reforma desse setor está no bojo de uma série de outras que o País demanda, como as reformas agrária, política e fiscal.