NILMÁRIO MIRANDA, Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos.
Discurso
Transcurso do 150º aniversário do Município de Teófilo Otôni.
Reunião
19ª reunião ESPECIAL
Legislatura 15ª legislatura, 1ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 03/09/2003
Página 31, Coluna 1
Assunto CALENDÁRIO.
Legislatura 15ª legislatura, 1ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 03/09/2003
Página 31, Coluna 1
Assunto CALENDÁRIO.
19ª REUNIÃO ESPECIAL DA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 15ª
LEGISLATURA, EM 29/8/2003
Palavras do Ministro Nilmário Miranda
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sras. Deputadas, autoridades,
senhoras e senhores, não voltarei ao tema da história de Teófilo
Otôni, brilhantemente desenvolvido por vários oradores que me
antecederam, principalmente pelo Dr. José Carlos Pimenta. Mas não
posso deixar de falar um pouco sobre essa história.
Apesar de nascido em Belo Horizonte, fui criado em Teófilo Otôni.
Meu pai havia trabalhado naquela cidade, quando solteiro, nas
Casas Pernambucanas. Casou-se em Barbacena. Assim que a família
começou a crescer, estabeleceu-se em Teófilo Otôni. Durante suas
idas àquela cidade, a fim de comprar a loja e alugar a nossa casa,
nasci. Logo em seguida, com poucos dias de nascido, fui para
Teófilo Otôni, onde morei de 1947 a 1965. Foi lá que nasceram seis
dos meus nove irmãos. Minha mãe ainda mora lá. Naquela terra meu
pai está enterrado. Por isso, digo que sou de Teófilo Otôni.
Pertenço a uma geração que teve a sorte de estudar em escolas
públicas de qualidade, quando o ensino público era o melhor do
País. Lembro-me do Grupo Teófilo Otôni, em que cursei o primário,
do Colégio São José e, sobretudo, do Colégio Mineiro. Foi muita
sorte ter sido aluno da Maria José, do Fernandinho Haueisen, do
Patrício Ferreira Gomes, do Dr. Pedro de Paula Otoni, do Prof.
Libório e de tantos outros, que formavam um grupo de primeira
qualidade.
Ali também foi onde me politizei. Comecei minha participação
política no início da década de 60. Teófilo Otôni era uma cidade
fervilhante, apesar de não chegar lá um jornal, não haver
televisão e de não existir o asfalto da Rio-Bahia. Toda
comunicação era feita por meio de rádio, jornais semanais, que
passavam antes dos filmes, e de revistas. Porém a cidade
fervilhava em termos de politização, em parte devido a pessoas
como Gilberto Porto e outros, que levavam os grande debates
nacionais para lá.
Recordo-me de uma campanha de Prefeito que me despertou. Foi
quando o Dr. Pedro Paulo concorreu com os dois pólos da política
local, dos grupos do Sidônio e do Petrônio. O Dr. Pedro Paulo
quase venceu as eleições quando o Jânio foi candidato. O fato
levou muitos jovens a participar. Talvez tenha sido minha primeira
participação política, quando tinha de 13 para 14 anos.
Foi nos anos de 1961 a 1964 que Teófilo Otôni passou por intensa
politização, e a juventude se engajou, influenciada pela Revolução
Cubana e pelo Concílio Vaticano II, que mexeu com quase 20 séculos
da Igreja. Teófilo Otôni tinha um núcleo sindical muito organizado
na Estrada de Ferro Bahia-Minas. A Igreja também trouxe forte
politização, por meio da JUC e da JEC.
A luta pela universidade do Nordeste mineiro era o que nos unia.
Quando uma pessoa passava no vestibular, a cidade inteira sabia.
Era recebida com festa, era cumprimentada e visitada. A cidade
tinha poucas pessoas. A universidade do Nordeste mineiro era uma
aspiração da cidade e da região. A Deputada Maria José Haueisen
viu hoje que, depois de quarenta e tantos anos, continua sendo uma
aspiração, que há uma lacuna na região no que diz respeito a uma
universidade pública, para que todos tenham acesso não só ao
ensino superior, mas a um centro de reflexão, de produção de
idéias, vinculado ao desenvolvimento econômico, social, político,
intelectual e espiritual da região.
Ali também vivi a experiência do golpe militar. Estava engajado
na luta pelas reformas de base. Nosso povo estava acreditando que,
finalmente, o Brasil começaria a combater a maldita herança que
veio da colônia e da escravidão: a concentração das terras, da
riqueza, do poder e do saber; a fantástica exclusão social e
regional.
Recordo-me do dia em que estava em aula no Colégio Mineiro quando
um garoto chegou e me disse que meu pai tinha sido preso. Corri
para a loja. Falaram-me: “A loja está sozinha, seu pai foi preso,
um jipão do Exército o levou”. Passei igual a uma bala pela
farmácia popular dos Motas, pelo armazém do Rui Davio, pela
Pastelaria Eureca, pela Rener. Quando cheguei à loja, o pessoal
estava chocado. O empregado mais antigo contou-me: “Seu pai foi
preso, e a única coisa que pediu foi para calçar o sapato, porque
ele está com uma unha encravada e, por isso, um pé estava com
sapato, e o outro, com chinelo. Ele saiu muito chateado, porque
eles não o deixaram calçar. Para a dignidade dele deveriam pelo
menos tê-lo deixado calçar o sapato”. Depois de 15 dias ele
voltou. Durante esse tempo, ficou sem tomar banho, sem poder
dormir, pois teve de revezar com outros presos, por causa do
grande número de pessoas na cadeia de Valadares, onde estava.
Tudo isso vejo hoje com muita simpatia; fez parte da minha
ligação visceral profunda com Teófilo Otoni.
Os que me antecederam aqui brilhantemente mostraram que um dos
empreendimentos mais importantes do século XIX foi a Companhia do
Mucuri. Isso ainda não está digerido pela história oficial do
País. Theophilo Ottoni era um republicano, um abolicionista e era
nacionalista. Era da ala mais radical. Mesmo quando estudava na
Marinha participava de células clandestinas dos maçons. Quando deu
baixa na Marinha - porque ali só avançava quem tinha sangue azul -
, levou junto com o Cristiano, para o Serro, pela estrada real,
uma tipografia. Foi a única coisa que levou do Rio de Janeiro:
tipografia para montar o “Sentinela do Serro”. Era um ativista
político do republicanismo, do abolicionismo e do progresso.
Mesmo morando no Serro, mantinha contatos permanentes com
Evaristo da Veiga, com Rodrigues da Cunha, com os líderes
republicanos e maçons do Rio de Janeiro. Mantinha contatos com
Feijó, no Ceará, e, em São Paulo, com uma rede de jornais
libertários.
Bem lembrou o Dr. José Carlos Pimenta que ele, depois de preso,
em Santa Luzia, levado a pé para Vila Rica, só na sua chegada lhe
tiraram os ferros que o prendiam. Ficou três anos preso e durante
esse tempo manteve um jornal, “O Itacolomi”, jornal de combate,
dentro da tradição dos libertários do séc. XIX.
Ele fez sua própria defesa - era tradição das pessoas que
enfrentavam aquela pasmaceira do Império, graças ao baixo
desenvolvimento político que o caracterizou.
Teophilo Ottoni está para Minas como Vergueiro esteve para São
Paulo, no séc. XIX. Foi, este na mesma época, quem levou o café,
quem rompeu com a monocultura, sem utilizar mão-de-obra escrava.
Recorreu aos imigrantes para fugir da escravidão. Theophilo Ottoni
está para Minas como Mauá esteve para o Rio. Numa cidade que
abrigava a burocracia, primeiro da Colônia, depois do Império, foi
quem introduziu os estaleiros, a indústria, a idéia da
diversificação econômica para romper com o paradeiro do Império.
Teophilo Ottoni está para Minas assim como Delmiro Gouveia esteve
para Alagoas, para o sertão de Alagoas e da Bahia. Foi responsável
pela primeira hidrelétrica construída no Brasil onde hoje é Paulo
Afonso; e plantou no meio daquele sertão uma tecelagem.
Theophilo Ottoni era assim também. Em plena hegemonia absoluta do
escravagismo, ele foi buscar imigrantes na Europa. Seu ideal era
trazer mil famílias e misturar várias nacionalidades e etnias. Ele
buscava essa diversidade. Isso fazia parte de um projeto. A
Companhia do Mucuri não era um projeto econômico, era um projeto
político.
Naquela época, havia intenso debate intelectual na Europa e nos
Estados Unidos e havia o chamado “Socialismo Utópico”, de
Proudhon, de Fourier, de Saint Simon, que pregavam a constituição
dos chamados “falanstérios”, a pedagogia do exemplo, com a criação
de núcleos civilizatórios que servissem de referência para o
desenvolvimento do todo. De certo modo, o que Ottoni queria era
isso: fazer de Teófilo Otôni um falanstério. Queria plantar ali
uma civilização sem escravos, baseada na propriedade individual e
na diversidade étnica e cultural, uma idéia absolutamente
condenada pelo Império.
Também dava imensa importância à existência de várias
publicações, e chegou a organizar ali um curso de Esperanto, que
foi a tentativa de uma linguagem universal, segundo suas idéias
universalistas. Claro que era uma idéia ingênua, que não
prosperou, mas, em vários lugares do mundo, os anarquistas, os
socialistas utópicos e os internacionalistas também abrigavam a
idéia de um idioma universal, que era o Esperanto. E Teófilo Otôni
tinha um grupo de Esperanto. E Teófilo Otôni tinha um grupo de
Esperanto!
Também teve a idéia de uma estrada pavimentada - a segunda do
País com aquela extensão. E buscou enfrentar também o velho
desafio de Minas, que é ter um acesso ao mar. Era considerado meio
louco, mas, vejam sua insanidade: falava em ferrovias! Dizia que
tínhamos que fazer ferrovias e achavam-no uma pessoa esquisita.
Também falava em navegação fluvial e em indústrias; enfim, ia
contra toda idéia hegemônica. O latifúndio da cana-de-açúcar,
sobretudo, passou quatro séculos sem conseguir progresso, sem
ganho de produtividade. Então, colocar idéias com o dinamismo com
que ele, Delmiro Gouveia, Mauá e Vergueiro faziam não era
admitido; eram verdadeiros subversivos para a sua época.
Também já era preocupado com a integração do Jequitinhonha. Seu
projeto de navegação pelo rio Mucuri e, depois, pela Estrada de
Santa Clara, previa a conexão com o algodão de Minas Novas. Era
uma saída importante para a produção àquela época, pois a região
era um pólo de produção de algodão cujo único acesso era a Estrada
Real, um acesso longínquo e muito difícil, feito por tropas.
Assim, também o acesso ao mar era para integrar o Jequitinhonha de
fato.
Tenho convicção de que a Companhia do Mucuri não quebrou por
dificuldades econômicas. Na verdade, foi sufocada, porque era um
exemplo que não podia prosperar; um exemplo de um pólo dinâmico,
de um outro modelo de sociedade e de outro tipo de
desenvolvimento. Aliás, era o próprio desenvolvimento, uma idéia
que não era muito cara ao Império.
Recentemente, perdemos um grande brasileiro, cidadão do mundo,
Sérgio Vieira de Mello, morto por uma bomba detonada pelo
terrorismo estúpido, no Iraque. Isso fez com que o mundo debatesse
muito, não só a figura do Sérgio, mas também o papel do Brasil
atualmente. Todos os que olham para o Brasil com esperança o fazem
porque em nosso País constituímos, bem ou mal, uma civilização em
que não há lugar para o terrorismo. Somos dos poucos países do
mundo que não têm vocação bélica ou armamentista. Recusamos a
tecnologia nuclear para fins bélicos. Não estamos nos armando para
invadir país algum e nenhum dos nossos dez vizinhos. Ao contrário,
estamos buscando a integração física, política, administrativa,
cultural e econômica com os países do Mercosul e de toda a América
Latina; de todos os países com que temos fronteira. Para nos
realizarmos como país, para promovermos o nosso projeto de nação,
precisamos de um mundo de paz. A guerra é um entrave; o
protecionismo e a atual estruturação da divisão do poder no mundo
são um entrave ao nosso desenvolvimento.
Por isso, o Brasil está na vanguarda para lutar pela
reconstituição da ONU, de uma maneira muito mais democrática, com
multilateralismo, com a solução pacífica dos conflitos, com a
democratização da ordem mundial.
Aí pensamos em Theophilo Ottoni. Ele fez tudo isso pensando numa
sociedade baseada na diversidade, diversidade como valor, na
diferença étnica, cultural, regional. O tratamento dado aos
indígenas, que eram impiedosamente exterminados, não aconteceu na
Cia. do Mucuri. Foi um novo modelo de relacionamento entre as
pessoas que habitavam aquelas terras. A Cia. do Mucuri perfaz mais
de 30 cidades. Essas cidades convivem com outros povos. Em Teófilo
Otôni o árabe convive com o judeu, convivem na mesma rua,
freqüentam a mesma escola, o mesmo clube. Assim é nosso País, que
combate o terrorismo, contraponto na xenofobia, no racismo. O
Brasil hoje é um farol da tolerância e da diversidade, que são os
dois valores mais importantes para guiar o processo civilizatório
da humanidade. Isso é que vai fazer a diferença. Quando vemos a
intolerância provocando a insanidade em tantos lugares, podemos
nos orgulhar, pois Teófilo Otôni tem tudo a ver com isso. Da Cia.
do Mucuri, da luta do nosso povo foram construídos esses valores,
que hoje fazem do Brasil uma esperança, uma vanguarda para o
mundo.
Tenho muito orgulho de participar do Governo do Presidente Lula.
Ele vai ser muito bom para o vale do Mucuri e para o vale do
Jequitinhonha. Já está sendo. A SUDENE já foi recriada com
corrupção zero, voltada para o desenvolvimento das regiões e
respeitando o meio ambiente, com um desenvolvimento sustentável
para diminuir as desigualdades regionais. Essa é a matriz da nova
SUDENE e da nova SUDAM.
Estamos vendo a retomada do crescimento, com qualidade, com
distribuição da renda. Tivemos um crescimento muito grande desde a
abolição da escravatura. O Brasil ganhou a admiração do mundo
inteiro por sua capacidade de crescer, mas esse crescimento veio
junto com uma imensa injustiça e uma péssima distribuição da
renda, a ponto de sermos um dos países mais desenvolvidos, mas
mais injustos do planeta. Agora, o desenvolvimento contempla a
distribuição da renda.
Quando falo distribuição da renda, falo também em nível regional.
Vemos, pela primeira vez, ser enfrentada a desigualdade social nos
vales do Mucuri, do Jequitinhonha, do Norte mineiro. Essa
qualidade estará sempre presente, podem ter absoluta certeza. Este
é o compromisso do Presidente Lula. Ele já expressa isso no modo
como se relaciona com Minas, que sofreu muito no Governo passado.
Foi muito discriminada por divergências políticas, passando anos e
anos sem nenhum investimento federal. Com Lula, isso jamais
acontecerá. Ninguém será discriminado por ser desse ou daquele
partido político. A prova disso está no que a Secretária Elbe
falou. Boa parte dos programas que ela citou são fraternalmente
decididos entre o Governo Federal e o Estadual, executados em
conjunto, de mãos dadas. Isso é que fará o Brasil crescer:
enfrentarmos, pela primeira vez, o grande desafio pela igualdade
social e regional.
Queria externar o meu agradecimento a todos os amigos e amigas,
meus conterrâneos, amigos de Teófilo Otoni, além dos meus
companheiros dos movimentos populares de Belo Horizonte, que, para
minha alegria, simpaticamente, participam conosco dessa noite tão
agradável, tão instrutiva, com tanta erudição e emoção expressa na
fala de todos que me antecederam.
Encerro dizendo que me orgulho de poder viver este momento de
grande virada em nosso País, e também de poder comemorar os 150
anos de uma história que tem a ver com o que há de melhor na
história do nosso País.
Parabéns Teófilo Otoni! Parabéns para nós todos!