Pronunciamentos

MARIA CLÁUDIA BUCCHIANERI PINHEIRO., Presidente do Instituto de Direito Eleitoral do Distrito Federal - IDEDF.

Discurso

Comenta o tema: "O Direito de resposta na perspectiva dos direitos fundamentais", dentro do 2º painel: "Inovações da legislação eleitoral".
Reunião 16ª reunião ESPECIAL
Legislatura 16ª legislatura, 4ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 12/06/2010
Página 81, Coluna 2
Evento Ciclo de debates: "Legislação Eleitoral e Eleições 2010".
Assunto ELEIÇÕES.

16ª REUNIÃO ESPECIAL DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 16ª LEGISLATURA, EM 1/6/2010 Palavras da Sra. Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro Bom dia. É uma honra estar num evento altamente qualificado com a presença dos mais abalizados profissionais do direito eleitoral e com uma plateia igualmente abalizada, interessada, comprometida e vinculada com a vivência prática nessa área, tendo em vista que estamos na Casa dos representantes do povo, lugar mais que apropriado para discutirmos regras pertinentes à conversão de votos em mandatos, de vontade em cadeiras. Na pessoa do Exmo. Sr. Deputado Dalmo Ribeiro Silva, saúdo a ilustre Mesa, que tenho a honra de integrar. Agradeço o convite nas pessoas dos meus queridos amigos Dr. José Jairo Gomes e Dra. Ana Márcia. Tenho certeza de que esse convite deriva mais da amizade que mantenho com vocês que de qualquer merecimento da minha parte. Tenho pouco a dizer, especialmente diante dessa brilhante Mesa. Sou das últimas a falar, o que torna a minha responsabilidade ainda maior. O tema que me foi proposto é “O direito de resposta na perspectiva dos direitos fundamentais”, o que não poderia ser diferente. O direito de resposta está inserido no Título XII da Constituição Federal, que se refere exatamente a direitos e garantias fundamentais. Como falar do direito de resposta em outra perspectiva? O ano passado, a discussão do direito de resposta se tornou acirrada em razão do julgamento pelo STF da DPF nº 130, que culminou com a revogação integral da Lei de Imprensa, inclusive dos dispositivos relativos ao direito de resposta fora da seara eleitoral, ou seja, na perspectiva do direito comum, do cidadão que se vê ofendido por uma revista, por um jornal ou por uma matéria veiculada na televisão. Os dispositivos sobre a matéria foram integralmente não recepcionados, e a discussão instaurada no STF foi exatamente sobre isso: direito de resposta. Vamos revogar as normas pertinentes ao direito de resposta? Como fica o cidadão? Como ele se protege frente a uma imprensa com inacreditável penetração, rapidez de divulgação e, muitas vezes, opressora porque o cidadão não tem meios proporcionais de reagir a uma notícia disseminada em segundos, enquanto a resposta não chega aos destinatários na mesma velocidade? O tema é quente, especialmente porque o TSE tinha o entendimento de que terceiros também podem ser atingidos por propagandas políticas, e não apenas o candidato, a coligação ou o partido. Houve um caso recente no TSE em que uma propaganda política citou caluniosamente o Presidente do BNDES, com acusações de empréstimos fraudulentos, favorecimentos, enfim, era um terceiro que nada tinha com processo eleitoral e que caiu de paraquedas numa propaganda política, tendo todo o direito a resposta. Antes da decisão do Supremo, o TSE entendia que terceiros atingidos por propagandas políticas eleitorais têm, sim, direito de resposta, mas não nos temas da lei eleitoral nem perante a Justiça Eleitoral, muito embora a ofensa tenha sido cometida na perspectiva de uma propaganda política eleitoral. O cidadão deveria valer-se da Justiça comum e da antiga Lei de Imprensa. E, agora, o que fará o cidadão, já que o TSE o mandava recorrer à Lei de Imprensa, que não existe mais? O próprio Supremo Tribunal Federal disse que ela não foi recepcionada pela nova ordem constitucional. Nesse novo contexto, o direito de resposta eleitoral previsto na Lei nº 9.504 ganha ainda mais relevância, pois, quando o Supremo Tribunal Federal revogou integralmente a Lei de Imprensa, disse que o cidadão deveria procurar a Justiça comum, adotando as balizas da lei eleitoral, que é a única que nos resta, independentemente de o direito de resposta ser na perspectiva eleitoral ou não, pois a lei que existia foi extirpada do ordenamento jurídico pelo Supremo. É importante que todos saibam bem do procedimento de resposta na perspectiva do direito eleitoral. Quando o Prof. José Jairo me ligou e me disse que o meu tema central seria esse, iniciei a minha reflexão, que é essencialmente constitucional, pois não podemos tratar disso fora da Constituição. O que nos diz a Constituição sobre o direito de resposta? É muito interessante, pois muitos falam em linguagem corporal. Muitos auxiliares dos candidatos dizem: “Cuidado com os debates, pois o corpo fala. Cuidado com a postura, com as mãos para trás e para a frente, pois o corpo fala”. E a Constituição também nos fala pela sua topografia. Isso é muito interessante, mas, muitas vezes, não nos damos conta da ordem com que os incisos e artigos são dispostos na Constituição. Há uma razão de ser para isso. O corpo da Constituição nos fala fisicamente. É muito interessante constatar que o direito de resposta, inciso V, está disposto exatamente entre o inciso IV, que fala da liberdade de manifestação do pensamento, e o inciso X, que fala da inviolabilidade do direito à honra e à intimidade. No meio desses dois incisos, há uma ponte, que é o direito de resposta. Será que foi à toa que, na Constituição, foi colocado esse inciso entre o que trata da liberdade de manifestação e o que trata da inviolabilidade do direito à honra, à intimidade e à privacidade? Por que foi colocada essa pedra naquele meio? Há uma pedra no meio do caminho, que é o direito à resposta. Será que isso tem algum significado, ou será que isso foi ali inserido por acaso, aleatoriamente, pelo Constituinte? Não; o direito de resposta existe constitucionalmente para se interpor entre a liberdade de manifestação, que é um direito constitucional fundamental, e outro direito fundamental, que é o direito à honra, à imagem, à intimidade e à privacidade. É bom que saibam que intimidade e privacidade não são sinônimos. O Ministro Carlos Ayres Britto costuma dizer: “Se a Constituição utiliza dois termos diferentes, jamais trate-os como sinônimos, pois, a pretexto de proteger dois bens jurídicos diferentes, você protegerá somente um, já que transformou dois termos em um só”. Você empobrece a Constituição quando torna sinônimos itens diferentes, que o Constituinte optou por utilizar. Intimidade é a relação do indivíduo com ele próprio, e privacidade é a relação do indivíduo com seus entes mais próximos, com a sua família, com a sua esposa, com seu amante e com seus parentes. A intimidade é o direito que a pessoa tem de não expor ao público o que pensa, o que é e qual é a sua religião, pois ninguém é obrigado a revelar isso. E a Constituição nos diz muito quando insere o direito à resposta nesse meio. A primeira pergunta surge: “Professora, se o direito à resposta está entre esses dois incisos e a senhora está dizendo que é uma ponte necessária entre a liberdade de manifestação e o direito à honra, à intimidade e à privacidade, é possível que a liberdade de manifestação entre em colisão com a intimidade? Como a Constituição previu dois valores, dois direitos fundamentais que podem se chocar? É possível haver esse choque?”. Lembro-me muito bem de um caso antigo que ocorreu no Supremo Tribunal Federal no início da década de 90. Um jornalista ia à Península dos Ministros, em Brasília, antigo local de residência das autoridades, mexer no lixo dos Ministros, para ver o que havia. Ele dizia: “Olha, Moet Chandon. Hum, chocolate importado, caviar”. E soltava a matéria com o perfil do consumo da casa do sujeito, depois de revirar o lixo que estava do lado de fora da casa. Ele nem entrou, pois o saco de lixo estava lá fora. O sujeito ia lá, abria o lixo e soltava a nota “Ministro, que ganha R$4.000,00, consumiu uma caixa de champanhe importada.” Essa informação violou a sua intimidade, sua privacidade? A pessoa não entrou na casa de ninguém, o lixo estava do lado de fora. Posso revirar o lixo de alguém? Lembro-me de um precedente, também do Supremo, esse um pouquinho mais recente, da Escola-Base de São Paulo. Não sei se os senhores se lembram disso. Uma escola, com seus diretores acusados de molestar menores, uma coisa horrível, que destruiu a família dos diretores: esposa separada, filho com câncer, enfarte para todo lado. E, 10 anos depois, descobriu-se que não era nada disso. Quem repara essa situação? Como corrigi- la? Temos instrumentos eficazes para neutralizar uma informação, especialmente hoje? E a pergunta que fiz aos senhores parece já respondida. Será possível que a liberdade de manifestação do pensamento entre em conflito com a intimidade, com a honra, com a privacidade? Sim, é possível sim. E como solucionar? É interessante que foi essa a discussão, que, às vezes, nos parece óbvia, que gerou uma divergência seriíssima no Supremo Tribunal Federal. Por quê? Porque o Ministro Carlos Ayres Brito, relator, colocou na sua ementa o seguinte: no conflito entre liberdade de manifestação do pensamento, de um lado, e honra, intimidade, privacidade, de outro, a Constituição já fez uma escolha. Foi ele quem disse isso. A Constituição escolheu pela liberdade de manifestação. Ela prevalece sobre os outros direitos. E por entender assim, que a liberdade de manifestação sempre prevalece, estávamos num processo de controle abstrato, objetivo, mas passamos ao caso concreto, a uma afirmação taxativa: sempre prevalece. E o Ministro Brito extraiu a seguinte conclusão: como a liberdade de manifestação sempre prevalece, nunca será possível a censura prévia. Nunca. A reparação é sempre “a posteriori”. Primeiro eu falo, depois arco com as consequências. Primeiro a matéria sai, depois o jornal arca com as consequências. Primeiro o “site” divulga, depois arca com as consequências, ou seja, a liberdade de manifestação prevalece sempre. Ninguém impedirá alguém de se expressar, verbalizar e externar opinião. Mas, se houve lesão, que a punição seja “a posteriori”. Essa foi a premissa do voto do Ministro Brito. Pergunto aos senhores: prevaleceu? Mais ou menos. Se os senhores consultarem os votos, alguns Ministros disseram expressamente: não é bem assim. Em determinadas hipóteses excepcionalíssimas, é possível que a liberdade de manifestação ceda espaço ao direito à honra, à intimidade, à privacidade, ou seja, seria, em tese, possível eventual censura prévia. Sei que meu debatedor vai me matar porque os jornalistas ficam arrepiados quando falamos em censura prévia. E é realmente um instituto abominável, que nos remete à época da ditadura, aos tempos mais sombrios da nossa história. Contudo estamos falando, não de banalização, mas de hipóteses excepcionalíssimas. Não estou falando aqui do caso Sarney, até porque isso é uma coisa importante de ser lembrada. Quando um processo tramita em regime de segredo de justiça, a imposição do segredo de justiça dá-se em razão da eficácia das investigações. Muitas vezes, o sigilo é para assegurar a própria eficácia da investigação. Claro que não contra o advogado, “a posteriori”, enfim... Mas uma vez que o sigilo vaza, e o jornalista tem acesso à informação, pergunto-lhes: quem era obrigado a manter o sigilo? Era o Juiz, o Promotor, o Delegado ou o meio de comunicação? O jornalista tem a obrigação de divulgar, é seu dever, sua função constitucional. Será apurada a fonte de onde vazou a informação, qual foi sua finalidade, quem queria denegrir. Isso é problema para depois. Não se pode impedir um jornalista de divulgar uma informação de que disponha. Só se, naquelas hipóteses excepcionais, fosse uma informação manifestamente ofensiva à liberdade, à intimidade, o que não era o caso. Era um processo que, posteriormente, viria a ser público, como ocorre, em regra, com os processos. Só não é disso que estamos falando. Pois bem. Visto isso - já antecipei que não é possível falar de uma prevalência absoluta da liberdade de manifestação -, a regra deve ser sempre o controle “a posteriori”, e é por isso que o direito de resposta é tão importante; é por ele essencialmente que se exerce esse controle “a posteriori”; depois é que se vai responder àquilo que lhe foi dito. Então o instrumento essencial de reparação a essas lesões que acontecem pela fricção entre a liberdade de manifestação e o direito à honra e à intimidade é essencialmente pelo direito de resposta. Ele é o instrumento por natureza. Somos estudantes de direito constitucional e sempre temos aquela tendência de categorizar; é uma compulsão a que não consigo resistir. Pergunto aos senhores: qual é a natureza do direito de resposta? Falamos direito de resposta. Ora, é um direito. Será que é um direito? Aí me lembro de Canotilho, que faz a diferença entre direitos e garantias. O direito confere ao indivíduo uma situação jurídica, um “status”, o direito ao exercício de algum valor, a exercer e a não exercer. Dou um exemplo clássico: liberdade de ir e vir. Posso ir, posso vir e ainda posso não ir e não vir, posso permanecer. Quanto às garantias, são acessórias, instrumentais, vinculadas à proteção de um direito. O exemplo clássico é: ”habeas corpus”. Qual é a função natural de um “habeas corpus”? Proteger a liberdade de ir e vir, então tem uma vinculação natural ao direito, não que ele não gere direito. Tenho direito à garantia constitucional do “habeas corpus”, que é um direito-garantia. Vieira de Andrade, português, o maior estudioso dos direitos fundamentais, fala isso, fala que é um direito-garantia: tem-se o direito a ter acesso a uma garantia. E aí coloco para os senhores: o que é o direito de resposta? É um direito ou uma garantia? Tem sentido falar em “habeas corpus” numa sociedade que não protege o direito de ir e vir? Para que “habeas corpus”, se não há direito? Vai proteger o quê? Assim também é o direito de resposta. É uma garantia fundamental vinculada a quê? Ao direito à honra, à intimidade, à privacidade. Só tem sentido falar em direito de resposta em uma sociedade que protege a honra, a intimidade e a privacidade. Porque, se não proteger, qualquer um pode, em público, falar o que bem quiser a respeito de quem quiser, e nada poderá ser feito. Então existe uma vinculação natural entre direito de resposta de um lado, e honra, intimidade e privacidade de outro. É uma garantia fundamental. Gera direito? Gera o direito a ter acesso a essa garantia, é um direito-garantia, é instrumental e é importante. Se não há garantias, os direito são cedidos. Tenham sempre em mente: não adianta nada ter o direito de ir e vir e não existir “habeas corpus”; caso contrário, amanhã entram na sua casa, levam seu filho e você não poderá fazer nada a respeito. Então, a existência concreta dos direitos depende das garantias. É por isso que é importante compreendê-las bem. Pois bem. Feitas essas preliminares - e já me sobra pouco tempo - , gostaria de descer ao direito de resposta na perspectiva eleitoral. Estamos falando do direito de resposta “lato sensu”, que tem as suas regras próprias e seus princípios informadores. No direito eleitoral, essa questão se acentua. Por quê? Porque a liberdade de manifestação do pensamento - não sei se os senhores já pararam para pensar isso - tem uma via dúplice: não existe somente o meu direito de me manifestar, mas também o direito dos senhores de receberem a minha manifestação. É interessante que alguns doutrinadores - e não são poucos -, quando interpretam o inciso VI do art. 5º da Constituição, que fala que é inviolável a liberdade de consciência, dizem que o Estado não precisa fazer nada, porque ninguém consegue entrar na cabeça do cidadão para aniquilar sua consciência. Então, a consciência é absoluta por natureza, independe de tutela. Será que é mesmo? Será que posso falar de uma livre formação de consciência numa sociedade sem liberdade de imprensa, atropelada pela propaganda estatal? Será que posso falar de livre formação da consciência num regime comunista, em que a única coisa que existe de informação é a propaganda estatal? A livre formação da consciência pressupõe o livre mercado de ideias. Um grande economista americano que aplica as teorias econômicas aos fenômenos do direito fala assim: “free marketplace of ideas”, livre mercado de ideias. Não há consciência livre sem divulgação de ideias. A liberdade de manifestação é mais acentuada no processo eleitoral, porque existe o direito fundamental do eleitor de ter acesso às informações de partidos e candidatos. Imaginem se o Brasil fosse como os Estados Unidos, que não têm direito de antena, de propaganda de rádio e TV gratuita. Quem tem dinheiro paga uma fortuna, vai à CNN e fala por 5 segundos. Quem não tem, está fora. Como o eleitor, no Brasil, poderia escolher em quem votar num contexto de não ter acesso às propagandas do seu candidato ou à ideia de seu partido? O direito de resposta é sensível no direito eleitoral, porque o direito de acesso à informação do eleitor é considerado um direito fundamental. Não há democracia sem livre convencimento do eleitor, fundado em informação. Preocupo-me com a banalização do direito de resposta no processo eleitoral. O direito à informação é pressuposto do exercício do voto. É preciso saber o que é violar a honra no contexto do embate político, essencialmente delicado e, às vezes, mais agressivo. Posso dizer que nunca vi nenhum doutrinador tratando desse tema; pode ser que exista. A Lei nº 9.504, quando trata do direito de resposta no processo eleitoral, não o faz apenas para preservar a honra, a intimidade ou a privacidade, mas para assegurar o direito de resposta contra informações inverídicas. O direito eleitoral sai um pouco da norma constitucional e cria outra hipótese de direito de resposta: o direito de resposta contra informação inverídica, porque, no processo eleitoral, não apenas a honra, a intimidade e a privacidade estão em jogo; está em jogo, sobretudo, a informação do eleitor e do cidadão. A informação falsa manipula a vontade, a formação da convicção e do voto. Por isso, no direito eleitoral e apenas no direito eleitoral, existe o direito de resposta contra a mentira, mesmo que não seja ofensiva. Se a Dilma disser que o Serra fez determinada coisa e for mentira, pode não ser ofensivo, mas ele tem direito de resposta para reposicionar a verdade. Encerro dizendo que um dos princípios subjacentes ao direito de resposta no processo eleitoral - e é um direito fundamental, porque é derivado da democracia - é o direito à verdade eleitoral. Eis o princípio subjacente ao direito de resposta no processo eleitoral: o direito à verdade. Mas não vejo as pessoas tratando disso: ficam na perspectiva da honra e da intimidade, mas a lei eleitoral vai além. Por que o direito à verdade eleitoral? Porque a mentira maquia intenções, artificializa vontades e corrompe votos. Muito obrigada.