Pronunciamentos

MURILO MELO FILHO, Diretor e Membro da Academia Brasileira de Letras.

Discurso

Transcurso do 100º aniversário da Academia Mineira de Letras.
Reunião 45ª reunião ESPECIAL
Legislatura 16ª legislatura, 3ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 23/10/2009
Página 56, Coluna 2
Assunto CALENDÁRIO. CULTURA.

45ª REUNIÃO ESPECIAL DA 3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 16ª LEGISLATURA, EM 19/10/2009 Palavras do Sr. Murilo Melo Filho Sr. Deputado Alberto Pinto Coelho, Presidente da Assembleia Legislativa de Minas; Sr. Acadêmico Murilo Badaró, Presidente da Academia Mineira de Letras; Sr. Deputado Sávio Souza Cruz, autor do requerimento que deu origem a esta reunião especial; Sr. Aluísio Pimenta, representante do Governador Aécio Neves; Sr. Pe. José Geraldo Sobreira, representante do Arcebispo Metropolitano D. Walmor Oliveira de Azevedo; senhores membros desta Mesa; Srs. Diretores desta Academia; senhoras e senhores acadêmicos, minhas senhoras e meus senhores, minhas amigas e meus amigos. Há pouco mais de dois meses, S. Exa., Sr. Presidente Murilo Badaró, esteve no nosso Plenário, lá no Rio de Janeiro, para receber a homenagem da nossa Academia Brasileira de Letras pelo seu primeiro centenário de fundação. Hoje aqui vim e cá estou, nesta reunião especial, também em homenagem aos 100 anos de fundação desta Academia, que não poderia realizar-se noutro lugar senão aqui, nesta Assembleia Legislativa de Minas Gerais, a Casa de representantes do povo deste Estado. Nem poderia realizar-se sem a presença de personalidades como estas, tão importantes na vida mineira. Não poderia lhes faltar a solidariedade da Academia Brasileira de Letras, que me cabe representar neste momento, para falar em nome dela e do seu Presidente, o jornalista e acadêmico Cícero Sandroni. Minhas senhoras, meus senhores, peço-lhes licença para fazer um pequeno e rápido retorno ao passado. Estávamos na cidade de Juiz de Fora, comemorando o Natal, no dia 25/12/1909, há 100 anos portanto, quando um grupo de jornalistas, escritores, poetas e advogados reuniram-se para fundar esta Academia de Letras. Nesse tempo, Juiz de Fora já despontava como uma cidade industrialmente próspera, com as primeiras fábricas têxteis, as primeiras inovações tecnológicas e a primeira usina hidrelétrica em funcionamento no País. Esse projeto de progresso industrial era executado simultaneamente à divulgação, por jornais diários, de uma apaixonada febre literária e cultural, jornais que em nada ficavam devendo aos periódicos do Rio e de São Paulo. Faltava-lhes um centro cultural que reunisse todo esse entusiasmo. E ele surgiu pelas mãos de um escritor mineiro, que só poderia mesmo chamar-se Machado Sobrinho, para honrar o nome de um xará seu, de nome Joaquim Maria Machado de Assis, que foi o fundador e já era o Presidente da nossa outra Academia, a Brasileira de Letras. Machado Sobrinho juntou-se a mais 11 escritores e poetas de Minas, que elegeram outros 18 companheiros, escolhidos entre representantes do que havia de melhor na inteligência mineira. A princípio, eram 30 membros. Logo a seguir, esse número foi aumentado para 40, a fim de ficar dentro do modelo do Cardeal Richelieu, na Academia Francesa, e de Machado de Assis, na Academia Brasileira de Letras. Elegeram, para seu primeiro Presidente, o acadêmico Eduardo de Menezes, sucedido por outros grandes Presidentes, como Álvaro da Silveira, Aníbal, Mário Matos, Heli Menegali, Mário Casassanta, Martins de Oliveira e Vivaldi Moreira, até a Presidência de Murilo Badaró. Em 1915, seis anos após a fundação, os membros da Academia, passando por cima das rivalidades, decidiram transferir sua sede para Belo Horizonte, a Capital do Estado. Deputado Sávio Souza Cruz, quando nasceu e nos seus primeiros anos, a Academia Mineira e nossa Academia Brasileira, que tinham quase a mesma idade, eram tão pobres que o poeta e acadêmico Olavo Bilac, com o seu famoso sarcasmo, costumava dizer sobre sua pobreza: “Somos imortais porque não temos onde cair mortos”. Certo dia, despejada de outras sedes, a Academia Brasileira de Letras passou a se reunir no escritório do advogado e acadêmico Rodrigo Otávio, na Rua da Quitanda, 47, nos altos da Farmácia Araújo Pena, onde Bilac também se queixava dizendo: “Aqui, agasalhados nesta farmácia, para nos socorrerem nos achaques da nossa velhice, estamos mais próximos dos nossos remédios”. À semelhança do que acontecia com a nossa Academia Brasileira de Letras, a Academia Mineira de Letras também não tinha nem sequer uma sede própria onde se reunir e andou perambulando por vários endereços. Aconteceu, uma vez séria discussão sobre o pagamento de jetom de 200 cruzeiros aos acadêmicos presentes nas reuniões. Segundo relata o escritor mineiro Fernando Sabino, durante os debates sobre o aumento do jetom de Cr$200,00 para Cr$500,00, um acadêmico tomou a palavra e disse: “Precisamos dar um jeito nisso. Duzentos cruzeiros é uma vergonha. Ou Cr$500,00 ou nada”. Mas, aí, foi aparteado por um confrade bem mais prático e objetivo que reagiu: “ `Pera1´ lá, mais vale um pássaro na mão que dois voando. Ou Cr$500,00 ou Cr$200,00, mesmo”. O nomadismo dessa Academia terminou quando? Em 1943, 28 anos depois de sua transferência para Belo Horizonte. O apoio do então Prefeito Otacílio Negrão de Lima bastou para que ela tivesse afinal uma sede própria, no 6º andar de prédio da Rua dos Carijós, onde ficaria até 1987, quando o Presidente Vivaldi Moreira, de saudosa memória, conseguiu o comodato do palacete Borges da Costa, onde ela está instalada. Sr. Presidente Murilo Badaró, V. Exa. preside uma academia em cujas cadeiras se sentaram vários intelectuais que muito honraram a cultura e a inteligência brasileiras, entre os quais Cyro dos Anjos, Alphonsus de Guimaraens, pai e filho, Alberto Deodato, Tancredo Neves, Oscar Corrêa, Abgar Renault, Hilton Rocha, Victor Nunes Leal, Paulo Pinheiro Chagas, Aureliano Chaves, Cardeal Vasconcelos Mota, Milton Campos, Pedro Aleixo, Gustavo Capanema, Juscelino Kubitschek, Afonso Arinos, Affonso Penna Júnior, Edgard Mata Machado e Olavo Drummond. A Academia Mineira é uma construção sólida e atuante, ao mesmo tempo tradicional e moderna. E resistente às intempéries que, vez por outra, açoitam os alicerces da nossa nacionalidade, como aconteceu há alguns anos, com as graves e sucessivas crises políticas que atravessamos. Ela não se encastela numa torre de marfim nem se enclausura num cenáculo hermético e inacessível, preferindo ser uma partícipe atuante e presente em todo o universo de Minas Gerais. Acima das divergências e dos passageiros anos de nossas existências fugazes, vamos, pouco a pouco, sem maiores ambições, construindo o nosso próprio perfil. As academias, como a nossa, raramente procuram candidatos. São eles que têm de bater às suas portas, sempre abertas a todas as candidaturas justas e respeitáveis, democraticamente apresentadas. Elas estão divididas somente e sempre entre os que se vão e os que estão chegando, tendo diante de si apenas uma síndrome e um tabu: o de que, dentro delas, não se deve falar em vagas, pelo menos enquanto elas não existirem. Porque os candidatos geralmente vislumbram, nos acadêmicos, apenas dois vês: o “v” da vaga e o “v” do voto. Certa vez, o acadêmico e historiador Pedro Calmon foi procurado por um candidato que lhe pediu o voto e assim respondeu: “Eu não posso dar-lhe o voto por três motivos. Primeiro, porque o voto é secreto. Segundo, porque não há vaga. E, terceiro, porque bem pode acontecer que essa vaga seja justamente a minha, e aí eu não estarei mais vivo para cumprir a promessa de votar no senhor”. Outro acadêmico, igualmente irônico, costumava aconselhar os seus colegas a, quando atravessassem uma rua, terem muito cuidado com o tráfego e a disparada dos automóveis, porque, afinal de contas, eles eram imortais, sim, mas não tanto: não eram “imorríveis”. Sr. Presidente Alberto Pinto Coelho, nós, os acadêmicos, representamos todos os segmentos profissionais e intelectuais das sociedades de Minas e do Brasil: as artes, a advocacia, a igreja, a literatura, a diplomacia, o magistério, a magistratura, a medicina, a política, o jornalismo, o teatro, a poesia e o romance. Temos os nossos nomes indelevelmente marcados como ocupantes dessas 40 cadeiras. É como se estivéssemos imunes ao esquecimento. Cultivamos a esperança de que nem tudo desaparecerá conosco e de que teremos uma sobrevivência na lembrança da posteridade, embora não mais estejamos vivos para presenciá-la. Apesar de imortais, somos efêmeros e transitórios. Só as academias são duradouras e permanentes. Como legítimas sucessoras das arcádias do séc. XVII, as atuais academias não são maniqueístas e almejam objetivos que só serão atingidos daqui a quatro ou cinco gerações, quando muitos anos já terão passado depois de nós. Para os imortais, o tempo se transfigura em continuidade, pois a imortalidade é a vida contínua, que não se choca com a imortalidade dos céus, porque é humana e terrena. Todos os povos nela acreditam: desde os gregos de Aristóteles, de Sócrates e de Platão até os romanos de Júlio César, Marco Antônio e Otávio Augusto, passando pelos cristãos do Cristo, pelos judeus de Moisés, pelos muçulmanos de Maomé, pelos budistas do Buda, pelos hindus dos Vedas e pelos brâmanes do Ramayana. O católico francês Charles Péguy chamava a atenção para o instante em que, certo dia, o homem maduro verifica, surpreso e melancólico, que a juventude ficou para trás. E o gênio alemão nascido em Frankfurt am Main e chamado Johann Wolfgang Goethe, que hoje é mais atual do que nunca, tenta, no seu Fausto, vender a alma ao demônio Mefistófeles, numa troca pela imortalidade, em cujo sonho encontramos a mais feliz das ilusões do outono e a mais alegre das antevisões do inverno. Dizia Goethe: “Aí vindes, outras vez, inquietas sombras...”. Senhoras e senhores acadêmicos, ao longo dos séculos, a cultura e a política têm andado sempre de mãos juntas. O panteão grego representa a política de Atenas; as pirâmides do Egito refletem a política dos faraós; a renovação artística, literária e científica da Renascença, que produziu os gênios italianos de Dante Alighieri, Leonardo da Vinci, Miguel Ângelo, Fra Angelico, Ariosto, Maquiavel, Botticelli, Rafael, Tintoretto e Ticiano; o holandês Erasmo de Roterdam; o alemão Gutenberg; os espanhóis Cervantes e El Greco e os portugueses Gil Vicente e Camões, toda essa Renascença genial e brilhante foi também o saldo da orientação dos seus protetores, os Papas Júlio II e Leão X. O talento francês, que gerou o brilho de Montesquieu, Voltaire, Montaigne, Descartes, Molière, Rabelais, Racine, Rousseau, Diderot, Chateaubriand, Stendhal, Balzac, Dumas, Flaubert, Victor Hugo, Rimbaud, Baudelaire e Maupassant, é o retrato dos Reis Luíses de França. Na Academia Mineira, como acontece exatamente há 100 anos, os seus membros efetivos serão sempre e apenas 40 titulares. Considerando que a população de Minas tem em torno de 20 milhões de habitantes, existe a média de um acadêmico para cada grupo de 500 mil mineiros, numa proporção que aumenta muito os seus compromissos e deveres diante da sociedade e do Estado de Minas Gerais. Concluo dizendo que essa Academia, minhas senhoras e meus senhores, também tem sido um desmentido vivo aos vaticínios pessimistas que preveem vida curta aos organismos literários, porque sobrevive exatamente há um século, que hoje aqui comemoramos, sempre fortalecida na veneração de Minas e no apreço aos mineiros. Transformada numa instituição de respeito, ela foi, é e será sempre uma inexpugnável cidadela intelectual, indene e a salvo das convulsões e dos temporais políticos, como um santuário de valores eternos e imortais. Aqui não se aperfeiçoam os escritores, os poetas e os jornalistas, que chegam feitos, para encontrar a tranquilidade e a contemplação da obra realizada, como reconhecimento dos galardões e da glória. Sr. Acadêmico Murilo Badaró, bem haja a administração de V. Exa., eficiente e inesquecível. Bem haja a sua equipe de Diretores capazes e solidários. Bem haja o quadro dos seus membros efetivos, corretos e dignos. Lá, na Academia Brasileira, temos a felicidade de proclamar que uma das nossas maiores e mais brilhantes bancadas é e sempre foi a dos mineiros, entre os quais os acadêmicos Silva Melo, Augusto de Lima, Celso Cunha, Abgar Renault, Afonso Pena Júnior, os três Afonsos Arinos - o tio, o pai e o filho -, Antônio Olinto, recentemente falecido, Darcy Ribeiro, D. Lucas Moreira Neves, Hélio Lobo, Ivan Lins, João Luiz Alves, Geraldo França de Lima, Guimarães Rosa, Mário Palmério, Oscar Correa, Otto Lara Resende, Santos Dumont, Pedro Lessa, Sábato Magaldi, Ivo Pitangui e José Murilo de Carvalho. A presença de todos esses mineiros muito nos honra, muito nos dignifica, muito nos orgulha, e a ela seremos eternamente gratos. Muito obrigado.