Pronunciamentos

ROBERTO RODRIGUES, Presidente da Aliança Cooperativa Internacional.

Discurso

Comenta o tema do evento.
Reunião 69ª reunião ESPECIAL
Legislatura 14ª legislatura, 2ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 06/05/2000
Página 22, Coluna 2
Evento II Encontro Nacional das Frentes Parlamentares do Cooperativismo.
Assunto INDÚSTRIA, COMÉRCIO E SERVIÇOS.
Observação Participantes dos debates: Giovani Cherini, Paulo Rubens Santiago, Neodi Saretta.

69ª REUNIÃO ESPECIAL DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 14ª LEGISLATURA, EM 3/4/2000 Palavras do Sr. Roberto Rodrigues Ilustre Deputado José Braga, Presidente dos trabalhos desta tarde, ilustre Senador Francelino Pereira, permitam-me saudar, na pessoa de V. Exas., as autoridades que compõem a Mesa, pois o meu tempo é de apenas 30 minutos. Se tivesse que saudar a todos, seguramente teria que falar das honras que cada um merece e perderia a chance de contar as minhas tristezas para este Plenário maravilhoso. Cumprimento, nas pessoas do Dr. Francelino e do Deputado José Braga, a todos os meus amigos cooperativistas de Minas Gerais e de todo o Brasil que aqui estão. Gostaria de agradecer ao meu amigo Deputado Paulo Piau e à FRENCOOP de Minas Gerais a oportunidade de participar de um evento tão importante, que se coloca como missão desses dois dias de reunião aqui em Belo Horizonte. Quero agradecer, também, a oportunidade de encontrar aqui tantos amigos queridos de Minas Gerais e de outros Estados para, com a sua contribuição, enriquecer o trabalho das FRENCOOPs do Brasil inteiro. O tema que me cabe é o cooperativismo no mundo. Vou dividi-lo em duas partes. Primeiro, vou contar o que é a Aliança Cooperativa Internacional - ACI -, para que os senhores tenham uma dimensão do que isso significa. Depois, passarei ao tema propriamente dito. A ACI é um órgão criado em 1895, na Europa, portanto tem 105 anos de idade. Congrega organizações nacionais ou setoriais de cooperativas do mundo inteiro. São 250 organizações de 101 países que se filiam à ACI. E os membros individuais das cooperativas nucleadas por essas organizações nacionais ou setoriais somam 800 milhões de pessoas do mundo inteiro. Com suas famílias e funcionários agregados, esses 800 milhões de pessoas representam 3 bilhões de pessoas no mundo inteiro ligadas ao cooperativismo, ou seja, metade da população do planeta tem alguma vinculação com o cooperativismo. Quando se comparam esses dados com os números do cooperativismo brasileiro - temos 160 milhões de habitantes e pouco mais de 15 milhões de pessoas agregadas ao sistema -, podemos verificar como ainda estamos engatinhando no processo associativo e cooperativista em nosso País. São 800 milhões de pessoas sócias individuais e 3 bilhões de pessoas envolvidas, razão pela qual, em alguns países - e mesmo aqui alguns companheiros da FRENCOOP, e o amigo Nárcio Rodrigues se refere de alguma forma, em algumas ocasiões, a esse fato -, as pessoas chamam o Presidente da ACI de “o papa do cooperativismo”, porque nem a Igreja Católica tem tantos membros pelo mundo afora como a ACI. E faço questão de recusar essa denominação, porque o Papa é celibatário, e essa é uma coisa que não interessa muito ao Presidente da ACI. O que faz a ACI? Ela tem três obrigações fundamentais. A primeira é preservar e difundir a doutrina cooperativista e seus princípios, que são universais e que, portanto, demandam a compreensão de cooperativistas do mundo inteiro para a necessidade da integração do sistema de uma forma una. É como se fossem princípios doutrinários de uma única religião. Não se pode admitir mais de uma igreja para os mesmos princípios. A igreja do cooperativismo tem de ser una, porque os princípios são unos e universalmente reconhecidos. Segundo, dentro dos países, lutamos com governos, com parlamentos do mundo inteiro, quando somos chamados para isso, para que eles tenham legislações que não excluam o sistema cooperativista. O cooperativismo tem crescido muito no mundo ultimamente, e, em razão desse fato, há uma grande oposição de setores econômicos a esse crescimento. Essa oposição se traduz, muitas vezes, por “lobbies” que inibem legislações positivas, pró-ativas em favor do cooperativismo. E, mais do que isso, muitas vezes, por “lobbies” que levam a legislações excludentes, que excluem o sistema cooperativista. A ACI tem a função de ir a esses países lutar por novas e mais complexas legislações que permitam não a exclusão, mas a inclusão do sistema cooperativista no modelo econômico dos diversos países. A terceira função da ACI é promover reuniões, congressos, eventos e seminários envolvendo todos os setores cooperativistas dos diversos países do mundo, para que intercambiem opiniões, impressões, informações, modelos gerenciais e, sobretudo agora, para que possam permitir às cooperativas intercâmbios comerciais em benefício dos associados. Para isso, a ACI está organizada em dois grandes modelos descentralizados. O primeiro modelo são os Conselhos Continentais. Cada continente tem um conselho que agrupa todos os modelos cooperativistas existentes naquele continente. Temos, então, quatro Presidentes de Conselhos Continentais, um em cada continente, que são, naturalmente, Vice-Presidentes da ACI. Temos 14 setores mundiais por ramo cooperativista: agrícola, de trabalho, de crédito, de consumo, de seguro e assim por diante, cujos Presidentes ou fazem parte do Conselho Mundial da ACI ou são representados por algum líder daquele segmento nesse Conselho Mundial da ACI. Temos, então, um conselho com 22 pessoas, sendo 14 representantes dos diversos segmentos, 4 dos diversos continentes e mais 4 eleitos para representantes da academia ou de setores mais harmoniosos do cooperativismo mundial. Esse “board” mundial se reúne duas vezes por ano para traçar a política de ação da ACI, que é executada por escritórios continentais. Na América, temos um escritório na Costa Rica; na Europa, em Genebra. Na Ásia, temos dois escritórios; um em Nova Déli, na Índia, e outro em Cingapura. Na África, pelas complicações que o continente tem, temos um escritório em Nairóbi, no Quênia; um em Burkina Faso, na cidade de Ouagadougou, e outro escritório no Cairo, no Egito. Os Diretores Regionais de escritórios se reúnem sistematicamente, buscando uma interação na linha de defesa e de ação que a ACI tem em sua meta de trabalho. Isso demonstra aos senhores ligeiramente o que é a ACI, qual a sua expressão mundial e qual a sua tarefa. Vamos agora ao tema propriamente dito, o cooperativismo no mundo. Começarei contando a história de um casamento. Parece-me muito interessante, numa segunda-feira, falar de casamento. No dia em que caiu o Muro de Berlim, houve um casamento trágico para a humanidade. Casaram-se dois veteranos conhecidos do mundo inteiro. Uma senhora muito conhecida, chamada globalidade econômica, e um senhor igualmente conhecido e também pouco amado, chamado liberalismo comercial. Quando a globalidade econômica se casou com o liberalismo comercial, a terra tremeu. E todos rezaram para que não tivessem filhos, porque, quando seres velhos como eles têm filhos, não é muito bom, porque não sabem educar, não têm paciência, esse negócio não funciona direito. Mas teimaram e tiveram duas filhas gêmeas, univitelinas, que estão arrebatando o planeta. Uma se chama concentração empresarial, e a outra, exclusão social, que andam juntas, galopando, brida solta pelo mundo afora, destruindo patrimônios e construindo riquezas da noite para o dia, sem a menor cerimônia, desconsiderando tradições, raízes, história, criando um terror econômico pelo mundo afora. Todos conhecem essa realidade mundial da concentração econômica, da concentração empresarial e da exclusão social. Estamos vendo, todos os dias, nos jornais, Banco que compra Banco, seguradora que compra seguradora, supermercado que compra supermercado, empresa de “agribusiness” que compra empresa de “agribusiness”. Está todo o mundo se juntando, e, quanto mais se juntam, em nome de uma pretensa economia geral e de um pretenso benefício à sociedade, mais exclusão social, desemprego, falta de horizonte e de expectativa em relação ao futuro. É nesse cenário de um mundo mutante, onde a única coisa que não muda é que tudo muda, que está inserido o cooperativismo mundial. E é um modelo de cooperativismo que tem uma definição clássica muito interessante. É o modelo central de democracia econômica, em que a participação de cada membro independe do seu tamanho ou da sua capacidade empresarial. Essa democracia econômica, que é a beleza do sistema cooperativista, está também criando problemas para o cooperativismo no mundo afora. Por quê? Basicamente porque essa democracia econômica faz com que a liderança cooperativista no mundo afora sempre procure consultar os membros da sua base para tomar decisões em relação a ações que têm de ser implementadas pela cooperativa. O mundo globalizado que temos hoje, ágil, de comunicação em tempo real a qualquer momento, impede que isso continue a acontecer, ou seja, não há mais espaço para o velho líder cooperativista, cuja característica fundamental era consultar e interpretar os anseios da base e tomar decisões a partir da interpretação. Não há mais tempo para isso, porque, se ele for consultar, quando a consulta terminar, o cavalo já passou arreado, alguém já montou nele lá na frente, e a cooperativa perdeu a oportunidade do negócio. Não há mais espaço para isso. Como conciliar a absolutamente imprescindível democracia do cooperativismo com a agilidade que o mundo moderno impõe? Só há um jeito. Precisamos de um novo líder, não mais aquele que exclusivamente consulta ou interpreta, mas aquele que, além de ter seus valores pessoais claros - que são valores definidos pelo cooperativismo, de honestidade, democracia, liberdade -, tem visão, projeto. Quando elegemos uma pessoa, não o fazemos porque é um bom sujeito, honesto, sério, um bom pai de família, apenas. Tudo isso é fundamental, mas ele, mais do que isso, tem de ter um projeto de tal forma, que, se eleito, está eleito o seu projeto, o seu programa de trabalho, razão pela qual ele não tem mais que tomar decisões pendentes de consultas à sua base. Ele pode seguir o seu trabalho, obviamente assumindo os riscos que as decisões implicam. Levamos em consideração um aspecto fundamental. Jamais ele pode ser um ditador; tem de ser um condutor, um programador, aquele que tem a visão do projeto, convence a sua base e recebe dela o mandato para cumprir o seu projeto. Caso contrário, é ditadura. E nada pior em cooperativa que a ditadura. Mas esse novo líder, que tem de ser visionário e ter capacidade de convencer, tem de ter também coragem pessoal. Essa é uma coisa que aparentemente contradiz a doutrina cooperativista. Por que um líder cooperativista tem de ter coragem? Para colocar para fora da cooperativa o mau cooperado, o mau funcionário, o mau dirigente; colocar para fora do sistema a má cooperativa. Hoje o mundo está cheio de cooperativas que usam o radical cooperativismo - porque as legislações nacionais ficaram obsoletas, porque não existem sistemas claros ou por qualquer outra razão - em benefício de uma ou duas pessoas. É preciso acabar com esse tipo de coisa por via de legislações nacionais mais modernas, mais consistentes e mais conseqüentes com relação à realidade que vivemos hoje. Então, é preciso ter coragem pessoal, além de ter visão. Mas não basta. O novo líder cooperativista e o novo modelo cooperativista têm de ter também capacidade de fazer fusões e incorporações, reduzindo o número de cooperativas. Esse é um assunto com o qual me venho batendo há muitos anos, e o Alfeu, o Flodoaldo, o Agostinho, o Ronaldo e tantos amigos que hoje estão aqui são testemunhas disso e sabem dessa luta de anos. Não dá mais para ter uma cooperativa em cada município, não é preciso. Precisamos reduzir custos, porque o que está havendo hoje é concorrência e competição entre cooperativas, quando a doutrina exige cooperação entre cooperativas. Os países desenvolvidos têm hoje, na sua Folha de Ação Cooperativista, no nº 1, fusão, incorporação, redução do número de cooperativas, em benefício do coletivo. Isso pode parecer uma contradição. Se afirmarmos que, daquelas duas irmãs gêmeas, a concentração implica exclusão, como defender a fusão de cooperativas, que é também um modelo concentrador? Por uma razão muito simples, e não há aí nenhuma contradição, nenhum paradoxo. As cooperativas são o único setor que deve se concentrar, e jamais excluirão. Ao contrário, à medida que se concentram e aumentam o seu poder de fogo no mercado, garantem ao seu cooperado não apenas o acesso ao mercado local, que já têm, pela cooperativa, mas também o acesso a mercados internacionais, que só a grande empresa cooperativa pode ter. Esse é hoje o modelo seguido pelo mundo inteiro e que, no Brasil, ainda rezinga, em razão de vaidades pessoais, ciúmes, vantagens e de pequenos poderes que são distribuídos pelas cooperativas pelo País afora. As cooperativas têm de buscar novas alianças estratégicas, precisam cuidar da sua imagem, fazer investimentos maciços em recursos humanos e trabalhar suas relações com o Estado, particularmente em busca de novas legislações, que não excluam o sistema cooperativista. Todo esse projeto de nova liderança, de profissionalização, de aliança estratégica, de fusões e incorporações, de recursos humanos está inserido numa vertente muito mais séria do que uma descrição de ação da cooperativa. Por trás disso tudo, há uma filosofia importante. Quando as cooperativas surgiram na Europa, em meados do século XIX, como uma reação à Revolução Industrial, que também provocava exclusão social, elas foram tratadas - e isso durou até a queda do Muro de Berlim - como a terceira via para o desenvolvimento econômico e social, entre o capitalismo e o socialismo. Por aí fluía o caudal cooperativista, para uma terceira via. Hoje, já não se pode dizer que existe socialismo nem capitalismo. Ambos os modelos, de certa forma, cada um a sua maneira, fracassaram num passado recente. Então, já não existem as duas margens do capitalismo e do socialismo no mundo moderno. As cooperativas têm que construir um novo caudal, e é nisso que a ACI está empenhada, visceralmente. Esse novo caudal tem outras margens. De um lado, é o mercado, que está aí, queiramos ou não. As cooperativas devem ser empresas competitivas, eficientes, profissionais, competindo no mercado e ganhando, prestando serviços a seus cooperados de maneira a garantir-lhes agregação ao seu valor, ao valor do seu serviço, ao seu produto. A outra margem é a felicidade das pessoas, o bem-estar das pessoas, porque cooperativa é uma questão de gente, não é uma questão de capital. Então, o novo fluxo do cooperativismo já não é o caudal entre o capitalismo e o socialismo, que era a definição até então, que chamo de a primeira onda da história cooperativista. Na segunda onda, a cooperativa é uma ponte, e não o fluxo, é uma ponte entre o mercado e a felicidade das pessoas. Temos que construir a nova realidade cooperativista segundo esse modelo de modernização, etc. Nessa realidade do desemprego - talvez a mais feia face da exclusão social, mas não a única -, é preciso citar dois ou três, digamos, fantasmas que estão assombrando a humanidade, simplesmente pelo fato de serem desconhecidos, pelo fato de serem o novo. Sempre temos medo do novo, daquilo que não conhecemos. Há dois universos circulando pelo mundo afora hoje, que são, para as cooperativas, uma oportunidade e uma ameaça. Um deles é a Internet, e o outro é a biotecnologia. São dois gigantes fantásticos que vieram para ficar - sabemos como começou, mas não sabemos como vai acabar. Estive, em janeiro, no World Economic Forum, na Suíça, um evento extraordinário, do qual participaram economistas, políticos, empresários do mundo inteiro, em uma semana de trabalho contínuo e estafante, em que se realizaram 322 painéis. Desses 322 painéis, nenhum falou sobre agricultura, nenhum tratou de agricultura, e 91 cuidaram da Internet, ou seja, 1/3 dos painéis, direta ou indiretamente, trataram da Internet. Voltei preocupado com esse assunto, pelas duas razões, seja porque a agricultura não foi considerada, seja porque a Internet foi excessivamente tratada, e me convenci de duas coisas. Primeiro, a agricultura não é um assunto que interessa para rico. Rico não quer falar sobre agricultura. Não é país rico, é pessoa rica. Gente rica não quer falar sobre agricultura, por uma razão óbvia. O que ele gasta para comer é um pedaço muito pequeno do seu orçamento, ele gasta mesmo é em ações, em investimentos. Então, é isso o que importa conversar para um indivíduo rico, seja mulher, seja homem. Então, falar de agricultura para gente rica é um assunto chato, ou seja, falar de esterco de vaca, graxa de trator, cheiro de herbicida, adubo, poeira, sujeira, isso é coisa de pobre. Rico não quer falar de agricultura. Então, o que o rico fala para o seu governo, que também é rico? Fala o seguinte: eu não quero tratar de agricultura. Comida, roupa e essas coisas, alguém vai produzir para nós, de uma forma ou de outra. Você, governo, resolva esse problema para mim, pagando o que tiver que pagar. Eu pago, porque sou rico. Esse é um conceito que deve entrar na cabeça da gente. Eu pago, porque eu sou rico. Eu posso pagar. E os governos ricos ficam felizes com isso, porque recolhem impostos pagos pelos ricos e subsidiam seus agricultores, em detrimento dos países pobres, como é o caso do Brasil, que não pode subsidiar os seus produtores ou acha que não pode, porque essa não é uma opção política do Governo brasileiro. Então, temos que ter claramente esse conceito. Não tenhamos ilusões de que o protecionismo dos países ricos vai acabar ou diminuir em curto prazo, porque as pessoas que compõem esse países querem ficar livres dessa discussão, não querem ter esse problema para conversar e pagam para que os seus governos subsidiem os agricultores. Então, isso é muito importante para nós, porque vamos falar sobre isso daqui a pouco, sobre o papel das cooperativas agrícolas nesse novo projeto. O segundo assunto é a Internet. Vinha falando bastante sobre isso, agora, há pouco, com o Alfeu, que está preocupadíssimo com isso. Quando eu vinha trazendo o milho, ele estava voltando com a farinha, já com um projeto interessante, que a OCEMG está montando em Minas Gerais. Mas é o seguinte: para que eu preciso da minha cooperativa? Eu sento na minha fazenda, no meu computador e compro adubo em Vancouver, compro semente em Rosário, compro máquina na República Tcheca. Não preciso sair da minha casa. Vendo a minha soja em Chicago, sem sair da minha fazenda. Para que eu preciso da minha cooperativa? Para que eu preciso da minha cooperativa de crédito se faço operação de crédito pelo computador? Então, as cooperativas precisam olhar esse novo universo da Internet com muita seriedade. Acho que se abre para a cooperativa uma oportunidade fantástica com a Internet. Ela será a agente de logística, porque comprar adubo em Vancouver é fácil. Mas o adubo chegar na minha fazenda, na hora certa, empacotado do jeito que eu quero é o pepino. A cooperativa, sem dúvida, tem, na área financeira, na área do crédito, do seguro, do transporte, da armazenagem, da distribuição, da logística, enfim, o grande papel moderno por via da Internet. Há uma série de variáveis que poderíamos levar em consideração sobre isso, mas não vou tomar muito o tempo, porque, senão, não conseguiremos terminar o raciocínio sobre esse assunto, mas é um mundo novo que assusta. Preocupo-me, Senador Francelino Pereira, até com o aspecto relacionado à Internet. Estou na minha fazenda, cada um está na sua casa, e compramos desde passagem de avião até automóvel pela Internet. Já não é necessário sair de casa para fazer as coisas. Hoje, fala-se que não vai sobrar nenhuma agência de viagens daqui a um ano. Todos vão comprar passagem direto pela Internet. Estive, há poucos dias, na França, na Itália, e disseram-me o seguinte: o parlamento europeu já não representa o eleitorado europeu. Perguntei quantas pessoas votaram no parlamento europeu: 23% dos eleitores. Então, a pergunta é: não representa porque só 23% votaram ou 23% votaram porque não representavam? Onde está o ovo e onde está a galinha? Embora não consigamos descobrir esse fato, há uma conseqüência clara nesse processo: 23% não representa mesmo. Quem representa quem, então? Quem vai representar quem, se posso fazer tudo com o meu computador, isoladamente, sozinho? Quem terá legitimidade? Não haverá, nesse caso, um risco para as instituições públicas e privadas? Com a informática, com a comunicação em tempo real, só sobreviverá a instituição, seja governo, seja iniciativa privada, que agregar valor ao seu mutuário, ao seu cliente. Quem não fizer isso vai desaparecer na poeira do tempo, como empresas gigantescas estão desaparecendo agora, em razão das duas irmãs que estão galopando pelo mundo afora. Estou fazendo uma afirmação um pouco metafísica, para provocar o debate e criar, na cabeça de todos nós, uma expectativa que deve ser detalhada e observada com rigor. Eu me preocupo com o cooperativismo, no primeiro momento, em relação à Internet, ou seja, nós, cooperativistas, temos que usar esse instrumento, e, não, fugir dele. Se fugirmos, seremos isolados. Daqui a cinco anos, quem não tiver um computador será como uma pessoa que hoje não tem carta de motorista. A Internet pode ser um ampliador do capital social pelo mundo afora. Aí está um papel novo, que as cooperativas têm que assumir. Isso me leva a uma outra consideração. Imagino que já esteja com o tempo terminando. Sr. Presidente, o senhor me avise quando estiver terminando o tempo, porque, senão, vou até depois de amanhã, ainda por cima com um violão, não saímos nunca mais do microfone. Qual é o grande problema dos governos sérios do mundo inteiro, hoje? O grande problema é a exclusão social, representada, de maneira geral, pelo desemprego. Outro problema terrível que os governos enfrentam hoje é a preservação dos recursos naturais. Outro problema é a distribuição da renda. Mas, de todos eles, sem dúvida, o mais agressivo, do ponto de vista de credibilidade de sustentação governamental, é o desemprego. Um aspecto terrível do desemprego hoje é a ameaça que ele faz à estabilidade dos governos. Vejam vocês: a Grande São Paulo tem hoje, segundo dados oficiais, 1.500.000 desempregados. É algo em torno disso. Imaginem se 1.300.000 pessoas se organizassem sob um comando único: que governo agüenta uma coisa dessas? Isso é mais do que o Exército brasileiro sediado no Estado de São Paulo. É uma força militar que aniquila qualquer condição de sustentação governamental. O desemprego, no mundo, está se transformando em uma ameaça brutal a governos e, mais do que isso, a democracias. A OIT fala hoje em cerca de 2 bilhões de pessoas, no mundo, subempregadas ou desempregadas. Isso já não é uma minoria. Isso já é a maioria da população economicamente ativa no planeta. Então, a ameaça que essas duas irmãs, a concentração e a exclusão, provocam à democracia é, sem dúvida, a mais grave já sofrida pela democracia na história universal. Onde entra o cooperativismo nisso? O cooperativismo é hoje um agente que vai exatamente responder às questões colocadas antes, gera empregos. O cooperativismo de trabalho está explodindo no mundo inteiro. Poderia dar centenas de exemplos, que são observados pelo mundo afora, mas há um exemplo que faço questão de dar. Na Itália, na Espanha, nos países nórdicos e em alguns países asiáticos, está surgindo um trabalho novo, que é o seguinte: milhares de pessoas, médicos, paramédicos, psicólogos, enfermeiras, que se formam nas universidades não encontram emprego na área pública nem na área privada. Eles estão se organizando em cooperativas de serviços sociais de trabalho, prestando serviços a pessoas enfermas, a velhos, a crianças, a pessoas com determinadas carências físicas ou mentais, na relação entre pessoas, criando hospitais e modelos de clínicas. Eles estão crescendo, desobrigando os Estados que já não conseguem atender a essa demanda gigantesca. Aliás, o crescimento da faixa etária, no mundo, está causando essa demanda. Hoje, todos temos uma expectativa de vida muito maior do que há dez anos. Então, está aumentando a demanda desse tipo de serviço. Então, esses jovens se encontram em cooperativas, gerando emprego e trabalho, com extraordinária repercussão pelo mundo afora. Há poucos meses, estive na Dinamarca, que tem um problema crucial. O serviço social de seguridade social que dá o seguro- desemprego a trabalhadores está começando a virar o disco. Jovens saem da universidade, não têm emprego, filiam-se à seguridade social e recebem um salário de US$1.500,00 por mês, que é um pequeno salário comparado com a renda “per capita” do cidadão dinamarquês comum. Ele se casa com uma outra jovem, associa-se a uma outra jovem colega que também se filia e tem mais US$1.500,00. Então, é um casalzinho com US$3.000,00 de renda “per capita” por mês, e vive-se perfeitamente bem na Dinamarca. Compram uma bicicleta e vão passear pela Dinamarca, pela Suécia, pela Finlândia, pela Noruega. Isso é uma beleza. Resultado: está crescendo uma geração jovem sem compromisso com o país, com a história, com a realidade. A sociedade está começando a reagir a isso, querendo reduzir esses salários, ao que se opõem os pais desses jovens, porque, se reduzirem os salários, eles é que terão que bancá-los. Então, há uma contradição nesse aspecto que as cooperativas estão resolvendo, gerando emprego e trabalho para todas as profissões do mundo inteiro. Então, o que significa isso? As cooperativas estão dando resposta a governos e gerando empregos. Segundo, as cooperativas são, evidentemente, entidades que procuram distribuir a renda, combater as injustiças sociais e têm um papel fundamental na democracia econômica dos diversos países. As cooperativas defendem o meio ambiente. Está nos princípios cooperativistas a defesa do meio ambiente. Esse é um dos itens da preocupação com a comunidade e defesa do meio ambiente. Então, é preciso que o cooperativismo se transforme hoje em parceiro ideal para governos democráticos sérios, porque está defendendo as mesmas coisas que eles. É preciso que os países todos tenham legislações que permitam ao cooperativismo exercer o papel de parceiro, e não ser combatido, como, por exemplo, é combatido, no Brasil inteiro, por certos setores do poder público, por falta de legislação adequada. É preciso cuidar da legislação que permita às cooperativas serem parceiras de governos sérios, para defender a democracia, que é a melhor forma de regime de governo, é preciso cuidar de legislações que permitam às cooperativas exercer essa parceria em defesa da democracia e, mais que isso, defendendo a democracia estamos defendendo a paz, que está colocada em risco no mundo inteiro. Amanhã, estou indo para Bogotá para uma reunião importante para a qual fui convidado, em busca de soluções cooperativistas para a paz na Colômbia. De lá vou para Israel, onde, sexta-feira, participarei de uma discussão em busca de acordos entre facções rivais em Israel. De lá, vou para a França, para uma discussão no UNICEF, exatamente em busca de caminhos novos para órgãos sociais privados, para diminuir o desemprego, para diminuir as desigualdades sociais. Assim, as cooperativas têm um papel relevante no mundo inteiro em defesa da democracia, em defesa da paz. Cada país tem que buscar mecanismos legais que permitam às cooperativas exercer esse papel relevante, novo, que transcende o papel social de empresas ligadas à economia social. Isso, evidentemente, tem que ser colocado levando em consideração as contradições intrínsecas do sistema cooperativista. As contradições são inúmeras; não temos tempo de falar de todas, mas vamos falar de duas sobre as quais vale a pena tecer alguns comentários. A primeira é o seguinte: o que é cooperativismo? Qual é a definição clássica de cooperativismo? Vou falar numa mesa em que há vários professores dessa área. Cooperativismo é uma doutrina que visa corrigir o social através do econômico. Portanto, é uma doutrina fantástica, e cabe sob medida em países que têm grandes diferenças sociais, como é o caso do Brasil, da Bolívia, dos países africanos, dos países da América Central e do Caribe. No entanto, o lugar em que o cooperativismo é mais forte não é o Brasil nem a Bolívia nem os países africanos ou a América Central. Ele é mais forte na Alemanha, no Japão, nos Estados Unidos, no Canadá, na Suíça, na França, e por quê? Se são modelos para melhorar o social através do econômico, por que são eficientes onde o social está resolvido? É porque nesses países existe cultura associativa, e não diploma de cooperativismo apenas. É cultura comportamental que nos falta, mas essa é uma contradição do cooperativismo. Sem formação de recursos humanos, sem treinamento, sem imagem defendendo a diferença cooperativista, não vamos ter nunca uma cultura que nos permita avançar nos números que o mundo moderno tem hoje, dentro do cooperativismo. A segunda contradição dentro desse modelo de defesa da paz e da democracia: é fundamental que consideremos que o cooperativismo não é um instrumento de mudanças de regime, ele visa a corrigir o social através do econômico, distribuindo rendas, cuidando do meio ambiente, gerando empregos, criando cidadãos muito mais conscientes de sua cidadania do que numa relação pura e simples entre empregados e empregadores. Mas o cooperativismo é uma reação às conseqüências que agridem, concentram e excluem. Muitos pensam que cooperativismo é uma reação ao capitalismo, mas não é; ele tem que se servir dos mesmos instrumentos do sistema, para prestar serviços que agreguem valor ao seu associado. Os socialistas falam que vão fazer cooperativas para criar um modelo capitalista; isso é errado. As cooperativas do Leste europeu, quando se transformaram em agências de liberalismo econômico, transformaram-se em fontes de corrupção, inclusive, para os governos. O cooperativismo da Polônia foi execrado porque eram agências de corrupção. Ele tem que se servir dos mesmos instrumentos do modelo socialista para repetir o sistema e dar vantagens aos cooperados dentro do sistema. Então, isso é um dado relevante. Cooperativa não é um elemento de mudança de regime é um elemento de mitigação dos defeitos do regime; tem que se servir dos mesmos elementos para dar vantagens aos cooperados. Basicamente meus senhores, essa era a mensagem que eu queria trazer para os senhores. As cooperativas vivem hoje nesse mundo cambiante, em que a Internet se apresenta como um fantasma e a biotecnologia como outro. Aliás, nem falei de biotecnologia, para não criar assombração neste brilhante e belíssimo Plenário. Mas vou falar uma coisa, outro dia, falaram-me que na EMBRAPA identificaram uma proteína que confere resistência à teia de aranha - é muito resistente a teia de aranha, aquela rede fininha pega insetos enormes, até pássaros. Pois bem, conseguiram isolar, através da biotecnologia, uma proteína que confere resistência à teia de aranha. Inocularam essa proteína nas glândulas mamárias de cabras, tiraram o leite dessas cabras e, desse leite, texturizaram a proteína, criando uma fibra dez vezes mais resistente que o aço, que está sendo usada no Canadá em porta-aviões, impedir que o avião, ao descer, caia do outro lado do porta-aviões. Imaginem isso, teia de aranha em teta de cabra, onde vai parar esse negócio? Onde vai parar a ação do homem “vis-à-vis” à ação de Deus? Não sabemos qual o limite disso, mas temos que ser agentes desse processo. Não podemos fingir que a Internet não existe; que não existe biotecnologia. Temos de assumir responsabilidades em relação a isso e criar mecanismos fundamentais para a defesa da paz e da democracia. Essa é a nova tarefa do cooperativismo no Brasil e no mundo, e para isso precisamos de uma lei moderna que una o sistema cooperativista. E aqui, Senador, como disse, o senhor tem um papel na história do Brasil muito maior que o que a maioria dos brasileiros podem imaginar. O senhor tem a responsabilidade de escrever o documento que vai permitir ao movimento cooperativista brasileiro trabalhar para a paz e a democracia em nosso País. É enorme a responsabilidade, e o senhor me dê licença para pedir uma coisa. A unicidade do sistema tem que ser preservada porque é uma doutrina, são princípios universais. Se eu tiver duas ou três OCBs, vou ter duas ou três igrejas quando a religião é una; não podemos imaginar mais de uma organização cooperativista em cada país. No mundo inteiro, hoje, é o que se busca, e o que o adversário do cooperativismo quer, às vezes sem perceber, ao propor a não-unicidade, é o cisma, como houve o cisma na Igreja Católica. É preciso ter união e integração dentro do sistema cooperativista, caso contrário, teremos várias facções, que é o que interessa a quem quer destruir o sistema. Então, peço-lhe que, por favor, considere essa hipótese da unicidade da representação, e pode haver também uma contradição. Eu defendo a pluralidade sindical, porque não há doutrina por trás disso, mas cooperativismo tem doutrina, tem religião, dogmas fundamentais para nossa sobrevivência. Por favor, considere essa hipótese. Estou às suas ordens para tratar desse assunto. Feito isso, Presidente Paulo Piau, muito obrigado pelo convite, quero cumprimentá-lo. Já o conheço há muitos anos, apesar de sua juventude exuberante e de minha veteranice de avô, mas costumo dizer sempre nas minhas palestras que é uma delícia ser avô. Para dar uma impressão mais alegre, quando meu primeiro neto nasceu, meu pai me falou: “Meu filho, você não sabe como é gostoso ser avô, é uma coisa maravilhosa, mas o duro é dormir com a avó”. Eu discordo, não acho ruim dormir com a avó, não, o ruim é acordar com ela, sempre a mesma avó. Mas não é tão ruim assim, não. O problema de ser avô, grave mesmo, é um animal chamado genro. Esse é um problema dramático; se a gente fosse avô só a partir de nora, seria uma delícia, todas são celestiais, invenções de Deus, angelicais, maravilhosas. Genros são invenções demoníacas, mas temos de ter genros, é a única coisa triste de ser avô. O genro está sempre tomando o uísque que guardei para você e para os Senadores Francelino Pereira e José de Alencar. Quero convidá-los para tomarem um uísque especial lá em casa, mas o genro vai lá, toma o seu uísque sem a sua autorização. É assim que funciona essa desgraça: quando vai almoçar lá em casa, senta na minha cadeira, liga a televisão e torce para o Corinthians. Pode ter um animal mais desprezível que genro? Não tem jeito, não. Meus amigos, o cooperativismo, no mundo inteiro, está hoje assumindo uma posição de relevo na geração de emprego, na distribuição de renda e na melhoria da concepção de defesa do social. A doutrina cooperativista está se transformando cada vez mais numa arma poderosa na defesa da democracia e da paz. O Brasil não pode ficar fora desse processo. É preciso que façamos a lição de casa, a legislação. Temos de ter coragem de excluir quem não presta e vamos construir um modelo que vai nos levar para o terceiro milênio nas asas da democracia. Muito obrigado. (- Palmas.)