Pronunciamentos

MARCELO ANDRADE CATTONI DE OLIVEIRA., Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.

Discurso

Comenta o tema do evento dentro do segundo painel.
Reunião 9ª reunião ESPECIAL
Legislatura 17ª legislatura, 4ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 12/04/2014
Página 29, Coluna 1
Evento Ciclo de debates: Resistir Sempre – Ditadura Nunca Mais: 50 anos do Golpe de 64.
Assunto SEGURANÇA PÚBLICA. DIREITOS HUMANOS.
Observação O número que acompanha o Requerimento Sem Número, constante do campo Proposições, é para controle interno, não fazendo parte da identificação da Proposição referida.
Proposições citadas RQS 2522 de 2013
RQS 2592 de 2013
RQC 8347 de 2013

9ª REUNIÃO ESPECIAL DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 17ª LEGISLATURA, EM 31/3/2014

Palavras do Sr. Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira


Palavras do Sr. Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira

Bom dia a todas e a todos. Quero agradecer ao presidente Dinis Pinheiro e ao deputado Durval Ângelo; ao Prof. Romanelli; ao deputado Paulo Lamac e à sua equipe; ao nosso aluno e amigo Caio; ao Grupo de Estudos de Justiça de Transição e Constitucionalismo Democrático da América Latina; ao Prof. Emílio, da UFMG; à Telma; ao Lucas, ao Samuel, enfim. Agradeço também pela oportunidade de participar de uma mesa ao lado da Profa. Vânia Bambirra e do Prof. Theotonio dos Santos, que são dois grandes pensadores. É uma grande honra e uma imensa oportunidade, sobretudo para o diálogo e para a possibilidade de aprendizagem.

Como a Profa. Vânia Bambirra chamou a atenção, o tema deste painel é o contexto do golpe civil-militar de 1964. Essa questão acerca do contexto na verdade passa por uma profunda discussão ou, mais ainda, por uma disputa narrativa, uma discussão historiográfica sobre os sentidos do golpe de 1964. Muitas vezes os historiadores se perguntam: por que o golpe? O que explicaria o golpe? Por que, num primeiro momento, ele teria sido vitorioso?

Essas narrativas historiográficas ou, se quiserem, essa disputa ou essa discussão acerca da história são constitutivas de uma narrativa mais ampla. De alguma forma essa discussão constitui a nossa identidade política, a nossa identidade cultural e também a nossa identidade constitucional. Essa discussão historiográfica é perpassada por uma tensão entre memória e história, que é própria de todo trabalho de reconstrução historiográfica, sobretudo em se tratando de um estudo sobre história contemporânea em que, é claro, nosso olhar retrospectivo sobre esse período é filtrado, é mediado, é perpassado pelos 50 anos posteriores, por toda uma trajetória, por toda uma vivência, por toda uma experiência histórica que, se, por um lado, dificulta ou até impossibilita um resgate total daquele contexto, por outro lado enriquece o sentido, a nossa visão a respeito justamente daquele contexto.

O tempo da memória é, sobretudo, para usar uma expressão do Fernand Braudel, da Escola dos Annales, o tempo da curta duração em que a individualização das ações e a responsabilidade individual pelos eventos guarda uma certa imediatidade. Aqui, por exemplo, em se tratando da discussão específica sobre o contexto do golpe, vamos discutir o papel individual de diversos atores, a começar pelo próprio presidente João Goulart e passando por Leonel Brizola, Tancredo Neves, San Tiago Dantas, os generais Amaury Kruel, Olímpio Mourão Filho e Castelo Branco, Carlos Lacerda, o embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon, o governador Magalhães Pinto, Miguel Arraes e o então candidato à Presidência da República, Juscelino Kubitschek. Na verdade, vai-se discutir exatamente como ações e atuações isoladas e articuladas – ou desarticuladas – entre esses diversos atores construiriam uma malha a que se poderia chamar, até certo ponto, de processo histórico, todavia no nível da curta duração e da imediatidade.

A questão é que essa é uma velha discussão. O Prof. Jorge Ferreira, em um texto sobre o contexto do golpe de 64, em um livro que ele organizou com a Profa. Lucília de Almeida Neves Delgado, O Brasil Republicano, 3º volume, dirá que, até hoje, não existe uma solução ou consenso entre os historiadores, no que se refere exatamente à visão de uma história contada a partir da atuação dos indivíduos ou das conjunturas e das estruturas. Aqui, valeria a pena, sobretudo na análise de toda uma atuação política, que muitas vezes se individualiza no nível do testemunho e da rememoração, citar a velha passagem de um dos textos mais brilhantes de um pensador que, do meu ponto de vista, é insuperável até hoje: “Os homens fazem história, mas não a fazem como querem”. Essa é uma passagem famosa do texto O 18 de Brumário, de Luís Bonaparte, escrito por Karl Marx.

Passamos aqui para o tempo da chamada média duração, das conjunturas, das estruturas, no qual se vai discutir, do ponto de vista do golpe, quais seriam os movimentos políticos e sociais, as organizações, a dinâmica da economia da sociedade. Esse é justamente o tempo das estatísticas, da análise da inflação galopante, de um certo recuo do crescimento econômico que havia acontecido sobretudo ao longo dos anos 1950. Esse é o momento em que se analisa, por exemplo, a influência da Guerra Fria sobre o contexto brasileiro; o sentido simbólico da revolução cubana; a atuação, para além da ação individual, de certos atores e dos partidos políticos: o PTB, que alcançará um crescimento eleitoral cada vez maior nesse período, a UDN, o PSD, enfim, uma série de outros partidos políticos que, de alguma forma, estão como satélites ou na periferia desses movimentos; as formas de organização social tanto do capital e das grandes empresas, como do grande operariado; a atuação das multinacionais; o risco das nacionalizações; os institutos, como o Ipes, a Escola Superior de Guerra, o Ibad, que recebia dinheiro da CIA e da Secretaria de Estado Norte-Americana, que até financiou a eleição de uma série de parlamentares em 1962.

Ao tempo da longa duração, mais uma vez usando uma expressão do Braudel, aqui se vai discutir sobretudo a democracia ou o populismo? O populismo em ascensão ou em colapso? O subdesenvolvimento ou a sociedade e a economia em desenvolvimento? Os modelos de desenvolvimento econômico e as estruturas de poder, como a estrutura agrária? Enfim, são todas aquelas formas de organização social de longo prazo e de longa duração que irão conformar, condicionar e determinar, na visão de alguns autores influenciados por uma visão mais estruturalista, a atuação daqueles diversos agentes políticos e sociais.

Ao longo de toda essa discussão, do ponto de vista da historiografia, o que existiu foi uma profunda disputa na narrativa histórica, em termos de nacionalidade, brasilidade, identidade cultural, social e jurídico-constitucional. É possível lembrar os vários textos clássicos, desde as análises sobre o colapso do populismo, de Octávio Ianni, ou, por exemplo, a análise sobre o golpe, um clássico de Dreyfus sobre a conquista do estado, bem como as reflexões bastante deterministas de democracia e autoritarismo, numa perspectiva econômica de Fernando Henrique Cardoso. Igualmente importante foi a virada interpretativa na história do populismo com Francisco Weffort, até que finalmente ocorreu uma renovação historiográfica sobre o período.

Existiram muitos autores importantes, como a Profa. Angelina Figueiredo, o Jorge Ferreira, o Daniel Aarão Reis e a Maria Célia de Araújo, bem como reflexões extremamente importantes no que diz respeito à crítica de construção de certas narrativas, sobretudo quanto ao balanço acerca da experiência democrática de 1945 a 1964 em relação ao populismo. Esses autores vão criticar essa perspectiva, como é o caso do Prof. Wanderley Guilherme dos Santos.

Falar de um período de agosto de 1961 a março, abril de 1964 significa que qualquer data ou evento eram verdadeiras pontas de iceberg, uma expressão a que Alfredo Bosi se referia quando falava de outras datas como 1808, 1822, 1492, 1500 e 1930. Esses eventos, essas datas formam verdadeiras constelações ou imagens dialéticas, usando uma expressão muito cara a Walter Benjamin.

A minha perspectiva é uma abordagem sobretudo de alguém que tem uma formação em direito constitucional, uma formação constitucionalista, mas que se filia à tradição do chamado marxismo ocidental da Teoria Crítica da Sociedade da Escola de Frankfurt. A minha chave de leitura é sobretudo constitucional. Entretanto, aqui a Constituição não é vista, como na tradição liberal, tão somente como um documento escrito a partir do qual são plasmadas determinadas regras, sejam elas de competência ou de organização do Estado, e reconhecidos determinados direitos fundamentais. A Constituição é sobretudo uma relação tensa na história entre direito e política, entre direito conservador e direito emancipatório, entre política conservadora e política emancipatória. A Constituição não é apenas um documento escrito, como eu dizia, na sua dimensão formal. Ela pode ser vista, sobretudo, em um contexto de uma sociedade democrática em construção, como também de uma garantia.

Quero usar uma expressão de um grande jurista da Escola de Frankfurt, o Franz Neumann, que, além de um pensador do direito na tradição do marxismo, foi um grande advogado trabalhista e sindicalista durante a República de Weimar. Ele diz que a Constituição é um compromisso, uma promessa mútua e tensa que se manifesta na história entre as diversas foças políticas e sociais. Esse período de 1945, 1946 a 1964 e um pouco mais adiante, sobretudo a partir da renúncia do Jânio Quadros, em agosto de 1961, é marcado por uma profunda disputa em torno da Constituição de 1946 ou do seu significado. Até que ponto poderiam falar propriamente da manutenção de um compromisso entre essas diversas forças político-sociais?

Sabemos que, logo após a renúncia de Jânio Quadros, a direita se organizará - e justamente a Profa. Vânia Bambirra chamou a atenção para isso - contrariamente à posse do vice-presidente da República na presidência. João Goulart estava em uma viagem oficial à República Popular da China, negociando pelo Brasil uma série de acordos comerciais. É preciso lembrar que, na estrutura constitucional de 1946, a eleição não se fazia por chapas. O presidente Jânio Quadros concorreu à presidência da República, tendo Milton Campos como candidato a vice-presidente, enquanto João Goulart era o candidato a vice-presidente na candidatura do Marechal Henrique Lott. Jânio Quadros teve como vice eleito alguém que, na verdade, não era seu companheiro, digamos assim, de campanha. Ambos foram eleitos com uma quantidade imensa de votos. Isso significa, em outras palavras, que, por ser a eleição desvinculada, havia a possibilidade de se votar no candidato a presidente de uma chapa e no candidato a vice de outra, que o vice-presidente estaria totalmente legitimado, do ponto de vista democrático. Aliás, ele teve uma ampla votação. Ou seja, João Goulart teve uma votação imensa pela segunda vez e, por isso, poderia assumir a presidência da República. Nesse momento, há um veto, digamos assim, dos próprios ministros militares do então governo Jânio Quadros à posse do vice-presidente. Nesse momento também, o governador Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul, encabeça a famosa campanha pela legalidade. Portanto, em defesa da Constituição de 1946 e de um vice-presidente eleito democraticamente com uma ampla margem de votos, que teria o direito - e não apenas o direito próprio, mas, em razão da eleição que o titularizou - de assumir a Presidência da República.

Vou adotar aqui uma análise fantástica feita por um grande amigo, o Prof. Cristiano Paixão, jurista e professor de direito constitucional da UnB. Ele disse que, nesse momento, construiu-se quase que um discurso defensivo em relação à Constituição de 1946. Quer dizer, a defesa da posse de João Goulart implicava defesa da legalidade, da Constituição de 1946 e do processo, digamos assim, político-eleitoral que ela consagrava.

Sabemos qual foi a saída; naquele momento, a saída foi conciliatória: a votação, às pressas, de uma emenda à Constituição, a emenda do parlamentarismo, que violava uma série de normas constitucionais e regimentares. Aliás, tratava-se de uma versão do sistema parlamentarista, que é, no mínimo, bastante esdrúxula. Por exemplo, diferentemente de outras repúblicas parlamentaristas, o presidente da República não teria competência para dissolver o Congresso e convocar novas eleições. Esse mecanismo faz parte da própria dinâmica do parlamentarismo.

Sabemos que quem assumiu a chefia de governo como primeiro-ministro, pela primeira vez, foi Tancredo Neves. Com isso, João Goulart também assumiu. Então, são assumidas a presidência da República e a chefia de Estado. Ele foi empossado em 7 de setembro, data bastante significativa. O interessante é que, assim que o presidente assumisse a Presidência da República, é lógico, lutaria pelo restabelecimento dos seus poderes presidenciais nos termos da própria Constituição de 1946. A própria dinâmica que se instaura, do ponto de vista político, durante o período parlamentarista no Brasil, é de alguma forma aquela que se perpetuará durante todo o período. Houve uma série de impasses e de paralisia do ponto de vista decisório e uma progressiva ruptura da base de sustentação do regime entre PSD e PTB. Ao mesmo tempo, a partir das eleições parlamentares de 1962, o PTB cresce vertiginosamente em termos de representação política no Congresso.

Em agosto de 1962, os ministros militares pedem a antecipação de um plebiscito previsto pela própria emenda parlamentarista, em que se poderia decidir pela manutenção ou não do parlamentarismo. Quem votasse “não” votaria pelo restabelecimento do presidencialismo. Isso foi exatamente o que ocorreu no início de 1963. Nesse ano, a população de eleitores, esmagadoramente, votou “não”, ou seja, votou pelo restabelecimento do presidencialismo. É claro que isso, do ponto de vista constitucional, representa o restabelecimento da estrutura de um sistema de governo adotado pela Constituição de 1946, o qual a emenda parlamentarista havia subvertido em nome de uma saída conciliatória.

Sabemos que o resultado do plebiscito habilitou o presidente da República a retomar, mais uma vez, as suas grandes propostas de reforma. Nesse momento, o que se propôs ainda, sobretudo com a nomeação do Celso Furtado como ministro Extraordinário do Planejamento, foi exatamente a adoção de um plano trienal de reformas socioeconômicas e financeiras. Esse período que se inaugurou foi bastante tenso. A tentativa de manutenção de uma estrutura que angariaria forças políticas de centro e uma certa sustentação no Congresso Nacional à Presidência da República foi se tornando cada vez mais frágil. Mesmo as reformas ministeriais que visavam, de alguma maneira, a ampliação do espectro político de sustentação do Executivo em relação ao centro e a contenção, de alguma forma, de posições mais à esquerda não foram bem-sucedidas.

Por um lado, sabemos que o fracasso do plano trianual reabre, mais uma vez, a discussão sobre as reformas de base. Vale chamar a atenção para um texto fantástico que está circulando na internet, que foi justamente a aula inaugural, se não me engano, deste ano mesmo, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco da USP, ministrada pelo Prof. Gilberto Bercovici, titular de direito econômico e economia política. Ele retoma exatamente o significado das reformas de base. Aqui, um dos pontos centrais é a questão da reforma agrária, da proposta, portanto, de uma emenda à Constituição que visava alterar dois artigos da Carta: o 141 e o 147. A questão central era sobre a necessidade de viabilização de uma reforma agrária. O texto da Constituição de 1946 estabelecia a possibilidade tanto da desapropriação para a reforma agrária quanto da desapropriação para o interesse social. A Constituição exigia a justa e prévia indenização em dinheiro para as terras que fossem desapropriadas. A proposta, digamos assim, do Executivo, encaminhada pelo líder do PTB, Bocaiúva Cunha, era exatamente flexibilizar isso, ou seja, a reforma agrária seria viabilizada não pelo pagamento em dinheiro, mas por títulos da dívida pública, que poderiam ser reajustados por correção monetária em até 10% da inflação, vamos dizer assim. Então, criou-se uma comissão parlamentar para analisar essa proposta.

O interessante é que, de modo geral, na discussão política, todos os grandes partidos, inclusive a UDN, se apresentavam publicamente a favor de uma reforma agrária. Por exemplo, havia um grupo na própria UDN a favor da reforma, assim como havia um grupo no PSD também a favor dela. A questão era como pensar essa reforma; de que maneira seria paga a indenização, se em dinheiro ou por títulos; e se esses títulos seriam ou não reajustáveis. Cria-se, então, um impasse, e, na comissão parlamentar, a proposta de emenda é derrotada. Quando a emenda foi a plenário para ser votada, apesar da expressiva votação, não se conseguiu atingir a maioria qualificada exigida pela Constituição. E olha que a maioria exigida pela Constituição era a maioria absoluta dos membros em três turnos de discussão, digamos assim, embora a emenda tivesse uma votação expressiva – por exemplo, 73% da bancada do PTB vota a favor. Isso marca um posicionamento muito claro do próprio partido do presidente em relação às reformas, mas não um posicionamento na sua totalidade.

O interessante é que faltou a alguns historiadores uma maior capacidade de articulação ou de negociação. A própria UDN, que, até certo ponto, pensava na possibilidade de que a reforma se desse mediante pagamento pela via de títulos da dívida pública, como o PSD, por exemplo, vai acabar radicalizando: reforma agrária, sim, mas sem mudança na Constituição, pela via da legislação. Aí vai ser apresentado o Projeto Mílton Campos, que vai ser derrotado no Congresso.

Enfim, reforma agrária com reforma da Constituição gera um impasse. Reforma agrária por meio da legislação ordinária, gera impasse. Os eventos se precipitam. A radicalização e a polarização das forças políticas aumentam cada vez mais. Há um evento importante que diz respeito a uma decisão do STF, a uma situação para a qual a Profa. Vânia chamou a atenção. Estou me referindo à decisão de 11 de setembro de 1963, em que o STF decidiu que os sargentos, os suboficiais, eram inelegíveis. Ora, vários, centenas haviam sido eleitos na última eleição. Isso leva a uma revolta. Um dos próprios ministros do STF foi preso, digamos assim, nessa revolta, assim como a própria Presidência do Congresso Nacional. Na verdade, essa revolta foi debelada em dois dias. Em seguida, veio a famosa entrevista do Carlos Lacerda a um jornal de Los Angeles pedindo a intervenção militar dos Estados Unidos no Brasil. Em seguida, é encaminhado pelo presidente da República, com um certo apoio dos seus ministros militares, um pedido de decretação de estado de sítio, sob o pano de fundo de toda uma proposta de greves. Por exemplo, cabe lembrar a greve de Santos, organizada pela CGT. Essa proposta de decretação de estado de sítio sequer é sustentada pelo próprio partido do presidente. Isso fez com que, em dois dias, ele a retirasse.

Sabemos que há um momento, um ponto de virada muito importante no que se refere à disputa pelo lugar da Constituição, pela defesa ou não de reformas com ou sem a Constituição, de reformas com ou sem democracia constitucional, de reformas pela lei ou pela marra, que é exatamente o comício da Central do Brasil, de 13 de março. É famoso o discurso de Brizola, que vai dizer o seguinte: esse Congresso é reacionário, que ele seja fechado, seja convocada uma Assembleia Nacional Constituinte, para que se possam superar, por meio de um novo texto constitucional, de novas regras constitucionais, os impasses políticos, essa paralisia política, representada por aqueles partidos contrários às reformas de base.

A profa. Vânia e o prof. Theotonio chamaram a atenção para o fato de que, desde o início dos anos 1950, a direita se colocava contrária à Constituição de 1946. Parte da esquerda, cada vez mais, vai defender a ideia da ruptura institucional e da criação de uma nova constituição. Realmente, do ponto de vista da análise do Brizola – naquele momento presidia a famosa Frente de Mobilização Popular –, procurava-se reconhecer o que seria um momento constituinte vivido pelo País. Essa ruptura com a Constituição de 1946 veio, mas veio com o golpe civil-militar, que, cinicamente, se reapropriava de conceitos como constituição, poder constituinte, revolução, contrariamente à democracia. Há muito para discutir. Agradeço, mais uma vez, pela oportunidade do convite. Muito obrigado.