MARISA DE SOUZA ALONSO, Consultora da União.
Discurso
Discursa sobre o tema: "O Instituto da Consolidação: Panorama Histórico,
Jurídico e Político".
Reunião
181ª reunião ESPECIAL
Legislatura 14ª legislatura, 4ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 06/07/2002
Página 34, Coluna 3
Evento Fórum Técnico: A Consolidação das Leis e o Aperfeiçoamento da Democracia.
Assunto LEGISLATIVO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
Legislatura 14ª legislatura, 4ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 06/07/2002
Página 34, Coluna 3
Evento Fórum Técnico: A Consolidação das Leis e o Aperfeiçoamento da Democracia.
Assunto LEGISLATIVO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
181ª REUNIÃO ESPECIAL DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 14ª
LEGISLATURA, EM 10/6/2002
Palavras da Sra. Marisa de Souza Alonso
Bom-dia a todos. Inicialmente, gostaria de parabenizar pela
iniciativa deste fórum técnico sobre a consolidação, ressaltando a
relevância dos objetivos propostos, quais sejam: empreender
discussão sobre as referências da racionalização da atividade
legislativa e provocar a reflexão sobre o próprio ato de legislar.
Refletir sobre o tema da consolidação, entendida como forma de
racionalização do ordenamento jurídico, assume papel relevante no
País, não apenas em vista da nossa tradição escrita ou da chamada
cultura brasileira de produção fecunda de leis, mas antes e
principalmente pela dinâmica das mudanças institucionais a
produzir um quadro de contínua adaptação do sistema jurídico às
múltiplas demandas sociais a que temos assistido, notadamente nos
últimos anos.
Nesse sentido, podemos observar que o processo de elaboração
legislativa não se caracteriza pela sistematização, correspondendo
muito mais a um processo tópico, dinâmico e prospectivo, ou seja,
voltado para o futuro, como bem mencionou o Prof. Menelick. Além
disso, a lógica do Legislativo não é técnica, mas basicamente
política, o que naturalmente dificulta a sistematização ideal
imposta pela técnica jurídica de elaboração de leis.
Nesse contexto, a tarefa de facilitar a compreensão das leis que
regem a vida do cidadão brasileiro, que poderia estar
consubstanciada nesse projeto de consolidação da legislação
federal, criado a partir da edição da Lei Complementar no 95,
dentro desses limites de racionalização e facilitação da
identificação das normas pelo cidadão, assumiu importância crucial
como instrumento destinado a permitir o exercício pleno da
cidadania e, conseqüentemente, o aperfeiçoamento da democracia.
Dúvidas e questionamentos sobre a eficácia e a efetividade do
modelo adotado pelo Executivo para cumprimento da mencionada lei
complementar surgiram e se renovam constantemente, o que, aliás,
foi objeto das observações feitas pelos ilustres palestrantes.
Durante todo o desenrolar dos trabalhos de consolidação dos quais
tive a oportunidade de participar como integrante do grupo
executivo da Casa Civil da Presidência da República, instituído em
março de 1998, teria breves registros a fazer aos senhores, a
título de contribuição para este debate, sobre a evolução desse
projeto, que obviamente não poderia ter como objetivo a
consolidação da legislação federal, pronta e acabada. Já de
início, com a leitura da lei e com a perspectiva de realização do
trabalho em prazo absolutamente exíguo - à época da edição da lei,
o Executivo teria dez meses para concluí-lo -, a primeira das
tarefas foi exatamente fazer um recorte nesse trabalho que seria
empreendido pelo grupo, no Executivo.
A primeira tarefa da qual se ocupou o grupo executivo da Casa
Civil, juntamente com os Ministérios, foi o levantamento
quantitativo. As observações e a memória desse trabalho já estão
disponíveis na página Planalto, com todas as informações sobre o
andamento desses trabalhos.
Conforme o Dr. Gabriel, o primeiro susto foi a quantidade de
normas legais em vigor; de início eram em torno de 27 mil a 28 mil
leis, das quais cerca de 14 mil seriam passíveis de consolidação,
uma vez que seriam normas de caráter geral.
O passo seguinte à seleção desses diplomas legais seria a
definição de uma relação custo-benefício para elaboração e
conclusão desse trabalho de forma minimamente aceitável. O que
poderia ser feito, com esse primeiro objetivo já definido, seria a
facilitação do trabalho dos operadores do direito e do cidadão,
destinatário final da legislação.
Na época visualizou-se a primeira necessidade de alteração da lei
complementar, com relação ao prazo, porque um prazo de dez meses
para a conclusão do trabalho seria inviável.
Os trabalhos iniciaram-se contando com a “expertise” técnica dos
ministérios. Aqueles que trabalham diretamente com essa legislação
teriam maior facilidade na identificação da legislação de sua área
e dos diplomas legais que estivessem em vigor, quais poderiam ser
agrupados e em que medida.
A tarefa seguinte contou com a cooperação do PRODASEN, que, em
tempo recorde, desenvolveu aplicativo destinado a facilitar a
execução dos trabalhos. Esse aplicativo tinha dois objetivos
principais, e o primeiro deles seria criar um banco de dados
textual.
Logo no início do trabalho, deparamos com um gravíssimo problema.
Não tínhamos um banco de dados oficial da legislação federal e
grande parte da legislação deveria ser digitada para facilitar o
trabalho. Não se pode trabalhar com 14 mil normas, em “word”, de
forma simplificada.
Esse aplicativo foi desenvolvido. Em julho começaram os primeiros
trabalhos de treinamento e elaboração do banco de dados textual.
Como resultado, temos dez projetos de lei com indicação de
revogação expressa de diplomas legais. Esse foi o primeiro
trabalho em que se conseguiu avançar, não só no Executivo, mas
também no Legislativo. Na Câmara dos Deputados, há três projetos
como esses, em fase final de aprovação, nas Comissões de
Constituição e Justiça e de Redação.
Em 1999 foram concluídos dois projetos de consolidação, que
aguardam parecer nas mesmas Comissões.
Esses breves registros têm o objetivo único de trazer ao
conhecimento dos senhores a dimensão do trabalho que foi
empreendido, por determinação legal, pelo Poder Executivo.
Com essas considerações e a partir das observações feitas pelos
ilustres palestrantes, gostaria agora de trazer ao debate algumas
questões que a mim têm causado certa perplexidade. Não vou
direcioná-las. Gostaria que o coordenador definisse depois a
melhor forma de condução dos trabalhos, mas tenho algumas questões
que começarei a enumerar.
A primeira delas refere-se ao objetivo da sistematização do
ordenamento jurídico. Será que esse objetivo pode prosperar diante
da dinâmica do nosso quadro normativo? Segunda: o projeto de
consolidação poderia se constituir em oportunidade de reparação de
danos causados pela imprevisão ou imperícia do legislador?
Terceira: em que medida os cursos jurídicos cumprem o papel de
preparar profissionais habilitados a produzirem instrumentos
legais, adequados também do ponto de vista da técnica legislativa
aos propósitos do legislador? Essa é uma questão que a mim causa
grande perplexidade, de fato.
Outra questão seria como alterar práticas legislativas viciosas,
como, por exemplo, a de incluir disposições de caráter permanente
em norma de vigência limitada, como é o caso das leis
orçamentárias anuais. Gostaria apenas de abrir parêntese, porque
essa foi uma das questões para as quais foi mais difícil buscar
soluções, nesse trabalho de consolidação. Embora essa prática
tivesse sido largamente criticada por doutrinadores da estirpe do
Prof. Vítor Nunes Leal, por exemplo, ela se propaga e continua,
desde a década de 20 até os nossos dias, a ser praticada. No final
da década de 20, o Ministro da Fazenda fazia publicar o que ele
chamou de “Consolidação das Disposições Orçamentárias de Caráter
Permanente”. Tivemos a Lei nº 4.320, que é a lei orçamentária,
mas, efetivamente, em várias das nossas leis orçamentárias anuais
são incluídas alterações que se propagam ao longo do tempo. Como,
então, consolidar e declarar revogadas normas de vigência
limitada?
A penúltima questão refere-se à rigidez dos preceitos legais, que
tem vantagens e desvantagens. Será que a rigidez, na aplicação do
princípio da legalidade, por exemplo, permite o avanço
institucional que se pretende? A última questão: as sucessivas
emendas à Constituição de 1988, como bem lembrou o nosso querido
Dr. Gabriel, parecem demonstrar não apenas as mudanças
institucionais, mas igualmente, a necessidade de adaptação
jurídica que estaria vinculada às demandas sociais. Nesse
contexto, qual seria, de fato, a efetividade da
constitucionalização das políticas públicas?
Com essas indagações, gostaria finalmente de agradecer a
oportunidade de participar deste encontro e de poder partilhar com
os senhores alguns dos questionamentos que tenho feito a mim mesmo
ao longo dos trabalhos dos quais tenho participado nessa difícil
questão da consolidação da legislação federal. Muito obrigada.