SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES, Embaixador
Discurso
Legislatura 14ª legislatura, 4ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 28/09/2002
Página 54, Coluna 1
Evento II Fórum Minas por um Outro Mundo - Uma Outra América É Possível com Soberania e Integração
Assunto INDÚSTRIA, COMÉRCIO E SERVIÇOS.
Observação Participantes dos debates: Maria Ilda de Carvalho, Monge Proutista Universal, Guilherme Avelar Teixeira de Paula Martins, Maria Luisa Soares Souza, Luanda Carvalho Miranda, Bruna, Jéssio Passos, Evaristo Garcia de Mattos, João Luiz de Castro, Júlio Rodrigo, Marcos Antônio da Silva, Laertte Santos de Oliveira Brasil, Guilherme Avelar Teixeira.
202ª REUNIÃO ESPECIAL DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 14ª LEGISLATURA, EM 22/8/2002
Palavras do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães
Bom dia. Gostaria de agradecer a todos pela presença e aos organizadores do Fórum pela oportunidade de estar nesta Mesa, na Assembléia Legislativa, para abordar o tema da desordem internacional e da desconstrução da soberania latino-americana. Queria dizer, em primeiro lugar, que, para compreendermos a nova desordem internacional, seria interessante observarmos o que era a expectativa da nova ordem mundial que foi anunciada ao final da Guerra do Golfo. Muito rapidamente, foi uma época de utopias, cujas razões eram, em primeiro lugar, o fato de a então União Soviética ter aderido ao capitalismo e à democracia. Esse foi um fato extraordinário, foi o fim da competição Leste-Oeste, da competição entre o sistema capitalista e o sistema comunista.
Em seguida, vem a desintegração da União Soviética, o surgimento da Rússia como uma potência média e a nova política da República Popular da China de abertura aos capitais estrangeiros e ao comércio internacional. Tudo isso gerava um novo clima político internacional. No campo militar, temos a vitória esmagadora dos Estados Unidos sobre o Iraque, na Guerra do Golfo. A vitória custou US$60.000.000.000,00, que foram financiados em 80% pelo Japão, pelo Kuwait e pela Arábia Saudita, isto é, uma operação militar que saiu relativamente barata para quem a empreendeu.
Depois, havia a utopia da nova tecnologia da informação, os avanços da informática, das telecomunicações, o início da Internet, enfim, tudo isso era o início de uma nova era. Depois, houve a hegemonia de um pensamento neoliberal, o fim do Estado, do autoritarismo, o fim da intervenção do Estado na economia e na sociedade, com o que as normas econômicas, sociais e até mesmo as políticas se regulariam automaticamente. Havia uma hegemonia do pensamento neoliberal não só no centro do sistema internacional, mas também, cada vez mais, em direção à periferia desse sistema. As conseqüências previstas para esses novos fenômenos eram, de um lado, o fim dos conflitos internacionais. Não havia mais conflitos entre os Estados Unidos e a União Soviética. Como todos os conflitos tinham a sua origem na atividade comunista, então, não haveria mais conflito em nenhum lugar do mundo. Eles seriam todos resolvidos. Essa era a conseqüência prevista.
Ao mesmo tempo, não havendo mais o perigo do conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética ou, se quiserem, entre o mundo ocidental, o mundo livre e o império do mal, também não haveria mais necessidade de armas. Assim, os países se desarmariam e utilizariam os recursos para o desenvolvimento econômico dos países pobres, subdesenvolvidos, periféricos e também das suas populações internas. Por exemplo, a população negra nos Estados Unidos. Os recursos gigantescos permitiriam resolver o problema das desigualdades sociais.
Também as novas tecnologias permitiriam uma nova era, uma era de emprego, de prosperidade para todos, de lazer. Há até um sociólogo que faz livros sobre a economia do lazer. Talvez seja o lazer dos desempregados, porque, não havendo emprego, eles podem utilizar as horas vagas para suas atividades de lazer. Há toda uma visão utópica: teremos uma tecnologia tão avançada que haverá uma automação, uma robotização, mais tempo, mais lazer e emprego para todos.
Uma outra conseqüência: os países da periferia seriam modernizados, sairiam da sua situação de sociedades arcaicas, primitivas, violentas, desorganizadas, conflituosas para uma era de modernidade, por meio também do fenômeno da globalização, a partir do qual se criaria uma economia única no mundo e - quem sabe? - até um Governo mundial. Os instrumentos para isso seriam, numa nova ordem mundial, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, para resolver os conflitos, no qual a Rússia e a China colaborariam com os países ocidentais; a execução dos acordos de não-proliferação e de desarmamento, quer dizer, não só os países que não tivessem armas adeririam aos acordos de não-proliferação de armas nucleares, químicas e biológicas como também os países altamente armados. Estes se desarmariam também, nesse processo.
Na área da desregulamentação, era a rodada uruguaia de negociação comercial, de abertura de mercados e assim por diante. Além dos países subdesenvolvidos, além da renegociação da dívida externa dos países que tinham estranguladas as suas economias, através do Plano Brady, a abertura de suas economias aos capitais internacionais, que viriam salvá-los e organizar neles, por exemplo, o setor de energia, o setor de saneamento básico, além de imprimir modernidade e eficiência aos negócios e transformar esses países, inclusive o Brasil, em uma plataforma de exportação. Sociólogos modernos e políticos se uniriam para criar um novo caminho para o desenvolvimento chamado terceira via, que congregava políticos de vários países.
Acontece que essas eram utopias. A realidade atual, que se poderia chamar não de nova ordem mundial, mas de nova desordem mundial, mostra que aquelas conseqüências previstas não se realizaram. De um lado, o que era símbolo da expansão econômica nos Estados Unidos, subitamente, desfez-se antes da crise de 11 de setembro. Os problemas econômicos nos Estados Unidos, como a redução do crescimento e as dificuldades, começam muito antes da crise. Depois, aquelas novas tecnologias trouxeram desemprego estrutural elevado, não só na periferia do sistema, mas também no centro principalmente em países europeus e na própria continuidade da estagnação no Japão.
Na área militar, ocorre a proliferação dos conflitos regionais na Chechênia, na Cachemira, na Colômbia e assim por diante. Acabou o comunismo, e continuaram os conflitos.
Depois ocorreu algo importante, que foi uma extraordinária concentração de poder econômico, tecnológico, militar e político no centro do sistema. A diferença entre os países do centro e os subdesenvolvidos aumentou enormemente nesse período, tanto em poder econômico quanto militar, tecnológico e ideológico.
É interessante notar que a propagação das políticas neoliberais trouxe consigo não só a desarticulação dos Estados, pela desregulamentação, inclusive no centro do sistema, como extraordinária corrupção, não só na periferia. Os casos mais extraordinários de corrupção se verificaram recentemente, na Bolsa de Valores dos Estados Unidos. São empresas cujos executivos se mancomunaram com as auditoras e com as corretoras de títulos; atribuíram-se elevadíssimos salários, na casa de centenas de milhões de dólares. Ao mesmo tempo, forçaram a subida das ações e venderam-nas, quebrando 90 milhões de pequenos e médios investidores, enganados nesse processo. Algumas dessas megacompanhias têm negócios no Brasil. Uma delas comprou a EMBRATEL, a outra tem negócios na área de energia, e assim por diante.
A corrupção se verificou em muitos países. Há uma série de casos de grande interesse na América do Sul, alguns bem próximos, num fenômeno interessante, o que é natural, porque a desregulamentação e a ausência de fiscalização levam à possibilidade de grandes negócios, que se realizaram. Foi a desregulamentação na Bolsa de Valores dos Estados Unidos que permitiu essas operações fraudulentas.
Finalmente, além dessa concentração de poder, fracassaram as políticas neoliberais na periferia do sistema econômico e político mundial. Essas políticas fracassaram em toda a América do Sul, o que nos interessa mais de perto. Houve enorme concentração de riqueza. Hoje o jornal mostra que o salário médio real dos trabalhadores sofreu mais um mês de queda, e o desemprego continua elevado e expandindo-se. Essa concentração de riqueza é natural com a desregulamentação. Há o desemprego permanente, a não-criação de novos empregos, uma desarticulação da infra-estrutura nos países, desarticulação e desmoralização das instituições. Não só são desarticuladas pelos chamados programas de ajuste estrutural, como também passam a ser desmoralizadas aos olhos da população, o que é extraordinariamente grave.
Nos próximos 20 anos, a população da Alemanha vai diminuir, assim como as da Itália e Espanha. Em geral, a população dos países desenvolvidos vai diminuir, com exceção dos Estados Unidos. Conseqüentemente, concentra-se mais riqueza e mais poder nas mãos de menor percentagem da população mundial. O que ocorre na periferia? Menos poder, menos riqueza, mais desemprego em relação à percentagem maior da população. É necessário, então, que o centro do sistema consolide seus privilégios e essa situação de desigualdade. Ao mesmo tempo, no centro do sistema internacional, criam-se outros pólos de poder: ao lado dos Estados Unidos, a União Européia, a China - o Japão continua sendo a segunda potência mundial -, a Rússia e a Índia, que se torna potência nuclear. Há países que, potencialmente, poderiam figurar entre esses povos, como é o caso do Brasil. Enfim, o provimento é multipolar. De um lado, afeta a administração do sistema internacional, assim como causa grande preocupação da potência hegemônica, que lidera a administração desse sistema global, numa espécie de condomínio, de que participam os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, a Rússia, a Alemanha e o Japão, que administram esse sistema internacional. Há grande preocupação da potência hegemônica com os novos pólos e com os movimentos de protesto na periferia, tendo em vista a situação de instabilidade, como desemprego, pobreza, exclusão e violência. Há um processo para que as sociedades tomem cada vez mais consciência de que foram aquelas políticas neoliberais de abertura, desregulamentação e adesão às políticas centrais que levaram às suas dificuldades. Na América do Sul, é crescente a consciência de que as privatizações foram negativas. Essa pesquisa foi publicada há alguns dias na “Folha de S. Paulo”. Com essa consciência crescente, surgiram constantes movimentos de protesto contra a situação.
No centro do sistema, preocupa-se em manter os privilégios e o funcionamento do sistema, conter os outros pólos de poder e reprimir a periferia. Manter os privilégios é uma estratégia natural de quem os tem. Acontece que o governo atual do Presidente Bush sobe ao poder com características completamente diferentes daquelas da administração desse condomínio. Logo no início, antes do 11 de setembro, o novo governo republicano já havia declarado que não aderiria ao Protocolo de Kyoto, de controle de emissões de gases de estufa, que não aderiria ao Tribunal Penal Internacional, que, de forma geral, tomaria medidas unilaterais quando julgasse conveniente aos interesses da sociedade americana. Já era um governo com novas características, extremamente preocupantes para os outros membros do próprio condomínio, porque a hegemonia não pode ser exercida permanentemente pela força. É preciso que seja exercida pela persuasão. Quando passa a abandonar o direito de se exercer pela força, gera ainda maior resistência e preocupação, tendo em vista a desigualdade entre o centro e a periferia do sistema internacional. Então, há uma nova tendência ao unilateralismo nas ações internacionais, desprezo pelos tratados internacional e geral, a disposição de usar a força como elemento de solução e de afirmação, e um certo fundamentalismo político-religioso, isto é, o centro do sistema julga-se sempre certo. “Quem não está conosco está contra nós”. Essa é uma afirmação pública. Outra afirmação interessante é: “Por que nos odeiam se somos tão bons?”. Essa afirmação faz parte de um discurso após o 11 de setembro. “Por que invejam os nossos valores e as nossas realizações?”.
Há uma compreensão no mundo de que de um lado existe uma sociedade perfeitamente democrática, avançada, que gera novas tecnologias, é generosa, e fora existem agrupamentos, países ingratos, que não reconhecem a superioridade dos nossos valores, e temos, de alguma forma, de modernizar, fazer com que eles se convençam disso. É algo extremamente preocupante, que cria uma enorme instabilidade internacional. Os países europeus, as lideranças dos outros países centrais e até as elites periféricas reconhecem isso.
Recentemente, o primeiro editorial do jornal “O Estado de S. Paulo” trazia o seguinte título: “Bush não inspira confiança”. As elites periféricas sabem que esse tipo de política não é sustentável em longo prazo, afeta os próprios mecanismos de persuasão ideológica, de cooptação que existe no mundo.
Naturalmente, com os episódios trágicos de 11 de setembro, essa situação agravou-se, porque os Estados Unidos definiram como inimigo o terrorismo internacional. Mas é um inimigo difuso, não se sabe onde ele está. Pode estar no Norte do Iraque, em Miami, em Cuba, em todas as partes. Sendo o inimigo difuso e terrível, pode e deve ser atacado de qualquer forma, a qualquer momento, sem obediência às regras do sistema internacional, do direito internacional. Isso gera uma enorme instabilidade, o que também serve de pretexto para que outros países classifiquem como terroristas seus inimigos. Então, digamos, na Ásia, a Índia considera que os movimentos paquistaneses são terroristas e permite uma ação militar sem limites, porque a guerra contra o terrorismo, como foi dito, não tem limites, não obedece às convenções internacionais sobre direitos humanos. É totalmente livre de qualquer restrição e permite também a restrição aos direitos civis dentro dos Estados Unidos, o que tem ocorrido seguidamente para grande preocupação dos movimentos sociais daquele país. Isso gera uma instabilidade extraordinária no sistema internacional, por uma razão interessante: é preciso que, no centro do sistema internacional, a principal potência projete, em primeiro lugar, a imagem de ser uma perfeita democracia, exemplo para o mundo.
Os acontecimentos da eleição da Flórida colocaram em dúvida os resultados das eleições presidenciais, que hoje estão ressurgindo. Na época, houve decisão do Tribunal Superior, que interrompeu a contagem de votos e deu posse a um dos candidatos. Isso hoje está sendo novamente contestado. A imagem de perfeita democracia é essencial para o funcionamento do sistema, para que, na periferia, as elites que servem ao sistema possam apresentar às suas populações que somos liderados por um país melhor que nós.
Segundo, é preciso que haja uma imagem de extraordinária eficiência, que era o crescimento da economia americana. Verificamos que grande parte desse crescimento era gerado por lucros fictícios, pela manipulação dos balanços das empresas e do mercado, aquela euforia econômica era devida, em parte, à fraude.
Depois, era preciso que o centro do sistema projetasse uma imagem de honestidade empresarial e de eficiência. Ontem, um dos principais executivos da Enron, como saiu na televisão para quem quis ver, confessou ter manipulado balanços, e vai devolver a modesta quantia de US$11.000.000,00.
Uma das partes do processo ideológico é dizer para a periferia que somos corruptos, o que significa que os outros são honestos. Então, temos de ter vergonha de nós mesmos. Temos de nos envergonhar e submeter-nos a essa liderança, porque ela é honesta, é melhor, mais democrática. Os vínculos entre as principais autoridades e o sistema de manipulação de balanços existem e estão sendo investigados. Há enorme preocupação, até nos Estados Unidos, das elites mais esclarecidas com as conseqüências desse tipo de estratégia governamental de violação da imagem.
Uma imagem que precisa ser projetada é que o centro do sistema é a favor da lei e da ordem. Se é a favor da lei e da ordem, significa que obedece aos tratados assinados, à sua própria legislação interna. Outra imagem é que o centro do sistema é o principal defensor dos direitos humanos não só dentro do País, como fora dele, e não é a isso que estamos assistindo. Isso abala a imagem necessária a esse condomínio hegemonial porque mantém um processo de dominação que vem desde a época das grandes navegações: a idéia de que o centro é superior e, por isso, tem direitos superiores aos povos periféricos.
Não é só um problema de grande instabilidade. Há, por exemplo, no momento, a ameaça de um ataque preventivo ao Iraque, a partir da presunção de que este teria armas de destruição em massa e que as usaria. A partir dessa premissa, seria feita uma guerra preventiva, o que contraria todo o direito internacional, contraria frontalmente a carta das Nações Unidas, tudo o que se conhece de direito internacional, de tratados internacionais. É gravíssimo, porque ninguém sabe o que pode decorrer de uma intervenção em larga escala no Iraque. Quais serão as repercussões nos outros países da região, na Europa, e assim por diante?
A estratégia americana em relação ao conflito entre palestinos, árabes e israelenses é altamente desestabilizadora, ao contrário da situação anterior, na qual se tentava chegar a um acordo de paz que respeitasse resoluções das Nações Unidas, que determinava ao Estado de Israel que devolvesse os territórios ocupados. São decisões como essa que determinaram ao Iraque a devolução do Kuwait, razão da intervenção.
Isso aos olhos dos palestinos e árabes é duplo padrão de comportamento, inadmissível. E a política antiterrorista permite ao governo israelense executar uma série de medidas: se o indivíduo tem um parente que é suspeito de ser terrorista, pode ter a sua casa arrasada. Ele não é terrorista, é parente de um suspeito de ser terrorista, mas um buldôzer arrasa sua casa. Isso cria uma instabilidade de longo prazo extraordinária nas populações.
Essa nova desordem caracteriza-se, por um lado, pelo surgimento de novos pólos de poder no mundo, que é um sistema multipolar e, por outro lado, pela adoção de uma política nova, uma nova estratégia americana de imposição da vontade pela força, e de um certo desprezo pelos tratados internacionais de toda ordem. Ao mesmo tempo, é uma tentativa de consagrar esses privilégios do centro do sistema. No caso da América do Sul, qual estratégia se verifica na prática?
Em primeiro lugar, é uma estratégia de natureza militar. Os países não podem ter armas de destruição em massa. Isto é, alguns países não podem, outros podem. Os países que podem têm o direito de desenvolvê-las e de torná-las ainda mais eficientes. Os outros não podem.
Outra estratégia é manter toda a rede de bases militares existentes no mundo, apesar de não haver um país como a União Soviética que coloque em risco o outro lado. Mas as bases são mantidas. Será que as bases da OTAN são bases dos exércitos dos países do tratado para conter a União Soviética? Mas a União Soviética não existe mais. A União Soviética já aderiu.
Se as bases são da OTAN, não são bases americanas. Por que não há soldados europeus em território americano? Deveria haver. Deveria haver soldados americanos em território europeu e soldados europeus em território americano. Essa base de acordos e bases militares no mundo serve para manter o sistema de privilégios, que levou ao agravamento das diferenças de renda entre os países.
O último relatório do Banco Mundial revela quanto cresceu essa diferença de renda: “a renda dos 20 países mais ricos já é 37 vezes maior que a dos 20 países mais pobres. Naturalmente que há os países mais pobres, mas há os mais ricos. Os que são mais ricos beneficiam-se desse sistema político e econômico internacional e militar, que é para garantir a sobrevivência desse sistema”.
No caso da política econômica para a América do Sul, qual é o objetivo? O objetivo é manter a atual estratégia econômica. Podemos observar, no noticiário, que há várias iniciativas nesse sentido. Primeiro, obter dos candidatos que se comprometam com o acordo com o FMI, que, aliás, não está pronto. Quando um dos candidatos pediu o texto, foi dada a resposta de que ele não estava pronto. Está-se pedindo compromisso a um acordo que não está pronto; mas que é basicamente manter a mesma política econômica. Essa é uma possibilidade.
Uma outra é eleger um candidato que mantenha a mesma política econômica. A terceira é eleger qualquer candidato que mantenha a mesma política econômica. A quarta estratégia é criar agências reguladoras que sejam “técnicas”, entre aspas, com mandato. Criou-se uma plêiade de agências reguladoras e um movimento profundamente antidemocrático e pseudotécnico, para garantir que uma determinada visão de política econômica atravessasse um mandato e entrasse pelo outro, por causa do mandato dos seus diretores.
Em relação à política de petróleo, há uma nova diretoria, porque a anterior deixou de ser competente, e o seu mandato, que era de quatro anos, de repente, foi reduzido na prática. Foi nomeado outro diretor, cujo mandato entra pelo próximo mandato governamental do Presidente da República. O Presidente, eleito pelo voto do povo, não poderá alterar a política de petróleo, porque lá está uma diretoria designada por mandato. Sabemos quão eficiente é a agência de energia elétrica em termos de planejamento e fornecimento de energia. Sabemos quão eficientes são as novas companhias telefônicas, bem como a ANATEL.
Finalmente, temos outra possibilidade de manter as mesmas regras e os mesmos privilégios - são os tratados internacionais. Um deles é o tratado que cria a ALCA, estabelecendo uma série de compromissos para os países-membros, o que, na prática, corresponde a ter de manter a atual estratégia de política econômica.
São várias iniciativas em diversos campos, todas com o mesmo objetivo: manter as estratégias de política econômica que vêm sendo implementadas no Brasil, principalmente a partir de 1990; na área política, garantir o alinhamento desses países da América do Sul com a estratégia política americana em nível internacional e regional, e alinhar esses países na questão ao narcotráfico. Qual a estratégia para o narcotráfico? Deixar o consumo livre, ou reprimir os consumidores, não descriminalizar e combater a produção de qualquer forma. Essa é uma estratégia de ação militar contra o narcotráfico, o que obviamente não tem a menor chance de êxito. Aliás, tem sido um fracasso retumbante, desde que se iniciou. As plantações saem de um país para outro. Li que estavam testando novas plantações no Congo, na Geórgia e num país da Oceania. Mesmo que consigam extirpar essas plantações, outras surgirão, porque há uma demanda. Como há criminalização, os preços ficam mais altos e o negócio torna-se extremamente lucrativo.
É preciso alinhar os países da União com as estratégias, no caso do narcotráfico, do combate à guerrilha na Colômbia e no caso do ataque ao Iraque. Eventualmente, podem contribuir com algumas tropas para reduzir o custo e o número de mortos dos países do centro.
Essa é a estratégia. Acontece que o sistema é tão desestabilizador que gera movimentos e protestos não só nas populações que são prejudicadas, mas também nas elites. Vemos o primeiro mandatário dizer que o mundo enlouqueceu ou - hoje nos jornais - que nos estão asfixiando. Há preocupação das próprias elites dos países periféricos com a instabilidade do sistema internacional, tanto do ponto de vista econômico, quanto social, militar e político, sem contar o reaparecimento dos partidos nazistas e de extrema direita nos países europeus, a violência, a criminalidade que se expande, usando até os meios mais modernos como a Internet, sem contar a degradação do meio ambiente, principalmente nos países da periferia.
Essas são algumas reflexões sobre nova desordem. Naturalmente, essa estratégia para os países da América do Sul corresponde à desconstrução da soberania. Ou seja, os países não podem ter política econômica, só podem ter a política da desregulamentação, da abertura, livre movimentação de capitais, total liberdade para os capitais estrangeiros. Os países não podem ter armas. Portanto, também não podem ter uma parte importante da soberania e, naturalmente, por causa da própria fragilidade do seu Estado, não têm soberania para se manterem de forma adequada no cenário internacional. Então, esse é um processo de reconstrução do sistema colonial. Vemos alguns países independentes que hoje são administrados por equipes do FMI na prática, ou que seguem aquela política, o que dá na mesma coisa. Apenas o administrador é nacional. A política é estrangeira, vem de fora. O administrador até parece ser nacional. Ele fala sem sotaque a língua do país. Alguns têm sotaques ou hesitações típicas de idiomas estrangeiros, apesar de aparentemente terem nacionalidade brasileira.
Então, esse é o sistema de volta ao passado. Estamos vivendo um momento em que as organizações da sociedade e os movimentos sociais rebelam-se e tomam a iniciativa de promover encontros como este. Quero parabenizar os organizadores e todos os presentes e agradecer à Assembléia Legislativa pela disposição de lutar pela soberania do País. Muito obrigado a todos.