LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA (PT), Presidente de honra do Partido dos Trabalhadores - PT
Discurso
Legislatura 14ª legislatura, 1ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 24/03/1999
Página 24, Coluna 1
Evento Teleconferência Desafios da Federação Brasileira
Assunto ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL. ADMINISTRAÇÃO FEDERAL. FINANÇAS PÚBLICAS. LEGISLATIVO.
5ª REUNIÃO ESPECIAL DA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 14ª LEGISLATURA, EM 15/3/1999
Palavras do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva
O Sr. Presidente (Deputado Anderson Adauto) - Com a palavra, o Presidente de honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. (- Palmas.)
O Sr. Luiz Inácio Lula da Silva - Sr. Deputado Anderson Adauto, Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, companheiro Durval Ângelo, que coordenou os trabalhos na tarde de hoje, companheiros e companheiras parlamentares, representantes dos 17 Estados da Federação, companheiros representantes dos partidos políticos, sindicalistas e representantes dos movimentos populares, um dia, em 1988, festejamos, no Congresso Nacional, a inclusão na nova Constituição do capítulo das medidas provisórias. Depois de meses de discussão, copiamos da Constituição italiana as medidas provisórias, com dois objetivos: primeiro, o de acabar com a figura do decreto-lei, tão utilizado pelo regime militar. Segundo, garantir ao Presidente da República que, em momentos de extrema excepcionalidade, pudesse utilizar as medidas provisórias como forma de não ver a administração prejudicada, até pelo fato de ele não ter maioria dentro do Congresso Nacional.
O que vimos a partir de 1990, com a posse de Collor na Presidência da República? As medidas provisórias, que tinham caráter de excepcionalidade em momentos de extrema dificuldade, foram banalizadas. E o Governo passou a utilizar medidas provisórias para comprar carros, para vender carros, para comprar terrenos, para vender terrenos, para trocar de terno, para trocar de camisa, ou seja, desmoralizou um instituto jurídico que, na Itália, mesmo existindo há mais de 30 anos, não foi utilizado 1% do que foi no Brasil em apenas um mandato, seja do Collor ou do Fernando Henrique Cardoso. E, o mais grave, o Congresso Nacional se submete com muita facilidade às medidas provisórias, fazendo com que, às vezes, elas funcionem ou não funcionem de acordo com a vontade do Presidente da República, sem que o Congresso Nacional avoque para si os próprios prazos estabelecidos pelo instituto da medida provisória.
Faz exatamente oito anos que nosso País tem sido governado por via de medida provisória. Nunca, na história do Brasil, vimos o Congresso Nacional - tanto Câmara quanto Senado - ser desrespeitado como agora, criando-se na cabeça da sociedade a idéia de que não serve para absolutamente nada. Por isso, muitas vezes ouvimos o povo, nas ruas, dizendo o seguinte: se o Congresso Nacional e as Assembléias Legislativas não valem nada, por que não são fechados? Nós, que somos políticos e disso temos orgulho, temos que dizer, em alto e bom som, para quem quiser ouvir que, por menos que funcionem o Congresso Nacional, uma Assembléia Legislativa ou uma Câmara Municipal, esse funcionamento, mesmo que precário, é a demonstração inequívoca de que não vivemos um regime autoritário. Senão, voltaríamos à experiência de 1977 ou à de Fujimori, no Peru. Precisamos mostrar à sociedade brasileira que ela precisa, à época das eleições, estabelecer formas criteriosas para escolher seu representante, pois somente assim poderemos justificar o funcionamento das Casas Legislativas neste País, e os Deputados e Deputadas conquistarão o direito de andar de cabeça erguida. Mas como este País, muitas vezes, é feito de mentira, um dia vendeu-se à sociedade brasileira, aos Governadores, aos Deputados e Prefeitos a idéia da necessidade de se enxugar o Estado brasileiro e de se moralizar a administração pública, e, em nome disso, demitiram-se centenas de funcionários públicos, sem nenhum critério, apenas a pretexto de cumprir a orientação do Governo Federal de diminuir a máquina. Outro dia, vendeu-se para a sociedade a idéia da necessidade de se desfazer das estatais, pois eram todas deficitárias. Nunca se discutiram as causas que levaram tais empresas a ser deficitárias, mas simplesmente a necessidade de destruí-las. Outro dia, disseram-nos da necessidade de vender os Bancos, que estavam causando prejuízos. Agora estão dizendo que é preciso vender todo o sistema de água e esgoto, para deixar o Estado enxuto. Com esse mesmo discurso, o Presidente Fernando Henrique Cardoso tomou posse no dia 1º/1/95, dizendo que a meta principal de seu Governo seria reduzir a dívida pública e diminuir o déficit fiscal. Passados cinco anos, a dívida pública, que era de US$65.000.000.000,00, passou para US$350.000.000.000,00; a dívida externa, sobre a qual pagamos juros todos os anos, está por volta de US$300.000.000.000,00; e os municípios, os Estados e a União estão falidos. O FMI empresta dinheiro para o Governo Federal, mas impõe condições para gastar esse dinheiro. A soberania nacional não decide como gastar, mas sim o FMI, que determinará quanto o Brasil poderá utilizar desse montante até para acabar com a especulação cambial. E o Governo brasileiro, da forma mais cínica possível, diz para os Governadores dos Estados: empresto dinheiro para vocês, mas terão que vender o resto do que ainda existe no Estado. A pergunta que faço é a seguinte: em nível federal, quando não tivermos mais PETROBRÁS, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e energia elétrica, qual será o papel do Governo Federal?
Em nível estadual, quando não houver mais nenhuma empresa, quando a sobrecarga já tiver sido jogada nas costas dos aposentados e funcionários públicos, em cima de quem se jogará a responsabilidade pelo fracasso dos Estados, dos municípios e do Governo Federal? Mais ainda: somos induzidos a acreditar que era preciso ser assim, para que o Brasil pudesse investir na educação e na saúde. Vocês, que são Deputados Estaduais, sabem perfeitamente que não melhorou a educação, que não melhorou a saúde, que não melhoraram os salários. Portanto, temos de perguntar que tipo de governo, que tipo de política é essa que está sendo colocada em prática no Brasil. Tudo que foi feito com sacrifício pelos Estados, pelos municípios e pelo povo brasileiro não serviu para outra coisa senão para o pagamento de juros das dívidas externa e interna, feitas pelo Governo Federal.
Qual é o papel que temos de seguir agora? Que tipo de política industrial queremos para o nosso País? Que tipo de política agrícola queremos para o nosso País? Que tipo de seguridade social queremos para o nosso País? Que tipo de educação queremos para o nosso País? Está na hora de começarmos a fazer isso. Está na hora de cada Deputado Federal, cada Deputado Estadual, cada Vereador colocar o seu mandato a serviço de uma coisa maior, isto é, a defesa da soberania nacional. (- Palmas.)
Uma companheira que me antecedeu disse uma coisa importante, sobre a qual devemos refletir. Já vendemos quase tudo. Vocês estão lembrados de quanto foi o valor da Cia. Vale do Rio Doce. Vocês estão lembrados de quanto foi o valor do sistema de telecomunicações deste País. Vocês estão lembrados dos valores das nossas empresas hidroelétricas. Vocês estão lembrados de outras empresas que foram construídas ao longo de tantos anos. Agora querem destruir a Justiça do Trabalho. Depois querem vender a PETROBRÁS. Depois querem vender o Banco do Brasil. Depois querem vender a Caixa Econômica Federal. O que irá sobrar?
A minha preocupação é que, diante dessa crise, os Estados Unidos da América do Norte poderão impor ao Brasil a assinatura do acordo da ALCA, que tínhamos nos recusado a assinar na época em que houve o encontro dos Ministérios das Relações Exteriores em Minas Gerais, em 1997. Impor ao Brasil o acordo de livre comércio não significa, como alguns acreditaram, há algum tempo, facilitar emprego para o Brasil. Significa quebrar ainda mais a indústria brasileira, a fim de fortalecermos a indústria americana ou a indústria dos países desenvolvidos, porque o Brasil ainda não tem competência tecnológica para competir. Quando implantarem a ALCA e venderem todas as empresas, o que nos restará para o pagamento de juros? Quem sabe comecem a pedir parte do nosso território; quem sabe a biodiversidade da Amazônia possa interessar. Quando iremos reagir? Quando vamos, enquanto cidadãos brasileiros, levantar a cabeça e dizer que chega? Chega! Já venderam até a alma deste País, estão vendendo a auto-estima de um povo. É preciso começarmos uma reação. Não esperem a reação de muitos Governadores. Vocês precisam começá-la nas Assembléias Legislativas. É preciso que o Poder Legislativo comece a dizer a que veio e aonde vai. Por isso, a iniciativa da Assembléia de Minas Gerais, coordenada pelos Deputados Anderson Adauto e Durval Ângelo, é importante para o meu partido e, possivelmente, para todos os partidos que estão aqui, porque representa a possibilidade de começarmos a percorrer este País, visitando as Assembléias Legislativas, visitando as associações de empresários, visitando as associações sindicais, visitando, enfim, parte da sociedade brasileira viva, dizendo que não queremos mais entregar nosso País, que queremos ter o direito de administrar. A exigência que o Governo está fazendo, de transferir para os Estados a responsabilidade e não transferir o dinheiro, a exigência que o Governo está fazendo, de transferir para os municípios o ônus da despesa e não o bônus dos recursos, está fazendo com que, em todos os Estados brasileiros, além dos Governadores, estejam, na grande maioria, falidos os Prefeitos, sem poder pagar os salários e sem poder investir naquilo que é considerado essencial.
Minas Gerais, outra vez, teve a grandeza de dar o primeiro grito de liberdade. Se deixarmos essa luta ficar apenas entre Fernando Henrique Cardoso e Itamar Franco, possivelmente essa coisa não terá solução nunca. Se pensamos que essa luta é apenas entre Fernando Henrique Cardoso e Itamar Franco ou entre Fernando Henrique Cardoso e Olívio Dutra ou entre Fernando Henrique Cardoso e não sei quem mais, estamos enganados. Precisamos entender que o problema não é de Estado para Estado, mas o problema é a política nacional, que está errada, o modelo implantado neste País, que está errado, e temos que tentar brecá-lo o quanto antes, porque senão, quando formos gritar, não teremos mais ninguém para nos ouvir. (- Palmas.)
Portanto, precisamos aproveitar esse momento e começar a discutir o Brasil. Não é discutir o umbigo de cada um de nós, representados pelos Estados, é discutir o que aconteceu no Brasil nos últimos 20 anos, o que aconteceu no Brasil nos últimos 10 anos, o que aconteceu no Brasil nos últimos 5 anos. E, pasmem, pela primeira vez na história do Brasil, estamos com um Presidente que, aos 58 dias de mandato, já cansou todo o mundo. Se faltassem três meses, seis meses ou sete meses, estaria todo mundo já pensando nas eleições, mas não tem eleição. E a pergunta que se faz é: como é que vamos agüentar, durante quatro anos, este País vendo aumentar a recessão, este País vendo decrescer seu PIB, este País vendo pequenos e médios agricultores quebrarem e indo morar nas favelas das grandes cidades, este País vendo suas pequenas e médias empresas fecharem ou pedirem concordata, porque não têm financiamento? Financiamento é só para especulação internacional.
Acho que, entre as propostas aprovadas aqui, não pode faltar, companheiro Durval Ângelo, uma proposta para começarmos a marcar, nos outros Estados, atos semelhantes a esse ou outros atos. E mais ainda: os Deputados, independentemente de qualquer partido a que pertençam, precisam começar a engrossar os movimentos que estão acontecendo nas ruas. No dia 26 vai haver ato público, no dia 30 vai haver ato público, no dia 21 de abril, em Ouro Preto, vai haver um ato público. E precisamos engrossar, porque começamos a perceber que tudo neste País começa pequeno e vai ganhando vulto. A Globo não dá, depois começa a dar, o Sílvio Santos não dá, depois começa a dar. Quem não está lembrado da Campanha das Diretas e do “impeachment” do Collor? Tudo começou com um movimento de meia dúzia de pessoas que pareciam loucas. Quem sabe agora mesmo alguém esteja pensando que os Deputados dos seus Estados, que vieram aqui, são loucos. Mas alguma coisa já aconteceu no mundo sem que um louco tivesse dado o primeiro passo? Pois bem, sejamos todos loucos, em defesa do Brasil. Minas Gerais dá o pontapé inicial. (- Palmas.)