Pronunciamentos

SILVÉRIO SEABRA DA ROCHA, Analista ambiental do Instituto Estadual de Florestas - IEF.

Discurso

Comenta o impacto social ocasionado pela desapropriação em áreas destinadas à implantação de unidades de conservação.
Reunião 44ª reunião ESPECIAL
Legislatura 15ª legislatura, 4ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 02/12/2006
Página 40, Coluna 3
Evento Ciclo de debates: "Regularização Fundiária das Unidades de Conservação do Estado de Minas Gerais".
Assunto MEIO AMBIENTE.

44ª REUNIÃO ESPECIAL DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 15ª LEGISLATURA, EM 24/11/2006 Palavras do Sr. Silvério Seabra da Rocha Exmo. Sr. Deputado João Leite, meu prezado companheiro de espécie, de bicho; Deputado Laudelino Augusto, meu companheiro; demais representantes da Mesa; depois de tanta fala sobre os aspectos jurídicos e formais da regularização, queria fugir disso. Aliás, havia preparado uma apresentação nesses termos. Fui, por assim dizer, o preparador de toda essa parafernália orçamentária por parte do IEF. Peço desculpas aos representantes dos movimentos de comunidades e dos movimentos populares pela falta de capacidade pessoal de os agentes técnicos não se comunicarem com os integrantes desses movimentos. Sou também culpado por essa distância. Muitas pessoas reclamaram desse distanciamento entre o Estado e os participantes da sociedade. Há, apresentação, um quadro com grandes números de toda a necessidade da regularização fundiária. Pelas intervenções que houve, senti que as pessoas estavam interpretando o resultado do que estávamos apresentando de maneira diferente da que queríamos transmitir. Quando falamos no custo do hectare por área desapropriada, não estamos dando uma imagem de que aquele parque ou aquela propriedade específica terão custo de R$1.100,00 por hectare. Fizemos um levantamento de custos de terra, pois vamos desapropriar, queremos orçamento. Como chegaremos a um total? Então usei do meu conhecimento de economia, do meu “economês”, que a esta altura já está bastante desgastado, depois de 35 anos de formado e já no final da carreira do IEF, para fazer aquele quadro. O que foi utilizado? Foram utilizados os preços básicos praticados pelo Incra para desapropriação, os preços de regularização de terra devoluta pelo Iter - esses custos aparecem ali - e os preços de imóveis informados na parte comercial dos veículos de comunicação da Capital durante o período do levantamento. Obtemos um custo médio, que aparece ali. Há custos de áreas no Norte do Estado que são de R$400,00 por hectare para a regularização e custo de R$30.000,00 por hectare em Belo Horizonte. Somando, é a média. A velha média do economista que muitos dizem: compramos um frango e somos dois; eu vou comer meio, você pode comer ele inteiro. São aspectos que nos levam a dizer isso e dizer também que, com esse dinheiro, dá para fazermos regularização. Mas não é esse o aspecto básico da regularização. Trataremos de conflitos, da questão social, do impacto - não o ambiental, mas o social - da regularização. O que entendemos por isso? Faço consultas públicas, só neste ano realizei 12, quase todos esses interlocutores do movimento social já me conhecem. A questão básica é: “por que existe o impacto?”. Primeiro, porque “desapropriar” é um termo jurídico, e não há outro para falarmos às pessoas. Na realidade, quando se diz que o Estado terá posse e domínio de uma área, ele vai desapropriar, porque ele vai tirar do particular o próprio, para ser do coletivo. Nós, viventes da sociedade capitalista, quando vamos para um meio tradicional, que é a maior parte das unidades de conservação criadas depois do Parque do Rio Doce e estão localizadas no Norte do Estado e no Vale do Jequitinhonha, estamos diante de uma sociedade que tem uma lógica diferente de apropriação da terra. O sistema capitalista, quando é transportado para um meio tradicional, desarticula tudo que existe lá. Nós, do Vale do Jequitinhonha, conhecemos de perto o resultado do reflorestamento. O reflorestamento desarticulou o modo de vida, porque o impacto do sistema capitalista do meio tradicional tem como resultado a modernidade, que, por sua vez, é desestruturante. A maneira de apropriar terra na sociedade moderna é a apropriação titulada, cujos limites são definidos. Além da posse, tenho título cartorial. No meio tradicional, a apropriação é coletiva, e a lógica é outra. Nós, do Vale do Jequitinhonha, sabemos que o geral é área de todo o mundo e que o título de propriedade é muito menor que a posse. A posse escriturada é pequena, mas a coletiva é muito grande. Essa é a diferença. Então, quando trouxemos uma maneira capitalista de o Estado apropriar a terra, provocamos um choque. O Estado não fará uma unidade de proteção apropriada no sentido cartorial coletivo. Não existe isso. O Estado diz que, na área de posse e domínio, na área de proteção integral, ele precisa ter posse e domínio ao modo capitalista, com escritura, registro, divisas, marcos georreferenciados, cercas. Está aí a primeira causa do conflito, a maneira de ser do sistema capitalista, a maneira de ser e de viver das comunidades tradicionais. O que deveria ter sido feito, que não foi feito até hoje? Um estudo socioambiental mais bem elaborado de cada situação. Isso é o que começamos a fazer a partir de 2003, por meio de estudos e dos períodos abertos à consulta pública, para que essas áreas sejam delimitadas. Temos um exemplo bem recente, a formação de equipes e grupos, cujo produto resultou na pré-criação do Parque Serra do Intendente, em Conceição do Mato Dentro. Fizemos um levantamento e marcamos a terra seis vezes. Fizemos seis marcações para haver entendimento entre a comunidade rural e a urbana, que pressionou o IEF de diversas maneiras para a existência desse parque. Esse é o primeiro impacto. O segundo impacto vem depois da criação, quando a pessoa tem que ser realocada. Aí entra o modo de vida. Como podemos entender esses diferentes modos de vida? Realizando estudos, um histórico do assentamento da população e da apropriação das terras. Temos mais unidades de conservação criadas, tanto em número quanto em extensão territorial, no Norte do Estado, no extremo Noroeste. Os primeiros habitantes foram os índios. Depois, entre os índios e a população branca, no século XVII, houve a intercalação da população negra, com a formação dos quilombos. Do intercâmbio desses grupos distintos - o branco, com sua lógica de apropriação; o índio e o negro, com a de coletivização das áreas utilizadas -, houve a formação e a estruturação do assentamento antes de nossa chegada: terras usadas coletivamente e terras apropriadas. Nas terras usadas coletivamente há a produção da pequena agricultura, da agricultura de subsistência. Nas outras, temos a agricultura ligada ao agronegócio, uma maneira diferente de se apropriar da terra. Então, a relocação de famílias ali visa exatamente a atender as pessoas que não querem ou não são capazes de ter um modo diferente de vida. Lá no Norte de Minas, o Ibama, para a criação do Parque Grandes Sertões e Veredas, criou três assentamentos por meio da relocação: Sertão, Veredas e Chapada Gaúcha. Mas mesmo isso causou impacto social, em decorrência da questão da escolha da terra: é muito difícil relocar uma sociedade acostumada a plantar em biomas diferentes, pois cada bioma diferente resulta em uma maneira de ser. Temos os agricultores tradicionais do brejo, como os das Veredas e dos Alagados; os de Capão e Cerrado, que são os agricultores de encostas e grotas; e os vaqueiros do Cerrado. Com essa gama de problemas e situações, são muitos os conflitos de que tivemos notícia hoje e que já conhecíamos por meio da consulta pública. Era isso que queria levantar. Não há muito mais a dizer, pois a questão jurídica da regularização já foi bastante abordada por pessoas que têm maior conhecimento. Queria colaborar, então, esclarecendo a questão dos conflitos sociais decorrentes do modo diferente de ser do Estado, que tem uma maneira capitalista de apropriar-se das áreas, e dos moradores tradicionais, que têm uma apropriação coletiva. Muito obrigado. - No decorrer do pronunciamento, procede-se à exibição de slides.