Atuação de psicólogos no sistema prisional provoca
polêmica
O papel do psicólogo no sistema prisional e a
polêmica que envolve os limites dessa atuação foram discutidos pela
Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas
Gerais, nesta terça-feira (10/5/11). A reunião foi solicitada pelo
deputado Durval Ângelo (PT), que enfatizou, na abertura dos
trabalhos, que é preciso investir no corpo de profissionais que
trabalham no sistema prisional. Para ele, os psicólogos podem ser
grandes aliados na luta pela garantir dos direitos humanos dos
presos.
A controvérsia em torno da atuação dos psicólogos
na área criminal foi apresentada pela conselheira do Conselho
Federal de Psicologia (CFP), Cynthia Rejane Corrêa Araújo Ciarallo.
O ponto central do impasse é a conveniência ou não desses
profissionais realizarem o exame criminológico, utilizado para
embasar a decisão judicial para a progressão de regime. A questão
divide opiniões até mesmo dentro da categoria.
De acordo com a representante do conselho, a
Resolução 9, editada pelo CFP em 2010, e que trata da atuação do
psicólogo no sistema prisional, vetou a realização do exame
criminológico pelos psicólogos, depois de muito debate. No entanto,
a resolução foi suspensa por seis meses, atendendo recomendação do
Ministério Público, e a minuta de uma nova norma deve ser
apresentada nas próximas semanas.
Cynthia Ciarallo argumentou que a posição do
conselho é de que, embora os psicólogos sejam aptos para realizar os
exames, a forma como as avaliações vêm sendo realizadas não condiz
com os princípios éticos e técnicos da profissão. "Quando o conselho
diz não querer que os psicólogos façam o exame criminológico é
porque entende que crime não é nosso objeto de estudo; está em outra
esfera", argumentou, acrescentando que à Psicologia interessa a
pessoa como um todo.
A representante do CFP também disse que existem
duas possibilidades de atuação do psicólogo no sistema prisional,
que são o acompanhamento psicossocial e de individualização da pena
e a avaliação para progressão de regime. De acordo com ela, as duas
formas de atuação estão na fronteira entre os aspectos psicológico e
judicante. "Não nos cabe a função judicante. Quem classifica delito
é o Código Penal", afirmou. Ela ressaltou que a preocupação do
conselho é que os exames criminológicos têm sido usados como
determinantes para a avaliação sobre a progressão de pena.
A conselheira do Conselho Regional de Psicologia,
Marta Elizabeth de Souza, também defende a mesma posição e destaca
que é impossível avaliar se o preso vai reincidir no crime, e que o
psicólogo não pode arcar com a responsabilidade de apontar isso. Ela
ainda alertou para o perigo da tipificação de psicopatas que vem
sendo publicada irresponsavelmente pelas revistas semanais.
Desembargador defende realização dos exames
criminológicos
O desembargador do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais, Herbert José Almeida Carneiro, defendeu a realização dos
exames criminológicos e disse que é preciso tirar o estigma dessa
avaliação. "O exame criminológico não pode necessariamente deixar de
ser feito; e precisa ser feito por quem tem o conhecimento técnico
para fazê-lo", afirmou. Na avaliação do desembargador, a polêmica
começou com a Lei federal 10.792, de 2003, que fez alterações na Lei
de Execução Penal, retirando a obrigatoriedade dos exames
criminológico e técnico de classificação.
Para ele, é preciso entender que o exame
criminológico é um diagnóstico do preso e não deve fazer nenhuma
previsão sobre reincidência criminal. O desembargador explicou que a
lei de 2003 deixou na mão do diretor dos presídios a decisão sobre a
progressão de regime, já que o único critério definido pela lei é o
comportamento do preso, o que facilitaria a corrupção. Herbert
Carneiro defende a corresponsabilidade no processo de avaliação.
O egresso do sistema prisional Gregório Antônio
Fernandes de Andrade contou sua história de nove anos cumprindo pena
no sistema convencional, antes de ser transferido para uma
Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac). Ele
disse ter sido prejudicado por um exame criminológico arbitrário,
que atrasou sua progressão para o regime aberto em três anos. "Pior
que não fazer o exame é fazer mal feito", avalia. Ele também deu sua
opinião sobre o peso do exame para o julgamento da progressão.
Segundo Gregório, o laudo da comissão interdisciplinar foi
reproduzido no parecer do Ministério Público e serviu de base para a
decisão do juiz. Ele também contou que teve os pés e as mãos
algemados para o exame e foi ouvido com a porta aberta.
Profissionais que atuam nas unidades prisionais
relatam dificuldades de trabalho
A psicóloga da Diretoria de Saúde e Psicossocial da
Secretaria de Estado de Defesa Social, Fabiana Fernandes da Silva,
falou da carência de psicólogos para atuarem no sistema prisional.
Segundo ela, muitos nomeados para o último concurso do Estado não
assumiram as vagas e o governo não pode fazer contratações durante a
vigência do concurso e nem no período eleitoral. Ela informou que
está aberto processo seletivo para contratar psicólogos para Belo
Horizonte e RMBH.
As dificuldades encontradas pelos psicólogos no
atendimento aos presos foi relatada pela psicóloga do
Ceresp-Gameleira, Camila Menezes Teixeira. Ela contou que três
psicólogos concursados são responsáveis pelo atendimento de 1.500
presos e seus familiares e cobrados por número de atendimentos.
"Isso impossibilita a realização de qualquer trabalho com eles",
continuou.
Ela enfatizou a falta de condições de trabalho,
afirmando que não têm privacidade para fazerem o atendimento, não
foram treinados depois do concurso e passam pelas mesmas
capacitações todos os anos. Camila Teixeira também disse que o
salário dos psicólogos para uma jornada de 30 horas semanais é de R$
1.038,00. Diante das precárias condições de trabalho, a psicóloga
concordou que, embora os psicólogos sejam aptos para realizar o
exame criminológico, não encontram condições adequadas para
fazê-lo.
Na fase de debates, outras pessoas se manifestaram
contra os exames. A psicóloga voluntária da Apac Santa Luzia,
Alessandra Kelly Vieira, reforçou que nenhuma ciência é capaz de
prever o comportamento humano. "Os testes, mesmo sendo bem feitos,
erram muito", concluiu. Para ela, os psicólogos têm mais a
contribuir com o sistema prisional, e também fora dele, do que
aplicando os exames que, na opinião dela, têm se revelado um
desserviço. A defensora pública Roberta de Mesquita Ribeiro também é
contrária à volta do exame. "Mesmo que fosse correto, não é feito de
forma correta", avaliou.
Ao final da reunião, o deputado Durval Ângelo disse
que marcará uma nova audiência, com outros parceiros, quando a
resolução do Conselho Federal de Psicologia for republicada.
Presença - Deputado Durval
Ângelo (PT), presidente.
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