Pronunciamentos

ODACIR KLEIN, Consultor Jurídico da Organização das Cooperativas do Brasil.

Discurso

Comenta o tema do evento.
Reunião 70ª reunião ESPECIAL
Legislatura 14ª legislatura, 2ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 06/05/2000
Página 26, Coluna 4
Evento II Encontro Nacional das Frentes Parlamentares do Cooperativismo.
Assunto INDÚSTRIA, COMÉRCIO E SERVIÇOS.
Observação Participantes dos debates: Renato Rainha, Carlos Fabiano Braga, Matusalém Dias Sampaio, Paulo Vasconcelos, Maria Aparecida Soars Domingueti, Deiró Moreira Marra.

70ª REUNIÃO ESPECIAL DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 14ª LEGISLATURA, EM 4/4/2000 Palavras do Sr. Odacir Klein Exmºs Srs. Deputados José Braga, representante da Presidência da Assembléia Legislativa de Minas; Paulo Piau, Presidente da FRENCOOP de Minas Gerais; Miguel Martini; Srs. Deputados Federais, saúdo-os cumprimentando os dois integrantes da Mesa, Deputados Carlos Melles e Márcio Rodrigues; Deputados Estaduais de Minas Gerais e de outros Estados; Srs. Vereadores; senhores dirigentes cooperativistas, saúdo-os cumprimentando o Superintendente da Organização das Cooperativas do Brasil - OCB -, Dr. Valdir Colato; Ilmº Presidente das Cooperativas de Minas Gerais, nosso companheiro de cooperativismo Alfeu Silva Mendes; meu prezado companheiro de painel, Dr. Virgílio Perius; ao lado de Dr. Virgílio, eu já mantive muitas lutas, ele é um especialista em legislação cooperativista e, embora seja hoje um assessor qualificado do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, não deixa de lado o cooperativismo, e está aqui, conosco; assessorou a OCB durante a Constituinte; quando eu estive na Presidência da FRECOTRIGO, no Rio Grande do Sul, ele nos ajudou muito com seu conhecimento, e é um grande prazer tê-lo aqui, nesta Mesa. Deixei por último, quebrando a hierarquia, em razão da posição que ocupa, para dizer da minha satisfação de estar ao lado do Senador Francelino Pereira. O Senador Francelino Pereira era Vice-Presidente do Banco do Brasil, da área administrativa, e eu era Diretor de Recursos Humanos. Essa diretoria era subordinada à Vice-Presidência administrativa, e tive a oportunidade de conviver com o Senador Francelino Pereira, de aprender a conhecê-lo, de saber de seu espírito público; já o conhecia da atividade parlamentar, mas, no Banco do Brasil, convivi com ele e o coloco entre os amigos pessoais, pessoa por quem tenho muito respeito político; por isso tenho tranqüilidade ao saber que é o relator do projeto de lei relativo à legislação cooperativista. É uma grande satisfação, Senador, estar com V. Exa. Eu estava falando com o Senador, pouco antes do início dos trabalhos, e ele estava me dizendo que encarava este trabalho como uma primeira audiência pública para efeito da elaboração de seu trabalho. Peço, então, licença aos Deputados Federais e Estaduais, aos Vereadores, para que, numa primeira parte da minha intervenção, eu esteja me dirigindo especificamente ao Senador Francelino Pereira, para dar a minha visão ao relator do projeto no Senado, a respeito do problema de nossa legislação cooperativista. Temos uma legislação de 1971 e uma Constituição Federal que revogou, em grande parte, aquela legislação, recepcionou, em grande parte, aquela legislação. Tudo aquilo que a Lei nº 5.764, de 1971, tem de contrário à Constituição de 1988 foi automaticamente revogado pela Constituição, e tudo que a lei tem que não contraria a Constituição foi recepcionada em nossa Carta Magna de 1988. Nós tínhamos antes um modelo intervencionista e temos hoje um modelo sem intervencionismo. O art. 5º da Constituição Federal, em seu inciso XVIII, diz o seguinte: “A criação de associações e, na forma da lei, de cooperativas independe de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento.”. Essa vírgula depois do “e” que vem depois da palavra “associações”, para colocar” e, na forma da lei”, quer dizer que, para formar associações, não há necessidade de autorização. Para formar cooperativa, na forma da lei, não há necessidade de autorização, mas na forma da lei, porque tem que ter uma lei dizendo o que é cooperativa e qual o organismo que vai dizer se ela é cooperativa ou não. Não se trata de autorização para funcionamento, trata-se de a lei regular o que é cooperativa e dizer qual a forma para ser visto se ela preenche os requisitos e quem examina essa situação. E, no final, o dispositivo diz: “... sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”. Isso quer dizer que o Estado não pode interferir no funcionamento das cooperativas. Aí temos a seguinte situação: a Lei nº 5.764, nos seus arts. 3º e 4º, estabelece o que é uma sociedade cooperativa; e, depois do art. 4º, diz quais são as características da sociedade cooperativa, que são adesões voluntárias, cada associado tem direito a um voto, não é sociedade de capital, não se vota em razão do capital, as sobras são distribuídas na proporção das operações, as despesas são rateadas nas proporções das operações, são sociedades destinadas à prestação de serviços a seus associados, seja qual for o ramo em que atuem. Isso está contemplado na Lei nº 5.764, tinha vigência antes da Constituição Federal e continua tendo, mesmo agora, sob a égide da Constituição Federal de 1988. São dispositivos não revogados, o que significa que há uma legislação estabelecendo que cooperativa é isso, tem que ter tais características, senão não é cooperativa. Quando estava em vigor a Constituição anterior, o pedido para autorização - porque, naquela época, era necessário pedir autorização - era feito junto ao órgão federal de controle nos Estados e no Distrito Federal, ou seja, o INCRA, salvo algumas exceções, de alguns ramos de cooperativismo; e, se fosse negado ou indeferido, havia possibilidade de recurso ao Conselho Nacional de Cooperativismo, que era um órgão estatal, embora com a presença de entes privados, mas era um órgão estatal; se não fosse examinado em 60 dias, poderia ser considerado que houve autorização automática. Então, havia necessidade de autorização por ente público. Dada a autorização, era feito o arquivamento da documentação na Junta Comercial, para efeito de aquisição de personalidade jurídica. A personalidade jurídica só era adquirida no momento em que essa documentação era arquivada na Junta Comercial. A Junta Comercial não examinava nada, não examinava se realmente tinha todas as características de uma cooperativa, ela recebia o deferimento de uma autorização feita por um poder público e arquivava os documentos. A lei também previa que a cooperativa autorizada a funcionar se registrasse junto ao órgão de representação do cooperativismo nos Estados ou no Distrito Federal, ou seja, junto a organizações estaduais que são vinculadas a OCB, e é óbvio que, em havendo a possibilidade de interferência estatal, havia toda a possibilidade de fiscalização, por parte do poder público, do cumprimento de obrigações fiscais tributárias, previdenciárias, trabalhistas, sanitárias e ambientais, intervenção estatal esta que considero que continua em vigor, mesmo sob a égide da nova Constituição, porque não se trata de uma interferência específica na ação da cooperativa, mas, ao contrário, do exercício de um poder de polícia do Estado relativo a todas as atividades. Então, embora essa seja uma interferência estatal, é exercício de um poder de polícia, não coibido, que eu considero que não tenha sido revogado com a vigência da Constituição Federal. Atualmente, ocorre o seguinte: os arts. 3º e 4º, estabelecendo as condições para a criação de uma cooperativa e dizendo quais são as características de uma cooperativa, continuam em vigor. O arquivamento na Junta Comercial continua em vigor, para efeito da aquisição de personalidade jurídica - a Junta Comercial não vai examinar se é uma cooperativa ou se não é, se está preenchendo aqueles requisitos ou não -, e o registro junto a entidade de representação estadual, no meu entendimento, continua em vigor. Existem tratadistas do cooperativismo que dizem que não, que não há mais interferência, e isso era uma espécie de interferência, mas essa interferência não é do poder público, é presença da entidade representativa do cooperativismo. Só que nós criamos uma situação que hoje corresponde a um hiato legal: fala-se em registro, e entendo que, depois que se retirou a presença do Estado, através do INCRA e do Conselho Nacional de Cooperativismo, as organizações estaduais passaram a ter a incumbência de examinar se realmente a cooperativa preenche os requisitos para ser efetivamente uma sociedade cooperativa. No entanto, havia uma distorção, e esse registro pode ser requerido depois do arquivamento na Junta Comercial e da aquisição da personalidade jurídica, pelo que é necessária uma lei estabelecendo claramente essa questão do registro. Eu sei que ontem se discutiu muito aqui a questão da unicidade ou não-unicidade. Essa questão, para mim, além de aspectos doutrinários, tem um aspecto formal fundamental. Antes da Constituição de 1988, eu nunca tinha ouvido falar em cooperativa fantasma, e agora, quando se fala, em área pública, de não- incidência tributária ou até de algumas isenções, a reação é sempre a de se dizer que existem cooperativas que não são cooperativas - temos de coibir isso - e que, sob o manto da cooperativa, há pessoas que não querem pagar impostos; eu nunca tinha ouvido falar nisso. Não quero o retorno da intervenção estatal, mas entendo que é fundamental que haja uma entidade dizendo se a cooperativa que se forma é ou não é cooperativa. Sou advogado e técnico em contabilidade e, para exercer minha atividade de técnico em contabilidade, tive de inscrever-me no Conselho Regional de Contabilidade; o Conselho examinou se eu tinha diploma, examinou minha qualificação e me inscreveu. Como advogado, sou inscrito na OAB, que examinou se eu tinha diploma; agora, inclusive, ela vê se a pessoa tem condições de exercício profissional por meio de um exame. Para conseguir a minha sociedade de advocacia, eu fiz um contrato social e fui submetido à OAB, que autorizou, porque viu que os requisitos estavam preenchidos, e isso não é intervenção estatal, isso é impedir que quem não é técnico em contabilidade atue como técnico em contabilidade, que quem não é engenheiro atue como engenheiro, que quem não é advogado atue como advogado, que haja uma sociedade de advogados com sócios não-advogados - tem que haver um organismo para verificar isso. No caso do cooperativismo, já que as cooperativas têm características próprias que as levam a ter, inclusive, não-incidências tributárias que outras entidades têm, é preciso que alguém diga se realmente ela é cooperativa. Vou examinar mais aqui, com ordem do Senador Francelino Pereira, o projeto do Senador Osmar Dias. Existe também um bom projeto do Senador José Fogaça, o projeto do Senador Suplicy, mas parece-me que o projeto do Senador Osmar Dias resolve esse problema. Ele prevê o seguinte: criada a cooperativa, há o encaminhamento da documentação no prazo de 30 dias, que consta na Constituição, ao órgão estadual ou do Distrito Federal, ou seja, à organização estadual de cooperativas, para que ela declare a compatibilidade com a legislação ou então fixe exigência necessária à compatibilização, se for o caso. Se houver o indeferimento, há possibilidade de recurso ao órgão nacional do cooperativismo, que é a OCB. É claro que as cooperativas fantasmas poderão constituir-se em um fantasma guarda-chuva, sob a forma de federação ou de confederação. Então, a federação, a confederação específica poderá não ter condições de avaliar se ela é efetivamente uma cooperativa ou não. Por isso, é fundamental que haja órgãos estaduais e órgão federal que, unificadamente, examinem e vejam se é o caso de sociedade cooperativa ou não. Prevê o projeto que, declarada a compatibilidade, os documentos serão encaminhados à Junta Comercial, para efeito de arquivamento. Esse arquivamento, tornado público, fará com que a cooperativa adquira personalidade jurídica. Quer dizer, já houve o ente da sociedade civil, o ente privado que examinou a documentação; isso corresponde ao exame do sistema. Daí, vai para a Junta Comercial, que faz o arquivamento e concede a personalidade jurídica. E as cooperativas ficam obrigadas a remeter ao órgão de representação documentos referentes a reforma estatutária - se não, podem mudar, e tudo se complica - e atas de assembléias gerais de prestação de contas e eleições, para que se veja se está sendo cumprida a legislação cooperativista, os estatutos, no que diz respeito a eleições e à divisão das sobras. Entendo que esse projeto não coíbe a fiscalização pelo poder público, exatamente no exercício da atividade do poder de polícia, das questões trabalhistas, previdenciárias, sanitárias, tributárias e outras do gênero. Então, meu nobre amigo e caro Senador Francelino Pereira, há um hiato na legislação. Há necessidade de correção, e é de fundamental importância que essa correção possa ocorrer com brevidade. Conhecendo seu espírito público e sua forma correta de agir, sei que V. Exa. irá se debruçar com todo cuidado sobre esse assunto. Quando eu era parlamentar, gostava de discutir e de recolher sugestões, mas não gostava muito de ser pressionado. Assim, sem querer influenciar, este seu amigo estará à disposição para discutir o que for necessário na redação desse parecer. Sinto que meu tempo está-se esgotando, mas, rapidamente, quero chamar atenção para duas questões. Agora deixo de falar para o Senador Francelino Pereira e falo à FRENCOOP. A Constituição prevê que o cooperativismo tem de ser estimulado. E o que ocorreu recentemente, com a Lei nº 9.876, em seu art. 22, inciso IV, foi um desestímulo, porque as cooperativas de trabalho passaram a ter situação diferenciada em relação às outras entidades não cooperativas, com a necessidade daquele recolhimento de 15% sobre o valor total do faturamento. Isso foi, na verdade, uma situação diferenciada, prejudicial às cooperativas de trabalho, em descumprimento total do que prevê a Constituição Federal, que é exatamente o estímulo a elas. Por último, apenas para concluir, permitam-me que fale sobre uma outra questão à FRENCOOP. A Constituição prevê que só lei complementar pode mudar ou estabelecer tratamento adequado ao ato cooperativo. Bem, por meio de uma medida provisória o Governo pretendeu tributar as cooperativas, cometendo um equívoco, porque há uma não-incidência: a cooperativa não tem renda, quem tem são os associados, pessoas físicas, e PIS e COFINS não incidem sobre pessoas físicas. Afora isso, a mudança foi por medida provisória, o que é inconstitucional. E a FRENCOOP pode mudar isso na votação da medida provisória e deve insistir nessa modificação. Já falei pessoalmente com o relator, que está disposto a, em seu parecer, escrever que, feita por meio de medida provisória e não de lei complementar, essa modificação é inconstitucional. Perdoem-me se me estendi um pouco. Quero agradecer a oportunidade que tive e dizer ao nobre Senador Francelino Pereira que conte com este seu amigo para, dentro da visão que temos do que seja o interesse público, colaborar, com informações de que venha a necessitar, para a elaboração desse parecer a respeito da legislação cooperativista. Muito obrigado.