Pronunciamentos

MARIA CLÁUDIA BUCCHIANERI PINHEIRO, Presidente do Instituto de Direito Eleitoral do Distrito Federal - IDEDF.

Discurso

Apresenta as considerações finais sobre o tema do evento, dentro do 2º painel: "Inovações da legislação eleitoral".
Reunião 16ª reunião ESPECIAL
Legislatura 16ª legislatura, 4ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 12/06/2010
Página 82, Coluna 4
Evento Ciclo de debates: "Legislação Eleitoral e Eleições 2010".
Assunto ELEIÇÕES.

16ª REUNIÃO ESPECIAL DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 16ª LEGISLATURA, EM 1/6/2010 Palavras da Sra. Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro A Sra. Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro - Recebi duas perguntas. A primeira veio do Felipe Cruz, jornalista da Câmara Municipal de Lagoa Santa: “Não existindo, na campanha política, essa “igualdade de oportunidades”, a imprensa ética não faz esse papel, mesmo que de forma reduzida?”. Essa verdade eleitoral não está diretamente ligada ao poder de exposição da mídia? Com a lei de imprensa extinta, a responsabilidade do jornalista aumentou?”. São várias indagações e eu as parcelei. A primeira indagação do Felipe é a seguinte: Não existindo, na campanha, essa igualdade de oportunidades, a imprensa ética não faria esse papel? Na verdade, temos de fazer uma diferença entre igualdade material e igualdade formal. Igualdade formal seria todos os candidatos terem o mesmo tempo em TV, a mesma participação no fundo partidário. A igualdade material significa tratar os desiguais desigualmente, na medida em que se desigualam, e foi a tentativa da lei, boa ou não, quando condicionou parte do tempo de TV ao assento na Câmara Federal. Na verdade, embora não exista uma perfeita igualdade de oportunidades, a ideia da legislação eleitoral é assegurar o mínimo de igualdade e oportunidades entre concorrentes. Daí, porque as hipóteses de cassação, que têm gerado mais problemas na Justiça Eleitoral, são justamente as hipóteses de abuso de poder e abuso de poder econômico, fundadas essencialmente no desequilíbrio do processo eleitoral e na disparidade de armas entre concorrentes. Embora não possamos falar em perfeita e idealizada igualdade de oportunidades, quando a Justiça Eleitoral tem cassado determinados candidatos por abuso de poder, tem invocado para tanto o princípio maior de paridade de armas entre candidatos. A pergunta vem dizendo: “A imprensa não faria esse papel de igualdade entre candidatos?”. Aí vem a diferenciação a que o Dr. Guilherme se referiu entre o regime jurídico da imprensa escrita, e um pouquinho da internet também, e o regime jurídico do rádio e da TV, que são concessões públicas obrigadas a dar tratamento isonômico aos candidatos, porque são concessões públicas. Ao contrário dos jornais, da imprensa escrita, que pode ter uma opinião favorável a um candidato e pode defendê-lo. No fundo, se os senhores pensarem, isso pode ser positivo. Nos Estados Unidos, há um editorial “Estamos Apoiando Barack Obama” no “New York Times”. Isso é ótimo. A gente lê o jornal, lê as críticas que ele faz a Bush e passa um filtro ideológico naquilo, porque o jornal é abertamente favorável a uma determinada candidatura. Não acho isso de todo mal. Continuando na pergunta: “A verdade eleitoral não estaria diretamente ligada ao poder de exposição da mídia?”. É verdade mesmo. O que vemos no processo eleitoral infelizmente é uma questão de fabricação de candidatos, através de técnicas de “marketing”, enfim, produção e artificialização de perfis de candidatos. Então, no fundo, quando falamos em verdade eleitoral, falamos quanto a fatos, quanto à biografia, quanto à verdade histórica. É preciso preservar. Quanto a essa artificialização de candidatos, como Lulinha Paz e Amor, Dilminha não-sei-quê, Serrinha não-sei-quê, compete ao próprio eleitor, não à Justiça Eleitoral, intervir. Ele deve fazer uma comparação entre o que a pessoa era e o que passou a ser depois de uma intervenção de um profissional de “marketing”, para fazer seu juízo de seleção. No final da pergunta, diz: “Com a lei da imprensa extinta, a responsabilidade do jornalista não aumentou?” Lembrei-me, na intervenção do Dr. Aloísio, do Ministro Britto, relator da ADPF 130, que se surpreendeu - posso falar porque trabalhei com ele durante alguns anos - com a resistência dos jornalistas à decisão do Supremo. O Supremo achou que estava fazendo um superavanço revogando integralmente a Lei de Imprensa - haveria um regime de ampla liberdade. Houve uma reação por parte dos jornalistas, alguns contra, outros a favor. Ele chegou a escrever um texto, parafraseando Milan Kundera, falando da insustentável leveza da liberdade de imprensa: os jornalistas se bateram tanto em favor da liberdade e agora que vocês têm a liberdade, o que farão com ela? Foi uma liberdade absoluta, sem disciplina. Estava comentando aqui com os colegas o grande problema da decisão do Supremo - entendo nesse sentido -, que, no fundo, temos o grave defeito de achar que a lei é uma amarra. Mas não é. Ela é libertadora, porque iguala as pessoas. Estamos num regime de igualdade perante a lei, e ela torna previsíveis as condutas e as reações. Você sabe que, se fizer A, incidirá B. Com o fim da Lei de Imprensa, começou a existir todo tipo de questão. Um processo da Universal do Reino de Deus começou a correr em todas as varas judiciais com condenações múltiplas, apreensão de jornal, invasão de gráficas. As decisões mais díspares começaram a surgir por conta da falta de uma baliza mínima. E aí gerou essas reações. Não sei se poderia dizer que a responsabilidade do jornalista aumentou. Eles sempre deveriam tê- la e se pautar com base numa responsabilidade ética, até por causa da penetração dos meios de comunicação. Agora, que as sanções se tornaram mais imprevisíveis, sim. Uma segunda pergunta foi o seguinte: “Após o direito de resposta, existe alguma penalidade ao candidato, uma vez que o delito pode compensar? A repercussão não pode ser vantajosa ao candidato?”. Ou seja, o crime não compensa? No limite, senhores, o crime compensa. É muito difícil avaliar qual o dano causado à imagem de um candidato com uma determinada afirmação inverídica. Também é muito difícil aferir se o direito de resposta vai corrigir ou não. Muitas vezes o direito de resposta acentua a imagem negativa que se quis colar à imagem de determinado candidato. E mais. Vimos discutindo sobre algumas multas por causa de propaganda antecipada, em Curitiba, no congresso que o Dr. Guilherme promoveu lá, do qual tive a honra de participar. O pior ainda: as multas são revertidas a um fundo que é partidário. O próprio partido que praticou a infração receberá, depois, o dinheiro da multa que pagou. O crime acaba compensando sob dois aspectos. Primeiro, porque é muito difícil avaliar o dano na imagem de alguém a partir de uma afirmação inverídica ou caluniosa. Em segundo lugar, essas multas acabam sendo revertidas aos próprios partidos. Aí vem a pergunta: não há alguma outra coisa? Há. As esferas jurisdicionais são autônomas. Há a esfera eleitoral, na perspectiva do direito de resposta e da multa; a esfera civil, que pode propiciar uma indenização por danos morais; e também a esfera criminal, envolvendo calúnia, injúria e difamação, que podem gerar um processo com penas brandas, e tudo acabaria resolvendo-se em uma suspensão condicional do processo, mas também é possível. A atuação perante a Justiça Eleitoral não impede a atuação perante os ramos civil e penal. Nossa hora já estourou, por isso encerro agradecendo o convite e a presença de todos. Fiquei com enorme inveja da pergunta dirigida à Profa. Edilene, porque tenho alguns estudos sobre o gênero na política. Um artigo meu será publicado em agosto, em uma revista comemorativa do Conselho Federal da OAB. Sobre as mulheres, a minirreforma eleitoral buscou trazer uma diferença, porque a Lei nº 9.504 prevê que os partidos deverão reservar vagas para as mulheres. Como não havia sanção nem candidatas mulheres suficientes, os partidos consideravam-se desincumbidos do ônus de reservar essa vaga, pois eles a reservavam, mas ninguém aparecia. Então eles a preenchiam com o estoque masculino de pré-candidatos. A minirreforma trocou o “deverá reservar” por “preencherão”, tentando tornar impositiva a obrigação de reserva de gênero, mas também não trouxe sanção. Isso é interessante, porque, na semana passada, o TSE discutiu o tema. Os Juízes mandaram uma consulta ao TSE, convertida em processo administrativo, questionando o que fazer se receberem uma lista para Deputados Federal e Estadual que não preenche a cota. Opção A: rejeitamos a lista e a coligação ficará sem candidato? Opção B: intimamos a coligação para cortar o número de homens, a fim de alcançarmos o percentual de 30%? É uma discussão interessante e que está sendo travada pelo mundo. Portugal passou por esse mesmo processo. Contava para o Dr. Carlos que Portugal encontrou uma solução original. Primeiro, prevê a rejeição das listas. Isso foi vetado pelo Presidente da República, por desproporcionalidade. Hoje, em Portugal há o Estatuto da Paridade, uma lei orgânica. Eles condicionaram a percepção das subvenções públicas, ou seja, fundo partidário, verba e tempo de direito de antena para partido, e tempo de rádio e televisão para candidato ao alcance desse mínimo de 33%. O partido ou a coligação que não trouxer um número razoável de mulheres pode perder até 50% de seu tempo na TV. Isso é interessante, porque se condiciou o recebimento do dinheiro à observância de um parâmetro constitucional. O partido pode apresentar só homens, mas perderá 50% de seu tempo. Isso é muito interessante para refletirmos. Participei do debate, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, de uma lei sobre isso. Há alguns modelos a serem seguidos, mas é preciso ficarmos atentos, porque há propostas de emenda à Constituição no Congresso Nacional para criar reserva de vaga. É um pouco diferente. Se 30% das vagas são destinadas às mulheres, haverá mulher entrando nas Casas Legislativas com 200 votos. Porém isso não é candidatura, e sim vaga de mulher. Enquanto isso haverá Deputado com 150 mil votos que não conseguirá entrar na política. São reflexões interessantes, mas temos de tomar cuidado para que a discriminação positiva, as ações afirmativas, não revertam contrariamente, gerando um acirramento nas intolerâncias. Adoraria passar 20 minutos falando sobre esse tema. Muito obrigada pela oportunidade, Sr. Presidente, o senhor cumpriu exatamente o percentual de 30%, somos 9 pessoas e 3 mulheres nesta Mesa. Muito obrigada.