Pronunciamentos

MURILO BADARÓ, ex-Senador e Presidente de honra da Comissão Especial.

Discurso

Transcurso do 100º aniversário de nascimento do ex-Senador Gustavo Capanema.
Reunião 97ª reunião ESPECIAL
Legislatura 14ª legislatura, 2ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 17/08/2000
Página 28, Coluna 2
Assunto HOMENAGEM. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

97ª REUNIÃO ESPECIAL DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 14ª LEGISLATURA, EM 10/8/2000 Palavras do Sr. Murilo Badaró Sr. Presidente, Deputado Antônio Júlio, demais autoridades presentes, senhoras e senhores, cabe-me, na condição de Presidente de honra da Comissão Especial para as comemorações do centenário de Gustavo Capanema, dizer-lhes, em rápidas palavras, o significado desta sessão. Quero dizer que ocupo esta tribuna sob o impacto de uma forte emoção. Aqui, nesta Casa, por oito anos, fui Deputado Estadual, representando um das mais pobres e sofridas regiões do Estado, o vale do Jequitinhonha. Freqüentei muito esta tribuna e, por uma circunstância que ocorre muito na vida dos políticos, ousei defender os pontos de vista do Governo e os da Oposição. Aqui comecei quando Bias Fortes era Governador. Enfrentamos, era o mais novo Deputado da Assembléia, a aguerrida Bancada da UDN, composta de homens notáveis, juristas eméritos e oradores eloqüentes. Com a eleição de Minas, fui para a Oposição. Era o Líder do PSD. Freqüentei esta tribuna, defendendo pontos de vista que, em nossa opinião, eram os que mais convinham a Minas. E foi naquele tempo que enfrentamos os tormentosos dias de 1964. Foi, na velha casa da Rua Tamóios, depois do incêndio que destruiu a velha casa do Senado mineiro, na Praça Afonso Arinos, que tive oportunidade, no dia 4/6/64, de ocupar a tribuna, e isso talvez tenha sido o mais alto momento da minha vida parlamentar, para protestar contra a cassação de Juscelino Kubitschek, num discurso publicado com o título “Protesto de uma Geração”. É natural que, voltando a esta Casa e a esta tribuna, seja eu dominado por esta enorme emoção, a que se acresce uma outra, ou seja, a de falar aqui, na qualidade de Presidente da comissão especial organizada pelo Governador Itamar Franco para as comemorações do centenário desse extraordinário vulto da política brasileira, um mineiro que, saído de Onça de Pitangui, assombrou o Brasil, pelo porte de seu talento e pelo grau de profundidade das reformas e das transformações que realizou no País. Devo-lhes dizer que, no início do ano passado, dirigi uma carta ao Governador Itamar Franco, assinalando que, neste ano 2000, comemoraríamos dois centenários importantíssimos, o de Mílton Campos e o de Capanema. O Governador, rapidamente, percebeu a importância do fato e, com a colaboração prestimosa de Ângelo Oswaldo, que hoje é uma espécie de guardião da memória de Minas, tal o trabalho que vem desenvolvendo para preservar o nosso patrimônio, conseguimos organizar essa série de eventos, tanto para Mílton Campos quanto para Capanema. E não há medida para isso, porque tudo que se disser, tudo que se fizer, tudo que ser recordar, tudo que se previa para o futuro, é pouco diante da portentosa significação dessas duas figuras. Acho que não devo cansá-los muito, porque, de resto, já se disse muita coisa sobre Capanema. Aqui, hoje está seu filho, esse notável advogado, que carrega o orgulho de ser filho de um homem ilustre e, ao mesmo tempo, continua mantendo a tradição de bom gosto pelas letras, pelas artes e pela cultura. Pimenta da Veiga teve a percepção cívica da importância do ato, ao acionar o seu Ministério para o lançamento do selo comemorativo. O Presidente da Assembléia, sensível ao dar a esse espaço cultural o nome de Gustavo Capanema. O que poderíamos falar sobre o Capanema depois de tudo que já foi dito? Um homem de Estado? O Gustavo já falou. Mas eu gostaria de dizer uma coisa interessante. Eu, que pesquisei profundamente nos arquivos da Fundação Getúlio Vargas, os documentos de Capanema, encontrei coisas, e talvez seja sobre isso que deva falar. Capanema teve a premonição perfeita de sua glória. Organizou seu arquivo com a ajuda de Carlos Drummond de Andrade e Vitor Nunes Leal durante muitos anos. Selecionou tudo, catalogou em pastas, e fez mais: ao doar o arquivo ao Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas - CPDOC -, Capanema fez o que hoje se denomina um “meta arquivo”, ou seja, uma série de instruções para os pesquisadores que fossem trabalhar com esse documento. E uma coisa extraordinária. A maior parte dos documentos da Fundação Getúlio Vargas, no CPDOC, de políticos, entre os quais Getúlio Vargas, Filinto Miler e tantos outros, não ultrapassam 10.000 documentos. São 5.000, 3.000, 2.000, 10.000. O de Capanema chegou à marca de 200.000 documentos, mostrando todo o itinerário de sua longa vida pública, e hoje, para se entender e se compreender a obra de Capanema, existem, na Fundação Getúlio Vargas, vários especialistas em diversos setores. Aqui compareceu, em Belo Horizonte, num seminário programado pela UFMG, a Profa. Ângela de Castro Gomes. Essa professora especializou-se na correspondência sentimental de Capanema, a correspondência trocada entre ele e intelectuais, respondendo, escrevendo cartas de políticos, pedidos de toda natureza. Tudo isso serviu para ela compor uma tese que será dada à luz no fim do ano sobre essa faceta especial desse arquivo de Capanema. Um homem de Estado, um intelectual, são facetas que compõem com o político uma personalidade inteiriça. Em 1924, depois de ganhar o Prêmio Rio Branco na Faculdade de Direito, atribuído àqueles alunos que conseguem distinção em todas as matérias do 1º ao 5º ano, Capanema vai para Pitangui. Imaginem o que era Pitangui em 1924. Era uma pequena “urbs”. Hoje é uma cidade de um porte maior, mas ainda guarda aquelas mesmas características da velha Pitangui, a 7ª cidade mais antiga de Minas, tão próxima da velha Minas Novas, a 9ª cidade mais antiga de Minas. Capanema, já tendo participado aqui, como estudante de Direito, do grupo de intelectuais da Rua da Bahia, a fantástica geração de 1930 - Capanema, Mário Casassanta, Abgar Renault, Milton Campos e tantos outros que a memória no momento não me socorre - chega a Pitangui e começa a mostrar a sua faceta revolucionária. Ele aderiu completamente ao modernismo, lançou um jornal, elegeu-se Vereador. O Prof. Onofre Mendes Júnior, o nosso velho professor da Faculdade de Direito, fez um discurso, quando retorna já como Oficial de Gabinete do Olegário Maciel, dizendo essa coisa extraordinária. Falava dos serões de Capanema, ou seja, quando reunia, em torno da sua mesa de trabalho, no Hotel do Lincoln, em Pitangui, os jovens daquela cidade, para que todos o ouvissem ler as obras dos modernistas. Ele ensinava àquelas vocações de poeta e de escritores o verso e a rima livres e a criação artística sem nenhum constrangimento do classissismo. Já aí apontava o homem destinado a reformar e a modificar. A ida de Capanema para o Governo de Minas terá sido talvez um acidente. O jornalista Carlos Castelo Branco, o Castelinho, disse que o Capanema informou-lhe a resposta ao ser indagado por que não foi Governador de Minas naquele episódio em que Getúlio escolhia entre Valadares e Capanema. Getúlio, em seu diário, aponta uma circunstância muito própria do seu interesse pessoal. Getúlio disse: “Se nomeio o Capanema, o Osvaldo Aranha rompe comigo, perco o apoio do Virgílio de Melo Franco e, por conseqüência, do Afrânio de Melo Franco. Se nomeio o Virgílio, o Flores da Cunha rompe comigo”. Getúlio tinha mais medo do rompimento do Flores da Cunha que do Virgílio e do Afonso Arinos de Melo Franco. Capanema disse ao Castelinho: “Não fui interventor porque não tive a ousadia”. E essa palavra ficava balançando em meu cérebro. Eu tentava identificar, nesse trabalho biográfico que fiz sobre Capanema, qual o significado dessa palavra ousadia. Pude descobrir esse enigma. Uma das características mais impressionantes da personalidade do Capanema é a sua desambição. Ele nunca avançou o sinal e nunca postulou além de seus limites. Por isso, não terá cedido naqueles valores e naqueles princípios, perdendo a interventoria. Bendita a hora em que perdeu a interventoria, porque, no Ministério da Educação e Saúde, pôde realizar essa obra que o levou à imortalidade e que o transformou em um ponto de referência para a memória nacional. Depois do tanto que já foi dito sobre Capanema, falarei sobre o orador Gustavo Capanema. Dizia ao Gustavo, seu filho, que não terá tido, como eu, como o Pimenta e como o Roberto Luiz Soares, Deputado do PSD, e tantos outros, a oportunidade de ouvir alguns espetáculos “tribuníssimos” do Capanema. O que é o grande orador? É o homem que vai à tribuna assentado em idéias bem sedimentadas. Ele pode, eventualmente, tomar idéias emprestadas, mas aquelas idéias que dão o laço cultural fazem dele o grande orador. O grande orador fala com estilo claro e alto: tão claro, que todos podem entendê-lo; tão alto, que aqueles que o entendem podem aproveitar algo. Capanema fazia do discurso uma espécie de peça sinfônica. O que é uma peça sinfônica? Ela tem a entrada, os crescendos, os diminuendos, os maestosos, os pianíssimos e os braços do maestro, largos e fluentes a indicar os compassos que marcam o ritmo dinâmico das grandes orquestras. O discurso de Capanema era, mais ou menos, assim. A voz saía, dando melodia musical às palavras; seus braços abriam-se, e suas mãos, compridas e largas, se justapunham à palavra para configurar a cena, que persuadia, comovia, exaltava, criticava. Era um espetáculo extraordinário o espetáculo “tribunístico” dado por Gustavo Capanema. Como um estatuário, ele cinzelava as frases e eternizava os momentos como um poeta. De certa forma, políticos e poetas estão muito próximos, separados por uma linha tênue. Ambos, não raro, costumam estar freqüentando o mesmo país dos sonhos. Capanema, no dia em que foi saudar a memória de Juscelino Kubitschek no Senado, dizia: “Estou com medo da tribuna hoje. Sempre tive medo da tribuna”. Por que Capanema tinha medo da tribuna? Várias vezes, eu o vi subir à tribuna com o senho carregado de tensão. Por quê? Porque só os grandes oradores sabem da responsabilidade que é subir à tribuna. Como dizia o Pe. Antônio Vieira, “é uma altura que significa um precipício”. Capanema era diferente dos outros, desses que falam sem nenhuma responsabilidade, dessa logomaquia irresponsável, dessa parolagem pueril, oradores que não falam nada e pronunciam palavras desataviadas, sem conceitos e, pior do que tudo, agredindo desapiedadamente o vernáculo. Esse não é um orador. É apenas um falastrão a mais, desses que tanto freqüentam as nossas pelejas cívicas. Mas Capanema, não. O seu discurso era uma peça preparada, como se fizesse parte de um mosaico integrado peça por peça, compondo aquilo que eu chamaria de uma verdadeira sinfonia. Era como se fosse um ator representando uma cena teatral. Na madrugada do dia 25/8/54, depois de semanas e semanas de tensão na Câmara dos Deputados, enfrentando uma saraivada de golpes de toda a natureza, Capanema recebe a notícia do suicídio de Vargas. Já no dia 24 de agosto, ele havia comparecido à tribuna da Câmara dos Deputados para defender Vargas das tentativas de deposição por parte da Bancada da UDN. E é bom que se diga que essa Bancada era composta de luminares, homens radicais e apaixonados, que também pensavam estar servindo ao Brasil. Mesmo assim, enfrentou a pena verrina de Carlos Lacerda, nessa época ainda não Deputado, mas jornalista, que usava de seu extraordinário poder verbal na tentativa de derrubar o Governo de Vargas e teve aquela atitude dos grandes homens, dos grandes estadistas, que são capazes de dar a mão ao adversário, mesmo correndo o risco de desagradar a prosélitos e companheiros. Nesses dias tormentosos, ele fala de Carlos Lacerda. Notem o que é um grande homem: no dia 6 de agosto, depois de enfrentar os golpes de toda a natureza que lhe acestavam, na tribuna, os Deputados de oposição a Vargas, rebatendo-as, como um espadachim, golpe a golpe, com rasgos de inteligência e talento, Capanema teve uma palavra para Carlos Lacerda, exatamente após o atentado que o vitimou na Rua Antônio Elheiros: “O Sr. Carlos Lacerda merece o meu maior respeito na sua vida e na sua liberdade. Justamente porque ele é esse tenaz lutador; justamente porque ele toma essa atitude tão dura e corajosa, apesar de, muitas vezes, tão injusta contra os valores e as pessoas que estou defendendo; justamente por isso é que merece, diária e constantemente, o meu mais escrupuloso respeito à sua liberdade e à sua vida”. Esse é o grande orador. Lembro-me bem - e desculpem-me se faço essa digressão, apenas para quebrar um pouco a dureza de uma reunião que cansa pelo excesso de palavras - de que Capanema foi o orador na inauguração da estátua do monumento em homenagem a João Pinheiro, em frente à Faculdade de Direito. Já freqüentei, nos tempos de estudante, alguns palcos e compreendo bem o que é um artista dramático; sem querer sê-lo, Capanema conseguiu, com sua palavra justaposta ao gesto, sobretudo a palavra que evangelizava justaposta à ação que praticava, um milagre extraordinário, no momento em que iria discursar em homenagem a João Pinheiro. Havia um grupo em torno do monumento, e todos ouvíamos o orador, que começava a falar à sua maneira. Era um espetáculo deslumbrante a palavra de Capanema. De repente, o céu enegreceu, e deslizou uma enorme tempestade sobre os presentes. Curiosamente, Capanema continuou falando. A chuva não o perturbou. Parece que o que caía sobre sua cabeça lhe dava mais impulso e energia para prosseguir em sua locução. Foi algo extraordinário. Ninguém arredou o pé. E ele prosseguiu com aquele espetáculo admirável. Também curiosamente, quando terminou, a chuva cessou, e o sol voltou a brilhar, como se quisesse, com sua claridade, homenagear aquele orador, no momento em que recebia as palmas arrebatadoras dos ouvintes presentes. E nas convenções do velho PSD? Quantas vezes, ainda começando na atividade política, ficávamos deslumbrados ao ver Capanema defendendo aquele velho partido. Vinham homens, Vereadores e Prefeitos dos mais longínquos rincões de Minas, muitas vezes, para ouvir Capanema, Pimenta da Veiga e Paulo Pinheiro Chagas - cito apenas três gigantes da tribuna, que embelezaram as páginas da retórica mineira. Capanema, como já disse o Gustavo, tinha uma férrea vontade. No dia 6/10/31, discursou em homenagem ao Presidente Olegário, que aniversariava. Quando disse que Capanema previa seu grande destino, tenho certeza de que é verdade. Ouçam o que disse do Olegário: “V. Exa. é um Chefe de Estado”, diz ele ao provecto Governante de Minas, “e o Chefe de Estado não será simplesmente o que tiver realizado importantes e gloriosos feitos, mas o que tiver sido, pelos atributos do coração, da inteligência e da vontade, uma energia viva, ardente e criadora, capaz de influir, pelo tempo afora, sobre a direção espiritual de seu povo, dando- lhe ao destino, permanentemente, substância, alento e expressão”. E quem terá tido mais essa energia viva, essa inteligência criadora, essa vontade ardente que o Capanema para realizar a grande obra revolucionária que o levou à imortalidade? Ele possuía três qualidades que rareiam hoje nos homens públicos. Quando falo em Chefe de Estado, refiro-me a um governante comum, a estes que as circunstâncias, muitas vezes, elevam às alturas governamentais, mas que ali não deixam marcas, pois, passado o tempo, eles desaparecem, como as espumas na areia. Mas Capanema possuiu senso de justiça. E o que era isso? O homem capaz de resistir às pressões, aos pleitos inconvenientes, que sabe dizer “não” a eles e não cede diante de outros argumentos senão aqueles de interesse da Pátria e da Nação. O senso moral, a probidade inatacável, sem afetação, a austeridade não afetada, produto da sua própria natureza. E o sentido da história, aquilo a que se referiu o nosso Gustavo Capanema e o nosso Ministro Pimenta da Veiga. Um homem que sabia dizer “não”. E Capanema, como administrador correto e percuciente, como disse Pimenta da Veiga, era aberto a sugestões que lhe apareciam a todo instante e delas fazia este milagre da criação que é extrair o sumo da verdade em cada uma delas, para que lhe dessem condições de realizar a sua grande obra. Há coisas para se falar do Capanema durante noites e noites. Em Onça de Pitangui, deram-me a palavra inopinadamente e comecei a falar algumas coisas sobre Capanema; repentinamente, veio-me a lembrança de que falaria aqui na Assembléia sobre isso, e pensei que não iria gastar toda a munição em Onça de Pitangui, deixando para gastar o resto na Assembléia. E percebo que, quando falo sobre Capanema, não há como terminar, tal a variedade de aspectos que ele apresenta, tais os ângulos nobres da sua personalidade, tal a quantidade de escritos e pensamentos que deixou por aí nos seus documentos, agora trazidos a público. Capanema, diz Carlos Drummond de Andrade, foi um devorador de livros. Essa é outra de suas características interessantes. Disse a sua família que, quando Capanema era moço, colocava o pé na bacia fria para se manter acordado e estudar. O Dario Almeida Magalhães me contou, num depoimento a que faço referência no livro SGustavo Capanema, a Revolução na Cultura”, que ele e Capanema trabalhavam na Procuradoria do Estado. Capanema seduziu o guarda para que lhe cedesse a chave da biblioteca; terminado o expediente, ele se embrenhava lá, onde leu todos os clássicos e todos os tratadistas de direito. Há um episódio ocorrido na presença de Raphael de Almeida Magalhães, professor de Processo Civil. Capanema faria um exame final dessa matéria, e o Prof. Raphael Magalhães chama o aluno Gustavo Capanema. Ele deveria falar sobre o livro “Depread”, de um grande processualista chamado Lessona. Capanema aproxima-se da banca e de repente é abatido por uma lipotimia e desmaia. Deram-lhe tempo para que ele se recompusesse. O que tinha acontecido? Ele tirou o grau máximo, nota 10, distinção total na prova de Processo Civil. Ele tinha lido todo o tratado das provas do Lessona. O velho Raphael de Almeida Magalhães ficou deslumbrado com o talento e a erudição de seu jovem aluno de direito. E é natural que um homem que leu tudo - Machado de Assis, os clássicos brasileiros, José de Alencar, Gonçalves Dias, os modernistas, Manuel Bandeira, Mário de Andrade - tenha acabado adquirindo uma formação humanística insuperável. E foi isso que lhe deu a visão que lhe permitiu fazer a grande reforma educacional do País, como disse o nosso Ministro Pimenta da Veiga, criando as escolas técnicas para preparar o homem brasileiro para a grande etapa de modernidade que se avizinhava para o País. Afinal, se vale aquele velho ditado “Diga-me com quem andas, que te direi quem és”, é fácil dizer quem era Capanema. Vejam as suas companhias: Rodrigo Melo Franco, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Portinari, Heitor Villa Lobos, Mário de Andrade, Manoel Bandeira, Bruno Georgi, Burle Marx, Cecília Meireles, Adriana Jacopoulos, Alceu Amoroso Lima, Fernando Azevedo, Santiago Dantas, Lourenço Filho, Pe. Leonel Franca e uma imensidão de homens talentosos, usando o seu gabinete como um cadinho para processar a grande transformação cultural do Brasil. Assim era Capanema. E a sua vocação para a reforma era tão grande, que mandou fazer um concurso para o prédio do ministério. Ganhou um arquiteto chamado Arquimedes Memória, autor do projeto do velho Ministério do Trabalho, no Rio de Janeiro, a chamada Gaiola de Ouro. Era um prédio de linhas clássicas. Quando aquilo chegou às mãos de Capanema, ele, simplesmente, mandou cancelar o projeto, dizendo que não o faria. Mas chamaram-lhe a atenção para o fato de que ele tinha de pagar o vencedor do concurso. Ele pagou, mas não fez o projeto. Uma outra curiosidade muito interessante é que Getúlio Vargas não discutia essas coisas com Capanema. Diria que ele ficava deslumbrado com a inteligência de Capanema, com o seu espírito criador e cedia a tudo que ele queria. Aquela usina criadora que era o Ministro significava para Getúlio um achado em meio a um regime que se tentava consolidar num país em ebulição. E, a partir do golpe de 1937, Capanema passou a ser peça fundamental na política de Getúlio, para conciliar os adversários em meio aos conflitos ideológicos que estavam insopitáveis naquela época. Capanema manda chamar Le Corbusier, que estava na Argentina, e pede-lhe que, na volta, passe pelo Rio de Janeiro. Le Corbusier fez um traço, que se transformou no Ministério da Cultura, hoje Palácio Capanema. Na placa que lá se encontra, está escrito: “Construído no Governo Getúlio Vargas, na administração Capanema, com o traço de Le Corbusier”, que chamou ao seu lado Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Bruno Georgi, Burle Marx, que fez os jardins, Portinari, que fez os murais. Falei no orador, no intelectual, no homem de Estado, mas, para encerrar, vou falar do servidor público, do trabalhador público, do servidor da causa pública. É aquele homem que se dedica ao serviço público, na convicção de que é um operário da pátria ou, como dizia João Pinheiro, “operários efêmeros da pátria permanente, cujo dever para com a nação só termina com a própria morte”. Há tanta coisa para dizer, mas não tenho o direito de cansá-los mais. Quero terminar lembrando que Capanema dilatou os limites da glória, alargou-os de tal forma, que adquire, com isso, a própria glória da sua imortalidade. Ele disse, certa vez, que só se chega à imortalidade, que chama de qualidade divina, quando se consegue vencer, na terra, as condições humanas, estar acima dos acontecimentos menores, estar muito alto, além das paixões que atormentam, dividem, separam os homens. Gostava muito de Goethe, que traduziu, quando estudante, em Pitangui. Gostava de citar este trecho de um poema de Goethe: “Quanto mais tu fores um homem, tanto mais te assemelharás aos deuses”. Creio que a melhor forma de terminar este discurso, que faço como Presidente de Honra da Comissão, como seu amigo pessoal, pois herdei de meu pai uma velha e afetuosa amizade por Capanema, eu diria que, a ele, podemos perfeitamente aplicar aquela frase escrita no túmulo de Maquiavel, em Florença: “nenhum elogio será suficiente”. Muito obrigado.