ROBERTO RODRIGUES, Presidente da Aliança Cooperativa Internacional.
Discurso
Comenta o tema do evento.
Reunião
69ª reunião ESPECIAL
Legislatura 14ª legislatura, 2ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 06/05/2000
Página 22, Coluna 2
Evento II Encontro Nacional das Frentes Parlamentares do Cooperativismo.
Assunto INDÚSTRIA, COMÉRCIO E SERVIÇOS.
Observação Participantes dos debates: Giovani Cherini, Paulo Rubens Santiago, Neodi Saretta.
Legislatura 14ª legislatura, 2ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 06/05/2000
Página 22, Coluna 2
Evento II Encontro Nacional das Frentes Parlamentares do Cooperativismo.
Assunto INDÚSTRIA, COMÉRCIO E SERVIÇOS.
Observação Participantes dos debates: Giovani Cherini, Paulo Rubens Santiago, Neodi Saretta.
69ª REUNIÃO ESPECIAL DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 14ª
LEGISLATURA, EM 3/4/2000
Palavras do Sr. Roberto Rodrigues
Ilustre Deputado José Braga, Presidente dos trabalhos desta
tarde, ilustre Senador Francelino Pereira, permitam-me saudar, na
pessoa de V. Exas., as autoridades que compõem a Mesa, pois o meu
tempo é de apenas 30 minutos. Se tivesse que saudar a todos,
seguramente teria que falar das honras que cada um merece e
perderia a chance de contar as minhas tristezas para este Plenário
maravilhoso. Cumprimento, nas pessoas do Dr. Francelino e do
Deputado José Braga, a todos os meus amigos cooperativistas de
Minas Gerais e de todo o Brasil que aqui estão. Gostaria de
agradecer ao meu amigo Deputado Paulo Piau e à FRENCOOP de Minas
Gerais a oportunidade de participar de um evento tão importante,
que se coloca como missão desses dois dias de reunião aqui em Belo
Horizonte. Quero agradecer, também, a oportunidade de encontrar
aqui tantos amigos queridos de Minas Gerais e de outros Estados
para, com a sua contribuição, enriquecer o trabalho das FRENCOOPs
do Brasil inteiro.
O tema que me cabe é o cooperativismo no mundo. Vou dividi-lo em
duas partes. Primeiro, vou contar o que é a Aliança Cooperativa
Internacional - ACI -, para que os senhores tenham uma dimensão do
que isso significa. Depois, passarei ao tema propriamente dito.
A ACI é um órgão criado em 1895, na Europa, portanto tem 105 anos
de idade. Congrega organizações nacionais ou setoriais de
cooperativas do mundo inteiro. São 250 organizações de 101 países
que se filiam à ACI. E os membros individuais das cooperativas
nucleadas por essas organizações nacionais ou setoriais somam 800
milhões de pessoas do mundo inteiro. Com suas famílias e
funcionários agregados, esses 800 milhões de pessoas representam 3
bilhões de pessoas no mundo inteiro ligadas ao cooperativismo, ou
seja, metade da população do planeta tem alguma vinculação com o
cooperativismo.
Quando se comparam esses dados com os números do cooperativismo
brasileiro - temos 160 milhões de habitantes e pouco mais de 15
milhões de pessoas agregadas ao sistema -, podemos verificar como
ainda estamos engatinhando no processo associativo e
cooperativista em nosso País. São 800 milhões de pessoas sócias
individuais e 3 bilhões de pessoas envolvidas, razão pela qual, em
alguns países - e mesmo aqui alguns companheiros da FRENCOOP, e o
amigo Nárcio Rodrigues se refere de alguma forma, em algumas
ocasiões, a esse fato -, as pessoas chamam o Presidente da ACI de
“o papa do cooperativismo”, porque nem a Igreja Católica tem
tantos membros pelo mundo afora como a ACI. E faço questão de
recusar essa denominação, porque o Papa é celibatário, e essa é
uma coisa que não interessa muito ao Presidente da ACI.
O que faz a ACI? Ela tem três obrigações fundamentais. A primeira
é preservar e difundir a doutrina cooperativista e seus
princípios, que são universais e que, portanto, demandam a
compreensão de cooperativistas do mundo inteiro para a necessidade
da integração do sistema de uma forma una. É como se fossem
princípios doutrinários de uma única religião. Não se pode admitir
mais de uma igreja para os mesmos princípios. A igreja do
cooperativismo tem de ser una, porque os princípios são unos e
universalmente reconhecidos.
Segundo, dentro dos países, lutamos com governos, com parlamentos
do mundo inteiro, quando somos chamados para isso, para que eles
tenham legislações que não excluam o sistema cooperativista. O
cooperativismo tem crescido muito no mundo ultimamente, e, em
razão desse fato, há uma grande oposição de setores econômicos a
esse crescimento. Essa oposição se traduz, muitas vezes, por
“lobbies” que inibem legislações positivas, pró-ativas em favor do
cooperativismo. E, mais do que isso, muitas vezes, por “lobbies”
que levam a legislações excludentes, que excluem o sistema
cooperativista. A ACI tem a função de ir a esses países lutar por
novas e mais complexas legislações que permitam não a exclusão,
mas a inclusão do sistema cooperativista no modelo econômico dos
diversos países.
A terceira função da ACI é promover reuniões, congressos, eventos
e seminários envolvendo todos os setores cooperativistas dos
diversos países do mundo, para que intercambiem opiniões,
impressões, informações, modelos gerenciais e, sobretudo agora,
para que possam permitir às cooperativas intercâmbios comerciais
em benefício dos associados.
Para isso, a ACI está organizada em dois grandes modelos
descentralizados. O primeiro modelo são os Conselhos Continentais.
Cada continente tem um conselho que agrupa todos os modelos
cooperativistas existentes naquele continente. Temos, então,
quatro Presidentes de Conselhos Continentais, um em cada
continente, que são, naturalmente, Vice-Presidentes da ACI. Temos
14 setores mundiais por ramo cooperativista: agrícola, de
trabalho, de crédito, de consumo, de seguro e assim por diante,
cujos Presidentes ou fazem parte do Conselho Mundial da ACI ou são
representados por algum líder daquele segmento nesse Conselho
Mundial da ACI. Temos, então, um conselho com 22 pessoas, sendo 14
representantes dos diversos segmentos, 4 dos diversos continentes
e mais 4 eleitos para representantes da academia ou de setores
mais harmoniosos do cooperativismo mundial. Esse “board” mundial
se reúne duas vezes por ano para traçar a política de ação da ACI,
que é executada por escritórios continentais.
Na América, temos um escritório na Costa Rica; na Europa, em
Genebra. Na Ásia, temos dois escritórios; um em Nova Déli, na
Índia, e outro em Cingapura. Na África, pelas complicações que o
continente tem, temos um escritório em Nairóbi, no Quênia; um em
Burkina Faso, na cidade de Ouagadougou, e outro escritório no
Cairo, no Egito. Os Diretores Regionais de escritórios se reúnem
sistematicamente, buscando uma interação na linha de defesa e de
ação que a ACI tem em sua meta de trabalho.
Isso demonstra aos senhores ligeiramente o que é a ACI, qual a
sua expressão mundial e qual a sua tarefa. Vamos agora ao tema
propriamente dito, o cooperativismo no mundo. Começarei contando a
história de um casamento. Parece-me muito interessante, numa
segunda-feira, falar de casamento. No dia em que caiu o Muro de
Berlim, houve um casamento trágico para a humanidade. Casaram-se
dois veteranos conhecidos do mundo inteiro. Uma senhora muito
conhecida, chamada globalidade econômica, e um senhor igualmente
conhecido e também pouco amado, chamado liberalismo comercial.
Quando a globalidade econômica se casou com o liberalismo
comercial, a terra tremeu. E todos rezaram para que não tivessem
filhos, porque, quando seres velhos como eles têm filhos, não é
muito bom, porque não sabem educar, não têm paciência, esse
negócio não funciona direito. Mas teimaram e tiveram duas filhas
gêmeas, univitelinas, que estão arrebatando o planeta. Uma se
chama concentração empresarial, e a outra, exclusão social, que
andam juntas, galopando, brida solta pelo mundo afora, destruindo
patrimônios e construindo riquezas da noite para o dia, sem a
menor cerimônia, desconsiderando tradições, raízes, história,
criando um terror econômico pelo mundo afora.
Todos conhecem essa realidade mundial da concentração econômica,
da concentração empresarial e da exclusão social. Estamos vendo,
todos os dias, nos jornais, Banco que compra Banco, seguradora que
compra seguradora, supermercado que compra supermercado, empresa
de “agribusiness” que compra empresa de “agribusiness”. Está todo
o mundo se juntando, e, quanto mais se juntam, em nome de uma
pretensa economia geral e de um pretenso benefício à sociedade,
mais exclusão social, desemprego, falta de horizonte e de
expectativa em relação ao futuro.
É nesse cenário de um mundo mutante, onde a única coisa que não
muda é que tudo muda, que está inserido o cooperativismo mundial.
E é um modelo de cooperativismo que tem uma definição clássica
muito interessante. É o modelo central de democracia econômica, em
que a participação de cada membro independe do seu tamanho ou da
sua capacidade empresarial. Essa democracia econômica, que é a
beleza do sistema cooperativista, está também criando problemas
para o cooperativismo no mundo afora. Por quê? Basicamente porque
essa democracia econômica faz com que a liderança cooperativista
no mundo afora sempre procure consultar os membros da sua base
para tomar decisões em relação a ações que têm de ser
implementadas pela cooperativa. O mundo globalizado que temos
hoje, ágil, de comunicação em tempo real a qualquer momento,
impede que isso continue a acontecer, ou seja, não há mais espaço
para o velho líder cooperativista, cuja característica fundamental
era consultar e interpretar os anseios da base e tomar decisões a
partir da interpretação. Não há mais tempo para isso, porque, se
ele for consultar, quando a consulta terminar, o cavalo já passou
arreado, alguém já montou nele lá na frente, e a cooperativa
perdeu a oportunidade do negócio. Não há mais espaço para isso.
Como conciliar a absolutamente imprescindível democracia do
cooperativismo com a agilidade que o mundo moderno impõe? Só há um
jeito. Precisamos de um novo líder, não mais aquele que
exclusivamente consulta ou interpreta, mas aquele que, além de ter
seus valores pessoais claros - que são valores definidos pelo
cooperativismo, de honestidade, democracia, liberdade -, tem
visão, projeto. Quando elegemos uma pessoa, não o fazemos porque é
um bom sujeito, honesto, sério, um bom pai de família, apenas.
Tudo isso é fundamental, mas ele, mais do que isso, tem de ter um
projeto de tal forma, que, se eleito, está eleito o seu projeto, o
seu programa de trabalho, razão pela qual ele não tem mais que
tomar decisões pendentes de consultas à sua base. Ele pode seguir
o seu trabalho, obviamente assumindo os riscos que as decisões
implicam.
Levamos em consideração um aspecto fundamental. Jamais ele pode
ser um ditador; tem de ser um condutor, um programador, aquele que
tem a visão do projeto, convence a sua base e recebe dela o
mandato para cumprir o seu projeto. Caso contrário, é ditadura. E
nada pior em cooperativa que a ditadura.
Mas esse novo líder, que tem de ser visionário e ter capacidade
de convencer, tem de ter também coragem pessoal. Essa é uma coisa
que aparentemente contradiz a doutrina cooperativista. Por que um
líder cooperativista tem de ter coragem? Para colocar para fora da
cooperativa o mau cooperado, o mau funcionário, o mau dirigente;
colocar para fora do sistema a má cooperativa. Hoje o mundo está
cheio de cooperativas que usam o radical cooperativismo - porque
as legislações nacionais ficaram obsoletas, porque não existem
sistemas claros ou por qualquer outra razão - em benefício de uma
ou duas pessoas. É preciso acabar com esse tipo de coisa por via
de legislações nacionais mais modernas, mais consistentes e mais
conseqüentes com relação à realidade que vivemos hoje. Então, é
preciso ter coragem pessoal, além de ter visão.
Mas não basta. O novo líder cooperativista e o novo modelo
cooperativista têm de ter também capacidade de fazer fusões e
incorporações, reduzindo o número de cooperativas. Esse é um
assunto com o qual me venho batendo há muitos anos, e o Alfeu, o
Flodoaldo, o Agostinho, o Ronaldo e tantos amigos que hoje estão
aqui são testemunhas disso e sabem dessa luta de anos. Não dá mais
para ter uma cooperativa em cada município, não é preciso.
Precisamos reduzir custos, porque o que está havendo hoje é
concorrência e competição entre cooperativas, quando a doutrina
exige cooperação entre cooperativas. Os países desenvolvidos têm
hoje, na sua Folha de Ação Cooperativista, no nº 1, fusão,
incorporação, redução do número de cooperativas, em benefício do
coletivo.
Isso pode parecer uma contradição. Se afirmarmos que, daquelas
duas irmãs gêmeas, a concentração implica exclusão, como defender
a fusão de cooperativas, que é também um modelo concentrador? Por
uma razão muito simples, e não há aí nenhuma contradição, nenhum
paradoxo. As cooperativas são o único setor que deve se
concentrar, e jamais excluirão. Ao contrário, à medida que se
concentram e aumentam o seu poder de fogo no mercado, garantem ao
seu cooperado não apenas o acesso ao mercado local, que já têm,
pela cooperativa, mas também o acesso a mercados internacionais,
que só a grande empresa cooperativa pode ter. Esse é hoje o modelo
seguido pelo mundo inteiro e que, no Brasil, ainda rezinga, em
razão de vaidades pessoais, ciúmes, vantagens e de pequenos
poderes que são distribuídos pelas cooperativas pelo País afora.
As cooperativas têm de buscar novas alianças estratégicas,
precisam cuidar da sua imagem, fazer investimentos maciços em
recursos humanos e trabalhar suas relações com o Estado,
particularmente em busca de novas legislações, que não excluam o
sistema cooperativista.
Todo esse projeto de nova liderança, de profissionalização, de
aliança estratégica, de fusões e incorporações, de recursos
humanos está inserido numa vertente muito mais séria do que uma
descrição de ação da cooperativa. Por trás disso tudo, há uma
filosofia importante. Quando as cooperativas surgiram na Europa,
em meados do século XIX, como uma reação à Revolução Industrial,
que também provocava exclusão social, elas foram tratadas - e isso
durou até a queda do Muro de Berlim - como a terceira via para o
desenvolvimento econômico e social, entre o capitalismo e o
socialismo. Por aí fluía o caudal cooperativista, para uma
terceira via.
Hoje, já não se pode dizer que existe socialismo nem capitalismo.
Ambos os modelos, de certa forma, cada um a sua maneira,
fracassaram num passado recente. Então, já não existem as duas
margens do capitalismo e do socialismo no mundo moderno. As
cooperativas têm que construir um novo caudal, e é nisso que a ACI
está empenhada, visceralmente. Esse novo caudal tem outras
margens. De um lado, é o mercado, que está aí, queiramos ou não.
As cooperativas devem ser empresas competitivas, eficientes,
profissionais, competindo no mercado e ganhando, prestando
serviços a seus cooperados de maneira a garantir-lhes agregação ao
seu valor, ao valor do seu serviço, ao seu produto.
A outra margem é a felicidade das pessoas, o bem-estar das
pessoas, porque cooperativa é uma questão de gente, não é uma
questão de capital. Então, o novo fluxo do cooperativismo já não é
o caudal entre o capitalismo e o socialismo, que era a definição
até então, que chamo de a primeira onda da história
cooperativista. Na segunda onda, a cooperativa é uma ponte, e não
o fluxo, é uma ponte entre o mercado e a felicidade das pessoas.
Temos que construir a nova realidade cooperativista segundo esse
modelo de modernização, etc. Nessa realidade do desemprego -
talvez a mais feia face da exclusão social, mas não a única -, é
preciso citar dois ou três, digamos, fantasmas que estão
assombrando a humanidade, simplesmente pelo fato de serem
desconhecidos, pelo fato de serem o novo. Sempre temos medo do
novo, daquilo que não conhecemos. Há dois universos circulando
pelo mundo afora hoje, que são, para as cooperativas, uma
oportunidade e uma ameaça. Um deles é a Internet, e o outro é a
biotecnologia. São dois gigantes fantásticos que vieram para ficar
- sabemos como começou, mas não sabemos como vai acabar. Estive,
em janeiro, no World Economic Forum, na Suíça, um evento
extraordinário, do qual participaram economistas, políticos,
empresários do mundo inteiro, em uma semana de trabalho contínuo e
estafante, em que se realizaram 322 painéis. Desses 322 painéis,
nenhum falou sobre agricultura, nenhum tratou de agricultura, e 91
cuidaram da Internet, ou seja, 1/3 dos painéis, direta ou
indiretamente, trataram da Internet.
Voltei preocupado com esse assunto, pelas duas razões, seja
porque a agricultura não foi considerada, seja porque a Internet
foi excessivamente tratada, e me convenci de duas coisas.
Primeiro, a agricultura não é um assunto que interessa para rico.
Rico não quer falar sobre agricultura. Não é país rico, é pessoa
rica. Gente rica não quer falar sobre agricultura, por uma razão
óbvia. O que ele gasta para comer é um pedaço muito pequeno do seu
orçamento, ele gasta mesmo é em ações, em investimentos. Então, é
isso o que importa conversar para um indivíduo rico, seja mulher,
seja homem. Então, falar de agricultura para gente rica é um
assunto chato, ou seja, falar de esterco de vaca, graxa de trator,
cheiro de herbicida, adubo, poeira, sujeira, isso é coisa de
pobre. Rico não quer falar de agricultura.
Então, o que o rico fala para o seu governo, que também é rico?
Fala o seguinte: eu não quero tratar de agricultura. Comida, roupa
e essas coisas, alguém vai produzir para nós, de uma forma ou de
outra. Você, governo, resolva esse problema para mim, pagando o
que tiver que pagar. Eu pago, porque sou rico. Esse é um conceito
que deve entrar na cabeça da gente. Eu pago, porque eu sou rico.
Eu posso pagar. E os governos ricos ficam felizes com isso, porque
recolhem impostos pagos pelos ricos e subsidiam seus agricultores,
em detrimento dos países pobres, como é o caso do Brasil, que não
pode subsidiar os seus produtores ou acha que não pode, porque
essa não é uma opção política do Governo brasileiro.
Então, temos que ter claramente esse conceito. Não tenhamos
ilusões de que o protecionismo dos países ricos vai acabar ou
diminuir em curto prazo, porque as pessoas que compõem esse países
querem ficar livres dessa discussão, não querem ter esse problema
para conversar e pagam para que os seus governos subsidiem os
agricultores. Então, isso é muito importante para nós, porque
vamos falar sobre isso daqui a pouco, sobre o papel das
cooperativas agrícolas nesse novo projeto.
O segundo assunto é a Internet. Vinha falando bastante sobre
isso, agora, há pouco, com o Alfeu, que está preocupadíssimo com
isso. Quando eu vinha trazendo o milho, ele estava voltando com a
farinha, já com um projeto interessante, que a OCEMG está montando
em Minas Gerais. Mas é o seguinte: para que eu preciso da minha
cooperativa? Eu sento na minha fazenda, no meu computador e compro
adubo em Vancouver, compro semente em Rosário, compro máquina na
República Tcheca. Não preciso sair da minha casa. Vendo a minha
soja em Chicago, sem sair da minha fazenda. Para que eu preciso da
minha cooperativa? Para que eu preciso da minha cooperativa de
crédito se faço operação de crédito pelo computador? Então, as
cooperativas precisam olhar esse novo universo da Internet com
muita seriedade. Acho que se abre para a cooperativa uma
oportunidade fantástica com a Internet. Ela será a agente de
logística, porque comprar adubo em Vancouver é fácil. Mas o adubo
chegar na minha fazenda, na hora certa, empacotado do jeito que eu
quero é o pepino. A cooperativa, sem dúvida, tem, na área
financeira, na área do crédito, do seguro, do transporte, da
armazenagem, da distribuição, da logística, enfim, o grande papel
moderno por via da Internet. Há uma série de variáveis que
poderíamos levar em consideração sobre isso, mas não vou tomar
muito o tempo, porque, senão, não conseguiremos terminar o
raciocínio sobre esse assunto, mas é um mundo novo que assusta.
Preocupo-me, Senador Francelino Pereira, até com o aspecto
relacionado à Internet. Estou na minha fazenda, cada um está na
sua casa, e compramos desde passagem de avião até automóvel pela
Internet. Já não é necessário sair de casa para fazer as coisas.
Hoje, fala-se que não vai sobrar nenhuma agência de viagens daqui
a um ano. Todos vão comprar passagem direto pela Internet.
Estive, há poucos dias, na França, na Itália, e disseram-me o
seguinte: o parlamento europeu já não representa o eleitorado
europeu. Perguntei quantas pessoas votaram no parlamento europeu:
23% dos eleitores. Então, a pergunta é: não representa porque só
23% votaram ou 23% votaram porque não representavam? Onde está o
ovo e onde está a galinha? Embora não consigamos descobrir esse
fato, há uma conseqüência clara nesse processo: 23% não representa
mesmo. Quem representa quem, então? Quem vai representar quem, se
posso fazer tudo com o meu computador, isoladamente, sozinho? Quem
terá legitimidade? Não haverá, nesse caso, um risco para as
instituições públicas e privadas? Com a informática, com a
comunicação em tempo real, só sobreviverá a instituição, seja
governo, seja iniciativa privada, que agregar valor ao seu
mutuário, ao seu cliente. Quem não fizer isso vai desaparecer na
poeira do tempo, como empresas gigantescas estão desaparecendo
agora, em razão das duas irmãs que estão galopando pelo mundo
afora.
Estou fazendo uma afirmação um pouco metafísica, para provocar o
debate e criar, na cabeça de todos nós, uma expectativa que deve
ser detalhada e observada com rigor. Eu me preocupo com o
cooperativismo, no primeiro momento, em relação à Internet, ou
seja, nós, cooperativistas, temos que usar esse instrumento, e,
não, fugir dele. Se fugirmos, seremos isolados. Daqui a cinco
anos, quem não tiver um computador será como uma pessoa que hoje
não tem carta de motorista. A Internet pode ser um ampliador do
capital social pelo mundo afora. Aí está um papel novo, que as
cooperativas têm que assumir. Isso me leva a uma outra
consideração.
Imagino que já esteja com o tempo terminando. Sr. Presidente, o
senhor me avise quando estiver terminando o tempo, porque, senão,
vou até depois de amanhã, ainda por cima com um violão, não saímos
nunca mais do microfone.
Qual é o grande problema dos governos sérios do mundo inteiro,
hoje? O grande problema é a exclusão social, representada, de
maneira geral, pelo desemprego. Outro problema terrível que os
governos enfrentam hoje é a preservação dos recursos naturais.
Outro problema é a distribuição da renda. Mas, de todos eles, sem
dúvida, o mais agressivo, do ponto de vista de credibilidade de
sustentação governamental, é o desemprego.
Um aspecto terrível do desemprego hoje é a ameaça que ele faz à
estabilidade dos governos. Vejam vocês: a Grande São Paulo tem
hoje, segundo dados oficiais, 1.500.000 desempregados. É algo em
torno disso. Imaginem se 1.300.000 pessoas se organizassem sob um
comando único: que governo agüenta uma coisa dessas? Isso é mais
do que o Exército brasileiro sediado no Estado de São Paulo. É uma
força militar que aniquila qualquer condição de sustentação
governamental. O desemprego, no mundo, está se transformando em
uma ameaça brutal a governos e, mais do que isso, a democracias. A
OIT fala hoje em cerca de 2 bilhões de pessoas, no mundo,
subempregadas ou desempregadas. Isso já não é uma minoria. Isso já
é a maioria da população economicamente ativa no planeta. Então, a
ameaça que essas duas irmãs, a concentração e a exclusão, provocam
à democracia é, sem dúvida, a mais grave já sofrida pela
democracia na história universal.
Onde entra o cooperativismo nisso? O cooperativismo é hoje um
agente que vai exatamente responder às questões colocadas antes,
gera empregos. O cooperativismo de trabalho está explodindo no
mundo inteiro. Poderia dar centenas de exemplos, que são
observados pelo mundo afora, mas há um exemplo que faço questão de
dar. Na Itália, na Espanha, nos países nórdicos e em alguns países
asiáticos, está surgindo um trabalho novo, que é o seguinte:
milhares de pessoas, médicos, paramédicos, psicólogos,
enfermeiras, que se formam nas universidades não encontram emprego
na área pública nem na área privada. Eles estão se organizando em
cooperativas de serviços sociais de trabalho, prestando serviços a
pessoas enfermas, a velhos, a crianças, a pessoas com determinadas
carências físicas ou mentais, na relação entre pessoas, criando
hospitais e modelos de clínicas. Eles estão crescendo,
desobrigando os Estados que já não conseguem atender a essa
demanda gigantesca. Aliás, o crescimento da faixa etária, no
mundo, está causando essa demanda. Hoje, todos temos uma
expectativa de vida muito maior do que há dez anos. Então, está
aumentando a demanda desse tipo de serviço. Então, esses jovens se
encontram em cooperativas, gerando emprego e trabalho, com
extraordinária repercussão pelo mundo afora.
Há poucos meses, estive na Dinamarca, que tem um problema
crucial. O serviço social de seguridade social que dá o seguro-
desemprego a trabalhadores está começando a virar o disco. Jovens
saem da universidade, não têm emprego, filiam-se à seguridade
social e recebem um salário de US$1.500,00 por mês, que é um
pequeno salário comparado com a renda “per capita” do cidadão
dinamarquês comum. Ele se casa com uma outra jovem, associa-se a
uma outra jovem colega que também se filia e tem mais US$1.500,00.
Então, é um casalzinho com US$3.000,00 de renda “per capita” por
mês, e vive-se perfeitamente bem na Dinamarca. Compram uma
bicicleta e vão passear pela Dinamarca, pela Suécia, pela
Finlândia, pela Noruega. Isso é uma beleza. Resultado: está
crescendo uma geração jovem sem compromisso com o país, com a
história, com a realidade. A sociedade está começando a reagir a
isso, querendo reduzir esses salários, ao que se opõem os pais
desses jovens, porque, se reduzirem os salários, eles é que terão
que bancá-los. Então, há uma contradição nesse aspecto que as
cooperativas estão resolvendo, gerando emprego e trabalho para
todas as profissões do mundo inteiro. Então, o que significa isso?
As cooperativas estão dando resposta a governos e gerando
empregos. Segundo, as cooperativas são, evidentemente, entidades
que procuram distribuir a renda, combater as injustiças sociais e
têm um papel fundamental na democracia econômica dos diversos
países. As cooperativas defendem o meio ambiente. Está nos
princípios cooperativistas a defesa do meio ambiente.
Esse é um dos itens da preocupação com a comunidade e defesa do
meio ambiente. Então, é preciso que o cooperativismo se transforme
hoje em parceiro ideal para governos democráticos sérios, porque
está defendendo as mesmas coisas que eles. É preciso que os países
todos tenham legislações que permitam ao cooperativismo exercer o
papel de parceiro, e não ser combatido, como, por exemplo, é
combatido, no Brasil inteiro, por certos setores do poder público,
por falta de legislação adequada. É preciso cuidar da legislação
que permita às cooperativas serem parceiras de governos sérios,
para defender a democracia, que é a melhor forma de regime de
governo, é preciso cuidar de legislações que permitam às
cooperativas exercer essa parceria em defesa da democracia e, mais
que isso, defendendo a democracia estamos defendendo a paz, que
está colocada em risco no mundo inteiro.
Amanhã, estou indo para Bogotá para uma reunião importante para a
qual fui convidado, em busca de soluções cooperativistas para a
paz na Colômbia. De lá vou para Israel, onde, sexta-feira,
participarei de uma discussão em busca de acordos entre facções
rivais em Israel. De lá, vou para a França, para uma discussão no
UNICEF, exatamente em busca de caminhos novos para órgãos sociais
privados, para diminuir o desemprego, para diminuir as
desigualdades sociais.
Assim, as cooperativas têm um papel relevante no mundo inteiro em
defesa da democracia, em defesa da paz. Cada país tem que buscar
mecanismos legais que permitam às cooperativas exercer esse papel
relevante, novo, que transcende o papel social de empresas ligadas
à economia social. Isso, evidentemente, tem que ser colocado
levando em consideração as contradições intrínsecas do sistema
cooperativista. As contradições são inúmeras; não temos tempo de
falar de todas, mas vamos falar de duas sobre as quais vale a pena
tecer alguns comentários.
A primeira é o seguinte: o que é cooperativismo? Qual é a
definição clássica de cooperativismo? Vou falar numa mesa em que
há vários professores dessa área. Cooperativismo é uma doutrina
que visa corrigir o social através do econômico. Portanto, é uma
doutrina fantástica, e cabe sob medida em países que têm grandes
diferenças sociais, como é o caso do Brasil, da Bolívia, dos
países africanos, dos países da América Central e do Caribe. No
entanto, o lugar em que o cooperativismo é mais forte não é o
Brasil nem a Bolívia nem os países africanos ou a América Central.
Ele é mais forte na Alemanha, no Japão, nos Estados Unidos, no
Canadá, na Suíça, na França, e por quê? Se são modelos para
melhorar o social através do econômico, por que são eficientes
onde o social está resolvido? É porque nesses países existe
cultura associativa, e não diploma de cooperativismo apenas. É
cultura comportamental que nos falta, mas essa é uma contradição
do cooperativismo. Sem formação de recursos humanos, sem
treinamento, sem imagem defendendo a diferença cooperativista, não
vamos ter nunca uma cultura que nos permita avançar nos números
que o mundo moderno tem hoje, dentro do cooperativismo.
A segunda contradição dentro desse modelo de defesa da paz e da
democracia: é fundamental que consideremos que o cooperativismo
não é um instrumento de mudanças de regime, ele visa a corrigir o
social através do econômico, distribuindo rendas, cuidando do meio
ambiente, gerando empregos, criando cidadãos muito mais
conscientes de sua cidadania do que numa relação pura e simples
entre empregados e empregadores.
Mas o cooperativismo é uma reação às conseqüências que agridem,
concentram e excluem. Muitos pensam que cooperativismo é uma
reação ao capitalismo, mas não é; ele tem que se servir dos mesmos
instrumentos do sistema, para prestar serviços que agreguem valor
ao seu associado. Os socialistas falam que vão fazer cooperativas
para criar um modelo capitalista; isso é errado. As cooperativas
do Leste europeu, quando se transformaram em agências de
liberalismo econômico, transformaram-se em fontes de corrupção,
inclusive, para os governos. O cooperativismo da Polônia foi
execrado porque eram agências de corrupção. Ele tem que se servir
dos mesmos instrumentos do modelo socialista para repetir o
sistema e dar vantagens aos cooperados dentro do sistema. Então,
isso é um dado relevante. Cooperativa não é um elemento de mudança
de regime é um elemento de mitigação dos defeitos do regime; tem
que se servir dos mesmos elementos para dar vantagens aos
cooperados.
Basicamente meus senhores, essa era a mensagem que eu queria
trazer para os senhores. As cooperativas vivem hoje nesse mundo
cambiante, em que a Internet se apresenta como um fantasma e a
biotecnologia como outro. Aliás, nem falei de biotecnologia, para
não criar assombração neste brilhante e belíssimo Plenário. Mas
vou falar uma coisa, outro dia, falaram-me que na EMBRAPA
identificaram uma proteína que confere resistência à teia de
aranha - é muito resistente a teia de aranha, aquela rede fininha
pega insetos enormes, até pássaros. Pois bem, conseguiram isolar,
através da biotecnologia, uma proteína que confere resistência à
teia de aranha. Inocularam essa proteína nas glândulas mamárias de
cabras, tiraram o leite dessas cabras e, desse leite, texturizaram
a proteína, criando uma fibra dez vezes mais resistente que o aço,
que está sendo usada no Canadá em porta-aviões, impedir que o
avião, ao descer, caia do outro lado do porta-aviões. Imaginem
isso, teia de aranha em teta de cabra, onde vai parar esse
negócio? Onde vai parar a ação do homem “vis-à-vis” à ação de
Deus? Não sabemos qual o limite disso, mas temos que ser agentes
desse processo. Não podemos fingir que a Internet não existe; que
não existe biotecnologia. Temos de assumir responsabilidades em
relação a isso e criar mecanismos fundamentais para a defesa da
paz e da democracia. Essa é a nova tarefa do cooperativismo no
Brasil e no mundo, e para isso precisamos de uma lei moderna que
una o sistema cooperativista. E aqui, Senador, como disse, o
senhor tem um papel na história do Brasil muito maior que o que a
maioria dos brasileiros podem imaginar. O senhor tem a
responsabilidade de escrever o documento que vai permitir ao
movimento cooperativista brasileiro trabalhar para a paz e a
democracia em nosso País. É enorme a responsabilidade, e o senhor
me dê licença para pedir uma coisa. A unicidade do sistema tem que
ser preservada porque é uma doutrina, são princípios universais.
Se eu tiver duas ou três OCBs, vou ter duas ou três igrejas quando
a religião é una; não podemos imaginar mais de uma organização
cooperativista em cada país. No mundo inteiro, hoje, é o que se
busca, e o que o adversário do cooperativismo quer, às vezes sem
perceber, ao propor a não-unicidade, é o cisma, como houve o cisma
na Igreja Católica. É preciso ter união e integração dentro do
sistema cooperativista, caso contrário, teremos várias facções,
que é o que interessa a quem quer destruir o sistema.
Então, peço-lhe que, por favor, considere essa hipótese da
unicidade da representação, e pode haver também uma contradição.
Eu defendo a pluralidade sindical, porque não há doutrina por trás
disso, mas cooperativismo tem doutrina, tem religião, dogmas
fundamentais para nossa sobrevivência. Por favor, considere essa
hipótese. Estou às suas ordens para tratar desse assunto.
Feito isso, Presidente Paulo Piau, muito obrigado pelo convite,
quero cumprimentá-lo. Já o conheço há muitos anos, apesar de sua
juventude exuberante e de minha veteranice de avô, mas costumo
dizer sempre nas minhas palestras que é uma delícia ser avô. Para
dar uma impressão mais alegre, quando meu primeiro neto nasceu,
meu pai me falou: “Meu filho, você não sabe como é gostoso ser
avô, é uma coisa maravilhosa, mas o duro é dormir com a avó”. Eu
discordo, não acho ruim dormir com a avó, não, o ruim é acordar
com ela, sempre a mesma avó. Mas não é tão ruim assim, não. O
problema de ser avô, grave mesmo, é um animal chamado genro. Esse
é um problema dramático; se a gente fosse avô só a partir de nora,
seria uma delícia, todas são celestiais, invenções de Deus,
angelicais, maravilhosas. Genros são invenções demoníacas, mas
temos de ter genros, é a única coisa triste de ser avô. O genro
está sempre tomando o uísque que guardei para você e para os
Senadores Francelino Pereira e José de Alencar. Quero convidá-los
para tomarem um uísque especial lá em casa, mas o genro vai lá,
toma o seu uísque sem a sua autorização. É assim que funciona essa
desgraça: quando vai almoçar lá em casa, senta na minha cadeira,
liga a televisão e torce para o Corinthians. Pode ter um animal
mais desprezível que genro? Não tem jeito, não.
Meus amigos, o cooperativismo, no mundo inteiro, está hoje
assumindo uma posição de relevo na geração de emprego, na
distribuição de renda e na melhoria da concepção de defesa do
social. A doutrina cooperativista está se transformando cada vez
mais numa arma poderosa na defesa da democracia e da paz. O Brasil
não pode ficar fora desse processo. É preciso que façamos a lição
de casa, a legislação. Temos de ter coragem de excluir quem não
presta e vamos construir um modelo que vai nos levar para o
terceiro milênio nas asas da democracia. Muito obrigado. (-
Palmas.)