Pronunciamentos

LUIZ FERNANDO VALLADÃO NOGUEIRA, Presidente da Comissão de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB/MG. Representante do Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB/MG, Raimundo Cândido Júnior.

Discurso

Comenta a Lei Federal nº 10826, que dispõe sobre o registro, a posse e a comercialização de armas de fogo e munição.
Reunião 56ª reunião ESPECIAL
Legislatura 15ª legislatura, 3ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 06/10/2005
Página 42, Coluna 1
Evento Ciclo de Debates "Referendo popular: O Comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?"
Assunto SEGURANÇA PÚBLICA. DIREITOS HUMANOS. ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.

56ª REUNIÃO ESPECIAL DA 3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 15ª LEGISLATURA, EM 3/10/2005 Palavras do Sr. Luiz Fernando Valladão Nogueira Eminente integrantes da Mesa diretora dos trabalhos, autoridades, demais parlamentares presentes, juristas, Magistrados e demais participantes deste debate positivo, cumprimento a todos na pessoa do Presidente da Assembléia Legislativa, Deputado Mauri Torres. Parabenizo a Assembléia Legislativa de Minas Gerais pelo espírito democrático e por trazer essa iniciativa de erigir a discussão e esclarecer um pouco mais a população a respeito desse referendo que teremos em breve. Tenho a incumbência de, em pouco tempo, tentar detalhar algo que possa ser prático a respeito da Lei nº 10.826, chamada de Estatuto do Desarmamento. Na verdade, esse diploma legal, que eu, pessoalmente, reputo de qualidade - não sei se temos qualidade suficiente para fazê-lo ser cumprido, mas, em termos de legislação, reputo de boa qualidade -, veio revogar a Lei nº 9.437/97, que então vigorava. Para que possamos fazer um enfrentamento prático e didático, até porque estamos sendo acompanhados por alunos da rede pública, é mister que se esclareçam alguns conceitos que tenham alguma repercussão prática. Começo apresentando uma dicotomia, uma distinção entre as chamadas armas de uso restrito e armas de uso permitido. O próprio decreto que regulamenta o Estatuto do Desarmamento deixa bem claro, em seus arts. 10 e 11, que “arma de fogo de uso permitido é aquela cuja utilização é autorizada a pessoas físicas, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com as normas do comando do Exército e nas condições previstas na Lei nº 10.826”. As armas de uso restrito, por sua vez, são aquelas “de uso exclusivo das Forças Armadas, instituições de segurança pública e de pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo comando do Exército”. Essa é a primeira distinção que se faz. Essa lei que está em vigor, que reputo altamente positiva, indubitavelmente trouxe uma burocratização à autorização para a compra, o porte e o registro das armas. A propósito da autorização à compra de armas de fogo, temos hoje um rigor indiscutível. O art. 4º do Estatuto diz que o cidadão que quiser adquirir armas de fogo de uso permitido - não aquelas de uso destinado a algumas categorias, como o Exército e a polícia - deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos: comprovação de idoneidade e apresentação de certidões de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal. Ou seja, não basta estar respondendo a um processo criminal; o mero inquérito policial elimina a possibilidade de o cidadão se candidatar à aquisição de uma arma de fogo. Ele tem de apresentar documentos que comprovem sua ocupação lícita e sua residência certa e tem de comprovar sua capacidade técnica e aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo. Então, podemos verificar que a própria aquisição, que é feita especificamente para um cidadão e que tem como destinatário uma arma específica, segue, efetivamente, um rigor bem razoável. Obtendo essa autorização, o cidadão irá comprar aquela arma específica para a qual se candidatou; irá também obter o registro perante a Polícia Federal. Vou proceder à leitura do art. 5º do Estatuto, que é bem esclarecedor. “O certificado de registro de arma de fogo com validade em todo o território nacional autoriza o senhor proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio ou dependência dessas, ou ainda no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento da empresa.” Então, no diploma legal em vigor, existe a possibilidade do registro para que possa manter a arma em minha casa e no meu trabalho. Se sou funcionário de um supermercado qualquer, evidentemente não estou autorizado a ir armado para o supermercado. Aqui a lei é muito clara. Ela objetiva a manutenção da defesa do titular do estabelecimento. Ele, sim, com o registro, poderá ir para seu estabelecimento e lá manter sua arma. Então, essa é a figura do registro, com previsão específica no Estatuto. Outra figura que me parece importante abordar, em razão de sua conseqüência prática, é a figura do porte, que se distingue do registro. O porte de armas é, hoje, a exceção. Ele é vedado. O art. 6o da lei que está em vigor, com a literalidade que está em vigor, diz que é proibido o porte de armas de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria. A lei de organização da magistratura nacional, por exemplo, mantém essa prerrogativa aos magistrados, o que é facultado também para determinadas instituições. Ou seja, os integrantes de algumas instituições, excepcionalmente, podem ter porte de arma. Vejam que o porte, diferentemente do registro, permite à pessoa trafegar, caminhar, andar com a arma a seu alcance. São situações excepcionais, entre as quais se incluem os integrantes das Forças Armadas e todos aqueles previstos no art. 144 da Constituição federal: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares - esses podem ter porte de arma, assim como as guardas municipais, observados alguns requisitos previstos em lei -; os agentes operacionais da Abin e do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; as polícias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, previstas nos arts. 51 e 52 da Constituição Federal; os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, das escoltas de presos e as guardas portuárias; as empresas de segurança privada e de transporte de valores, que trabalham sobretudo junto aos bancos. O art. 7o do Estatuto é claro em dizer que o titular dessas empresas ou a empresa é que vai manter o registro, que deverá encaminhar regularmente o número e apresentar o nome dos funcionários que ali trabalham, que, por sua vez, poderão ter o porte de arma, mas com registro em nome da empresa. Os cidadãos que trabalham para essas empresas também devem preencher aqueles pressupostos, aos quais já me referi, para que alguém possa adquirir armas. Também temos a possibilidade de porte de arma para os integrantes de entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas envolvem a manipulação de armas de fogo. Por fim, em uma previsão que acho de certa forma excludente, que poderia ter sido aqui inserida, os integrantes da carreira de Auditoria da Receita Federal, Auditores Fiscais e Técnicos da Receita Federal, com a previsão do § 1o, “a”, do art. 6o, só podem ter porte de arma para sua defesa pessoal. É um tanto estranho: é como se não fosse possível ter nas outras previsões também esse pressuposto básico de que a arma seja para defesa pessoal. Enfim, essas são as previsões a propósito do porte de armas, que é revogável a qualquer instante: segundo o art. 10, § 2o, aquele que for encontrado em estado de embriaguez ou sob efeito de substâncias químicas ou alucinógenas perderá automaticamente o porte. É uma hipótese de perda automática da eficácia do porte de armas. Quer dizer, há também essa previsão. A par das instituições cujos integrantes podem ter porte de arma, a nossa lei em vigor ainda prevê, sim, a possibilidade de que outros cidadãos venham a ter porte de armas. O art. 10 diz claramente: “A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em todo o território nacional, é de competência da Polícia Federal e somente será concedida após autorização do Sinarm. § 1o - A autorização prevista neste artigo poderá ser concedida com eficácia temporal e territorial limitada, nos termos de atos regulamentares, e dependerá de o requerente: I - demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou por ameaça à sua integridade física”. Como falei ainda há pouco, os fiscais federais estariam sendo contemplados, em prejuízo, de certa forma, de outras categorias que poderiam estar em situação similar. Nessa situação, a depender de um requerimento expresso, poderíamos inserir, por exemplo, os fiscais estaduais e municipais, que, demonstrando que correm perigo no exercício de suas atividades, tentarão convencer as autoridades de que precisam de porte de arma. Além disso, é necessário atender às exigências a que já me referi para ter autorização para compra de arma e apresentar a comprovação da propriedade de arma de fogo. Só terei o porte depois que for adquirente e proprietário da arma, inclusive com a comprovação de seu registro no órgão competente. Esses são os dados mais importantes a propósito da distinção conceitual entre porte e registro. O Estatuto traz um realce interessante que já havia na lei anterior e que é de cunho cultural. Diz o seu art. 26: “São vedadas a fabricação, a venda, a comercialização e a importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que com estas se possam confundir”. Na minha infância sempre tive uma arma de brinquedo; hoje em dia parece-me que, a par da imposição legal, houve uma mudança cultural, muito embora essa estimulação à violência aconteça por outros meios. Há um jogo eletrônico, por exemplo, de arma, em que uma criança tem que atirar num boneco e matá-lo para vencer. É uma brincadeira que substitui a arma de brinquedo. É necessário, de uma forma geral, independentemente de qualquer norma legal, fazermos uma mudança cultural a respeito da violência e das brincadeiras que possam estimulá-la. O art. 28 traz também uma positiva novidade na medida em que aumenta o limite de idade para aquisição de armas. Antes, o limite era de 21 anos de idade; agora só pode adquirir qualquer arma de fogo aquele que tiver mais de 25 anos, ressalvados aqueles que participam do Exército, da polícia ou de guarda municipal. Houve um recrudescimento em relação aos crimes e tipos penais previstos no Estatuto. As penas foram aumentadas, e houve algumas previsões novas. O cidadão que possuir uma arma de fogo em sua casa sem o devido registro incorrerá em crime previsto no art. 12. Refiro-me às armas de uso permitido, e não, àquelas pertencentes às Forças Armadas e à polícia. O art. 12 prevê esse crime, com pena de detenção de um a três anos e multa. Existe porte irregular de arma. O cidadão está viajando com sua arma no porta-luvas do carro - o que é muito comum -, porém sem ter porte e, portanto, sem estar autorizado a andar com sua arma. O art. 14, nos casos de armas de uso permitido, prevê um tipo penal cuja pena é de reclusão de dois a quatro anos e multa. Temos outros tipos penais aqui, inclusive um muito interessante, previsto no art. 13, em que apenas o cidadão deixa de tomar as cautelas necessárias com relação aos menores e deficientes, permitindo que tenham acesso a armas de fogo. Teríamos outros pontos rigorosos a serem abordados nos tipos penais, nos crimes previstos na lei, porém quero concluir, lembrando que temos, já ao final da lei, o art. 35, que nos trouxe para esta discussão, ao prever o referendo à proposta da proibição da comercialização de armas de fogo. É isso que todos nós decidiremos. Salvo as autoridades a que já me referi, com previsão no art. 6º da lei, estaremos impossibilitados de adquirir e comercializar qualquer arma de fogo. Aqueles que têm registro e porte continuarão a tê-lo, porém não poderão comprar as respectivas munições, porque a vedação também abrange estas. E aqueles que forem flagrados numa situação de adquirir uma arma posteriormente, por este ou por aquele motivo, mas não tiverem o registro e forem pegos portando a arma, incorrerão numa dessas previsões penais que trazem tipos penais a propósito dessas situações. É isso que teremos de discutir, e sobre isso a população brasileira se manifestará no próximo pleito. O fato é que a lei está em vigor. Hoje existe essa situação a que me referi. O art. 35 trará essa possível modificação. Os eleitores deliberarão sobre isso. Agradeço esta oportunidade. Cumprimento a todos em meu próprio nome e em nome do Dr. Raimundo Cândido Júnior, Presidente da OAB mineira. Com as minhas limitações, estou disponível para qualquer discussão.