LUCAS DIZ SIMÕES, Defensor PúblicO de Direitos Humanos Coletivos e Socioambientais da Defensoria Pública de Minas Gerais.
Discurso
Legislatura 17ª legislatura, 3ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 05/10/2013
Página 28, Coluna 1
Evento Fórum Técnico: Mobilidade Urbana - Construindo Cidades Inteligentes.
Assunto TRANSPORTE. TRÂNSITO.
Observação No decorrer de seu pronunciamento, procede-se à exibição de slides.
63ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 17ª LEGISLATURA, EM 19/9/2013
Palavras do Sr. Lucas Diz Simões
Palavras do Sr. Lucas Diz Simões
Coube-me aqui complementar a palestra da colega Cleide Nepomuceno. A princípio, vou explicar o que a moradia tem a ver com a mobilidade urbana. O que percebemos, na Defensoria Pública, é que o problema da política habitacional mal planejada e mal realizada gera um círculo vicioso, retroalimentando a imobilidade urbana. Nas apenas as obras de infraestrutura urbana, como a construção de rodovias, com a consequente desocupação de famílias, sem alternativa digna de moradia, implicam o engessamento do sistema viário. Na verdade, os direitos humanos e sociais são correlacionados. Sem o fornecimento de transporte adequado, para que as pessoas cheguem em casa sem estresse psicológico, sem a educação para sua higiene pessoal, o direito à saúde não é implementado. As características de indivisibilidade e universalidade dos direitos humanos trazem o conceito de que cada um dos direitos deve ser pensado de forma conglobada.
Verificamos que os espaços públicos estão ficando escassos para novos empreendimentos, novas obras de adensamento urbano. Em Belo Horizonte, numa obra pública viária, dificilmente não há remoção de pessoas das suas casas. Muitas vezes o município prioriza locais onde há famílias carentes, porque o investimento acaba saindo mais barato e elas acabam sendo removidas. A princípio, cria-se o falso entendimento de que as famílias não têm direito à indenização por ocuparem terrenos públicos. Com esse argumento, são oferecidas indenizações irrisórias, algo em torno de R$10.000,00, R$15.000,00. Temos o exemplo da nova rodoviária de Belo Horizonte, onde foram removidas famílias que possuíam casas imensas e, sob o pretexto de que ficavam em terrenos públicos, a prefeitura oferecia indenizações muito baixas. O que está acontecendo? As pessoas estão sendo verdadeiramente expulsas da cidade e acabam indo morar na periferia ou em outras cidades, apesar de trabalharem no Centro. E as pessoas que moram na área central precisam do valoroso trabalho desses profissionais. A obra viária feita para melhorar o sistema de mobilidade urbana acaba agravando a situação, porque as famílias são removidas para locais distantes. O Aglomerado da Serra é um grande exemplo disso. Muitas vezes as imobiliárias pressionam a construção de empreendimentos nesses locais, mas os trabalhadores das áreas centrais são deslocados. Isso gera problemas de mobilidade urbana e de desemprego, porque o empregador já não paga mais duas passagens para seus funcionários.
Soubemos de um dado muito interessante, publicado na revista IstoÉ, em 2000. Pesquisa realizada na cidade do Rio de Janeiro mostrou que 1/4 dos moradores de rua possuía casa e só morava na rua porque não tinha dinheiro para pagar duas passagens e voltar para a periferia. Eles ficavam na rua vendendo cachorro-quente, dormindo sob marquises, voltando para casa nos finais de semana. Dessa forma, eles conseguiam pagar o seu próprio transporte.
Existe o programa habitacional Vila Viva, em Belo Horizonte. Foram removidas 1.038 famílias para a construção de edificações, mas apenas 60% delas receberam apartamentos, sendo que 40% receberam Bolsa Moradia de R$500,00, valor que não possibilita o pagamento de aluguel em vilas e favelas.
Esse é o fluxo do círculo vicioso. A proposta da Defensoria Pública é que toda obra de mobilidade urbana deve respeitar a Resolução nº 1, de 1986, do Conselho Nacional do Meio Ambiente - Conama, que exige que toda obra pública de grande porte precisa ter o Estudo de Impacto Ambiental - EIA-Rima. Mas esse estudo não trata apenas da questão ambiental, da fauna e da flora, e sim dos impactos sociais.
A Resolução nº 317, do Ministério das Cidades, prevê que todas as obras públicas feitas pelo PAC, obrigatoriamente, devem incluir, na composição do preço, não só o preço da obra em si, mas também o preço da moradia para as pessoas que a estão perdendo.
É importante desmistificar o pensamento preconceituoso que nós, da classe média, temos muitas vezes. De acordo com esse pensamento, as famílias invadiram o terreno para morarem ali. Belo Horizonte foi planejada para se desenvolver dentro da Avenida do Contorno. Mas, com o crescimento da cidade, várias famílias que antes tinham moradias foram retiradas pelo poder público para que fossem construídos edifícios públicos. Um exemplo disso é o Morro das Pedras, no alto da Avenida Raja Gabaglia. Muitas famílias que moram lá moravam dentro do contorno de Belo Horizonte e foram retiradas. O município entregou a elas aquele terreno e até o material de construção e lhes disse que morassem lá. Quase 100 anos depois, esse mesmo município, que usurpou a propriedade da pessoa, aparece dizendo que ela é invasora e que teria de sair de lá sem receber praticamente nada, já que receberia apenas R$10.000,00.
Esse conceito está sendo mudado. Existem tratados de direitos humanos. A relatora especial da ONU sobre direito à moradia adequada, que até é uma brasileira, a Raquel Rolnik, tem um estudo muito interessante sobre isso e vários tratados internacionais em que diz que é preciso garantir moradia às pessoas antes de ser viabilizada qualquer obra, senão elas precisarão voltar para o centro para trabalhar. Aí a imobilidade urbana vai preponderar. Isso já acontece em outros lugares do mundo. Em Nova York e em Londres, a perspectiva de se construírem moradias populares no centro da cidade para que se garanta maior mobilidade urbana já existe. Em vários outros países, estudos arquitetônicos e urbanísticos, na prática e na teoria, indicam que a solução mais adequada seria essa. Temos casos aqui no Vila Viva, por exemplo, de pessoas que trabalhavam como carroceiros e que perderam sua casas. Para elas foi indicado somente apartamento, e as pessoas não têm condições de lá colocar seus cavalos e suas carroças. Isso gera um problema social, de mobilidade, de saúde, uma sobretaxa nos custos da produção, porque o empregador vai precisar pagar mais passagens. Isso gera um caos e um problema social muito grande. Meu tempo já acabou?
Era essa a mensagem que eu queria passar. Esse fluxo, se vocês puderem perceber... Apareceu aí? Vou pedir para colocar para mim, por favor. Achei que estava aparecendo. Aí. Este é o círculo vicioso que mencionei. Temos a imobilidade urbana. O objetivo para solucioná-la é a construção de obras de infraestrutura de transporte, contudo sem destinação de orçamento para um reassentamento digno da população. Isso culminará na expulsão das famílias para a periferia e para outros municípios, gerando aumento do número de trabalhadores residentes longe de seus postos de trabalho, notadamente do centro, culminando no sobrefluxo do transporte no itinerário áreas centrais-periferias. É um círculo vicioso.
A proposta da defensoria é que esse plano de mobilidade, que toda a discussão da nova lei de mobilidade seja... A própria lei de mobilidade prevê que devem ser viabilizados os custos, os ônus, os bônus e a mitigação dos custos sociais de toda obra de mobilidade. É isso. Muito obrigado pela oportunidade.
- No decorrer de seu pronunciamento, procede-se à exibição de slides.