MISABEL DE ABREU MACHADO DERZI, Procuradora-geral do Estado
Discurso
Legislatura 14ª legislatura, 1ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 11/03/1999
Página 20, Coluna 2
Assunto ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL. FINANÇAS PÚBLICAS.
Aparteante João Batista de Oliveira, Miguel Martini, João Paulo, Hely Tarquínio, Rogério Correia, Amilcar Martins, Carlos Pimenta, Maria Tereza Lara, Bené Guedes, Sargento Rodrigues, Edson Rezende, Agostinho Silveira, Mauro Lobo, Adelmo Carneiro Leão, Sebastião Navarro Vieira, Ermano Batista, Dalmo Ribeiro Silva, Paulo Piau, Sebastião Costa, Alberto Pinto Coelho.
6ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 14ª LEGISLATURA, EM 3/3/1999
Palavras da Sra. Misabel Derzi
A Sra. Misabel Derzi - Cumprimento a Presidência desta Casa, todos os Deputados presentes, o Deputado que me saudou e me questionou, e expresso, nesta oportunidade, o meu orgulho em estar aqui, na Assembléia Legislativa, a falar a um dos Poderes, a um deles, expressão máxima da autonomia do Estado de Minas Gerais.
Para iniciar a nossa fala, quero dizer - os senhores já sabem, mas devo relembrá-los - que, como Procuradora-Geral do Estado de Minas Gerais, defendo os interesses do Estado à luz da Constituição Federal e à luz da Constituição do nosso Estado. Sou advogada do Estado de Minas Gerais e tenho orgulho de sê-lo, um dos Estados da Federação brasileira. Não defendo outros interesses quaisquer. Por isso estou aqui a justificar a minha posição.
Não tenho nenhum apego ao cargo que estou exercendo. Não venho do meio político, mas do meio técnico e universitário. No dia em que qualquer governante estadual tomar alguma atitude que contrarie os interesses maiores deste Estado, deixo o meu cargo. Não tenho compromisso com qualquer partido, não sou filiada a nenhum partido nem quero sê-lo. Até o momento, estou defendendo os interesses do Estado de Minas Gerais e lhes digo e repito: até agora, nenhuma atitude tomada pelo Governo de Minas pareceu-me contrariar esses interesses maiores. É por isso que estou defendendo a posição do Estado de Minas Gerais.
Por trás da questão da dívida do Estado e da sua difícil situação de insolvência, existem interesses fundamentais do Estado e desta Casa, quais sejam interesses relativos ao Estado democrático de direito, sobretudo relativos à Federação, ao Conselho Federativo e à autonomia do Estado brasileiro. É isso que está em discussão, finalmente.
Os senhores sabem que fizemos uma opção pela forma federal de Estado e, nela, o poder do Brasil, o poder do Estado brasileiro é descentralizado, está dividido relativamente entre os entes políticos que compõem a Federação brasileira, especialmente os chamados Estados membros. A Constituição fez uma opção por essa forma de Estado, por razões históricas, por razões de conveniência e por razões, especialmente, de desconcentração política e de estado democrático.
Hoje, a forma federal de Estado é vista como a melhor, uma vez que não só distribui mas convive com a distribuição do poder entre três funções, Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário, três funções que inibem os regimes totalitários. No federalismo, que convive com essa distribuição clássica de poder, que também é inerente aos Estados unitários, o poder se distribui no território nacional.
Isso é o fundamental. É uma outra forma adicional de distribuição do poder. Sem essa forma adicional de distribuição do poder, temos, evidentemente, concentração e destruição da autonomia dos Estados federados. Sem essa outra forma de distribuição dos poderes, não há que existir a Assembléia Legislativa; não há que existir o Tribunal de Contas do Estado. Sabemos que a forma federal de Estado é muito mais cara que a forma unitária, porque há duplicação ou triplicação de funções no Estado unitário, e a União, por meio do seu Poder Legislativo, faz a lei para todos: as leis que valerão para os territórios e para as cidades. E os Srs. Governadores e os demais agentes do Governo Federal executam apenas as leis federais. O Estado federal não. Temos a distribuição desse poder dentro do território brasileiro. Ele é co-dividido com os entes estatais. Isso é fundamental. Vale a pena pagar o preço, porque estamos falando de democracia e desconcentração de poder.
Pois bem, quando falamos de dívida financeira dos Estados e quando falamos de contratos que o Estado de Minas Gerais assinou com a União, estão em jogo essas questões. Exatamente essas questões, de modo que não acredito que qualquer Deputado, quer seja de Situação, quer seja de Oposição - não importa o partido político de origem, e não importa o programa de seu próprio partido - jamais negligenciará esses princípios fundamentais. É essa a minha esperança. É essa a minha confiança. O Governador tem de ser não um chefe de território, mas tem de ser um Governador de Estado. Não há que justificar a presença da Assembléia Legislativa se não somos Estado, e se é mais barato sermos um território.
Então, são essas as questões fundamentais que estão por detrás desse contrato, quais os pressupostos dos contratos de financiamento, assunção de dívida, assinados pelo Estado de Minas Gerais e pela União. É preciso explicar esses pressupostos e o contexto em que esses contratos foram firmados.
Em primeiro lugar, a situação financeira do Estado de Minas Gerais é difícil, e essa dificuldade é anterior: vem de antes da assinatura do contrato, perdura ao longo do contrato, subsiste e se agrava com o advento do contrato. É preciso lembrar que, antes do contrato assinado, o principal, esse pelo qual a União assumiu parte da dívida fundada do Estado de Minas - assumiu R$11.000.000,00, dívida mobiliária do Estado, que é parte de uma dívida fundada maior de R$18.000.000,00 -, é preciso ver que antes da assinatura do contrato, fevereiro de 1998, as partes assinaram o chamado “Protocolo de Acordo de 1996”, 17 meses antes.
De acordo com esse protocolo, as partes comprometeram-se a cumprir determinadas metas de ajuste fiscal e reestruturação. Essas metas eram, na verdade - e continuam sendo -, inatingíveis. Jamais foram cumpridas pelo Estado, e lhes digo mais: não poderiam ter sido. Não importa quais fossem os protagonistas da história, quem estivesse governando o Estado de Minas Gerais.
Que metas são essas? Primeiro, há um programa de reajuste de reestrutura fiscal que estabelece uma relação entre a dívida financeira e a receita líquida real. Há um chamado resultado primário, relação entre as despesas, genericamente falando, e a sua receita líquida. A exigência do cumprimento da Lei Camata, as normas de permissão, privatização e concessão de serviços públicos, reforma administrativa patrimonial, etc., são as tais metas a serem cumpridas e que vão integrar o contrato.
Vejam os senhores: o contrato que virá 17 meses depois vai impor, pelo não-cumprimento dessas metas, as mesmas sanções determinadas para o não-pagamento da dívida, para o descumprimento financeiro do contrato. Elas são idênticas. Aparentemente, algum Estado pode estar cumprindo a obrigação de pagar juros e serviços da dívida em relação à União, mas, certamente, poderá estar descumprindo as metas, dificílimas de serem alcançadas.
Para dar um exemplo, para 1998, havia um déficit projetado - a relação entre as receitas e as despesas -, que deveria ter sido cumprido, de 10%. Esse déficit foi descumprido porque atingiu 32,4%.
Outra meta estabelecida pela União foi o crescimento da receita tributária. Ou seja, a arrecadação do Estado de Minas Gerais deveria ter crescido 12,8%. Mas, ao final do ano passado, ao invés de crescer, ela decresceu e ficou negativa em 2,7%. E mais: a necessidade de se reduzir a dívida financeira total do Estado. Teria de ter passado essa redução da dívida para o índice de 2,2%, ele aumentou para 2,6%. Então, nenhuma das metas foi cumprida.
Mas o que lhes quero dizer é que elas não poderiam ter sido cumpridas, como sabiam a União e o Estado de Minas Gerais. Vejam os senhores que há constantes manifestações de autoridades federais a esse respeito. A Procuradoria da Fazenda Nacional, o Banco Central, por meio do Sr. Gustavo Franco, depois, do Sr. Francisco Lopes, e o Tesouro da Fazenda Nacional disseram que o Estado de Minas Gerais não teria condições de arcar com os compromissos do contrato de refinanciamento. Finalmente, o Senado Federal desconfiou da capacidade financeira do Estado de Minas Gerais para cumprir o contrato e, ao aprovar em resolução que se fizesse o contrato, condicionou-o ao cumprimento da Lei Camata - que não foi cumprida - e ao cumprimento do art. 167, III, da Constituição Federal, que exige lei complementar, por maioria absoluta da Assembléia Legislativa, para a aprovação das receitas de capital necessárias para fazer frente ao contrato - e esse requisito também não foi cumprido.
Os senhores podem me perguntar como se conseguiu cumprir alguma coisa no ano de 1998. As dificuldades, finalmente, para o cumprimento desse contrato eram tão grandes que, quando ele veio e foi firmado, 17 meses depois desse protocolo inicial, em 1998, previu-se para o ano de 1998 uma redução do comprometimento da receita estadual pela metade. A partir de 1999, o comprometimento da receita própria do Estado passa a ser de 12%, mas, nos nove primeiros meses de 1998, esse comprometimento foi reduzido praticamente à metade, para que o Estado pudesse arcar com seus compromissos. E vejam os senhores: quando, no mês de novembro, essa redução cessou, veio imediatamente uma medida provisória beneficiando todos os Estados da Federação e postergando essa parcela de novembro para novembro de 1999, por absoluta impossibilidade de cumprimento do contrato, quer por parte do Estado de Minas Gerais, quer por parte de outros Estados da Federação brasileira.
O que lhes pergunto, senhores, é: o que significa isso? O que significa um contrato firmado quando uma das partes, o credor, sabe que o devedor não tem condições de pagar? Quando é um devedor endividado, que precisa de recursos, que não tem condições de pagar, que quer enganar o credor, até entendemos o fenômeno. Ele tem interesse nisso. Mas não entendemos quando o próprio credor tem consciência absoluta de que fixou metas inatingíveis, de que o seu devedor não vai poder cumprir o contrato e firma com esse mesmo devedor um contrato por meio do qual lhe são impostas sanções gravíssimas. Basta dizer que, pelas cláusulas 17ª e 18ª, o Estado de Minas Gerais transfere à União o comprometimento da sua receita, os seus recursos, quer aqueles que lhe são transferidos por meio do fundo de participação e da própria Lei Kandir, quer aqueles próprios da receita do ICMS e do IPVA, automaticamente transferidos para a União sob condição suspensiva, basta que haja impossibilidade de pagamento. Esses recursos já são no contrato transferidos e de propriedade da União.
O que significa isso? Como um credor faz um contrato com o seu devedor sabendo que ele não tem condições de pagar e, assim mesmo, sujeita-o? Esse contrato, na verdade, é um contrato de sujeição com quebra fundamental do federalismo brasileiro, exatamente por essas circunstâncias que acabei de lhes narrar.
É claro que, em 1999, a situação se agrava. Os senhores viram que o comprometimento da receita passa automaticamente a 12,5%. Existe um porém. Não se trata da receita arrecadada no mês. Como se faz o cálculo? Verifica-se a receita no ano anterior, e daí se tiram os 12,5%, um valor fixo, e se deduz das receitas arrecadadas. Na prática, esse percentual, como a receita é decrescente - ela está decrescendo -, pode equivaler, como de fato equivaleu, a 17%, 18% da receita disponível nos cofres estaduais. O valor é muito superior a esses 12,5%, porque se faz um valor retroativo, com uma média anual do ano anterior. Não tem nada a ver com o que foi realmente arrecadado.
Coloquem isso num quadro recessivo de redução da arrecadação em razão dos juros elevadíssimos; coloquem isso num quadro em que o Governo anterior tinha antecipado a arrecadação do ICMS para fazer frente parcialmente ao 13º salário; coloquem isso num quadro em que dividendos da CEMIG foram também antecipados para os mesmos fins. Os senhores verão que a situação é muito difícil e de elevadíssima insolvência.
As contas que apresentamos sempre em juízo vêm auditadas pelo Tribunal de Contas do Estado. Elas estão sendo apresentadas ao Supremo Tribunal Federal, já revistas pelo Tribunal competente. Isso para que não se suponha que haja algum exagero em benefício próprio por parte daqueles que ocupam momentaneamente o Governo do Estado. Os senhores sabem também que o Tribunal de Contas do Estado já vinha alertando o Governo muito antes desses eventos aqui narrados, sobre as dificuldades de se enfrentar e honrar esse tipo de compromisso com a União.
Quero realçar para os senhores a responsabilidade da União em relação a essas metas e à situação ruinosa do Estado de Minas Gerais nessas circunstâncias. Os senhores viram que se colocaram metas inatingíveis.
Os senhores ouviram que eu disse que elas seriam inatingíveis, não importando quem estivesse no Governo. Agora, tenho de explicar por que disse isso: porque a receita tem de crescer. A arrecadação tributária não teria de crescer 12,8% ou 12,9%, e, ao contrário, ela decresceu, ficando negativa 2,7%?
Na verdade, a única responsável pela macroeconomia, pela recessão econômica e os juros altos é a União, que manipula os dados conjunturais. Se a economia está em recessão, a arrecadação decresce. E mais, a União providenciou a Lei Kandir, que reduziu a arrecadação do Estado de Minas Gerais, sem as compensações necessárias. Antes do contrato firmado com a União, o Estado podia arrolar essa dívida imobiliária e gastava pouco mais de R$25.000.000,00 ao ano com a própria dívida imobiliária. Após o contrato com a União, os Estados estão proibidos de contrair empréstimos. E o Estado de Minas Gerais assumiu uma dívida contratual com a União de mais de R$1.000.000.000,00, perdendo, com a Lei Kandir, R$1.000.000.000,00, porque ela trouxe a isenção das exportações dos produtos primários e semi-elaborados. O Estado de Minas Gerais é o maior exportador dos produtos primários e semi-elaborados.
Além disso, a União reduziu a arrecadação do Estado por meio de um Fundo de Estabilização Fiscal. As metas de cumprimento da redução de gastos faltaram às leis. A União omitiu-se e não fez, a tempo, a reforma administrativa e previdenciária. Essas reformas, lembrem-se os senhores, chegaram tardiamente. Uma delas só veio em dezembro de 1998. Uma reforma importantíssima, a tributária, que trataria de dar aos Estados os recursos necessários para enfrentar a crise, não veio até hoje. Esses atos e omissões são de responsabilidade exclusiva da União, que é o credor nesse contrato, que, portanto, manipula as próprias metas, provocando os eventos que impossibilitam ao devedor o cumprimento das suas obrigações. Depois, a União descumpre as suas obrigações, sanciona o devedor e apropria-se de suas receitas arrecadadas, ou seja, do ICMS, do IPVA e de taxas próprias do Estado.
Pergunto-lhes, senhores, que contrato é esse que coloca o Estado em situação dessa natureza, ou seja, um contrato que vigorará por 30 anos e mais 10 anos de resíduo, ou seja, por 40 anos, em uma situação como essa, com transferências dos recursos próprios do Estado e a autorização, sem nenhuma notificação? Ela mesma, unilateralmente, apura o seu crédito e o atualiza como quer, lança-o contra o Estado, que sequer é notificado, nem mesmo administrativamente é consultado, sem o direito de defesa, e apropria-se dos seus recursos, bloqueando todas as contas do Estado de Minas Gerais, em qualquer parte do território nacional. Isso não seria colocar em questão a autonomia do Estado federado? Entendemos que o Estado de Minas Gerais negociou esse contrato em estado de necessidade. As finanças daquela época eram difíceis.
A União é responsável pelo caminho adotado. Do ponto de vista da política macroeconômica, fazia subir a dívida do Estado de Minas Gerais vertiginosamente. Essa era a situação antes do contrato. Os senhores vão-se perguntar: por que a União é tão boazinha e resolveu renegociar? Por quê? Isso aconteceu porque os Estados se viram em uma situação ruinosa. Essa é a verdade. Vejam os senhores: em 1994, a dívida fundada do Estado de Minas Gerais era de R$9.000.000.000,00. Em 1998, ela passou a ser de R$18.000.000.000,00. Pergunto-lhes: houve uma política de endividamento sistemático do Estado? Não, não houve. Apenas com os juros altos de mercado, a dívida imobiliária cresceu assustadoramente, em progressão geométrica. Há vantagem no contrato. Por isso, todos os Estados da Federação brasileira foram por esse caminho. Eles estão na seguinte situação: se ficam parados e não renegociam, a dívida cresce; mas, se negociam, estão em estado de sujeição permanente. Isso não pode continuar. A Constituição tem que proteger o federalismo brasileiro. E nossos Tribunais têm que ser chamados para falar sobre esse tema de tão grande relevância. O Governador do Estado nos diz: “Mas, Procuradora, como a senhora insiste nisso, vamos desistir!”. Entretanto estou defendendo o Estado de Minas Gerais. Acredito no Direito, na Constituição e no Supremo Tribunal Federal. É claro que há divergências entre os Srs. Juízes, pois há os mais centralizadores e os mais federalistas, que defendem, com maior impacto, a autonomia do Estado membro. A nossa Corte é diversificada, e, por isso, é um órgão colegiado. Mas acredito em nossas instituições, e não podemos desistir delas. Se não acreditasse, não estaria aqui, falando para os senhores. Não podemos desistir. Temos que ir até o final. Se houver um momento de sombra neste País, os senhores, que estão à luz de um Estado, à frente de um Estado, à frente da expressão do elevadíssimo Poder Legislativo do Estado de Minas Gerais, têm que mudar as normas. Os senhores não podem se conformar com essa subserviência. O Direito do Estado de Minas Gerais não pode depender da vassalagem nem de nenhum pedido pessoal de quem quer que seja. (- Palmas.) A autonomia do Estado de Minas Gerais está acima do beija-mão palaciano. Isso é inadmissível. O Estado de Minas Gerais não pode viver de favores. Por isso eu lhes afianço que qualquer vantagem concedida ao Rio Grande do Sul será automaticamente estendida ao Estado de Minas Gerais, quer porque está dito na Constituição, quer porque está no próprio contrato. O contrato reza que qualquer suspensão de pagamento ou adiamento de prazo concedido ao Estado depende de lei federal, porque prevê a generalidade da medida. É claro que essas questões não têm preço. Quanto custa para os senhores a autonomia do Estado de Minas Gerais? Qual é o preço? Não tem preço? Isso é direito, é norma da Constituição. Essa posição é inegociável. Penso assim, senhores, e, por isso, sou Procuradora-Geral de um Estado. Estou defendendo o Estado de Minas Gerais. Ele deve ter essa posição, assim como todos os Estados da Federação brasileira. E digo mais aos senhores: não há que se ter vergonha nesta Assembléia Legislativa de pedir renegociação.
Estão dizendo que estamos transferindo a brasileiros de outros Estados os nossos problemas. É uma visão absolutamente equivocada daquilo que seja Estado Federal. O Estado Federal repousa na igualdade jurídica das partes. A União, juridicamente, é igual ao Estado de Minas Gerais. Não é superior, é exatamente igual. Repousa o Estado Federal nos deveres recíprocos de lealdade e solidariedade entre todos os Estados. Por acaso o Estado de Minas Gerais protestou contra a renegociação da dívida do Estado de São Paulo? Vejam os senhores. Não estou me referindo à questão do BANESPA, que todos os senhores conhecem. Havia uma grande dívida do Estado de São Paulo transferida ao Banco, que, finalmente, foi federalizado. Mas a dívida foi transferida para todos os brasileiros. Não estou me referindo a esse fenômeno, conhecido de todos os senhores. Estou me referindo ao contrato em si. A dívida renegociada de São Paulo com a União é de R$50.000.000.000,00, e a de Minas Gerais é de R$11.000.000.000,00. Existem dívidas estaduais maiores ou menores do que a de Minas. Nesse contexto, como se faz a sunção de dívidas? A União assume a dívida estadual e emite títulos do Tesouro Nacional, para os quais se cobram juros de mercado, que são elevadíssimos. Como se trata de um benefício, a União cobra juros menores dos Estados. Os juros cobrados de Minas Gerais são de 7,5%, mas os cobrados do Estado de São Paulo são de 6%. Não estou me referindo a isso. Estou dizendo que a diferença entre os juros pagos pelo Estado e os juros de mercado - hoje, na faixa de quase 40% -, equivalente a 30%, é bancada pelos brasileiros. Então, 30% de R$11.000.000.000,00, que é a dívida mineira, são bancados por todos os brasileiros, mas 30% ao ano de R$50.000.000.000,00, que é a dívida paulista, também são bancados por todos os brasileiros. Quanto é 30% de R$50.000.000.000,00? É muito mais do que a dívida mineira. Estou dizendo aos senhores que, no federalismo, não se pode argumentar dessa forma. O que vigora no federalismo é a solidariedade. Os senhores viram algum governante mineiro se insurgir contra isso? Nunca. No entanto, agora que um Estado importante da Federação está em dificuldades financeiras, porque não cumpre metas, e não cumpre metas e não consegue pagar por ação do próprio credor, alguém se insurge, dizendo que estamos transferindo as nossas dívidas para os demais Estados, quando estamos também com dívidas elevadíssimas dos demais, transferidas para nós, brasileiros que moramos em Minas Gerais. Isso não é federalismo. Federalismo é solidariedade. Hoje, todos os constitucionalistas estão acordes nesse sentido. O federalismo não se assenta na coação, mas na compreensão, na tolerância e na lealdade. Muito obrigada.