RÉGIS ARSLANIAN, Diretor-Geral do Departamento de Negociações Internacionais do Ministério das Relações Exteriores.
Discurso
Discursa sobre tema: "A Área de Livre Comércio das Américas - ALCA - e
suas implicações Socioeconômicas".
Reunião
16ª reunião ESPECIAL
Legislatura 15ª legislatura, 1ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 06/09/2003
Página 37, Coluna 1
Evento Ciclo de Debates: "O Brasil na Área de Livre Comércio das Américas - ALCA".
Assunto ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. COMÉRCIO.
Legislatura 15ª legislatura, 1ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 06/09/2003
Página 37, Coluna 1
Evento Ciclo de Debates: "O Brasil na Área de Livre Comércio das Américas - ALCA".
Assunto ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. COMÉRCIO.
16ª REUNIÃO ESPECIAL DA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 15ª
LEGISLATURA, EM 22/8/2003
Palavras do Ministro Régis Arslanian
Obrigado. Talvez seja para a sorte de vocês e para minha
infelicidade. Se soubesse que a mesa da hoje à tarde teria esse
tom tão diferente do da manhã, pegaria um carro para voltar a
Brasília, para não ter de ouvir o que ouvi.
O Sr. Plínio Arruda Sampaio Filho - Se os Srs. Paulo Nogueira e
Luiz Eduardo estivessem aqui pela manhã, imagino que o tom ficaria
na média.
O Ministro Régis Arslanian - Estou como penetra agora. Como
negociador brasileiro e Diretor do Departamento de Negociações
Internacionais do Itamaraty, dedico 40% do meu tempo a negociações
sobre a ALCA. Só pode ser muito desafiante para mim estar aqui,
conversando com vocês. Não vale a pena repetir o que já falei de
manhã.
Estou envolvido com a ALCA desde 1994, quando foi lançada em
Miami. Depois houve interrupção de quatro anos. Estive em
Washington e agora voltei para a ALCA. Durante esse tempo, esse
processo de negociação ou pelo menos de discussão sobre a ALCA, é
a primeira vez que vejo a crescente participação da sociedade
civil, sobretudo nas posições negociadoras que o Governo
brasileiro, especificamente o Itamaraty, tem assumido frente à
ALCA.
Tivemos reunião de Vice-Ministros da ALCA em El Salvador, que foi
a última, há um mês e meio, quando, pela primeira vez, contamos
com a presença de dois Senadores brasileiros: Capiberibe e Eduardo
Azeredo. Grande parte dos 40% de meu trabalho dedico a preparar
papéis, posições, pareceres do Itamaraty, que são dados ao
Congresso Nacional, exposições para o Ministro Celso Amorim, para
o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que é o Secretário-Geral
das Relações Exteriores junto ao Congresso, e para explicar as
posições do Brasil no processo negociador da ALCA.
Temos nove grupos de negociação da ALCA. Para cada grupo há uma
reunião preparatória técnica em Brasília. Isso é inédito, acontece
de dois meses para cá. São convidados representantes de todos os
segmentos da sociedade civil, que participam da mesa, dão
subsídios, informações e influenciam nessas posições negociadoras
na ALCA.
Todos eles representantes de força sindical. Parlamentares,
jornalistas, trabalhadores. A coalizão empresarial está
representada. Os empresários participam das reuniões e têm sido
muito úteis para a formulação das nossas posições na ALCA.
Fico satisfeito por ter podido participar desta Mesa de hoje à
tarde. Tomei nota das partes principais das falas de cada um dos
cinco expositores da Mesa da manhã. Fico feliz com a acertada
posição do Governo brasileiro, mais especificamente do Itamaraty,
com relação à negociação da ALCA.
E por que tem sido acertada a posição do Governo brasileiro com
relação à ALCA? Porque, pelo que pude perceber, com muita
sensibilidade o Governo brasileiro decidiu mudar sua estratégia
com relação à ALCA. Isso não foi dito por nenhum dos expositores.
Foi divulgada pela imprensa, há um ou dois meses, essa nova
estratégia, que não é apenas uma estratégia, mas uma proposta
formalizada e oficializa no contexto das negociações da ALCA,
nessa reunião que aconteceu em El Salvador. Houve debates na
imprensa sobre isso. Foi objeto de editorais no “Estado de São
Paulo”, com críticas e elogios. O que aconteceu não foi dito aqui
por nenhum dos expositores. Não foi dito que o Brasil oficialmente
propôs uma restruturação da negociação da ALCA, uma vez que o
Governo brasileiro percebeu que o processo de negociação, da forma
como estava, não interessava aos objetivos do País.
Apresentamos essa proposta, que o Ministro Celso Amorim chamou de
proposta dos três trilhos, há um mês e meio, na reunião de Vice-
Ministros em El Salvador. Apresentamos em nome do MERCOSUL, por
iniciativa do Brasil. Aliás, o Uruguai estava na Presidência “pro
tempore” do MERCOSUL, apresentando-a em nome do MERCOSUL. Os
demais 30 países, inclusive os Estados Unidos, reconheceram,
formalmente, no plenário, que a ALCA não poderia continuar como
estava, porque, nos 16 meses que faltam para concluirmos a
negociação, não conseguiríamos nada. As negociações estão num
impasse absoluto. É um projeto, não um acordo, como foi dito aqui.
Não existe acordo da ALCA, existe o projeto. Não sabemos o que
será a ALCA.
O Ministro Celso Amorim disse que existem, nos nove projetos de
acordo, que são chamados capítulos, nos grupos negociadores, 7 mil
colchetes, ou seja, praticamente o texto inteiro dos capítulos
está entre colchetes. Todos os textos. Os nove grupos. Existe um
impasse, quase que virtual, da negociação como um todo. E isso foi
reconhecido pelos 34 países. Constou do segundo item, na agenda da
reunião de El Salvador, o estado atual das negociações. E a
proposta do MERCOSUL apresentada, de restruturação do processo, de
forma a fazer com que aconteça a negociação para concluir o
eventual acordo, precisa ser mais realista, mais pragmática.
Temos de trabalhar mais com uma ALCA possível, e não insistir na
agenda, tão abrangente como agora. A proposta do MERCOSUL foi
objeto de discussão durante uma tarde inteira dos quatro dias de
negociação. Vários países elogiaram, a maioria criticou. Não se
esperava que, quando o MERCOSUL apresentasse a proposta pela
primeira vez, fosse acolhida e fosse objeto de discussão
aprofundada. A idéia do MERCOSUL era apresentar a proposta.
Nosso objetivo é ter a proposta discutida em profundidade na
reunião de Vice-Ministros em Trinidad e Tobago. E que seja objeto
de decisão final pelos Ministros, na reunião ministerial de Miami,
que se realizará em novembro. Esperamos que, a partir daí, o
processo da negociação da ALCA seja outro. Não só o MERCOSUL quer
mudança, reformatamento da negociação, como outros 30 países
envolvidos. Por que o Brasil apresentou proposta de
reestruturação? Porque o processo estava desequilibrado. O Brasil,
com nossa importância econômica, com as indústrias que possui, com
a competitividade e o potencial de crescimento, não tem como
ignorar a importância do mercado americano, aberto para outros
países, mas fechado para o nosso.
Por infeliz coincidência, a tarifa média americana imposta para
os 15 produtos principais de exportação para o mundo é de 45%,
enquanto nossa tarifa média imposta para os 15 produtos de
exportação é de 14%, o que equivale à nossa tarifa média em geral.
Há simetria, equilíbrio maior, tratamento mais justo das nossas
tarifas quanto aos produtos americanos e vice-versa. Não há como
abrir e liberalizar o mercado americano.
Não temos muito potencial de crescimento comercial dentro do
MERCOSUL, a menos que haja um “boom” econômico na Argentina e nos
demais países do MERCOSUL. Nossas exportações deverão crescer para
os grandes mercados, que são os Estados Unidos e a União Européia.
Nossos produtos são mais sensíveis para o mercado americano. Nosso
suco de laranja tem tarifa de 55% “ad valorem”, que é muito maior
que nossa tarifa média de 14%. Nossa carne não entra no mercado
americano porque, supostamente, tem aftosa, mas entra no mercado
europeu. Existem restrições, subsídios agrícolas, 80 bilhões de
subsídios agrícolas até 2010.
Perdemos esperança de conseguir maior abertura. A liberalização
completa do mercado americano, a essa altura, é impossível. A
única maneira de termos maior acesso ao mercado americano seria
por meio de negociação comercial com os Estados Unidos. A ALCA
para áreas prioritárias como a agricultura, as investigações
arbitrárias injustas em matéria de “antidumping”, de direitos
compensatórios, de salvaguardas, afeta nossas exportações de aço
para os Estados Unidos.
Essas áreas prioritárias para o Brasil não têm sido objeto de
flexibilidade por parte dos Estados Unidos, a ponto de defenderem
que subsídios agrícolas e “antidumping” devem ser tratados no
âmbito da OMC. Apesar de constarem da agenda, não podem ser
incluídos na negociação da ALCA.
Existe enorme pressão para que avancemos nas áreas para as quais
não somos demandantes - e sim eles -, como serviços e
investimentos, que foram citados como área sensível e complexa.
Isso é verdadeiro. A proposta apresentada pelos americanos para a
área de telecomunicações na ALCA, em Puebla, durante as
negociações sobre investimentos, dizia que faríamos, por exemplo,
ligação telefônica local de Copacabana para Ipanema por meio da
ATT, nos Estados Unidos, sem interferência de sistema de telefonia
brasileiro. Além disso, pagaríamos aos Estados Unidos, mandaríamos
as remessas de pagamentos de telefonemas locais àquele país. Mas a
delegação brasileira nem sequer comentou ou formulou perguntas
sobre tal proposta.
Como nas áreas para as quais não somos demandantes existe pressão
enorme para avançar, há grande desequilíbrio, diferença entre as
áreas nas quais temos interesses, como agricultura e
“antidumping”, e outras, como serviços, investimentos e compras
governamentais, no processo negociador. Isso significa avanço
desenfreado, avassalador nas áreas que não desejamos e paralisação
total naquelas de nosso maior interesse.
Portanto, não podemos continuar assim, sobretudo agora, na etapa
final da negociação, em que iniciaremos a discussão das
concessões. Os Estados Unidos e outros países terão de fazer
concessões em troca das nossas. Decidimos propor uma
reestruturação do processo. O MERCOSUL apresentou a sua proposta,
denominada três trilhos. Por que três trilhos? Dividimos a agenda
e o mandato negociador da ALCA, acordado há quatro ou cinco anos,
em três caminhos. O Ministro Celso Amorim os chamou de três
trilhos. O primeiro é a via bilateral, a quatro mais um, em que o
MERCOSUL negociará com os Estados Unidos. Negociaremos, assim, de
forma mais objetiva com aquele país do que se fôssemos negociar
com outros países, cujos interesses são totalmente diferentes dos
nossos, inclusive menos ambiciosos em matéria de comércio. Por
meio da negociação bilateral, exporemos as nossas reais
possibilidades, flexibilidades e pleitos. Eles farão o mesmo.
Dessa forma, faremos um acordo possível nessa área e teremos uma
ALCA possível a partir daí, ou seja, discutiremos somente o acesso
a mercados, não regras e serviços, regras e investimentos e
compras governamentais. Os dois países poderão expor, de forma
mais clara, as suas reais possibilidades. Quem sabe conseguiremos
parcela daquilo que poderíamos desejar da parte do mercado
americano. Mas um fato é certo: eles terão a correspondente
parcela, na base absoluta da reciprocidade, daquilo que poderiam
querer da nossa parte.
É um esquema mais justo e equilibrado. Os temas mais sensíveis
para eles, como subsídios agrícolas, apoio doméstico,
“antidumping” e direitos compensatórios, como já foi determinado
pelo TPA, autoridade negociadora que o Congresso dá ao Executivo,
seriam discutidos na OMC, juntamente com as áreas que, para nós,
são sensíveis e para as quais não somos demandantes, como
serviços, investimentos e compras.
Se não querem discutir o que nos interessa, também não
discutiremos o que lhes interessa.
O segundo trilho diz respeito às regras de acesso na ALCA,
solução de controvérsias, regras de origem, barreiras técnicas -
aspectos mais simples. O terceiro trilho se refere aos temas da
OMC.
Portanto, com essa proposta, pretende-se que haja negociação do
que for possível, sobretudo de forma equilibrada até janeiro de
2005. O que pudermos conseguir, será ótimo. O que não
conseguirmos, fica para a OMC. Uma coisa é certa: se não
alcançarmos o que queremos, também não conseguirão tudo o que
almejam. Esse ponto é importante, a proposta feita pelo MERCOSUL,
por iniciativa do Brasil, mudará a feição e o formato do processo
negociador. Muito obrigado.