Mudança na Emenda 29 depende de mobilização popular
Situação do SUS na União, nos Estados e Municípios é discutida em Ciclo de Debates na Assembleia.
13/04/2012 - 19:02Uma nova regulamentação da Emenda 29, com a definição de percentual mínimo de investimento em saúde pela União, não será alcançada pela via legislativa, no Congresso Nacional. Ela só será possível se os 150 milhões de brasileiros que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) foram mobilizados. O alerta foi dado pelo consultor em Saúde Pública Eugênio Vilaça Mendes, um dos palestrantes do Ciclo de Debates Mais Recursos para a Saúde – Assine + Saúde. Ele sugeriu que os 248 mil agentes comunitários de saúde, como os que integram o Programa Saúde da Família (PSF), sejam utilizados nessa mobilização, já que visitam mensalmente 100 milhões de brasileiros.
O ciclo de debates foi realizado nesta sexta-feira (13/4/12) no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais pela Comissão de Saúde. O evento marcou o início da coleta de assinaturas para um projeto de iniciativa popular visando alterar a regulamentação da Emenda 29, que destina recursos públicos para a saúde. O objetivo é fixar um percentual de investimento mínimo da União, como já foi feito para Estados e Municípios.
Ao abordar os aspectos positivos e negativos do SUS, Eugênio Vilaça enfatizou que o gasto brasileiro com saúde, que corresponde a 9% do Produto Interno Bruto (PIB), é adequado e próximo do gasto dos países ricos. Porém, o gasto público, que é de aproximadamente 70% do total nos países com sistema universal de saúde, fica em 45,7% no Brasil. “Em relação ao orçamento, o Brasil investe 6,1% em saúde, o que é indecentemente baixo. Nesse item perdemos até para Bolívia e Paraguai”, comparou, citando os últimos dados disponíveis da Organização Mundial de Saúde.
E o baixo gasto público, segundo o consultor, está no Governo federal, que vem reduzindo gradativamente sua participação nesse bolo. “Por isso esse movimento está correto. A Lei Complementar 141, de 2012 (que regulamentou a Emenda 29) foi um jogo de cena do Congresso”, afirmou. Vilaça mostrou ainda que o baixo investimento público em saúde gera iniquidade social: enquanto os 10% mais pobres destinam 6,7% dos gastos com saúde, os 10% mais ricos gastam 3%.
SUS é a maior política de inclusão social do Brasil
O consultor defendeu o modelo do SUS, embora, segundo ele, o sistema esteja deixando de ser universal. Para Vilaça, trata-se da maior política pública de inclusão social do Brasil e referência internacional em várias áreas, como imunização, controle de HIV, transplantes e PSF. “A partir da Constituição, 60 milhões de brasileiros passaram de indigentes a portadores de direitos sanitários”, pontuou. Ele também afirmou que o SUS tem falhas de gestão, mas que o maior entrave é o financiamento e que até para superar o problema de gestão, é necessário mais recurso.
Recursos – Pelos cálculos do consultor, se o Brasil continuar investindo 9% do PIB, mas ampliar para 70% o gasto público, haveria mais R$ 60 bilhões por ano para a saúde. Já a vinculação de 10% de investimento em saúde pela União, como pretende impor com a nova regulamentação da Emenda 29, traria R$ 32,5 bilhões para o setor. “Não é suficiente, mas geraria uma dinâmica virtuosa”, aponta Mendes. Para ele, pelo menos 30% desse montante tem que ser destinado à atenção básica.
A situação do financiamento da saúde em Minas Gerais foi apresentada pelo secretário de Estado de Saúde, Antônio Jorge Marques, que abordou a qualidade desses gastos e fez também uma comparação dos investimentos entre os entes federados. Segundo ele, o gasto público per capita em 2009 foi de US$ 431 no Brasil, oito vezes menos do que o gasto nos Estados Unidos no mesmo ano. Ele também enfatizou que a participação estadual e municipal tem aumentado enquanto os investimentos da União estão encolhendo. O crescimento da verba federal destinada ao SUS foi de 38% enquanto o investimento dos Estados cresceu 137% e dos municípios 147%.
Minas Gerais reivindica mais recursos
O secretário ressaltou também que Minas está em 18º lugar no recebimento de recursos per capita transferidos, fundo a fundo, pelo governo federal. Ele explicou que os critérios para a realização desses repasses nem sempre se atêm a aspectos técnicos. O médico também elogiou a iniciativa da Assembleia de renegociação da dívida com a União, visto que essa medida disponibilizaria recursos para outras finalidades, incluindo a melhora da saúde. Segundo Antônio Jorge, o Estado gastou R$ 3,3 bilhões apenas com o pagamento da dívida com a União em 2011.
Antônio Jorge finalizou enfatizando a necessidade urgente da ampliação dos recursos destinados à saúde, tendo em vista o aumento da expectativa de vida da população. “Precisamos construir mais hospitais regionais, fortalecer o programa Saúde em Casa e implantar mais redes de atenção. É necessário rever a política tributária, aumentar o financiamento e qualificar melhor os gastos”. Ele disse ainda que a discussão em torno do SUS vai além de partidos e de gestões governamentais, já que toda a nação brasileira tem interesse nesse assunto.
Municípios precisam dar atenção a outras áreas
O presidente do Colegiado de Secretários Municipais de Saúde (Cosems/MG) e secretário municipal de Saúde de São Lourenço, Mauro Guimarães Junqueira, falou sobre a gestão municipal da saúde e explicou que “o estabelecimento de 10% do orçamento da União para saúde é urgente, para que os prefeitos, que são tão cobrados pela população, possam dar atenção a outras áreas nos municípios”. Ele também enfatizou que o programa Saúde em Casa precisa ser reajustado. “Uma equipe do programa custa para o município R$ 30 mil. O governo federal dá só R$ 15 mil. Então podemos dizer que 50% do financiamento do programa é custo arcado pelos municípios”, afirmou.
Junqueira mostrou alguns dados nacionais a respeito do SUS, referentes a 2011, enfatizando que, apesar das limitações, o programa consegue atender muitas pessoas. Por fim, Mauro destacou avanços conquistados e desafios que o SUS precisa enfrentar. Segundo ele, dentre os avanços que merecem destaque, está o fato de que o SUS municipal agora tem uma agenda de prioridades, objetivos, metas e indicadores. Ele também citou a qualificação dos gestores públicos em saúde, com cursos e treinamentos.
Como principais desafios, ele citou a redução das desigualdades regionais e a integração das políticas de saúde dos municípios. Ele também explicou que é essencial a efetiva implantação das redes de atenção à saúde. “Os 14 milhões de habitantes do interior também merecem ter acesso a essa rede, ela deve ser para o País todo, não só para as regiões metropolitanas”, afirmou.
Deputados destacam relevância da discussão
A criação de um dia mineiro de mobilização por mais recursos para a saúde foi uma das sugestões apresentadas pelo deputado estadual Adelmo Carneiro Leão (PT), membro da Comissão de Saúde da Casa, que destacou a relevância das discussões que pautaram o evento. “Poder testemunhar e ser sujeito dessa história, que estamos construindo aqui, tem grande significado”, declarou o parlamentar, nas discussões que se seguiram após as palestras.
Coordenador da fase de palestras e autor do texto original da Emenda 29, apresentada no Congresso Nacional quando era deputado federal, o presidente da Comissão de Saúde, deputado Carlos Mosconi (PSDB), criticou a postura dos governantes brasileiros que, segundo ele, acostumaram-se a não investir em saúde. “Eles se esquecem que a própria Constituição Federal preconiza que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado”.
Presidente da Associação Médica Brasileira, Florentino Cardoso ressaltou que, apesar de o projeto de iniciativa popular ter nascido dentro da entidade, ele é de todo o povo brasileiro. Outros integrantes da mesa argumentaram que a Constituição Federal prevê que os investimentos em saúde são de responsabilidade conjunta de municípios, estados e União. “Devido à omissão da União, os municípios têm investido de 22 a 30% de seus orçamentos em saúde, quando a Constituição prevê o percentual de 15%”, criticou o presidente da Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Rogério Avelar.
Ele e o presidente da Associação Mineira de Municípios, Ângelo Roncalli, criticaram a judicialização da saúde, que transfere para os municípios, por meio de ordens judiciais, responsabilidades que são de governos estaduais ou federal. O promotor Gilmar Assis lembrou, no entanto, que a judicialização muitas vezes se torna necessária para salvar vidas.
Durante a fase de debates, Renato Barros, do Sind-Saúde, e Roges Carvalho, do Sindicato dos Psicólogos do Estado, reclamaram da falta de conselheiros, o chamado controle social, na mesa do evento. “Teria sido importante que tivéssemos nela algum conselho municipal”, observou. Roges Carvalho manifestou seu incômodo quando ao fato de as discussões sobre o SUS se darem, de modo geral, por pessoas que não são usuárias do sistema, já que possuem planos de saúde privados. “O SUS não deveria ser pensado como uma proposta de inclusão. Ele é um direito. Precisamos de um olhar integral sobre ele, sem nos esquecermos de seu principal objetivo, que é a promoção e a prevenção da saúde”.