Pronunciamentos

MIZABEL DE ABREU MACHADO DERZI, Professora de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.

Discurso

Discursa sobre o tema: "Sistema Tributário Nacional".
Reunião 10ª reunião ESPECIAL
Legislatura 15ª legislatura, 1ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 12/07/2003
Página 31, Coluna 4
Evento Seminário Legislativo Minas na Reforma Tributária.
Assunto TRIBUTOS.
Observação Participantes dos debates: Olga Roth, Marcelo Vasconcelos, Wellington Faria, Marco Antônio Perdigão Mendes.

10ª REUNIÃO ESPECIAL DA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 15ª LEGISLATURA, EM 16/6/2003 Palavras da Sra. Misabel de Abreu Machado Derzi É um prazer participar deste seminário promovido pela Assembléia Legislativa. Na pessoa do Presidente, Deputado Adelmo Carneiro Leão, saúdo a todos os participantes e todas as autoridades que compõem a Mesa. Estamos diante de uma proposta de reforma tributária enviada pelo Governo Federal ao Congresso Nacional, que pode ser criticada sob vários ângulos. Os pontos mais importantes do sistema tributário vigente no País foram introduzidos pela Proposta de Emenda à Constituição nº 18/95. Desde então, ainda antes da Constituição de 1988, duas críticas foram levantadas: a forte concentração de recursos nas mãos da União e o caráter regressivo do sistema tributário nacional, ou seja, um sistema centrado sobretudo em impostos sobre o consumo, tributando com suavidade a renda dos economicamente mais fortes. A obra e as teses do Prof. Fabrício de Oliveira vão ao encontro dessas críticas. Com a redemocratização do País, começou-se uma desconcentração de recursos, coroada pela eminentemente democrática Constituição de 1988. Tão logo ela foi aprovada, começou-se o princípio inverso: a reconcentração de recursos sem a correção do caráter regressivo do sistema. Mesmo sem uma grande reforma tributária, a União teve êxito por meio de pequenas alterações da própria Constituição, do Fundo Social de Emergência, do Fundo de Estabilização Fiscal e, como bem lembrou o Deputado Federal Mussa Demes, por meio dos incrementos, especialmente das contribuições sobre a receita, sobre o faturamento. A União concentrou novamente os recursos em suas mãos, e o sistema continuou regressivo. De modo que os ânimos se levantaram cedo para a reforma do sistema tributário. Vamos fortalecer o federalismo brasileiro, implementar uma justiça tributária, pelo menos no que tange à distribuição dos recursos, e pensar num sistema tributário para o desenvolvimento. Sob esses três aspectos é que estamos examinando o atual sistema que está sendo discutido no Congresso Nacional. A Proposta de Emenda à Constituição nº 41/2003, enviada pelo Governo Federal, do ponto de vista dos Estados, dos municípios e de um federalismo à brasileira, é a melhor dos últimos anos. Mas não do ponto de vista do desenvolvimento produtivo. O projeto Mussa Demes, nesse ponto, com toda a sinceridade, era mais forte que o projeto enviado hoje pelo Governo Federal. Mas, como vocês sabem e já foi noticiado, os Governadores e os Prefeitos se reuniram e obtiveram a promessa do Governo Federal de que não perderiam seus grandes tributos e sua receita. Isso, de fato, foi respeitado. De modo que os Estados continuaram detentores do ICMS, que é o grande tributo que os sustenta. Os municípios também não perderam o ISS, que é essencial para sustentar as grandes capitais e os grandes municípios brasileiros. Por isso esse projeto tem alguma chance de vicejar no Congresso Nacional, desde que, em minha opinião, seja pontuado de algumas normas que evitem aperfeiçoá-lo. Apesar de ser o projeto mais harmônico do ponto de vista federativo, do ponto de vista do interesse dos Estados e dos municípios, ainda não é suficiente. Em relação à contribuição do cidadão, o projeto merece algumas revisões, especialmente no desenvolvimento produtivo. Espero que a intervenção do Deputado Mussa Demes possa auxiliar no seu aperfeiçoamento. Quando dizemos que o projeto é favorável ao federalismo, não estamos dizendo que ele seja bom ou útil à democracia republicana. Temos de entender uma coisa que vinha acontecendo há mais de 30 anos entre nós. As Assembléias Legislativas de todos os Estados são fracas em relação ao ICMS, fraquíssimas, mesmo agora. São praticamente inexistentes. Limitam-se a instituir o tributo repetindo as normas gerais das leis complementares. No que tange às intenções, os benefícios fiscais, os regimes especiais, são absolutamente ausentes. Tudo é feito por meio do CONFAZ: Executivos Estaduais com Executivos Estaduais. O ICMS é um tributo bandoleiro, à margem do princípio da legalidade. Mas esse não é um fenômeno que está posto na Proposta de Emenda à Constituição nº 41/2003. É um fenômeno da realidade nacional. Se os senhores me perguntarem se o federalismo está forte, se os Estados participam da feição do ICMS, digo que sim, participam ainda hoje. Mas as Assembléias Legislativas, não. Essa é uma outra questão. As omissões do passado estão se repercutindo agora. Na Constituinte mineira, perdeu-se a oportunidade de exigir que as mudanças do CONFAZ - como fizeram no Rio Grande do Sul - tivessem de passar pela apreciação da Assembléia Legislativa. O resultado disso é que, hoje, quando se diz que o Estado perde, que não vai conceder isenção nem benefícios, as Assembléias Legislativas ficam incomodadas. Não sei por que elas reagem dessa forma, pois já não participavam disso. Esse é o problema. Quando se omite no passado, omite-se sempre. Os senhores têm de ver que isso já ocorreu em nosso País e que não é novidade. De modo que regulamentos serão feitos no projeto com a participação de todos os Estados. O nosso Deputado já alertou para o fato de que, no novo modelo, haverá alíquotas diferenciadas. Mas, com os regulamentos, os Executivos reunidos nacionalmente vão participar da classificação das mercadorias, ou seja, qual vai ser a mercadoria de alíquota mais baixa e qual será a mercadoria incluída na alíquota média. Isso será um mecanismo de atuação dos Executivos Estaduais com outros Executivos Estaduais. Os Estados ainda não estão tão frágeis como se pensa. Mas as Assembléias Legislativas continuam tão frágeis quanto antes. Essa é a primeira colocação que estou a lhes fazer. Por isso, quando falo em federalismo, digo “força dos Estados”. Não estou me referindo, porém, ao federalismo aliado à democracia republicana, que é o federalismo ideal, porque tanto federalismo quanto democracia significam liberdade. É a divisão territorial da autonomia e da liberdade. Isso é federalismo, por isso somos federalistas. Nesse ponto, considerando a realidade nacional atual, o projeto enviado ao Executivo é bom. Adota, na minha opinião, dois princípios que são absolutamente corretos: o princípio que já está implementado na chamada Lei Kandir que é o princípio do destino para as exportações, ou seja, mercados não integrados, e o princípio da origem. Todas as exportações brasileiras sairão desoneradas. A cadeia de créditos, relativa às operações anteriores, será mantida. Esses créditos não serão estornados com tributação sistemática das importações. O princípio do destino é adequado para os mercados não integrados e assim funciona no mundo inteiro. Toda exportação sai, em todos os países com os quais comercializamos, livre de impostos. É tributada pelo país importador para que os importados não entrem em situação privilegiada, vantajosa em relação à produção nacional. Por isso é que se exige a incidência do IPI e do ICMS na importação. Como a produção nacional está sendo tributada com IPI e com ICMS, não é justo que os produtos importados, que saem livres de impostos do país de origem, estejam numa situação vantajosa em relação à produção nacional. A Lei Kandir já o fizera, e o projeto adota o princípio corretíssimo do destino para os mercados não integrados. Em contrapartida, o projeto, em minha análise, adota também o princípio correto da origem, próprio dos mercados completamente integrados, que é o caso nacional. No âmbito interno, atuamos com mercado integrado. Não conheço nenhum outro mercado tão integrado quanto o nosso, em que o ICMS seja de competência dos Estados. Temos todos os outros Estados com seus mercados integrados, mas, nesse caso, o tributo, ou o IVA, ou um tributo similar ao ICMS, seria de competência da União. No caso do Brasil, sendo o tributo de competência dos Estados, o que deveria funcionar é o princípio da origem e não o do destino. Para o desenvolvimento produtivo, é o melhor sistema, porque na arrecadação não há interrupção da cadeia de débito e crédito. Não se criam créditos acumulados, que existem na exportação, em que há interrupção da cadeia de débito e crédito, porque não se tributa a saída. Ficamos com o problema dos créditos anteriores para que estes sejam realizados pelo Estado, mantidos e devolvidos ao exportador. No âmbito interno, se adotássemos também o princípio do destino, teríamos o mesmo problema que há na exportação multiplicado por todas as operações interestaduais. Por isso, o princípio da origem é o mais adequado para os mercados integrados. Para isso há várias técnicas. Dr. Ricardo Varsano teve a feliz idéia de pensar num processo de compensação das alíquotas reduzidas nas operações interestaduais, no princípio do destino. E pensou isso para que não houvesse interrupção da cadeia de débito e crédito. Essa idéia foi relativamente aproveitada no Projeto Mussa Demes. O relatório do Conselho de Impostos da França, de 2001, refere-se à sua invenção, Dr. Ricardo Varsano, no princípio da compensação, para que não haja interrupção do débito e do crédito. Mas ela tem seus problemas em razão da cultura nacional. Os Estados não têm o hábito de devolver os seus créditos. Não farão isso nas operações interestaduais. Na minha opinião, o sistema de compensação das alíquotas reduzidas deve ser mantido para não se criarem créditos nas operações interestaduais - sem dúvida -, mas não para passar a se fazer o recolhimento no destino. Posteriormente, terá de haver - e aí o Deputado Mussa Demes está coberto de razão - um sistema de repasse do produto arrecadado nas operações interestaduais para os Estados consumidores ou os Estados de destino. O projeto merece revisões em vários pontos, especialmente no que tange ao desenvolvimento produtivo, pelo menos para que fiquemos em igualdade de competição com outros sistemas tributários existentes no resto do planeta. Do ponto de vista do federalismo, entretanto, o projeto parece-me ser, no momento, o que menos problemas criará para os Estados e municípios. Os Governadores e os Prefeitos podem dormir tranqüilos porque não perderão receita, mas as Assembléias Legislativas perderão poder. Sempre perderam e continuarão perdendo cada vez mais.