Comissão de Direitos Humanos apura morte de modelo
Mesmo depois de ouvir os depoimentos de pessoas
envolvidas e responsáveis pelas investigações da morte de Cristiana
Aparecida Ferreira, os deputados não conseguiram esclarecer os
motivos e as circunstâncias do crime. Afinal, Cristiana Ferreira
realmente suicidou-se, como conclui o inquérito da Polícia Civil, ou
foi assassinada, como suspeita o Ministério Público? Essa pergunta
ficou no ar, após a reunião da Comissão de Direitos Humanos nesta
quarta-feira (20/11/2002).
Em primeiro lugar, o pai da jovem, Antônio Viçoso
Ferreira, afirmou que já estava perdendo as esperanças nas
investigações sobre a morte de sua filha, uma vez que a Justiça
queria arquivar o processo sobre o caso. Mas agora, com o apoio
recebido da Comissão, ele esperava desvendar o crime, revelando os
responsáveis pela morte de Cristiana. Antônio Ferreira achou
estranho o fato de a Delegacia Seccional Sul da Polícia Civil não
ter devolvido à família os pertences de sua filha, inclusive o
celular e a agenda. Nesta, segundo ele, constariam nomes, não
citados, de "figurões" da política mineira e nacional com os quais
sua filha teria amizade. Indagado pelo deputado João Leite, se sua
filha era deprimida a ponto de se suicidar, Antônio Ferreira afirmou
que ela nunca teve vontade de cometer tal ato.
Segundo o advogado do pai da vítima, Rui Pimenta,
Cristiana, por ser muito bonita e apesar de ser de origem humilde,
era muito solicitada para desfiles. Segundo o advogado, a prova
material do crime está nos autos, onde constam pedidos na noite de
3/8/2000 e na manhã seguinte ao bar do flat onde Cristiana
pernoitou - dois filés à noite e dois de manhã e um café da manhã
completo. Na avaliação de Rui Pimenta, como é sabido que modelos e
manequins comem pouco, nunca Cristiana pediria todas essas porções
para comer sozinha, e que estaria acompanhada por mais uma pessoa.
Envenenamento - Além
disso, segundo depoimento de funcionário do flat, às 11h40
aproximadamente, ela desceu à portaria e pediu a conta parcial,
pagou-a com cheque e chamou um táxi, tendo, pouco depois, passado
mal e morrido. "Será que uma pessoa que fosse se suicidar pagaria
antes a conta?", questiona o advogado, alegando que a jovem teria
sido envenenada com carbamato por uma das pessoas que a acompanharam
no quarto.
ADVOGADO E PAI DA MODELO NÃO RELATAM NOMES
Indagado pelos deputados sobre nomes das pessoas
envolvidas no crime, o advogado disse que, em respeito ao Código de
Ética e ao Estatuto dos Advogados, não poderia divulgá-los. Ele
afirmou também que, se a Assembléia tem interesse em saber nomes de
autoridades, deve solicitar os autos do processo ao Ministério
Público, que agora é o órgão que tomou para si a responsabilidade de
investigar o caso. Por considerar que se trata de crime hediondo,
punível com 12 a 30 anos de prisão, Rui Pimenta quer que a verdade
venha à tona, doa a quem doer, mesmo que incomode a sociedade, o
meio político e até o Congresso Nacional.
Mala secreta - Os
deputados João Leite (PSB) Irani Barbosa (PSD) e Edson Resende (PT)
insistiram na tese de que o advogado e o pai da vítima deveriam
dizer nomes de envolvidos. Barbosa afirmou que, pelo fato de o
inquérito ser nebuloso, "todo mundo quer tirar a brasa com mão de
gato, mas ninguém enfia a mão na brasa", referindo-se à postura do
pai e do advogado de não citar nomes. O deputado aproveitou para
inquirir o advogado se na conta do celular de Cristiana não
constariam telefones usados freqüentemente pela modelo. Rui Pimenta
respondeu afirmativamente, mas sem dizer nomes, novamente. Pimenta
relatou ainda uma viagem da vítima ao Aeroporto de Cumbica, em São
Paulo, levando uma mala, sem saber o seu conteúdo, e que deveria ser
entregue a uma pessoa desconhecida. "O que estaria nessa mala?
Drogas, armas? Esse não é um procedimento típico da legalidade. A
morte dela pode ter sido uma queima de arquivo", concluiu o
advogado.
INQUÉRITO DA POLÍCIA CIVIL APONTA SUICÍDIO
Defendendo a tese de suicídio da jovem, o chefe da
Divisão de Crimes contra a Vida do Departamento de Investigações da
Secretaria da Segurança Pública de Minas, Alexandre Alves Liberal,
alegou que a análise da Polícia Civil era técnica e científica. Ele
discordou do advogado Rui Pimenta, afirmando que "a ética não é do
advogado, nem da Polícia; a ética é social". "Quem está alegando que
se trata de homicídio, terá que prová-lo", declarou.
O representante da SSP-MG passou então a explanar
aspectos do inquérito policial, de mais de 200 folhas, para defender
a tese de suicídio de Cristiana Ferreira. De acordo com os autos, a
morte da moça, ocorrida no flat São Francisco, à Avenida Álvares
Cabral, 697, apartamento 1601, foi "lenta e dolorosa", como provam
os exames periciais. Sendo assim, continua Alexandre Liberal, a
vítima teria tido meios de procurar ajuda através dos telefones que
tinha a sua disposição - o seu celular e o fixo do hotel. Segundo
depoimentos de um irmão dela, Cristiana era "garota de programa" e
mentia para seus pais, não revelando essa atividade. Outro
depoimento de uma amiga da moça contradiz as afirmações de seu pai.
A vítima, seria muito retraída e deprimida, e teria "vontade de
sumir".
Veneno - Alexandre
Liberal, baseado nos autos, disse que, pelos vestígios no cadáver da
vítima, não se verificaram sinais de violência, o que levou a
perícia a concluir que a morte não foi violenta. De acordo com os
legistas, foram encontradas amostras do pesticida chamado
vulgarmente de "chumbinho", parecido com balas de espingardas de ar
comprimido. Esse veneno, pertencente ao grupo dos carbamatos,
apresenta odor e sabor e, segundo o laudo, não poderia ser ingerido
sem ser notado pela vítima.
Não satisfeitos com os esclarecimentos do
representante da SSP-MG, os deputados João Leite, Irani Barbosa e
Marcelo Gonçalves questionaram vários aspectos do inquérito policial
que, na opinião deles, continuariam obscuros. João Leite fez
perguntas sobre a análise do lixo encontrado no apartamento -
frascos, preservativos -, dos pratos e utensílios usados e sobre a
coleta de impressões digitais. Corroborando a tese do advogado Rui
Pimenta, João Leite demonstrou acreditar também na possibilidade de
o cadáver ter sido recomposto, uma vez que não estava retorcido, nem
contraído, o que seria incondizente para uma vítima de
envenenamento.
Liberal respondeu que o lixo fora observado, mas o
quarto já havia sido arrumado antes do crime. Nos pratos não foram
encontrados vestígios do crime, e os vasilhames estavam vazios.
Sobre a coleta de impressões digitais, ele afirmou que só uma foi
encontrada numa taça e pertencia à própria vítima.
Violação do local do crime - O deputado Irani Barbosa aventou a possibilidade de violação
do local do crime. Segundo ele, a perícia prevê a preservação do
local onde uma pessoa tenha permanecido por mais de 48 horas morta.
Ele questionou a omissão da Polícia Civil ao não ter analisado no
inquérito as fitas de vídeo do circuito interno de TV do flat no
momento em que a vítima estava lá. Já o deputado Marcelo Gonçalves
perguntou a Alexandre Liberal se o inquérito trazia todas as
ligações efetuadas pela vítima e para quem teria sido feito o último
telefonema. Liberal, negando-se a responder, disse que o laudo
deveria ser solicitado pela comissão à Justiça e não à Secretaria de
Segurança Pública.
Como resultado da reunião, a comissão aprovou,
entre outros, os seguintes requerimentos:
* Do deputado Marcelo Gonçalves (PDT), solicitando
que seja oficiado ao comandante-geral da Polícia Militar de Minas
Gerais para que autorize o cabo Mauro Almeida a prestar
esclarecimentos à comissão sobre a morte da jovem Cristiane
Aparecida Ferreira;
* Do deputado Marcelo Gonçalves (PDT), com emenda
do deputado João Leite (PSB), para que sejam encaminhados ofícios ao
procurador-geral de Justiça, solicitando informações e cópia do
inquérito que apura a morte de Cristiane Aparecida Ferreira, e ao
presidente do Tribunal de Justiça para que determine ao
juiz-presidente do 1º Tribunal do Júri da Comarca de Belo Horizonte
o envio de cópia do referido inquérito.
Esclarecimento - O
deputado Marcelo Gonçalves tinha se queixado, na reunião, de que seu
requerimento anterior, solicitando as mesmas informações, não foi
atendido pela Mesa da Assembléia. Após a reunião, o presidente
Antônio Júlio (PMDB) deu entrevista esclarecendo que a Mesa apenas
emitiu um parecer contrário ao requerimento do deputado, o que tem
sido praxe nos casos de solicitação de inquéritos policiais.
PARECER E REQUERIMENTOS APROVADOS
Na reunião, foi aprovado o parecer de 2º turno
sobre o Projeto de Lei (PL) 2.063/2002, de autoria do deputado Arlen
Santiago (PTB), tendo como relatora a deputada Elbe Brandão (PSDB),
que dispõe sobre o uso, pela polícia civil e militar, de
armas de fogo apreendidas à disposição da justiça.
Outros requerimentos aprovados
* Dos deputados Rogério Correia (PT) e Carlos
Pimenta (PDT), em que solicitam audiência pública da comissão, em
Montes Claros, com convidados para analisar e debater os fatos e as
circunstâncias dos assassinatos do jornalista Rosalvo Bastos, sua
namorada Daniela Costa e do artista virtuose Igor Xavier;
* Do deputado João Leite (PSB), Irani Barbosa
(PSD), Márcio Kangussu (PPS) e Fábio Avelar (PTB), solicitando à
Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos a realização de
convênio com o Município de Vespasiano para o atendimento da
população por defensor público naquela comarca;
* do deputado Fábio Avelar (PTB), solicitando à
Infraero informações sobre a existência de proibição legal de ordem
nacional ou internacional com relação à construção de unidade
prisional no Município de Vespasiano, no bairro Fagundes, uma vez
que a área fica situada próxima ao Aeroporto Internacional Tancredo
Neves; e solicitando ao Ibama informações sobre a existência de
autorização deste órgão para a construção de unidade prisional no
bairro Fagundes, Município de Vespasiano, por se tratar de área de
Preservação Ambiental Carste de Lagoa Santa;
* Do deputado Fábio Avelar (PTB), com emenda do
deputado João Leite (PSB), solicitando à Secretaria Estadual de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e ao Instituto Estadual de
Florestas informações da existência de estudos de impacto ambiental
para a implantação de uma unidade prisional no Município de
Vespasiano, no bairro Fagundes;
* Do deputado João Leite (PSB), solicitando a
realização de reunião da comissão, convidando autoridades, para
debater, em audiência pública, a implantação de uma casa de
albergado em edificação anteriormente destinada à Escola Estadual
"José Oswaldo de Araújo", localizada no bairro Engenho Nogueira, na
Capital.
Presenças - Estiveram presentes à reunião os
deputados Márcio Kangussu (PPS), presidente da Comissão, Marcelo
Gonçalves (PDT), vice-presidente, os membros da comissão João Leite
(PSB), Elbe Brandão (PSDB) e Edson Rezende (PT) e, ainda, Irani
Barbosa (PSD), Fábio Avelar (PTB), Rogério Correia (PT), Carlos
Pimenta (PDT), Ermano Batista (PSDB), Paulo Pettersen (PL), Maria
José Haueisen (PT) e Wanderley Ávila (PPS). Além deles, participaram
Alexandre Alves Liberal, chefe da Divisão de Crimes contra a Vida do
Departamento de Investigações da Secretaria de Estado de Segurança
Pública de Minas Gerais; Antônio Viçoso Ferreira, pai de Cristiana
Aparecida Ferreira; e Rui Caldas Pimenta, advogado.
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