ROBERTO NICOLAU JEHA, Diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - Fiesp. Presidente das Indústrias São Roberto
Discurso
Legislatura 14ª legislatura, 1ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 26/10/1999
Página 22, Coluna 3
Evento IV Fórum Técnico Políticas Macroeconômicas: Alternativas para o Brasil
Assunto ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. FINANÇAS PÚBLICAS. INDÚSTRIA, COMÉRCIO E SERVIÇOS.
Observação Participantes dos debates: Fernando Leite Siqueira, Marcelo Carvalho Pinto Coelho, Janaína Portugal, Leonardo Lima Púbio, Ricardo Jeha, Adriano Miglio, Reginaldo Sena, Ewerton Arcanjo, Erix Haagemseis Gontijo, Edmar Fonseca, Vinícius Moreira de Lima.
35ª REUNIÃO ESPECIAL DA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 14ª LEGISLATURA, EM 30/9/1999
Palavras do Sr. Roberto Nicolau Jeha
Sr. Presidente, Deputado Edson Rezende; Senador José Alencar; meu amigo Paulo Osório; Dr. Bernard Cassen; queridos primos Roberto e Ricardo Jeha; Aécio Freitas, Diretor da nossa empresa em Minas Gerais; meus amigos; minhas amigas; atendo, com muita alegria, o convite que a Sra. Vânia Santaiana me fez, para participar deste seminário e falar um pouco sobre o que está acontecendo com o nosso País.
Inicio prestando uma homenagem ao Senador José Alencar. O Brasil precisa de mais empresários como ele, que é uma espécie em extinção. É dos poucos grandes empresários nacionais que ainda resistem à desnacionalização que foi imposta ao nosso País. Parabéns, Senador.
Estou absolutamente convencido de uma coisa: a mídia está nos enganando. Não sabemos para onde o barco Brasil está deslizando. Não tenham dúvida: o processo que vivemos atualmente é de absoluta vassalagem à finança internacional.
É importante que haja conscientização de todos os brasileiros, para evitarmos o que se pretende fazer com o Brasil.
No início dessa década, reuniram-se, em Washington, os economistas e monetaristas, o pessoal de Wall Street, as grandes corporações e os grandes Bancos internacionais e estabeleceram uma imposição para a América Latina, que foi o chamado Consenso de Washington. De que consistia o Consenso de Washington? Primeiro, os países deviam abrir totalmente sua economia. É evidente que os Estados Unidos não abriram a deles. O Senador, aliás, falou muito apropriadamente a respeito dessa abertura.
Enfim, abrimos nossa economia, não negociamos nada na rodada do Uruguai, estamos despreparados para a rodada do milênio. Só cedemos, só cedemos. Não tivemos nada em troca, mas cumprimos a imposição que nos foi dada pelos países do Norte.
Em segundo lugar, o Estado tem que ser mínimo. Não pode haver um Estado que induza o desenvolvimento; não pode ser um Estado que articule; não pode ser um Estado que mantenha o controle sobre os setores estratégicos. É bom fazer o Estado mínimo. Estão fazendo isso no Brasil. Está ocorrendo um verdadeiro processo de desmonte do Estado brasileiro. Não nos esqueçamos de que este País era uma grande fazenda agropastoril de 1930 a 1980, e mudou, através da atuação do Estado. Muitos empresários que ficam dizendo que temos de construir o Estado nacional estão cuspindo no prato em que comeram.
Com relação às privatizações, penso que devem ser selvagens. Do jeito que está, não se espantem se amanhã resolverem privatizar o oceano Atlântico e a Amazônia. O programa de privatização do Brasil, na minha opinião, é um dos maiores desastres que um país pôde fazer com seu patrimônio público. É só buscar acesso ao “site” do BNDES, pela Internet, para saber sobre a questão das privatizações. Darei um dado, para terem uma idéia do que foi feito com o dinheiro das privatizações. Não inventei esses dados, eles são do BNDES. As privatizações federais, de 1991 a 1999, há praticamente oito anos, entre a venda e a dívida assumida, representaram US$57.964.000.000,00. Tudo isso foi feito até o ano passado, ou seja, antes da desvalorização cambial. Então, estou fazendo uma conta com o dólar médio do período a R$1,20. Na verdade, o dólar médio do período é mais baixo do que isso, porque houve um momento em que o dólar era R$0,83. Se multiplicarmos US$57.964.000.000,00 por R$1,20, chegaremos à conclusão de que o Estado brasileiro recebeu, pela Vale do Rio Doce, por todo o sistema PETROBRÁS, pelas hidrelétricas privatizadas e por todo o setor siderúrgico privatizado - os banqueiros compraram com moeda podre, enfim, consideremos que a moeda não era podre e que entrou dinheiro mesmo - R$69.500.000.000,00, resultantes daquela multiplicação. Para terem uma idéia, nos últimos 12 meses, esse mesmo Governo Federal, que recebeu esses R$69.500.000.000,00, gastou, só de juros - esses que o Governador expôs tão corretamente -, R$129.000.000.000,00. Então, a TELEBRÁS foi entregue, a Vale do Rio Doce foi entregue ou vendida, o nome que quiserem dar, toda a telefonia foi entregue ou vendida e toda a siderurgia também. O dinheiro já foi embora, ou seja, foi pelo ralo, para pagar apenas 53% dos juros de um único ano de especulação no cassino financeiro. Para pagar seis meses e meio de juros, queimamos o patrimônio nacional. Não sou eu quem está falando isso. Esses números podem ser conferidos consultando-se o “site” das contas públicas da Internet. É o Banco Central que está informando isso. Sobre os números referentes às privatizações, é o BNDES que está informando, não é o Roberto, nacionalista e maluco, que veio tumultuar. Esses dados são verdadeiros. Entendo que todos os cidadãos brasileiros devem fazer uma reflexão sobre qual é o resultado que esse programa de privatizações causou ao Estado brasileiro, ou seja, ao nosso País.
Há uma outra questão do Consenso de Washington: estabilidade a qualquer custo, com supervalorização cambial, com taxas de juros as maiores do mundo. Isso é agiotagem internacional. Quem manda neste País é o “lobby” do financiamento da dívida pública. Por que não há emprego? Por que há violência? Por que não há saúde pública? Por que não há educação pública? Será que é vontade de Deus? Será que Deus está bravo com os brasileiros? Será que Deus deixou de ser brasileiro? Não, porque quem manda no País está subordinado aos interesses financeiros internacionais. A taxa de juros SELIC está a 19% hoje, mas a taxa básica média desses últimos 12 meses era 42% no início, e a taxa de juros média foi de 35%, isso para o Governo rolar suas dívidas. Mas, se qualquer um for a um magazine comprar uma televisão a prazo, vai pagar 12% ao mês, não é ao ano. E, se a minha empresa precisar fazer um desconto de duplicata para girar seu capital, vai pagar 6% ao mês, ou seja, com essa taxa de juro, com essa agiotagem, com esse projeto, não há investimento, não há crescimento, não há emprego, não há educação e não há a realização do País como uma Nação independente. É preciso que a sociedade se conscientize disso.
O Banco Itaú teve o maior lucro do País. Seu Presidente, que também é Presidente da FEBRABAN, ao ser perguntado por que seu Banco chegou em primeiro lugar, candidamente, respondeu que foi porque não emprestou para a produção, havia financiado a dívida pública. Ora, uma economia em que o Presidente do maior Banco privado do País fala uma coisa dessas não tem futuro.
Para terem uma idéia, a dívida pública brasileira era, em junho de 1994, de R$152.000.000.000,00, algo em torno de 31% do PIB; em junho de 1998, passou para R$495.000.000.000,00, ou seja, 50% do PIB. Se, nesses quatro anos, tivéssemos feito estradas, hospitais, escolas, investido em tecnologia e promovido o crescimento do emprego e o Brasil tivesse crescido 7%, 8% ao ano, como crescia em 1970, alguns poderiam dizer: “A dívida pública aumentou, mas aqui estão as usinas, as escolas, os hospitais e os empregos”. Mas nada disso aconteceu. Em 1998, o Brasil foi para trás e caiu 0,2% do PIB. Este ano, se tudo der certo, empata zero a zero. Essa dívida pública aumentou só porque não pagamos juros para a agiotagem nacional e internacional. É preciso romper com esse processo, dizer “não” a essa agiotagem, é preciso defender nosso País.
A estabilidade que está aí não nos interessa. A sobrevalorização cambial e essa agiotagem acabaram com o Estado brasileiro e com os nossos empregos. O que adianta a inflação ser de 4% ao ano se o sujeito está morrendo de fome? O Senador José Alencar disse que, quando uma empresa morre, não apenas morre a empresa, morrem os empregos e a família dos que perderam o trabalho. É preciso haver conscientização, o País precisa de um projeto nacional já, de desenvolvimento econômico e social sustentado, e não desse projeto de vassalagem, um projeto em que se vê o Vice-Presidente do FMI, Sr. Stanley Fischer, vir dizer na televisão nacional, em inglês, o que o Brasil tinha que fazer. E ainda trazer um intérprete de Moçambique. É um desrespeito à Nação brasileira. É preciso que a gente de Minas Gerais, que sempre se levantou nesses momentos, levante-se contra esse projeto que está nos alienando como País.
Com relação às privatizações, um assunto muito caro aos mineiros, o único que resistiu à privatização de uma companhia elétrica para empresa estrangeira foi o Governador Itamar Franco. É preciso apoiá-lo, porque a CEMIG é de Minas Gerais e deve continuar sendo de Minas Gerais. Por quê? Se for privatizada para empresas estrangeiras, já estamos com um serviço de dívida de nosso passivo externo de 3,3% do PIB.
Por quê? Chega uma Southern da vida e compra a CEMIG. Vai operar em Minas Gerais, terá lucros em reais, e não vai gerar um dólar para o nosso superávit comercial. Só que esses lucros serão transformados em dólar e remetidos para o exterior, aumentando ainda mais o nosso déficit do balanço de pagamentos. Então, não é que seja contra o investimento estrangeiro, mas este deve vir para o Brasil a fim de criar novas empresas e empregos, produzir fábricas novas, trazer tecnologia, e não para comprar, com o dinheiro do BNDES, artigos brasileiros que foram construídos em 40, 50 e 60 anos. É preciso dizer “basta” a isso, não somos nenhum paiseco, somos o Brasil, temos 8.500km de costa atlântica, temos a maior área agriculturável do mundo, nossa agricultura está estacionada em 75.000.000t há cinco anos. Esse Banco do Brasil, que deveria ser um Banco de fomento, hoje é pior do que o Boston e o Citybank. Fui pedir um empréstimo de custeio para a soja e para o milho e disseram-me: “Não, custeio não. Mas, se quiser, fazemos uma operação a futuro para a bolsa de Chicago”. O agricultor, em vez de ter um financiamento de custeio, recebe a sugestão para que faça uma especulação na bolsa de Chicago?! Esse tipo de Banco do Brasil não é necessário, precisamos ter um Banco do Brasil da antiga Carteira de Crédito Agrícola Industrial - CREAI -, que, antes do BNDES, colaborou decisivamente para formar o parque industrial brasileiro, aquele Banco do Brasil que financiava a fronteira agrícola, que fazia o custeio agrícola. Aquele Banco do Brasil, Senador, em que, quando comecei a trabalhar com meu pai na tecelagem, levava meu borderô de desconto e me descontavam para pagar a folha de pagamento. Agora, a pessoa entra lá e debitam na sua conta corrente que você respirou “tanto” de oxigênio. Ou seja, não é esse tipo de sistema financeiro de que estamos precisando, e sim de um que esteja a serviço da produção; estamos precisando de mais BDMGs. Outra nota 10 para Minas. Em São Paulo acabaram com o BANESPA, que não é mais nosso, e, se não abrirmos os olhos, qualquer Citybank ficará com o BANESPA. O problema da desnacionalização é muito grave, grandes Bancos nacionais já não são nacionais: o Bamerindus, o Real..., sobraram só três grandes Bancos nacionais: o Itaú, o Unibanco e o Bradesco. Vamos supor que amanhã o Banco Central queira fazer uma rolagem da dívida, chama os banqueiros e diz: “Precisamos alongar o perfil de nosso endividamento. Vocês são banqueiros brasileiros e têm que colaborar conosco”. A resposta que o Banco Central ouvirá, provavelmente, será em inglês, de algum dos diretores de Bancos ingleses, que dirá: “Preciso consultar o Wall Street”. E, nessa altura, quem fará a política monetária no Brasil?
Da mesma maneira, quero alertar para a desnacionalização do comércio. O Makro, o Carrefour... nossos amigos franceses estão comprando tudo. Onde está o empresário brasileiro? Isso significa que aquela pequena fábrica de farinha que existe em Patos de Minas e que vendia para o Pão de Açúcar, para a rede mineira, na hora em que o Carrefour comprar - eles têm o que chamam arrogantemente de “global sourcing”, que é o fornecimento global -, dará preferência aos seus fornecedores do exterior. Então, aquela fábrica de Patos ou de Santa Luzia vai perder os clientes, e quem venderá lá será a Nestlé e a Gessy Lever. É preciso denunciar isso. É preciso que a rede de comercialização brasileira fique o mais possível em mãos nacionais.
Apenas para terminar, quero dizer que sou empresário, tenho fábrica em Minas e estou lutando com 300 mil dificuldades. Não desisto, acredito no meu País e no meu povo. Para sairmos disso, temos que fazer um pacto político. Não vamos nos enganar, tudo é política, na vida. A burguesia industrial brasileira, se quiser continuar com os dedos, terá de entregar os anéis e fazer um pacto com os trabalhadores brasileiros, com a classe média brasileira, com a cidadania, para que todos nós, na cidadania, de baixo para cima, defendamos os interesses legítimos da Nação. Temos de construir um novo País, para que o século XXI não seja mais um século perdido, como o foram os séculos XIX e XX.
A propósito, queria recomendar a todos a leitura de um livro do jornalista Jorge Caldeira, que se chama “A Nação Mercantilista”. Quando vocês lerem esse livro, irão perceber porque o Brasil perdeu o bonde do século XIX e o que temos de fazer para não perder o bonde do século XXI.
Acredito em nós, brasileiros, mineiros, paulistas, pernambucanos. Vamos pegar essa tocha, vamos pegar esse projeto e transformar o Brasil numa grande nação do século XXI. Muito obrigado.