Pronunciamentos

JOSÉ PRATA DE ARAÚJO, Consultor da Previdência Social.

Discurso

Comenta o tema: "O idoso no Brasil de hoje e a previdência e assistência social e saúde".
Reunião 207ª reunião ESPECIAL
Legislatura 14ª legislatura, 4ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 05/10/2002
Página 27, Coluna 1
Evento Ciclo de debates: "As demandas de um Brasil que envelhece".
Assunto PREVIDÊNCIA SOCIAL. SAÚDE PÚBLICA. IDOSO.
Observação Participante dos debates: Lídia Ferreira.

207ª REUNIÃO ESPECIAL DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 14ª LEGISLATURA, EM 27/8/2002 Palavras do Sr. José Prata de Araújo Bom dia para todos. Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à Assembléia o convite. Não sou da Previdência, sou consultor e presto apoio aos sindicatos, à Associação dos Aposentados e faço trabalho de conscientização sobre essa parte da Previdência. Trago basicamente algumas informações sobre a Previdência e a situação do idoso no Brasil. Acho muito importante também que cada seminário trace diagnósticos e traga propostas para a sociedade. Dedicarei a segunda parte da minha exposição a propostas concretas para ampliar a cobertura previdenciária ao idoso no Brasil. O Brasil tem hoje 7.400.000 mulheres e 6.100.000 homens acima de 60 anos, totalizando 13.500.000 cidadãos e cidadãs. Esse contingente maior de mulheres tem a ver com a maior expectativa de vida da mulher brasileira. Segundo estimativas, em 2025, seremos 33 milhões de brasileiros com mais de 60 anos. Seremos o sexto país mais idoso do planeta, depois da Índia, ex-União Soviética, China, Estados Unidos e Japão. Se o Governo e a sociedade já dão esse tratamento indigno ao idoso brasileiro hoje, como será em 2025, quando seremos 33 milhões com mais de 60 anos? Que catástrofe ocorrerá se o Brasil não repensar a questão do envelhecimento e desenvolver políticas públicas para acolher esse grupo crescente de pessoas idosas? Essa transição demográfica tem a ver, como já foi dito aqui, com a redução do número de brasileiros. A família brasileira, que tinha cinco, sete filhos, há 15, 20 anos, hoje tem pouco mais de dois filhos. Em geral, as pessoas têm, como expectativa de vida ao nascer, a média de 68 anos. Mas aí se embute a mortalidade infantil. De cada 1.000 crianças, 40, de acordo com as estatísticas, morrem no primeiro ano. Isso puxa para baixo a expectativa de vida ao nascer, o que é, portanto, um dado fundamental para se elaborarem políticas para a infância e para a melhoria da qualidade de vida, em geral, de um povo. Na Previdência, o dado mais relevante é a expectativa de vida do idoso brasileiro. Segundo dados do Governo, o homem, em média, vive até os 75 anos, e a mulher, até os 78 anos. Essa é, portanto, a expectativa de vida do idoso brasileiro. Para fins de previdência, o dado fundamental é basear a expectativa de vida nos 60 anos de idade. Ela é superior à expectativa de vida ao nascer, que, já falei, embute a mortalidade infantil, que é um dado ainda dramático no Brasil. Nem todos os aposentados e pensionistas no Brasil são idosos; muita gente aposenta mais cedo. O Brasil tem hoje 22 milhões de aposentados e pensionistas. Em torno de 20 milhões no INSS e 2 milhões de servidores públicos. A situação mais dramática é no INSS. Dos 20 milhões, 13 milhões ganham um salário mínimo. Daí se percebe a importância que tem a política para o salário mínimo, especialmente na Previdência e, especialmente, na Previdência do INSS. Dado que o envelhecimento implica maiores problemas de saúde, o que os idosos ganham da Previdência não dá nem para o remédio. Dou um exemplo familiar: meu pai e minha mãe são cardíacos, têm problemas graves; minha mãe tem mal de Alzheimer, ganha em torno de R$400,00 do INSS e deixa R$300,00 na farmácia todo mês. O fato de o idoso morar em residência própria, ou alugada, não morar com filho, não significa que ele não dependa dele. É muito comum que o filho pague o armazém, o aluguel, o plano de saúde. Boa parte dos idosos brasileiros, se não fosse a ajuda dos filhos, morreria de fome. É bom ressaltar que pensão no Brasil não é só de pai para o filho, mas do filho para o pai. Em Belo Horizonte, há um ano e meio, um casal de idosos levou os filhos à justiça, pleiteando que seja assim. Se, depois de uma longa vida que os pais dedicaram aos filhos, o filho, podendo ajudar no sustento, se negar a sustentá-los, ele tem de ser levado à justiça. Aqueles idosos que conquistaram maior independência pessoal, residência própria, melhor rendimento, viraram arrimo de família. No campo é assim: o aposentado rural há muito tempo sustenta boa parte da família. No meio urbano aquele servidor, aposentado do INSS, que ganhe um pouco melhor também está virando arrimo de família. Antigamente, arrimo de família era o jovem solteiro, que trabalhava, tinha renda, pouca despesa, ajudava o pai, a mãe, o avô idoso. Hoje em dia a situação se inverteu: o arrimo de família é o idoso. É um tal de filho desempregado, filha separada, neto sem condição, e voltam todos para a casa dos avós e dos pais. É um tal de fazer “puxadinho” no fundo da casa. No lote não cabe ninguém mais, está todo mundo construindo no fundo de casa. O idoso brasileiro virou arrimo de família, tendo de bancar os desequilíbrios sociais criados por esses Governos liberais. Houve a inversão dos papéis, e isso é um fenômeno crescente. Dos que se aposentaram, 4 milhões permanecem no mercado de trabalho ou voltaram a ele, por duas razões graves. A primeira delas é que não tem jeito de proibir que aposentado volte ao mercado de trabalho, porque se a pessoa não ganha para se sustentar, qual a alternativa? A proibição não terá efeito nenhum. A solução seria melhorar as aposentadorias para a pessoa não precisar mais voltar. Proibir por lei não vai resolver. Desses 4 milhões que voltaram ao mercado de trabalho, só 2,5% têm carteira assinada; 88% estão na informalidade. Em geral, pessoas pagam o INSS e não recebem mais nada. É uma situação anômala: a pessoa é beneficiária e contribuinte do INSS e não tem mais nenhum direito. Como é que pode uma pessoa muito pobre pagar INSS e não ter mais nada em troca, nenhuma contrapartida? Benefício de previdência é contrapartida de uma contribuição. Se não há mais benefício, não poderia mais haver contribuição ao INSS. Essa é uma postura irregular; e os aposentados estão indo à justiça e ganhando. A segunda questão é que o idoso está voltando ao mercado de trabalho por causa da criatividade dos empresários de aproveitar o idoso como forma de exploração da mão-de-obra. A revista “Isto É”, há três anos, publicou uma reportagem chamada “Velhice Fura Fila”. Empresa de São Paulo - um escritório de contabilidade - estava substituindo os “office-boys” por “office-idosos”, por dois motivos: entram pela porta da frente do ônibus, não pagam vale- transporte e, como têm prioridade, podem furar fila no Banco e pagar os títulos. A prioridade para o idoso no Banco é um direito. Agora, o empresário utilizar o idoso para entulhar fila de Banco com pagamento é um desrespeito. Minha mulher foi caixa de Banco e sempre me contava que, na fila de idosos, alguns estavam com a mão cheia de duplicatas, por exemplo, de escritórios de contabilidade, utilizando o direito para prejudicar uma série de pessoas. É um direito válido, mas está sendo utilizado de forma equivocada. Isso é um pouco da realidade do idoso no Brasil. O INSS hoje só cobre em torno de 47% da mão-de-obra; 53% da mão- de-obra no Brasil é informal, não estaria ligada a planos de previdências. Segundo dados do IPEAD, das pessoas acima de 60 anos, parece-me que 82% têm cobertura previdenciária. Com referência aos trabalhadores da ativa, a cobertura do INSS é bem menor: 47%. Em relação às idosas, a cobertura é bem mais ampla, chega a 82%, porque no meio rural a cobertura é praticamente universal, não exige contribuição, mas tempo de atividade rural e, no meio urbano, durante um longo período se aposentava por idade, apenas com cinco anos de contribuição. Aquilo fez com que muita gente, no meio urbano, tivesse acesso à aposentadoria por idade, com carência menor. Mas essa carência agora passou para 15 anos. A tendência agora é a exclusão aumentar muito no meio urbano. A primeira proposta que acho fundamental é, se o INSS dá cobertura a 82% das pessoas idosas, em primeiro lugar, buscar melhorar esse benefício. Por um lado, melhorando o salário mínimo, e, por outro lado, atendendo à reclamação dos aposentados de que quem ganha mais que o mínimo está só perdendo. O mínimo teve reajuste de 20%, e quem ganha acima do mínimo, reajuste de 8% apenas. A pessoa ganhava três salários mínimos, hoje ganha 2,7, 2,5 ou 2 salários mínimos. Se não parar essa escalada, daqui a pouco, todos receberão um salário mínimo. Há uma pressão muito grande para trazer todos os aposentados do INSS para o mínimo. Temos de ter políticos para preservar o valor real dos benefícios de quem está recebendo. Em segundo lugar, acho fundamental garantir renda mínima na velhice para todos os idosos. Isso é o mínimo que o País tem de fazer. Por exemplo, poderia passar essa renda mínima “per capita” de 1/4 para meio salário mínimo. Poderia ser uma solução. Todos teriam uma renda mínima, independentemente desse critério. Gostaria de informar isso a vocês, que lidam com entidade de idosos, uma conquista fundamental que pode ajudar a universalizar a cobertura ao idoso no Brasil. O Brasil não tem uma situação estanque, é economia formal de um lado e informal de outro, e as pessoas migram de uma economia para a outra constantemente. Quem está na economia informal já contribuiu em excesso no passado. Se o autônomo de hoje e o pequeno empresário pararem de pagar INSS já foram empregados no passado, já têm um tempo de INSS. Muitas vezes, a dona de casa que trabalhava fora, casa-se, pára de trabalhar, deixa de pagar, mas, no passado, já pagou 15 anos. O Superior Tribunal de Justiça proferiu uma decisão fundamental que já se tornou jurisprudência: pessoa que pagou o INSS em qualquer época poderá recuperar o seu tempo de forma automática, sem nenhuma burocracia. Hoje, se você pagou o INSS, no passado, e deixou de pagar, para recuperar seu tempo passado, deve pagar, no período presente, no mínimo, cinco anos. O Superior Tribunal de Justiça diz o seguinte: o indivíduo completou a idade (a mulher 60 anos e o homem 65), tendo pago a previdência em qualquer época, poderá aposentar-se. Essa decisão é fundamental para esses dois a três milhões de pessoas idosas sem Previdência. O jornal “Folha de S. Paulo” estima que essa medida implantada poderá beneficiar 1 milhão de pessoas no Brasil, ou 100 mil em Minas Gerais. Uma forma de ampliar a cobertura previdenciária é dizer: se pagou à Previdência em qualquer época, esse valor é sagrado, tem de ser recuperado, não se pode perder, não se pode colocar dificuldades para recuperar o valor que foi pago. O STJ prometeu remeter ao Congresso Nacional um projeto de lei. Cabe a todas as entidades de idosos acompanhar esse projeto de lei e pressionar o Governo para que essa jurisprudência se torne lei e as pessoas idosas possam se aposentar por via administrativa, sem ter que entrar na justiça. Esse é um caminho importante para melhorar a situação do idoso no Brasil. Outro caminho fundamental é retomar as políticas macroeconômicas de crescimento econômico. Não é a Previdência que vai mal, é o País que vai mal. A Previdência é um programa social altamente dependente do desenvolvimento econômico do País. Se o País não cresce, a receita também não. Se o País desemprega, gera efeito duplo na Previdência. Um trabalhador empregado paga ao INSS, um trabalhador desempregado deixa de gerar uma receita e gera duas despesas para o Governo, o seguro-desemprego e o Fundo de Garantia. A Previdência não combina com recessão econômica, não combina com o desemprego em massa nem com a “precarização” do trabalho. Segundo dados do Ministério do Trabalho, o Brasil tem 4 milhões de trabalhadores em cooperativas, dos quais 3 milhões estão em situação irregular. O cooperativismo tem um sentido claro que é associar os pequenos produtores para ampliar as oportunidades de negócios. O cooperativismo no Brasil é fraudulento. É cooperativa de assalariados sem carteira assinada. O verdadeiro cooperativismo precisa ser estimulado, porque tem papel importante. Mas o falso cooperativismo está estrangulando a previdência social. Três milhões de assalariados não pagam à Previdência, porque trabalham em falsas cooperativas, nas entidades filantrópicas. A filantropia é atividade exercida sem fins lucrativos para pessoas carentes. Os principais colégios de nossa cidade não pagam à Previdência e prestam serviços para gente rica. A falsa filantropia se escuda em determinados preceitos constitucionais. A Previdência perde R$2.000.000.000,00 com a falsa filantropia. As verdadeiras entidades filantrópicas prestam serviços a pessoas pobres. Muitas entidades pegam o rótulo de filantrópicas para conseguir isenção da Previdência e arrebentam com ela. Precisamos formalizar e trazer para a Previdência a economia informal. Mas a medida mais importante para atrair o pequeno empresário para a Previdência, atrair a dona de casa, atrair o autônomo é baixar a contribuição ao INSS. O trabalhador empregado paga 8% de INSS por mês; se perder o emprego, paga 20%. A pessoa que tem rendimento certo no final do mês, tem carteira assinada e paga entre 8% a 11%. A forma de atrair o autônomo, o pequeno empresário, a dona de casa e o estudante para a Previdência é ele pagar, no máximo, a mesma porcentagem que paga quem tem carteira assinada: 8%. Essa é uma questão fundamental para ampliar a abrangência da Previdência. Além da folha de salários, a previdência tem de viver do faturamento. É ingenuidade achar que medidas pontuais resolverão o problema da Previdência. Previdência é acima de tudo concepção de sociedade. Para resgatar a previdência temos de superar esse projeto neoliberal, que está excluindo pessoas e pegando recurso público das políticas sociais para pagar os juros. No Brasil, o INSS paga a 20 milhões de pessoas e gasta R$60.000.000.000,00 por ano. O Governo brasileiro gasta R$120.000.000.000,00 para pagar os especuladores da dívida interna e externa. Esse projeto exclui pessoas e tira dinheiro da boca do povo, das políticas sociais, enterrando bilhões para pagar juros aos especuladores. Queremos o Brasil da produção, o Brasil das políticas sociais, e não o Brasil da especulação.