Pronunciamentos

MÁRCIO POCHMANN, Professor da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP.

Discurso

Comenta o tema: "Trabalho e Desemprego no Brasil e no Mundo".
Reunião 30ª reunião ESPECIAL
Legislatura 14ª legislatura, 1ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 16/10/1999
Página 22, Coluna 3
Evento Seminário Legislativo: "Desemprego e Direito ao Trabalho".
Assunto TRABALHO.
Observação Participantes dos debates: Gilson Resi, Wagner Pessoa, Eglé Luzia Scarioli Gomide, Amarildo José dos Santos, Henrique Badaró, Chafith Felipe, Frranklin Moreira Gonçalves, Almeida Calixto, Weber Pereira, José Rodrigues.

30ª REUNIÃO ESPECIAL DA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 14ª LEGISLATURA, EM 27/9/1999 Palavras do Sr. Márcio Pochmann Boa noite a todos. Gostaria de cumprimentar a Mesa, na pessoa do Presidente da Assembléia, Deputado Anderson Adauto, do Vice- Presidente, Deputado Durval Ângelo, e do Presidente da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Ação Social, Deputado Ivo José, que, junto com um conjunto expressivo de instituições deste Estado, conseguiu, com êxito significativo, discutir esse tema que traz tantas conseqüências sociais e econômicas negativas no final do século, sobretudo para o Brasil. Agradeço o convite. Para mim é uma satisfação e um prazer estar novamente nesta Casa. A questão do desemprego encontrou um foco importante neste Estado, que é exatamente a Casa do povo, porque, não tenho dúvida, o desemprego tende a definir, cada vez mais, o processo político brasileiro. Não sou cientista político, mas, olhando as experiências internacionais, como a eleição de Clinton nos EUA, a eleição na Alemanha, a francesa, a inglesa e até a espanhola, vemos que os programas voltados para o enfrentamento do desemprego as definiram, tanto para a Presidência quanto para o Legislativo. Tivemos, ano passado, a meu juízo, um debate frágil sobre o desemprego. Mas, pela primeira vez na história deste País, essa discussão assumiu propostas de caráter nacional. Foi um debate vazio, a meu juízo, porque, se chegássemos a somar todas as vagas que, em campanha, vários candidatos disseram que criariam, hoje não estaríamos discutindo o desemprego, mas o pleno emprego. Muitas foram as promessas de emprego, mas, lamentavelmente, o quadro não é esse. Imagino que as eleições para Prefeito, no próximo ano, e a demais que vierem tenderão a ter o tema do emprego como centro dos debates. E tudo porque, no meu juízo, o desemprego transformou-se em um fenômeno que veio para ficar no Brasil, lamentavelmente. Ele não é apenas expressivo. Nunca tivemos tantos desempregados como atualmente. Essa é a maior crise de emprego na história de nosso País. Se compararmos o número de desempregados existente com o de qualquer outro período, seja ele o da recessão de 1990 a 1992, durante o Governo Collor; o da recessão de 1981 a 1983, durante o Governo Figueiredo; o da depressão econômica de 1929 a 1932; ou mesmo o da transição do trabalho escravo para o trabalho assalariado, no final do século XIX, veremos que nunca tivemos tantos desempregados como atualmente, embora eu lamente por nem mesmo ter o número de desempregados no País, já que o Brasil é carente de pesquisas adequadas, do ponto de vista nacional, a esse respeito. Há apenas um órgão que faz o levantamento nacional: o IBGE, através da pesquisa nacional por amostra domiciliar, feita geralmente no mês de setembro de cada ano. O último dado é de 1997, e o número gira em torno de 5.800.000 pessoas desempregadas. Não encontramos um número paralelo em qualquer outro período histórico, e não tenho dúvidas em dizer-lhes que o número de desempregados é muito maior ainda, pois temos, nessa pesquisa e em outras feitas pelo IBGE para a apuração do desemprego, uma limitação metodológica muito grande. Não abusarei do tempo falando a respeito de metodologia das pesquisas do desemprego, mesmo porque esse é um assunto muito chato e não nos interessa no momento. Uma demonstração clara da insuficiência desse tipo de metodologia aplicada no Brasil é o fato de uma pessoa que estando desempregada e não tendo procurado emprego ser considerada inativa, ao invés de desempregada, pelo IBGE. Todos sabemos que a procura por empregos, em geral, implica custos, pois a pessoa tem que comprar um jornal, tomar um ônibus, mandar um currículo, etc., ou seja, há custos, e nem sempre os desempregados dispõem do mínimo necessário para fazer uma busca; entretanto, o IBGE considera essa pessoa inativa, e não desempregada. Além disso, se a pessoa estiver desempregada, procurando um emprego, mas lavar um automóvel, durante 1 hora, considerando-se toda a semana da pesquisa, para o IBGE isso é uma ocupação. Se a pessoa se declara autônoma, isso é sinônimo de ocupação, ou seja, se for um vendedor de livros e tiver passado todo o mês sem vender qualquer livro, isso não interessa ao IBGE, que a considera ocupada. Há inequívocos problemas de mensuração do desemprego. A pesquisa mais adequada metodologicamente deveria ser feita pelo DIEESE, pela Fundação CEAD e por outras instituições regionais, pois seria mais fiel à realidade brasileira. Mas, continuando na minha linha de raciocínio a respeito do volume de desemprego, diria que é muito expressivo. Mais do que destacar isso, é necessário também fazer constatar que tivemos uma mudança substancial no perfil do desempregado. Até o final dos anos 80, o desemprego era um fenômeno relativamente homogêneo, sendo os desempregados, geralmente, indivíduos analfabetos, de baixa escolaridade, sem experiência profissional, com, no máximo, experiência no chão de fábrica. Analisando essas estatísticas, verificávamos claramente que o desemprego era um fenômeno circunscrito a mulheres, jovens e negros. Quando olhamos as estatísticas dos anos 90 a esse respeito, percebemos uma mudança substancial, porque, hoje, podemos dizer que não há segmento social imune ao desemprego, que atinge, quase que indistintamente, praticamente todos os segmentos sociais. Ao contrário do que vem sendo dito, o desemprego tem crescido mais para as pessoas com mais de 40 anos, com maior escolaridade e maior experiência profissional. Para se ter uma idéia, ao longo dos anos 90, houve um aumento muito rápido do número de pessoas, com mais de 11 anos de escolaridade; o que significa, no Brasil, a estar no 3º grau. Essa, certamente, é a razão de o desemprego ter-se tornado um tema debatido por toda a sociedade, não ficando mais circunscrito a segmentos específicos da sociedade brasileira. O desemprego jamais atingiu as classes média e alta da sociedade brasileira, como tem acontecido neste momento. Por conta disso, tornou-se um produto comercializado. Há espaço nos jornais, nas revistas de grande tiragem, porque é um produto que as pessoas procuram comprar e conhecer. Lamentavelmente, devo dizer a você, que o debate que travamos no Brasil é um debate pouco esclarecedor. É como se olhássemos um rio de águas turvas. É impossível identificar as causas do desemprego, as conseqüências do desemprego. Portanto, no tempo que tenho, vou tentar hierarquizar aquelas que seriam as principais causas desse problema no Brasil, e as possíveis soluções para a questão. O desemprego tem inúmeras causas, mas é importante que façamos aqui uma reflexão sobre as mais importantes porque, se houvesse uma atuação centrada, haveria uma reversão no desemprego. Se fizéssemos uma breve avaliação, poderíamos pensar que o desemprego é um problema que todo país tem; é um problema mundial. Ao utilizarmos esse tipo de argumento, entretanto, estaríamos, de certa forma, diminuindo a responsabilidade da sociedade brasileira, de suas instituições e autoridades, pela geração de desemprego. Estaríamos dizendo: “Desemprego é um problema mundial, não há muito o que fazer. É um produto da globalização”. Não é dessa forma que deveria ser identificado porque, quando olhamos o mundo, percebemos que há países em que o desemprego praticamente inexiste. Há outros países onde o desemprego é expressivo e vem aumentando. É importante destacar que há, pelo menos, três fatores que fazem com que o desemprego, no Brasil, tenha vindo, de fato, para ficar. Não há soluções de curto prazo para enfrentá-lo; é necessário que haja uma profunda mudança nas prioridades nacionais. O primeiro fator que mencionei refere-se às profundas transformações na ordem econômica mundial, neste final de século. Estamos diante de uma ordem econômica mundial extremamente conservadora, uma ordem econômica que se encontra sustentada em um padrão de acumulação financeira, isto é, o movimento do desenvolvimento internacional é dado pelos mecanismos de valorização financeira do capital. Obtém-se muito mais recursos valorizando-se o capital, aplicando-se de forma financeira e não produtiva. Por conta disso, tem-se verificado taxas de expansão da produção mundial muito reduzidas. Mesmo os países desenvolvidos vêm apresentando taxas de expansão muito pequenas, aquém daquelas que apresentavam durante os anos 60 e 70. Uma economia como a japonesa, por exemplo, que, entre 1960 e 1973, crescia a uma taxa média anual de 7% a 8%, vem crescendo apenas 1% ao ano, ao longo dos anos 90. Essa ordem econômica é conservadora, é prisioneira dos interesses financeiros, e mais do que isso, ao se imporem taxas de expansão econômica muito baixas, parte do fruto do desenvolvimento fica concentrado em poucas nações. Poucas nações no mundo absorvem os efeitos produtivos desse crescimento econômico. Fundamentalmente, são os Estados Unidos a principal nação a absorver os melhores resultados da economia mundial. Essa é uma ordem econômica contrária ao emprego. Mais que isso, essa nova ordem econômica mundial está impondo uma divisão internacional do trabalho bastante distinta daquela que conhecíamos depois do segundo pós-guerra. Estamos diante de uma nova divisão internacional do trabalho, que se sustenta em um tripé bastante importante - e vou tentar demonstrar isso de modo sintético. O primeiro eixo do tripé que fundamenta essa divisão internacional do trabalho se dá sobretudo pela onda de inovação tecnológica a que estamos assistindo ultimamente. Esse primeiro tripé é produzido fundamentalmente por cerca de 400 grandes corporações transnacionais, que são responsáveis pela geração, produção e difusão de novas tecnologias. Cerca de 80% dos investimentos em inovações tecnológicas são feitos apenas por essas 400 grandes corporações transnacionais, que têm suas sedes nos países mais ricos, no chamado G-7: Estados Unidos, Alemanha, Japão, França, Itália, Inglaterra e Canadá. Os países que têm condições de gerarem os melhores postos de trabalho são aqueles que têm capacidade de produzir e difundir tecnologicamente. Esse é o primeiro aspecto importante e que já coloca do outro lado do cenário países que estão sem essa capacidade de produzir e difundir tecnologia. O segundo eixo do tripé que sustenta essa nova divisão do trabalho no mundo refere-se ao papel que as agências multilaterais internacionais vêm promovendo com objetivo de destruir os sistemas financeiros nacionais a fim de, basicamente, estabelecer três grandes moedas de curso mundial. Isto é, há um movimento defendido pelo Banco Mundial, pelo Fundo Monetário Internacional e pela Organização do Comércio de estabelecer praticamente três grandes moedas de curso internacional. É basicamente o dólar. As outras duas moedas ainda estão em discussão, porque não se sabe de sua viabilidade. A segunda moeda seria o euro - da União Européia -, e a terceira seria o yene japonês. A escolha dessas duas moedas ainda está “sub judice”, para ver se, de fato, terão capacidade de circulação internacional. Quero chamar atenção para as políticas que vêm sendo difundidas por essas agências multilaterias, que atuam no sentido de fragilizar e enfraquecer os sistemas financeiros nacionais. É importante dizer ainda que, a partir do segundo pós-guerra, praticamente todos os países de economia de mercado construíram sistemas financeiros nacionais com capacidade de fazer política monetária, estabelecer taxas de juros distintas, promover subsídios a determinados setores e de criar moedas nacionais que podiam ser controladas pelo Estado. Temos várias medidas para destruir esses mecanismos. Um deles se dá através das formas dos programas de estabilização monetária que tiveram curso nos anos 90, que são programas de dolarização das economias, de esvaziamento das moedas nacionais, desaparecimento dos Bancos nacionais e do sistema de crédito nacional. Há países que estão mais avançados nesse processo, como a Argentina, que tem paridade de sua moeda, que tem curso normal e tem apoiado a dolarização plena. Há casos intermediários, como o caso do Brasil, que estabeleceu a sua estabilidade monetária ancorada no dólar. Recentemente, rompemos parcialmente, a partir de janeiro. Todavia, já houve outras medidas complementares, como a possibilidade de abertura de contas em dólar pelas grandes empresas, para que operem no próprio sistema bancário brasileiro, conforme permitido pelo Banco Central. Grande parte da dívida pública brasileira está, hoje, sustentada pelo câmbio do dólar. Há um processo incurso de dolarização da nossa economia, que veio através da internacionalização dos nossos Bancos, devido à própria incapacidade de se fazer uma política monetária autônoma, que permitiria oferecermos taxas diferentes das atuais, proibitivas ao sistema produtivo nacional. Com a dolarização, o País não tem capacidade de fazer política monetária. E quem faz a política monetária é o Banco Central americano, e não mais o Banco Central brasileiro. Esse segundo suporte do tripé dá uma divisão internacional do trabalho diferente, porque, a partir desse novo programa, de existência de poucas moedas no mundo, os países perdem a capacidade de realizar políticas nacionais, políticas de favorecimento de setores produtivos nacionais. E o terceiro e último suporte desse tripé vem através da construção de um exército mundial, uma força armada mundial, com capacidade de impor as políticas estabelecidas a partir dos países mais ricos. Observamos, através da OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte, que a despeito de as Nações Unidas não terem definido se poderia haver a invasão, houve uma invasão da Iugoslávia, ou seja, há um exército formado, sobretudo, pelas forças militares dos países ricos, com capacidade de intervir em qualquer país, a qualquer momento. Ao mesmo tempo, os países que adotam o programa do Fundo Monetário Internacional, que arrocha, que reduz o gasto público, faz com que as forças armadas dos seus países praticamente desapareçam. A América Latina praticamente não tem mais exército nacional. Conversava, há pouco, com um especialista em aeronáutica, que dizia que um piloto de avião supersônico deve voar, em média, “x” horas para se manter atualizado, já que o avião de grande porte precisa de um piloto atualizado, preparado. Atualmente, devido ao arrocho no orçamento brasileiro, nem mesmo os pilotos brasileiros estão voando esse número de horas, necessários para manterem-se atualizados para pilotar aviões de grande porte. Há inequivocamente uma redução da capacidade de ter exércitos nacionais que defendam a soberania e sua transformação recorrente em exércitos, em forças de segurança urbana, forças verdes, de segurança do meio ambiente ou polícias do narcotráfico. Mas não há mais exércitos nacionais em defesa da soberania, como tínhamos no passado. Esse tipo de tripé sustenta uma divisão internacional do trabalho nefasta do ponto de vista dos países que não fazem parte do grupo de países ricos. Para complementar o que estou dizendo, temos uma característica marcante na evolução do emprego mundial. De um lado, percebemos que os bons empregos se concentram nos países ricos e os empregos precários concentram-se nos países pobres. Também o desemprego concentra-se nos países pobres. Encontramo-nos diante de um novo formato do sistema produtivo mundial. Estávamos acostumados à presença de empresas multinacionais que vinham para os países pobres, como vieram ao Brasil, e, ao se instalarem nesses países, procuravam adotar práticas comuns em seus países de origem. Por isso, percebíamos que, em geral, nas empresas estrangeiras, os salários eram maiores que os pagos nas empresas nacionais, e as condições de trabalho, melhores. Ocorre que esse é um padrão anterior de produção por intermédio dessas empresas. Estamos diante de uma modificação que permite, hoje, às grandes empresas internacionais operarem na forma de redes. O que é operação na forma de rede? Darei o exemplo da Nike, que, provavelmente, conhecem. É uma empresa que fabrica calçados, tênis. Ela concentra em torno de 100 mil trabalhadores no mundo todo e contrata, de fato, apenas 15 mil, que são os trabalhadores empregados nos Estados Unidos, responsáveis pela parte financeira da empresa, pela distribuição, comercialização, “marketing”, desenho do calçado, etc. E ela não produz nenhum calçado nos Estados Unidos, apenas subcontrata 85 mil trabalhadores nos países onde é possível produzir ao menor custo possível, muitas vezes utilizando trabalho escravo e trabalho infantil. Mas ela não contrata esses trabalhadores, contrata outra empresa, que vai ter o compromisso com a produção. Então, está havendo uma mudança. Não se trata mais de uma empresa estrangeira vir para cá e trazer tecnologia, gerar os melhores empregos. Está havendo uma mudança substancial no padrão de emprego e de produção nesse sistema econômico mundial. E, mais que isso, em relação ao desemprego, vou trabalhar com um dado que é uma medida de desemprego restrita, chamada desemprego aberto, isto é, a pessoa procurou um emprego, não realizou um trabalho nem mesmo durante uma hora ao longo da semana, não fez absolutamente nada, só procurou emprego. É um desempregado que procura emprego. De acordo com os dados oficiais da Organização Internacional do Trabalho - OIT -, o mundo tinha, em 1979, algo em torno de 45 milhões de trabalhadores desempregados. Desses 45 milhões, o G-7 - o grupo dos sete países mais ricos - era responsável por 32%; então, 1/3 do desemprego mundial era de responsabilidade dele. Em 1998, segundo a OIT, haveria no mundo 150 milhões de desempregados. Desses 150 milhões - mais de três vezes o número de 1979 -, os sete países mais ricos eram, agora, responsáveis por apenas 15%. E 85% do desemprego mundial era de responsabilidade dos países pobres. Então, o desemprego está aumentando no mundo e se concentrando nos países pobres. O desemprego, com o passar do tempo, não é mais problema dos países ricos. Essa é uma questão importante, de fundo, que diz respeito a essa concentração do trabalho que, de certa maneira, implica um desemprego maior para os países que aderem a essa ordem econômica conservadora. Mas, olhando um pouco para o Brasil, por que temos tanto desemprego? Temos tanto desemprego porque o País vive a mais grave crise econômica da sua história. Estamos completando, neste ano, a segunda década perdida. Aliás, a década de 90 é a pior do séc. XX. Nenhuma outra década, desde 1900, teve uma taxa de expansão da economia tão baixa como a que vimos ao longo da década de 90. Se a produção nacional cair 1% - é a estimativa para este ano -, a média da expansão da economia na década de 90 vai ser de 1,5%. Nenhuma outra década do século teve taxa de crescimento tão baixa como essa. Mesmo na década de 80, que foi também uma década perdida, a economia cresceu 2,6%. E estamos crescendo, nos anos 90, 1,5%. Ocorre que a população brasileira aumenta, em média, 1,3%, 1,4% ao ano. Isso significa que o País, do ponto de vista da renda nacional dividida pelo número de habitantes (renda “per capita”), está estagnado nas duas últimas décadas. A renda “per capita” dos brasileiros, em 1999, vai ser equivalente à de 1980. Nunca vimos uma realidade como essa. Entre 1890 e 1980, o Brasil esteve entre os países que mais cresceu no mundo. Poucos países cresceram tanto quanto o Brasil nesse período. A partir de 1980 e sobretudo de 1990, o Brasil se junta à Rússia, que vive um processo de desagregação social e produtiva. No Brasil, ainda não estamos vendo cair prédios, como na Rússia, mas o que está desmoronando é parte do sistema produtivo. A primeira tentativa de explicação para o fato de termos tanto desemprego é a de que o País não cresce. O País está paralisado. É uma grande locomotiva parada no tempo. Como se um exército ficasse marchando sempre no mesmo lugar. Se a economia de um país em que, a cada ano, 1.500.000 pessoas ingressam no mercado de trabalho não cresce, não é possível gerar emprego. Não há mágica. Essa é uma questão importante. Precisamos pensar no crescimento econômico. Sem crescimento, não há como pensar em emprego, lamentavelmente. A segunda razão, no caso do Brasil, tem a ver com o novo modelo econômico que vivemos desde 1990. O Brasil teve um modelo econômico entre 1930 e a década de 80, o qual se pautava pela defesa da produção e do emprego nacional. O Brasil foi um dos países mais bem-sucedidos do ponto de vista da industrialização. Nenhum país do mundo, da periferia do capitalismo, do grupo dos países pobres, conseguiu montar uma planta industrial tão complexa, diversificada e integrada como nós montamos até o final dos anos 70. Estou comparando o Brasil com o México, a Argentina, a Índia, a África do Sul, a China e os tigres asiáticos. Tínhamos um modelo que se voltava para o mercado interno, protegia a indústria nacional. Obviamente, isso criou alguns problemas, mas do ponto de vista econômico foi extremamente bem-sucedido, ainda que fôssemos capazes de montar um dos piores modelos de desenvolvimento social. O Brasil construiu o pior modelo de desigualdade de renda. Nenhum país tem um perfil de distribuição de renda tão ruim quanto o nosso. O bolo cresceu, mas ficou com poucos. Mas o seu crescimento, a despeito de sua concentração, foi favorável ao emprego. Entre 1940 e 1980, a cada dez empregos que o Brasil gerava, oito eram empregos assalariados, sendo sete com carteira assinada. Ao longo dos anos 90, a cada dez postos de trabalho gerados no Brasil, oito são não assalariados, são empregos de trabalho autônomo, por conta própria, em geral precários. Apenas dois são assalariados; porém, assalariados sem registro, sem carteira. Nosso modelo econômico é solidário com o desemprego. Mesmo o modelo sendo bem-sucedido do ponto de vista econômico, não traz efeitos positivos para o emprego. Tomamos como exemplo o período em que esse modelo teve sucesso, 1993 a 1997, período em que foi possível haver algum crescimento econômico - o País cresceu 23% acumuladamente nesse período -, até a estabilidade monetária a partir de julho de 1994. Pois bem, nesse período, não houve expansão positiva do emprego assalariado. Houve uma queda de 800 mil postos de trabalho. Foi a primeira vez na história em que se aumentou a produção sem efeito no emprego. As taxas de desemprego, que decresceram entre 1993 e 1994, voltaram a crescer em 1995, 1996 e 1997, de tal forma que permaneceram estabilizadas na média do período. Por que, apesar de crescer 23%, não se geraram empregos? Não se geraram empregos porque o motor dessa expansão foi dado pelo chamado setor de bens de consumo durável, eletroeletrônica, televisores, CDs, entre outros e a indústria automobilística. Esse setor de bens de consumo durável cresceu 60% nesse período, mas seu crescimento foi fundado em importação. Produziu-se mais, mas produziu-se comprando de fora. Dobrou-se a produção de automóvel; porém os componentes desses automóveis, em grande parte, vieram de fora. Então, em vez de se gerarem empregos no Brasil, geramos empregos na Argentina, nos Estados Unidos, nos tigres asiáticos. A indústria brasileira “exportou” 1.240.000 empregos industriais. Eram empregos que existiam aqui e deixaram de existir porque as importações vieram. Então, não há possibilidade, com esse modelo econômico, de enfrentarmos a questão do desemprego. Mais que isso: não há possibilidade de esse modelo econômico crescer 6% ou 7% ao ano, que é uma exigência de um país que tem uma população tão grande como a nossa. Estamos vivendo uma armadilha de crescimento. O que ocorrerá se, por hipótese, o Brasil crescer os 4% que o Presidente anunciou que crescerá no ano que vem, já que, com o atual modelo econômico, as empresas, para produzir mais, precisam comprar produtos de fora? Para aumentar a produção em 4%, vamos ter que importar mais produtos. Se importarmos mais produtos, o que vai ocorrer? Como nossas exportações não estão reagindo, então, vamos ter uma diferença entre o que compramos de fora e o que vendemos para o exterior. Haverá um déficit na balança comercial. Quando compramos mais do que vendemos, o que ocorre? Há um déficit, que tem que ser financiado. Para se financiar esse déficit, o Governo brasileiro emite dinheiro como mecanismo de atração, melhor dizendo, se endivida atraindo dólares do exterior, ou eleva a taxa de juros interna para atrair mais capital para cá, que é o que se tem feito, sobretudo, de 1992 e de 1993 para cá. Quando se eleva a taxa de juros, inibe-se o investimento produtivo e, conseqüentemente, desaquece-se o crescimento. Não há a possibilidade de crescimento. Então, o desemprego, lamentavelmente, veio para ficar. Um milhão e meio de pessoas entram no mercado de trabalho todos os anos, e temos um número absurdo de desempregados, do qual não temos conhecimento. É, no mínimo, acima de 6 milhões. Diante disso, esse modelo se torna ineficaz. Minha participação já está se encerrando e gostaria de, nestes últimos minutos, falar um pouco sobre as alternativas para essa situação. Não tenho dúvida em afirmar que, do ponto de vista técnico, sou otimista, porque o Brasil talvez seja um dos poucos países no mundo que reúna as melhores condições para enfrentar a situação do desemprego. Do ponto de vista técnico, inexoravelmente, isso é verdadeiro. Em primeiro lugar, estamos falando de um País em construção, de um País que está completando 500 anos. Quem teve a oportunidade de conhecer ou estudar um país desenvolvido sabe que, ali tudo está pronto, todos têm casa, educação, hospital. Essa não é a realidade brasileira. Aqui falta tudo. Temos um déficit habitacional estimado em 7 milhões de moradias. Imaginemos aqui um plano nacional de habitação popular que ousasse construir 7 milhões de moradias. Que efeito fantástico teria o Brasil do ponto de vista da cidadania, do ponto de vista da criação de emprego! A construção civil gera enormes oportunidades para empregos, inclusive para os chamados “inimpregáveis”, aqueles analfabetos entre outros. O Brasil tem espaço, é um País jovem, tem tudo por fazer, é um País em construção. Mais do que isso: o País não fez três reformas clássicas; aquelas que os países desenvolvidos fizeram. Sem essas reformas, é impossível pensar num país de primeiro mundo, num país desenvolvido. Quais são essas reformas clássicas? O Brasil não fez, por exemplo, a reforma agrária. Todos os países desenvolvidos fizeram a reforma agrária no século XIX ou no século XX, como foi o caso do Japão e da Itália, no pós-guerra. O fato de não termos feito a reforma agrária fez com que criássemos, no Brasil, um dos mais flexíveis mercados de trabalho do mundo; isso porque temos um mercado de trabalho abundante em mão-de-obra. Temos 76.500.000 de pessoas que fazem parte da força de trabalho nacional. Desses 76.500.000, apenas 22.300.000 têm carteira assinada. Tem carteira assinada e alguma proteção social e trabalhista apenas 1/3, e os 2/3 restantes estão de fora. Não têm nenhum direito, não têm 13º salário, não têm férias, não têm descanso semanal remunerado. Dos 22.300.000 que têm direitos trabalhistas, 8.000.000 são demitidos a cada ano. Se compararmos o número de demitidos com o de empregados, constataremos uma taxa de demissão de 40%, enquanto, nos Estados Unidos, essa taxa é de 20%, e os desempregados, ainda assim, são reverenciados com o mercado de trabalho flexível. Apesar de tudo isso, todos os dias, somos bombardeados por informações de especialistas, dizendo que aqui o trabalho de mercado é muito rígido e que as leis trabalhistas são cumpridas. Lamentavelmente, fazem isso por ignorância ou por má-fé, porque a realidade não nos permite afirmar tal coisa. O fato de a reforma agrária não ter sido feita no tempo certo fez com que 100 milhões de pessoas saíssem do campo e viessem para a cidade sem nenhum preparo, sem nenhuma qualificação. A reforma agrária ainda é importante nos dias de hoje, porque temos um trabalhador na cidade para cinco no campo. São 30 milhões de pessoas no campo, que, inexoravelmente, vão continuar vindo para a cidade, se não houver alteração na estrutura fundiária de crédito e de técnicas. A segunda reforma é a tributária, mas não essa que está sendo discutida no momento. A reforma tributária que este País nunca fez é aquela que estabelece uma estrutura tributária progressiva, em que os que ganham mais pagam mais. No Brasil, temos justamente o contrário: quem ganha mais paga menos imposto, aliás, quem paga imposto no Brasil são os pobres. Por quê? Porque a maior parte dos impostos são diretos, vêm embutidos no preço dos produtos, e nem sabemos quanto é. O rico compra um quilo de feijão e paga o mesmo imposto que o pobre. Isso faz com que alguém que ganha 100 salários mínimos, no Brasil, pague 16% de impostos, enquanto quem ganha um salário mínimo paga 32%. Com a estrutura tributária regressiva, ajudamos a consolidar um processo de concentração de renda cada vez mais perverso. A reforma tributária que viesse para melhorar a distribuição da renda teria um efeito fantástico na geração de empregos, não só porque, com uma maior distribuição de renda, mais consumidores haveria no País, mas também pelo fato de que as pessoas de baixa renda poderiam usufruir dos chamados empregos de serviços pessoais, que são os empregos que os pobres não usam; como restaurantes (almoços e jantares fora de casa), teatro, lazer, serviços de cabeleireiro, de eletricista, de encanador e outros. No Brasil, os serviços pessoais representam 14% da ocupação, enquanto, nos Estados Unidos, representam 28%. Há um espaço enorme entre nós para a criação de serviços pessoais, mas só se houver maior distribuição de renda. Para isso é preciso que se faça a reforma tributária: aquela que onera os que têm recursos. A terceira reforma em que precisamos pensar é a social. Não atingimos ainda, no final do século XX, um estágio de bem-estar social. Não temos educação, saúde, transportes, não temos habitação de boa qualidade para todos. Os países que conseguiram ter um quase-pleno emprego durante o pós-guerra foram os que expandiram o gasto público. De cada dez empregos novos, seis foram gerados pelo gasto público. E nós, no entanto, vivemos um quadro de redução do gasto público. No ano passado, o Brasil gastou R$72.000.000.000,00 com pagamento do serviço da dívida interna. Neste ano, deve gastar algo como R$120.000.000.000,00. No ano passado, gastou R$21.000.000.000,00 com a saúde. Neste ano, deve gastar em torno de R$19.000.000.000,00. Vejam: reduziu-se R$1.000.000.000,00 em gastos com a saúde, e aumentaram-se os juros do serviço da dívida. Obviamente, não há espaço para expandir o gasto público na educação, na saúde e nos transportes, que são áreas demandantes de empregos. Há, portanto, alternativas. A questão de fundo é como fazer essas reformas no regime democrático do Brasil. O que estou dizendo para os senhores não representa nenhuma novidade, nenhum ovo de Colombo. Na verdade, o que estou dizendo agora refere-se às reformas que se discutiam no início dos anos 60, a chamada reforma de base. Quem teve a oportunidade de ler Celso Furtado e Caio Prado Júnior perceberá perfeitamente que estou apenas repetindo o que diziam. Este País tem saída, tem solução? Depende das reformas que viermos a fazer. O Brasil tem tudo para vencer. Tem um mercado consumidor fantástico, mas prefere se integrar internacionalmente e valorizar o produto internacional em detrimento do produto brasileiro. Essa é, de fato, uma possibilidade inexeqüível dos brasileiros de hoje, neste final de século. É como aquela história ocorrida em uma vila oriental, em que morava um sábio que tinha resposta para tudo. Certa vez, alguém resolveu questioná-lo da seguinte forma: marcaria uma audiência, levando um passarinho escondido em suas mãos, e lhe perguntaria o que carregava. Como já imaginava que o sábio possivelmente saberia, faria a segunda pergunta, que era se o passarinho estava vivo ou morto. Se o sábio dissesse que estava morto, mostraria que estava vivo; se o sábio dissesse que estava vivo, esmagaria o passarinho e o mostraria morto. Assim, quando chegou à audiência, perguntou-lhe: “O senhor, que tem resposta para tudo, poderia dizer o que tenho escondido em minhas mãos?” O sábio pensou e respondeu: “Olha, você tem um passarinho nas mãos”. E ele retrucou: “O senhor, de fato, acertou. Mas esse pássaro está vivo ou morto?” O sábio pensou e respondeu- lhe: “Esse pássaro está em suas mãos”. Dessa mesma forma, a questão do emprego está em nossas mãos. Depende apenas de a sociedade reagir. Está comprovado, no século XX, que quando a sociedade reage de forma organizada, em defesa de um projeto nacional de desenvolvimento que se sustente, que priorize o emprego, é possível gerar mais empregos. No entanto, o que percebemos atualmente é uma sociedade que reage de forma individualizada à violência urbana, às drogas, a esse quadro de insegurança e até de ingovernabilidade. Portanto, formas como essas são absolutamente fundamentais numa sociedade que quer ser democrática e quer encontrar o emprego. E ele virá se todos fizermos a nossa parte. Muito obrigado. (- Palmas.)