MÁRCIO POCHMANN, Professor da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP.
Discurso
Comenta o tema: "Trabalho e Desemprego no Brasil e no Mundo".
Reunião
30ª reunião ESPECIAL
Legislatura 14ª legislatura, 1ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 16/10/1999
Página 22, Coluna 3
Evento Seminário Legislativo: "Desemprego e Direito ao Trabalho".
Assunto TRABALHO.
Observação Participantes dos debates: Gilson Resi, Wagner Pessoa, Eglé Luzia Scarioli Gomide, Amarildo José dos Santos, Henrique Badaró, Chafith Felipe, Frranklin Moreira Gonçalves, Almeida Calixto, Weber Pereira, José Rodrigues.
Legislatura 14ª legislatura, 1ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 16/10/1999
Página 22, Coluna 3
Evento Seminário Legislativo: "Desemprego e Direito ao Trabalho".
Assunto TRABALHO.
Observação Participantes dos debates: Gilson Resi, Wagner Pessoa, Eglé Luzia Scarioli Gomide, Amarildo José dos Santos, Henrique Badaró, Chafith Felipe, Frranklin Moreira Gonçalves, Almeida Calixto, Weber Pereira, José Rodrigues.
30ª REUNIÃO ESPECIAL DA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 14ª
LEGISLATURA, EM 27/9/1999
Palavras do Sr. Márcio Pochmann
Boa noite a todos. Gostaria de cumprimentar a Mesa, na pessoa do
Presidente da Assembléia, Deputado Anderson Adauto, do Vice-
Presidente, Deputado Durval Ângelo, e do Presidente da Comissão do
Trabalho, da Previdência e da Ação Social, Deputado Ivo José, que,
junto com um conjunto expressivo de instituições deste Estado,
conseguiu, com êxito significativo, discutir esse tema que traz
tantas conseqüências sociais e econômicas negativas no final do
século, sobretudo para o Brasil. Agradeço o convite. Para mim é
uma satisfação e um prazer estar novamente nesta Casa. A questão
do desemprego encontrou um foco importante neste Estado, que é
exatamente a Casa do povo, porque, não tenho dúvida, o desemprego
tende a definir, cada vez mais, o processo político brasileiro.
Não sou cientista político, mas, olhando as experiências
internacionais, como a eleição de Clinton nos EUA, a eleição na
Alemanha, a francesa, a inglesa e até a espanhola, vemos que os
programas voltados para o enfrentamento do desemprego as
definiram, tanto para a Presidência quanto para o Legislativo.
Tivemos, ano passado, a meu juízo, um debate frágil sobre o
desemprego. Mas, pela primeira vez na história deste País, essa
discussão assumiu propostas de caráter nacional. Foi um debate
vazio, a meu juízo, porque, se chegássemos a somar todas as vagas
que, em campanha, vários candidatos disseram que criariam, hoje
não estaríamos discutindo o desemprego, mas o pleno emprego.
Muitas foram as promessas de emprego, mas, lamentavelmente, o
quadro não é esse. Imagino que as eleições para Prefeito, no
próximo ano, e a demais que vierem tenderão a ter o tema do
emprego como centro dos debates.
E tudo porque, no meu juízo, o desemprego transformou-se em um
fenômeno que veio para ficar no Brasil, lamentavelmente. Ele não é
apenas expressivo. Nunca tivemos tantos desempregados como
atualmente. Essa é a maior crise de emprego na história de nosso
País. Se compararmos o número de desempregados existente com o de
qualquer outro período, seja ele o da recessão de 1990 a 1992,
durante o Governo Collor; o da recessão de 1981 a 1983, durante o
Governo Figueiredo; o da depressão econômica de 1929 a 1932; ou
mesmo o da transição do trabalho escravo para o trabalho
assalariado, no final do século XIX, veremos que nunca tivemos
tantos desempregados como atualmente, embora eu lamente por nem
mesmo ter o número de desempregados no País, já que o Brasil é
carente de pesquisas adequadas, do ponto de vista nacional, a esse
respeito. Há apenas um órgão que faz o levantamento nacional: o
IBGE, através da pesquisa nacional por amostra domiciliar, feita
geralmente no mês de setembro de cada ano. O último dado é de
1997, e o número gira em torno de 5.800.000 pessoas desempregadas.
Não encontramos um número paralelo em qualquer outro período
histórico, e não tenho dúvidas em dizer-lhes que o número de
desempregados é muito maior ainda, pois temos, nessa pesquisa e em
outras feitas pelo IBGE para a apuração do desemprego, uma
limitação metodológica muito grande. Não abusarei do tempo falando
a respeito de metodologia das pesquisas do desemprego, mesmo
porque esse é um assunto muito chato e não nos interessa no
momento. Uma demonstração clara da insuficiência desse tipo de
metodologia aplicada no Brasil é o fato de uma pessoa que estando
desempregada e não tendo procurado emprego ser considerada
inativa, ao invés de desempregada, pelo IBGE. Todos sabemos que a
procura por empregos, em geral, implica custos, pois a pessoa tem
que comprar um jornal, tomar um ônibus, mandar um currículo, etc.,
ou seja, há custos, e nem sempre os desempregados dispõem do
mínimo necessário para fazer uma busca; entretanto, o IBGE
considera essa pessoa inativa, e não desempregada. Além disso, se
a pessoa estiver desempregada, procurando um emprego, mas lavar um
automóvel, durante 1 hora, considerando-se toda a semana da
pesquisa, para o IBGE isso é uma ocupação. Se a pessoa se declara
autônoma, isso é sinônimo de ocupação, ou seja, se for um vendedor
de livros e tiver passado todo o mês sem vender qualquer livro,
isso não interessa ao IBGE, que a considera ocupada. Há
inequívocos problemas de mensuração do desemprego. A pesquisa mais
adequada metodologicamente deveria ser feita pelo DIEESE, pela
Fundação CEAD e por outras instituições regionais, pois seria mais
fiel à realidade brasileira.
Mas, continuando na minha linha de raciocínio a respeito do
volume de desemprego, diria que é muito expressivo. Mais do que
destacar isso, é necessário também fazer constatar que tivemos uma
mudança substancial no perfil do desempregado. Até o final dos
anos 80, o desemprego era um fenômeno relativamente homogêneo,
sendo os desempregados, geralmente, indivíduos analfabetos, de
baixa escolaridade, sem experiência profissional, com, no máximo,
experiência no chão de fábrica. Analisando essas estatísticas,
verificávamos claramente que o desemprego era um fenômeno
circunscrito a mulheres, jovens e negros. Quando olhamos as
estatísticas dos anos 90 a esse respeito, percebemos uma mudança
substancial, porque, hoje, podemos dizer que não há segmento
social imune ao desemprego, que atinge, quase que indistintamente,
praticamente todos os segmentos sociais. Ao contrário do que vem
sendo dito, o desemprego tem crescido mais para as pessoas com
mais de 40 anos, com maior escolaridade e maior experiência
profissional.
Para se ter uma idéia, ao longo dos anos 90, houve um aumento
muito rápido do número de pessoas, com mais de 11 anos de
escolaridade; o que significa, no Brasil, a estar no 3º grau.
Essa, certamente, é a razão de o desemprego ter-se tornado um tema
debatido por toda a sociedade, não ficando mais circunscrito a
segmentos específicos da sociedade brasileira. O desemprego jamais
atingiu as classes média e alta da sociedade brasileira, como tem
acontecido neste momento. Por conta disso, tornou-se um produto
comercializado. Há espaço nos jornais, nas revistas de grande
tiragem, porque é um produto que as pessoas procuram comprar e
conhecer.
Lamentavelmente, devo dizer a você, que o debate que travamos no
Brasil é um debate pouco esclarecedor. É como se olhássemos um rio
de águas turvas. É impossível identificar as causas do desemprego,
as conseqüências do desemprego. Portanto, no tempo que tenho, vou
tentar hierarquizar aquelas que seriam as principais causas desse
problema no Brasil, e as possíveis soluções para a questão. O
desemprego tem inúmeras causas, mas é importante que façamos aqui
uma reflexão sobre as mais importantes porque, se houvesse uma
atuação centrada, haveria uma reversão no desemprego.
Se fizéssemos uma breve avaliação, poderíamos pensar que o
desemprego é um problema que todo país tem; é um problema mundial.
Ao utilizarmos esse tipo de argumento, entretanto, estaríamos, de
certa forma, diminuindo a responsabilidade da sociedade
brasileira, de suas instituições e autoridades, pela geração de
desemprego. Estaríamos dizendo: “Desemprego é um problema mundial,
não há muito o que fazer. É um produto da globalização”. Não é
dessa forma que deveria ser identificado porque, quando olhamos o
mundo, percebemos que há países em que o desemprego praticamente
inexiste. Há outros países onde o desemprego é expressivo e vem
aumentando. É importante destacar que há, pelo menos, três fatores
que fazem com que o desemprego, no Brasil, tenha vindo, de fato,
para ficar. Não há soluções de curto prazo para enfrentá-lo; é
necessário que haja uma profunda mudança nas prioridades
nacionais. O primeiro fator que mencionei refere-se às profundas
transformações na ordem econômica mundial, neste final de século.
Estamos diante de uma ordem econômica mundial extremamente
conservadora, uma ordem econômica que se encontra sustentada em um
padrão de acumulação financeira, isto é, o movimento do
desenvolvimento internacional é dado pelos mecanismos de
valorização financeira do capital. Obtém-se muito mais recursos
valorizando-se o capital, aplicando-se de forma financeira e não
produtiva. Por conta disso, tem-se verificado taxas de expansão da
produção mundial muito reduzidas. Mesmo os países desenvolvidos
vêm apresentando taxas de expansão muito pequenas, aquém daquelas
que apresentavam durante os anos 60 e 70. Uma economia como a
japonesa, por exemplo, que, entre 1960 e 1973, crescia a uma taxa
média anual de 7% a 8%, vem crescendo apenas 1% ao ano, ao longo
dos anos 90. Essa ordem econômica é conservadora, é prisioneira
dos interesses financeiros, e mais do que isso, ao se imporem
taxas de expansão econômica muito baixas, parte do fruto do
desenvolvimento fica concentrado em poucas nações. Poucas nações
no mundo absorvem os efeitos produtivos desse crescimento
econômico.
Fundamentalmente, são os Estados Unidos a principal nação a
absorver os melhores resultados da economia mundial.
Essa é uma ordem econômica contrária ao emprego. Mais que isso,
essa nova ordem econômica mundial está impondo uma divisão
internacional do trabalho bastante distinta daquela que
conhecíamos depois do segundo pós-guerra. Estamos diante de uma
nova divisão internacional do trabalho, que se sustenta em um
tripé bastante importante - e vou tentar demonstrar isso de modo
sintético. O primeiro eixo do tripé que fundamenta essa divisão
internacional do trabalho se dá sobretudo pela onda de inovação
tecnológica a que estamos assistindo ultimamente. Esse primeiro
tripé é produzido fundamentalmente por cerca de 400 grandes
corporações transnacionais, que são responsáveis pela geração,
produção e difusão de novas tecnologias. Cerca de 80% dos
investimentos em inovações tecnológicas são feitos apenas por
essas 400 grandes corporações transnacionais, que têm suas sedes
nos países mais ricos, no chamado G-7: Estados Unidos, Alemanha,
Japão, França, Itália, Inglaterra e Canadá. Os países que têm
condições de gerarem os melhores postos de trabalho são aqueles
que têm capacidade de produzir e difundir tecnologicamente. Esse é
o primeiro aspecto importante e que já coloca do outro lado do
cenário países que estão sem essa capacidade de produzir e
difundir tecnologia.
O segundo eixo do tripé que sustenta essa nova divisão do
trabalho no mundo refere-se ao papel que as agências multilaterais
internacionais vêm promovendo com objetivo de destruir os sistemas
financeiros nacionais a fim de, basicamente, estabelecer três
grandes moedas de curso mundial. Isto é, há um movimento defendido
pelo Banco Mundial, pelo Fundo Monetário Internacional e pela
Organização do Comércio de estabelecer praticamente três grandes
moedas de curso internacional. É basicamente o dólar. As outras
duas moedas ainda estão em discussão, porque não se sabe de sua
viabilidade. A segunda moeda seria o euro - da União Européia -, e
a terceira seria o yene japonês. A escolha dessas duas moedas
ainda está “sub judice”, para ver se, de fato, terão capacidade de
circulação internacional.
Quero chamar atenção para as políticas que vêm sendo difundidas
por essas agências multilaterias, que atuam no sentido de
fragilizar e enfraquecer os sistemas financeiros nacionais. É
importante dizer ainda que, a partir do segundo pós-guerra,
praticamente todos os países de economia de mercado construíram
sistemas financeiros nacionais com capacidade de fazer política
monetária, estabelecer taxas de juros distintas, promover
subsídios a determinados setores e de criar moedas nacionais que
podiam ser controladas pelo Estado.
Temos várias medidas para destruir esses mecanismos. Um deles se
dá através das formas dos programas de estabilização monetária que
tiveram curso nos anos 90, que são programas de dolarização das
economias, de esvaziamento das moedas nacionais, desaparecimento
dos Bancos nacionais e do sistema de crédito nacional. Há países
que estão mais avançados nesse processo, como a Argentina, que tem
paridade de sua moeda, que tem curso normal e tem apoiado a
dolarização plena.
Há casos intermediários, como o caso do Brasil, que estabeleceu a
sua estabilidade monetária ancorada no dólar. Recentemente,
rompemos parcialmente, a partir de janeiro. Todavia, já houve
outras medidas complementares, como a possibilidade de abertura de
contas em dólar pelas grandes empresas, para que operem no próprio
sistema bancário brasileiro, conforme permitido pelo Banco
Central.
Grande parte da dívida pública brasileira está, hoje, sustentada
pelo câmbio do dólar. Há um processo incurso de dolarização da
nossa economia, que veio através da internacionalização dos nossos
Bancos, devido à própria incapacidade de se fazer uma política
monetária autônoma, que permitiria oferecermos taxas diferentes
das atuais, proibitivas ao sistema produtivo nacional. Com a
dolarização, o País não tem capacidade de fazer política
monetária. E quem faz a política monetária é o Banco Central
americano, e não mais o Banco Central brasileiro. Esse segundo
suporte do tripé dá uma divisão internacional do trabalho
diferente, porque, a partir desse novo programa, de existência de
poucas moedas no mundo, os países perdem a capacidade de realizar
políticas nacionais, políticas de favorecimento de setores
produtivos nacionais. E o terceiro e último suporte desse tripé
vem através da construção de um exército mundial, uma força armada
mundial, com capacidade de impor as políticas estabelecidas a
partir dos países mais ricos. Observamos, através da OTAN -
Organização do Tratado do Atlântico Norte, que a despeito de as
Nações Unidas não terem definido se poderia haver a invasão, houve
uma invasão da Iugoslávia, ou seja, há um exército formado,
sobretudo, pelas forças militares dos países ricos, com capacidade
de intervir em qualquer país, a qualquer momento. Ao mesmo tempo,
os países que adotam o programa do Fundo Monetário Internacional,
que arrocha, que reduz o gasto público, faz com que as forças
armadas dos seus países praticamente desapareçam. A América Latina
praticamente não tem mais exército nacional. Conversava, há pouco,
com um especialista em aeronáutica, que dizia que um piloto de
avião supersônico deve voar, em média, “x” horas para se manter
atualizado, já que o avião de grande porte precisa de um piloto
atualizado, preparado. Atualmente, devido ao arrocho no orçamento
brasileiro, nem mesmo os pilotos brasileiros estão voando esse
número de horas, necessários para manterem-se atualizados para
pilotar aviões de grande porte. Há inequivocamente uma redução da
capacidade de ter exércitos nacionais que defendam a soberania e
sua transformação recorrente em exércitos, em forças de segurança
urbana, forças verdes, de segurança do meio ambiente ou polícias
do narcotráfico. Mas não há mais exércitos nacionais em defesa da
soberania, como tínhamos no passado. Esse tipo de tripé sustenta
uma divisão internacional do trabalho nefasta do ponto de vista
dos países que não fazem parte do grupo de países ricos. Para
complementar o que estou dizendo, temos uma característica
marcante na evolução do emprego mundial. De um lado, percebemos
que os bons empregos se concentram nos países ricos e os empregos
precários concentram-se nos países pobres. Também o desemprego
concentra-se nos países pobres. Encontramo-nos diante de um novo
formato do sistema produtivo mundial. Estávamos acostumados à
presença de empresas multinacionais que vinham para os países
pobres, como vieram ao Brasil, e, ao se instalarem nesses países,
procuravam adotar práticas comuns em seus países de origem. Por
isso, percebíamos que, em geral, nas empresas estrangeiras, os
salários eram maiores que os pagos nas empresas nacionais, e as
condições de trabalho, melhores. Ocorre que esse é um padrão
anterior de produção por intermédio dessas empresas. Estamos
diante de uma modificação que permite, hoje, às grandes empresas
internacionais operarem na forma de redes. O que é operação na
forma de rede? Darei o exemplo da Nike, que, provavelmente,
conhecem. É uma empresa que fabrica calçados, tênis. Ela concentra
em torno de 100 mil trabalhadores no mundo todo e contrata, de
fato, apenas 15 mil, que são os trabalhadores empregados nos
Estados Unidos, responsáveis pela parte financeira da empresa,
pela distribuição, comercialização, “marketing”, desenho do
calçado, etc. E ela não produz nenhum calçado nos Estados Unidos,
apenas subcontrata 85 mil trabalhadores nos países onde é possível
produzir ao menor custo possível, muitas vezes utilizando trabalho
escravo e trabalho infantil. Mas ela não contrata esses
trabalhadores, contrata outra empresa, que vai ter o compromisso
com a produção. Então, está havendo uma mudança. Não se trata mais
de uma empresa estrangeira vir para cá e trazer tecnologia, gerar
os melhores empregos. Está havendo uma mudança substancial no
padrão de emprego e de produção nesse sistema econômico mundial.
E, mais que isso, em relação ao desemprego, vou trabalhar com um
dado que é uma medida de desemprego restrita, chamada desemprego
aberto, isto é, a pessoa procurou um emprego, não realizou um
trabalho nem mesmo durante uma hora ao longo da semana, não fez
absolutamente nada, só procurou emprego. É um desempregado que
procura emprego. De acordo com os dados oficiais da Organização
Internacional do Trabalho - OIT -, o mundo tinha, em 1979, algo em
torno de 45 milhões de trabalhadores desempregados. Desses 45
milhões, o G-7 - o grupo dos sete países mais ricos - era
responsável por 32%; então, 1/3 do desemprego mundial era de
responsabilidade dele. Em 1998, segundo a OIT, haveria no mundo
150 milhões de desempregados. Desses 150 milhões - mais de três
vezes o número de 1979 -, os sete países mais ricos eram, agora,
responsáveis por apenas 15%. E 85% do desemprego mundial era de
responsabilidade dos países pobres. Então, o desemprego está
aumentando no mundo e se concentrando nos países pobres.
O desemprego, com o passar do tempo, não é mais problema dos
países ricos. Essa é uma questão importante, de fundo, que diz
respeito a essa concentração do trabalho que, de certa maneira,
implica um desemprego maior para os países que aderem a essa ordem
econômica conservadora. Mas, olhando um pouco para o Brasil, por
que temos tanto desemprego? Temos tanto desemprego porque o País
vive a mais grave crise econômica da sua história. Estamos
completando, neste ano, a segunda década perdida. Aliás, a década
de 90 é a pior do séc. XX. Nenhuma outra década, desde 1900, teve
uma taxa de expansão da economia tão baixa como a que vimos ao
longo da década de 90. Se a produção nacional cair 1% - é a
estimativa para este ano -, a média da expansão da economia na
década de 90 vai ser de 1,5%. Nenhuma outra década do século teve
taxa de crescimento tão baixa como essa. Mesmo na década de 80,
que foi também uma década perdida, a economia cresceu 2,6%. E
estamos crescendo, nos anos 90, 1,5%. Ocorre que a população
brasileira aumenta, em média, 1,3%, 1,4% ao ano. Isso significa
que o País, do ponto de vista da renda nacional dividida pelo
número de habitantes (renda “per capita”), está estagnado nas duas
últimas décadas. A renda “per capita” dos brasileiros, em 1999,
vai ser equivalente à de 1980. Nunca vimos uma realidade como
essa. Entre 1890 e 1980, o Brasil esteve entre os países que mais
cresceu no mundo. Poucos países cresceram tanto quanto o Brasil
nesse período. A partir de 1980 e sobretudo de 1990, o Brasil se
junta à Rússia, que vive um processo de desagregação social e
produtiva.
No Brasil, ainda não estamos vendo cair prédios, como na Rússia,
mas o que está desmoronando é parte do sistema produtivo. A
primeira tentativa de explicação para o fato de termos tanto
desemprego é a de que o País não cresce. O País está paralisado. É
uma grande locomotiva parada no tempo. Como se um exército ficasse
marchando sempre no mesmo lugar.
Se a economia de um país em que, a cada ano, 1.500.000 pessoas
ingressam no mercado de trabalho não cresce, não é possível gerar
emprego. Não há mágica. Essa é uma questão importante. Precisamos
pensar no crescimento econômico. Sem crescimento, não há como
pensar em emprego, lamentavelmente.
A segunda razão, no caso do Brasil, tem a ver com o novo modelo
econômico que vivemos desde 1990. O Brasil teve um modelo
econômico entre 1930 e a década de 80, o qual se pautava pela
defesa da produção e do emprego nacional. O Brasil foi um dos
países mais bem-sucedidos do ponto de vista da industrialização.
Nenhum país do mundo, da periferia do capitalismo, do grupo dos
países pobres, conseguiu montar uma planta industrial tão
complexa, diversificada e integrada como nós montamos até o final
dos anos 70. Estou comparando o Brasil com o México, a Argentina,
a Índia, a África do Sul, a China e os tigres asiáticos. Tínhamos
um modelo que se voltava para o mercado interno, protegia a
indústria nacional. Obviamente, isso criou alguns problemas, mas
do ponto de vista econômico foi extremamente bem-sucedido, ainda
que fôssemos capazes de montar um dos piores modelos de
desenvolvimento social. O Brasil construiu o pior modelo de
desigualdade de renda. Nenhum país tem um perfil de distribuição
de renda tão ruim quanto o nosso. O bolo cresceu, mas ficou com
poucos. Mas o seu crescimento, a despeito de sua concentração, foi
favorável ao emprego. Entre 1940 e 1980, a cada dez empregos que o
Brasil gerava, oito eram empregos assalariados, sendo sete com
carteira assinada.
Ao longo dos anos 90, a cada dez postos de trabalho gerados no
Brasil, oito são não assalariados, são empregos de trabalho
autônomo, por conta própria, em geral precários. Apenas dois são
assalariados; porém, assalariados sem registro, sem carteira.
Nosso modelo econômico é solidário com o desemprego. Mesmo o
modelo sendo bem-sucedido do ponto de vista econômico, não traz
efeitos positivos para o emprego. Tomamos como exemplo o período
em que esse modelo teve sucesso, 1993 a 1997, período em que foi
possível haver algum crescimento econômico - o País cresceu 23%
acumuladamente nesse período -, até a estabilidade monetária a
partir de julho de 1994. Pois bem, nesse período, não houve
expansão positiva do emprego assalariado. Houve uma queda de 800
mil postos de trabalho. Foi a primeira vez na história em que se
aumentou a produção sem efeito no emprego. As taxas de desemprego,
que decresceram entre 1993 e 1994, voltaram a crescer em 1995,
1996 e 1997, de tal forma que permaneceram estabilizadas na média
do período.
Por que, apesar de crescer 23%, não se geraram empregos? Não se
geraram empregos porque o motor dessa expansão foi dado pelo
chamado setor de bens de consumo durável, eletroeletrônica,
televisores, CDs, entre outros e a indústria automobilística.
Esse setor de bens de consumo durável cresceu 60% nesse período,
mas seu crescimento foi fundado em importação. Produziu-se mais,
mas produziu-se comprando de fora. Dobrou-se a produção de
automóvel; porém os componentes desses automóveis, em grande
parte, vieram de fora.
Então, em vez de se gerarem empregos no Brasil, geramos empregos
na Argentina, nos Estados Unidos, nos tigres asiáticos. A
indústria brasileira “exportou” 1.240.000 empregos industriais.
Eram empregos que existiam aqui e deixaram de existir porque as
importações vieram. Então, não há possibilidade, com esse modelo
econômico, de enfrentarmos a questão do desemprego. Mais que isso:
não há possibilidade de esse modelo econômico crescer 6% ou 7% ao
ano, que é uma exigência de um país que tem uma população tão
grande como a nossa. Estamos vivendo uma armadilha de crescimento.
O que ocorrerá se, por hipótese, o Brasil crescer os 4% que o
Presidente anunciou que crescerá no ano que vem, já que, com o
atual modelo econômico, as empresas, para produzir mais, precisam
comprar produtos de fora? Para aumentar a produção em 4%, vamos
ter que importar mais produtos. Se importarmos mais produtos, o
que vai ocorrer? Como nossas exportações não estão reagindo,
então, vamos ter uma diferença entre o que compramos de fora e o
que vendemos para o exterior. Haverá um déficit na balança
comercial. Quando compramos mais do que vendemos, o que ocorre? Há
um déficit, que tem que ser financiado. Para se financiar esse
déficit, o Governo brasileiro emite dinheiro como mecanismo de
atração, melhor dizendo, se endivida atraindo dólares do exterior,
ou eleva a taxa de juros interna para atrair mais capital para cá,
que é o que se tem feito, sobretudo, de 1992 e de 1993 para cá.
Quando se eleva a taxa de juros, inibe-se o investimento produtivo
e, conseqüentemente, desaquece-se o crescimento. Não há a
possibilidade de crescimento. Então, o desemprego,
lamentavelmente, veio para ficar. Um milhão e meio de pessoas
entram no mercado de trabalho todos os anos, e temos um número
absurdo de desempregados, do qual não temos conhecimento. É, no
mínimo, acima de 6 milhões. Diante disso, esse modelo se torna
ineficaz.
Minha participação já está se encerrando e gostaria de, nestes
últimos minutos, falar um pouco sobre as alternativas para essa
situação. Não tenho dúvida em afirmar que, do ponto de vista
técnico, sou otimista, porque o Brasil talvez seja um dos poucos
países no mundo que reúna as melhores condições para enfrentar a
situação do desemprego. Do ponto de vista técnico,
inexoravelmente, isso é verdadeiro. Em primeiro lugar, estamos
falando de um País em construção, de um País que está completando
500 anos. Quem teve a oportunidade de conhecer ou estudar um país
desenvolvido sabe que, ali tudo está pronto, todos têm casa,
educação, hospital. Essa não é a realidade brasileira. Aqui falta
tudo. Temos um déficit habitacional estimado em 7 milhões de
moradias. Imaginemos aqui um plano nacional de habitação popular
que ousasse construir 7 milhões de moradias. Que efeito fantástico
teria o Brasil do ponto de vista da cidadania, do ponto de vista
da criação de emprego! A construção civil gera enormes
oportunidades para empregos, inclusive para os chamados
“inimpregáveis”, aqueles analfabetos entre outros. O Brasil tem
espaço, é um País jovem, tem tudo por fazer, é um País em
construção.
Mais do que isso: o País não fez três reformas clássicas; aquelas
que os países desenvolvidos fizeram. Sem essas reformas, é
impossível pensar num país de primeiro mundo, num país
desenvolvido. Quais são essas reformas clássicas? O Brasil não
fez, por exemplo, a reforma agrária. Todos os países desenvolvidos
fizeram a reforma agrária no século XIX ou no século XX, como foi
o caso do Japão e da Itália, no pós-guerra. O fato de não termos
feito a reforma agrária fez com que criássemos, no Brasil, um dos
mais flexíveis mercados de trabalho do mundo; isso porque temos um
mercado de trabalho abundante em mão-de-obra. Temos 76.500.000 de
pessoas que fazem parte da força de trabalho nacional. Desses
76.500.000, apenas 22.300.000 têm carteira assinada. Tem carteira
assinada e alguma proteção social e trabalhista apenas 1/3, e os
2/3 restantes estão de fora.
Não têm nenhum direito, não têm 13º salário, não têm férias, não
têm descanso semanal remunerado. Dos 22.300.000 que têm direitos
trabalhistas, 8.000.000 são demitidos a cada ano. Se compararmos o
número de demitidos com o de empregados, constataremos uma taxa de
demissão de 40%, enquanto, nos Estados Unidos, essa taxa é de 20%,
e os desempregados, ainda assim, são reverenciados com o mercado
de trabalho flexível.
Apesar de tudo isso, todos os dias, somos bombardeados por
informações de especialistas, dizendo que aqui o trabalho de
mercado é muito rígido e que as leis trabalhistas são cumpridas.
Lamentavelmente, fazem isso por ignorância ou por má-fé, porque a
realidade não nos permite afirmar tal coisa.
O fato de a reforma agrária não ter sido feita no tempo certo fez
com que 100 milhões de pessoas saíssem do campo e viessem para a
cidade sem nenhum preparo, sem nenhuma qualificação. A reforma
agrária ainda é importante nos dias de hoje, porque temos um
trabalhador na cidade para cinco no campo. São 30 milhões de
pessoas no campo, que, inexoravelmente, vão continuar vindo para a
cidade, se não houver alteração na estrutura fundiária de crédito
e de técnicas.
A segunda reforma é a tributária, mas não essa que está sendo
discutida no momento. A reforma tributária que este País nunca fez
é aquela que estabelece uma estrutura tributária progressiva, em
que os que ganham mais pagam mais.
No Brasil, temos justamente o contrário: quem ganha mais paga
menos imposto, aliás, quem paga imposto no Brasil são os pobres.
Por quê? Porque a maior parte dos impostos são diretos, vêm
embutidos no preço dos produtos, e nem sabemos quanto é. O rico
compra um quilo de feijão e paga o mesmo imposto que o pobre. Isso
faz com que alguém que ganha 100 salários mínimos, no Brasil,
pague 16% de impostos, enquanto quem ganha um salário mínimo paga
32%. Com a estrutura tributária regressiva, ajudamos a consolidar
um processo de concentração de renda cada vez mais perverso.
A reforma tributária que viesse para melhorar a distribuição da
renda teria um efeito fantástico na geração de empregos, não só
porque, com uma maior distribuição de renda, mais consumidores
haveria no País, mas também pelo fato de que as pessoas de baixa
renda poderiam usufruir dos chamados empregos de serviços
pessoais, que são os empregos que os pobres não usam; como
restaurantes (almoços e jantares fora de casa), teatro, lazer,
serviços de cabeleireiro, de eletricista, de encanador e outros.
No Brasil, os serviços pessoais representam 14% da ocupação,
enquanto, nos Estados Unidos, representam 28%. Há um espaço enorme
entre nós para a criação de serviços pessoais, mas só se houver
maior distribuição de renda. Para isso é preciso que se faça a
reforma tributária: aquela que onera os que têm recursos.
A terceira reforma em que precisamos pensar é a social. Não
atingimos ainda, no final do século XX, um estágio de bem-estar
social. Não temos educação, saúde, transportes, não temos
habitação de boa qualidade para todos.
Os países que conseguiram ter um quase-pleno emprego durante o
pós-guerra foram os que expandiram o gasto público. De cada dez
empregos novos, seis foram gerados pelo gasto público. E nós, no
entanto, vivemos um quadro de redução do gasto público.
No ano passado, o Brasil gastou R$72.000.000.000,00 com pagamento
do serviço da dívida interna. Neste ano, deve gastar algo como
R$120.000.000.000,00. No ano passado, gastou R$21.000.000.000,00
com a saúde. Neste ano, deve gastar em torno de
R$19.000.000.000,00. Vejam: reduziu-se R$1.000.000.000,00 em
gastos com a saúde, e aumentaram-se os juros do serviço da dívida.
Obviamente, não há espaço para expandir o gasto público na
educação, na saúde e nos transportes, que são áreas demandantes de
empregos.
Há, portanto, alternativas. A questão de fundo é como fazer essas
reformas no regime democrático do Brasil.
O que estou dizendo para os senhores não representa nenhuma
novidade, nenhum ovo de Colombo. Na verdade, o que estou dizendo
agora refere-se às reformas que se discutiam no início dos anos
60, a chamada reforma de base.
Quem teve a oportunidade de ler Celso Furtado e Caio Prado Júnior
perceberá perfeitamente que estou apenas repetindo o que diziam.
Este País tem saída, tem solução? Depende das reformas que viermos
a fazer. O Brasil tem tudo para vencer. Tem um mercado consumidor
fantástico, mas prefere se integrar internacionalmente e valorizar
o produto internacional em detrimento do produto brasileiro.
Essa é, de fato, uma possibilidade inexeqüível dos brasileiros de
hoje, neste final de século. É como aquela história ocorrida em
uma vila oriental, em que morava um sábio que tinha resposta para
tudo. Certa vez, alguém resolveu questioná-lo da seguinte forma:
marcaria uma audiência, levando um passarinho escondido em suas
mãos, e lhe perguntaria o que carregava. Como já imaginava que o
sábio possivelmente saberia, faria a segunda pergunta, que era se
o passarinho estava vivo ou morto. Se o sábio dissesse que estava
morto, mostraria que estava vivo; se o sábio dissesse que estava
vivo, esmagaria o passarinho e o mostraria morto.
Assim, quando chegou à audiência, perguntou-lhe: “O senhor, que
tem resposta para tudo, poderia dizer o que tenho escondido em
minhas mãos?” O sábio pensou e respondeu: “Olha, você tem um
passarinho nas mãos”. E ele retrucou: “O senhor, de fato, acertou.
Mas esse pássaro está vivo ou morto?” O sábio pensou e respondeu-
lhe: “Esse pássaro está em suas mãos”.
Dessa mesma forma, a questão do emprego está em nossas mãos.
Depende apenas de a sociedade reagir. Está comprovado, no século
XX, que quando a sociedade reage de forma organizada, em defesa de
um projeto nacional de desenvolvimento que se sustente, que
priorize o emprego, é possível gerar mais empregos. No entanto, o
que percebemos atualmente é uma sociedade que reage de forma
individualizada à violência urbana, às drogas, a esse quadro de
insegurança e até de ingovernabilidade.
Portanto, formas como essas são absolutamente fundamentais numa
sociedade que quer ser democrática e quer encontrar o emprego. E
ele virá se todos fizermos a nossa parte. Muito obrigado. (-
Palmas.)