Pronunciamentos

JOÃO LUIZ DA SILVA DIAS, Presidente do Instituto de Mobilidade Sustentável "Rua Viva".

Discurso

Comenta o tema: "Integração dos sistemas de transporte - física, operacional e tarifária - : metrô, veículo leve sobre trilhos - VLT -, transporte rápido de ônibus - BRT -, ferroviário, rodoviário, ciclovias", dentro do painel: "Desafios e alternativas da mobilidade urbana e dos sistemas de transporte".
Reunião 65ª reunião ORDINÁRIA
Legislatura 16ª legislatura, 4ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 11/09/2010
Página 83, Coluna 3
Evento Ciclo de debates: "Desafios da Mobilidade Urbana na Região Metropolitana de Belo Horizonte".
Assunto TRANSPORTE. TRÂNSITO.
Observação No decorrer do pronunciamento, procede-se à exibição de "slides".

65ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 16ª LEGISLATURA, EM 26/8/2010 Palavras do Sr. João Luiz da Silva Dias Boa tarde a todos. Deputada Maria Tereza Lara e Deputado Carlin Moura, parabenizo esta belíssima iniciativa da Assembleia Legislativa. Tenho certeza de que esta reflexão que fazemos aqui hoje irá gerar frutos. O tema proposto é “Desafios e alternativas da mobilidade urbana”. Temos muitas e melhores alternativas que o modelo de mobilidade que abraçamos no Brasil. O desafio começa pela conformação do próprio sistema de transporte. As partes do sistema têm a sua razão de ser como um todo. Não podemos dizer que temos um sistema de transporte público. Temos diversos subsistemas que concorrem entre si, estão em conflito, conforme depoimentos feitos nesta Casa. A minha apresentação será longa, mas farei um resumo, para que haja um bom resultado. A proposta que fechamos é para constituir um consórcio metropolitano com as linhas intermunicipais. A nossa Agência Metropolitana está envolvida nesse reencontro da concertação entre todos os Municípios metropolitanos, mas isso é imperativo, um ponto imediato de partida no resgate daquela trajetória perdida lá atrás. Recife consolidou o seu sistema metropolitano, assim como outras cidades não se degradaram com o sistema de Curitiba. O melhor de todos os sistemas no País foi a Metrobel, gestada no Plambel no período tecnocrático. Curitiba também era tecnocrática, entretanto permaneceu. Infelizmente a Metrobel foi degradada e transformada naquela autarquia a que o Sr. Lasmar se referiu aqui. E felizmente essa autarquia foi extinta, pois era uma fachada para a gestão privada do transporte público, que foi resgatado pela Prefeitura de Belo Horizonte com a BHTRANS. O transporte estava em péssimas condições naquele momento. Estruturar a rede metropolitana por meio de estações intramunicipais e intermunicipais. Estamos falando de um sistema. Essas conexões têm um sentido, aliás, não só como a conexão de transporte, mas também de um equipamento urbano da maior importância e que fortalece a centralidade. Isso é muito claro para todos nós quando percebemos as Estações do Barreiro e de Venda Nova. Essas estações foram projetadas dentro do Plano Diretor de Belo Horizonte para reforçar regiões administrativas importantes. Barreiro é uma cidade. A Estação do Barreiro vem cumprir um papel não só de compactar a demanda daquela região - aliás, da região metropolitana em direção ao Centro -, mas também de atender aos deslocamentos na região do Barreiro. Para o cidadão poder vir e trocar de lado no Barreiro, era preciso que ele pegasse uma linha em direção ao Centro, descesse na Tito Fulgêncio e pegasse um ônibus no sentido contrário, senão não iria para o Barreiro de Cima. Então ocorriam coisas desse tipo. Portanto estruturar uma rede metropolitana por meio de estações intramunicipais e intermunicipais, concebidas com essa lógica, juntamente com os Municípios, o que, aliás, não vem acontecendo. Cindir o Metrô BH da CBTU. O nosso companheiro Raul de Bonis está aqui. Participamos de uma longa discussão sobre a questão da regionalização. A cisão do metrô de Belo Horizonte é tratado no “caput” do art. 3º da lei que determinou que todos os sistemas fossem transferidos e, no § 3º - que era exceção -, de criarmos uma empresa para recepcionar. O que significa cindir? Significa desmembrar da CBTU, que é uma empresa ainda federal, cujas ações serão transferidas progressivamente ou, quando for acertado no acordo dos acionistas, para o governo local, o Estado e as Prefeituras. Então se dá uma condição inicial, por exemplo, o trem metropolitano de Porto Alegre, a Trensurb, empresa federal em Porto Alegre ligada ao Ministério das Cidades, com uma diretoria local, ou seja, uma gestão local. A CBTU, administração central, fica liberada até para que o governo federal recupere o seu papel de planejador do sistema sobre trilhos - aliás, papel antigamente cumprido de maneira mais ampla e geral pela IBTU. Esse é um papel que se reserva para a CBTU. Ele está realizando um belíssimo trabalho, apoiando a implantação do metrô de Curitiba, entre outros. Por último, a mobilização social para a reforma fiscal do transporte público. É fundamental compreendermos que, num modelo fiscal que abraçamos no Brasil para o transporte público, não temos capacidade de produzir um transporte adequado. O transporte continuará sofrendo concorrência até de motocicleta. Do ponto de vista privado, é mais barato andar de motocicleta. A tarifa de ônibus paga a prestação da motocicleta. Do ponto de vista social, não estamos contando com todo o congestionamento, a poluição e os leitos hospitalares que são ocupados pelas vítimas dessa modalidade. Partiremos agora dessa realidade trágica: estamos vivendo um colapso da modalidade no Brasil. Seguindo como estamos e desejamos, com altas taxas de crescimento econômico, o Brasil caminhando para se tornar um país com uma renda mais bem distribuída, incluindo os contingentes maiores da população, a má notícia é que o problema vai piorar. Então há um colapso que é resultado desse crescimento explosivo, urbano e desordenado. Além disso, uma metropolização dos grandes centros, em que a cidade passa a ser uma ficção política. Se a pessoa atravessou a rua, já não está mais em São Paulo, mas em Guarulhos; se passou daqui para lá, estará em Contagem, Betim e Sabará. Se mudou e atravessou a rua, estará em Sabará. A cidade é uma ficção política; a grande cidade é a metrópole, da qual somos cidadãos. O transporte público como bem de mercado. Essa é a grande tragédia nacional. Veremos que diversas questões levantadas ontem, aqui, pelo Prof. Marcelo Guimarães têm resposta nessa condição a que está submetido o transporte público. Não é pela natureza da operação, não é o fato de haver o operador privado. Ele está desvirtuado como bem, transformado em mercadoria, o que tem efeito extremamente grave. Não é, repito, a natureza do operador. O sistema de transporte da França, de Paris, é de gestão pública, da RATP; todas as outras cidades são operadoras privadas. Em todos os lugares, se faz da mesma forma, sob controle público; o transporte é especificado pelo poder público. Essa não é nossa realidade, e veremos que somos todos, até os produtores do transporte, os empresários, prisioneiros dessa lógica privada. Modelo industrial centrado na indústria automobilística e, pior, distorcido pelo mercado na indústria de transporte público. O que é o mercado de transporte público? O mercado são os operadores. Por que as empresas de ônibus compram os equipamentos para produzir transporte? Porque está definido pelo sistema de remuneração. Ao se melhorarem - e veremos isso em seguida - as condições do sistema de remuneração do transporte, ao se qualificar o transporte, gradativamente se agravará a exclusão. O transporte público no Brasil exclui as pessoas de menor capacidade de renda. Veremos que ele será excluído pelas pessoas à medida que a renda cresce, e o cidadão, o passageiro cativo do transporte público, procurará se libertar e adotará outros modos mais eficientes, já que o transporte público é produzido aqui sob más condições. Por último, o que é trágico, a falta de reação aos efeitos negativos do modelo de mobilidade que adotamos. Convivemos com a realidade brutal dos acidentes de trânsito, que o Prof. Lasmar e a Deputada Maria Tereza Lara mencionaram. A Europa enfrentou essa realidade na década de 70 e inverteu o número de mortos no trânsito. Hoje, em todos os países da Europa, o número de mortos é inferior a esse período. Fechamos nossos anos 80 com 20 mil mortos; hoje se fala, com todas as nossas deficiências, em 37 mil mortos. Não sabemos ainda se, em 2010, o máximo ficou para trás. Declínio do transporte público. Assistimos a isso. Tenho números aqui, mas o Rogério Braga mostrou que, em São Paulo, já está equilibrado: 50% do transporte público, 50% do transporte privado. Poluição sonora do ar, aumento dos tempos de deslocamento. Sem reação. O que é pior, porque temos comportamento proativo ao nos anteciparmos aos acontecimentos e comportamento reativo, o que não é bom. Reage-se porque está acontecendo, porque já aconteceu. Nem reação temos ainda. Esperamos nesse ambiente, nesse trabalho, essa reação que se impõe. O colapso está caracterizado, há congestionamentos com uma taxa de motorização inferior a 3 veículos por 10 pessoas. O Lasmar mencionava que, em Belo Horizonte, estamos chegando quase a 5 por 10. Brasília tem a maior taxa de motorização e está nessa faixa, em torno de 5; Belo Horizonte está em torno de 4; os Estados Unidos têm 8,3. Entretanto temos mais congestionamentos que os países com taxa de motorização mais elevada. A grande questão são as alternativas. Precisamos falar em alternativas a esse modelo de mobilidade. O que é modelo? Modelo é como se reparte, como se produz o transporte entre os diversos modos nos deslocamentos na cidade ou região. O número para o qual o Rogério chamava a atenção em São Paulo já é de 50%: o transporte privado está representado pela linha vermelha, e o transporte coletivo, pela linha verde. Esses dados de 2002 mostram que em Belo Horizonte havia uma participação maior no transporte coletivo, mas está caindo. O Secretário Fabrício Sampaio disse que o transporte intermunicipal metropolitano transporta 750 mil passageiros. Em 1994, quando eu estava na BHTRANS, transportava 1 milhão. Com todo o crescimento da região metropolitana, com taxas de 7%, o transporte de 750 mil passageiros agora mostra uma decadência do sistema, e não significa que as pessoas não necessitam se deslocar. Os modos de transporte privado e público se diferenciam pela eficiência - consumo de tempo, espaço e energia, sendo os dois últimos fundamentais -, pelas externalidades negativas - poluição sonora e do ar - e pela segurança - acidentes de trânsito. O mundo inteiro está entrando com especificações mais rigorosas; ao comprar um eletrodoméstico, verifica a eficiência e o consumo energéticos, e os veículos também virão identificados pelo grau de segurança. Temos toda uma evolução de segurança veicular. É evidente que a moto não atende nenhuma delas. A motocicleta não é um modelo de transporte urbano, conforme ressaltou o Prof. Lasmar, é um fenômeno asiático. Diversas fotografias mostram motocicletas com três pessoas carregando bagagens inimagináveis. Mas, na realidade asiática, as motocicletas substituíram a bicicleta e se comportam como tal, andam muito devagar no meio das pessoas e das bicicletas. A motocicleta foi trazida para o Brasil de forma irresponsável, substituindo o automóvel. É um modal vulnerável como pedestres e ciclistas, mas nenhum dos dois andam a 50km/h entre os veículos. Há uma tragédia que vai se agravar, e a indústria automobilística será tratada, em algum momento do futuro, como a indústria bélica e de cigarros, produtora de vítimas. Por mais que invistamos em educação, nosso investimento redundará em muito pouco, teremos mortos mais educados e pessoas vitimadas com sequelas graves mais educadas, mas elas existirão porque o modo é vulnerável para essa condição de produção. Esta é aquela fotografia que a Madalena mostrou ontem, fazendo a comparação do consumo dos carros e dos ônibus, o consumo energético, sendo o automóvel o grande consumidor, e ilustrando a poluição, sendo a motocicleta a mais poluente. Este gráfico é de São Paulo, mas se aplica à nossa pesquisa. Neste eixo temos a população cuja faixa de renda mensal familiar é de R$400,00 a R$6.000,00. Este eixo mostra o índice de mobilidade, quantas viagens o cidadão faz por dia. Basicamente são no mínimo duas viagens, ele vai e volta. Alguém pode ir ao trabalho, à escola e voltar para casa, completando três viagens. Estamos falando de médias, já que há pessoas que não fazem nem uma viagem por dia. Viagem é um deslocamento maior, não aquela movimentação em torno da residência. As pessoas de menor renda têm uma mobilidade média de 1,5 viagem “per capita” e as de renda superior a R$6.000,00 fazem quase 3,5 viagens “per capita”. A primeira constatação que fazemos neste gráfico é que o padrão de mobilidade no Brasil não é democrático: quanto menor a renda, menor o índice de mobilidade; quanto maior a renda, maior a mobilidade. No gráfico, verificamos o crescimento da mobilidade com o crescimento da renda. A linha azul refere-se ao total de viagens; as outras são uma decomposição entre transporte coletivo, individual e a pé. A segunda constatação é que o padrão de mobilidade também se altera por nível de renda: 60% das viagens das pessoas de menor renda são feitas a pé, 30% por transporte coletivo e 10% por transporte privado, estes últimos geralmente porque o veículo faz parte da própria ferramenta de trabalho. Com o aumento da renda, cresce a mobilidade baseada no transporte motorizado privado. No gráfico, vemos que, à medida que cresce a renda, cresce o transporte individual - é ele que responde pelo aumento da mobilidade. A terceira constatação é que o transporte público é excludente das pessoas de menor renda. Como vimos, 60% das pessoas com até R$400,00 de renda familiar andam a pé, não por gostarem, mas porque estão excluídas do transporte, porque pagar pelo transporte significa tirar de sua mesa, tirar de seu orçamento de subsistência. Assim, andam a pé por grandes percursos. Falar em 35% de deslocamento a pé em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Fortaleza é uma brutalidade, mas é a nossa realidade. Então, o transporte público exclui os mais pobres, mas, à medida que a renda cresce, ele é excluído pelas pessoas, ou seja, as pessoas se libertam do transporte público e buscam alternativas, como a motocicleta, a Brasília amarela e outros meios de transporte que se apresentam. Então, o transporte público no Brasil é um produto de mercado - o que é muito grave - popular. É o que se demonstra aqui: esta curva roxa mostra que, com o crescimento da renda, o transporte público começa ganhando, ou seja, as pessoas deixam de andar a pé e começam a andar de ônibus. Mas, quando chegamos à faixa de renda de R$1.600,00 a R$3.000,00, ele começa a cair. Ou seja, as pessoas se libertam do transporte público porque ele não as atende. Para construirmos a mobilidade sustentável, temos alguns princípios norteadores: a inclusão social por meio do aumento da oferta de bens públicos e da prevalência do interesse coletivo sobre o particular; a universalização da mobilidade e da acessibilidade e a sustentabilidade ambiental e econômica. Ora, princípios devem ser assumidos; não podem ficar no palavreado sonoro e vazio, no discurso fácil. Assim, a primeira questão que se nos apresenta e que acho muito interessante é definirmos a mobilidade, não só no conceito da física, pelo qual a mobilidade é o movimento das pessoas e das cargas nos espaços, mas principalmente no conceito jurídico: mobilidade compreende o direito de todos os cidadãos ao acesso aos espaços públicos, aos locais de trabalho, aos equipamentos e serviços sociais, culturais e de lazer através dos meios de transporte coletivos, individuais e não motorizados e dos meios de comunicação - ou seja, até a internet é mobilidade, pois movimentamos contas bancárias e fazemos compras de casa, sem sair do lugar -, de forma segura, eficiente, socialmente inclusiva e ambientalmente sustentável. Então, a primeira grande questão é a efetividade: em que medida tudo o que estamos discutindo se concretiza. Vou dar como exemplo dessa efetividade, lembrando a questão levantada ontem pelo Prof. Marcelo Guimarães, a acessibilidade no transporte coletivo, nos ônibus. Vemos aqui um ônibus de piso baixo, onde a pessoa entra com autonomia e espontaneidade, ou seja, é um equipamento fabricado com um desenho universal para transportar e alcançar todas as pessoas. Além de o piso ser baixo, com a suspensão a ar, o ônibus abaixa, ou seja, se ajusta a uma calçada com guia de 17cm e permite perfeitamente que a pessoa entre. Podemos comparar essa solução com o uso de elevador em ônibus. Mesmo se todos os ônibus tivessem elevadores, haveria várias questões a serem discutidas. A primeira delas é que ele não é autônomo, ou seja, depende do operador; a segunda é que, não é espontâneo, pois é necessário que os passageiros aguardem aquela operação, como se dependêssemos dos outros para que fôssemos atendidos. Além disso, na maioria dos casos, o elevador não funciona. E mais: não atende as pessoas com alguma dificuldade de locomoção. Não devemos levar em consideração apenas os cadeirantes; não é possível que o transporte público exija que o usuário seja atleta. Muitas pessoas têm dificuldade para subir em um caminhão encarroçado. Os ônibus com elevador e com motor dianteiro usam o mesmo chassi de caminhões, ou seja, são caminhões que foram encarroçados como se fossem ônibus. O seu chassi mede 1,05m de altura. Então, com essa altura e três degraus, o primeiro degrau, mesmo quando o ônibus se aproxima da calçada, terá meio metro de altura. Muitas pessoas têm dificuldade de entrar nos ônibus, e o elevador não foi instalado para elas, mas apenas para os usuários de cadeira de rodas. Esse fato mostra que estamos envolvidos somente com paliativos, e isso não se dá por uma dificuldade tecnológica. Produzimos e exportamos ônibus de piso baixo integral articulado. Se formos ao Chile, em Santiago, veremos belíssimos ônibus brasileiros articulados, de piso baixo integral, circulando. Para mudar essa realidade, devemos enfrentar quatro paradigmas. O primeiro deles, que foi mencionado e é muito grave, é o automóvel como solução universal; o segundo é a visão do transporte público como bem de mercado; o terceiro é a tarifa de transporte público como custo médio do passageiro pagante; e, por último está a motocicleta como meio de transporte urbano alternativo. Além de ser ineficiente e de o consumo de energia por passageiro- quilômetro transportado ser alto, como vimos, o automóvel consome mais espaço. Não é possível produzir todos os espaços referidos, principalmente se todas as pessoas tiverem automóvel. Não adianta fazer a Linha Vermelha, no Rio de janeiro, ou a Linha Verde, pois sofrerão congestionamentos. Os viadutos são lindos para quem os percorre por cima, mas horrorosos para quem está lá embaixo, principalmente o comércio. E o transporte público ficou lá embaixo. Adotamos soluções rodoviárias em avenidas de Belo Horizonte para privilegiar o transporte privado, e não o coletivo. Não adianta: todo espaço que for criado será ocupado. Estou preocupado, pois meu tempo está se esgotando e ainda tenho muitas questões a mostrar. Por isso, rapidamente, mostrarei esta construção extremamente importante: é necessário que tenhamos a percepção de que falamos de dois mundos diferentes. Bem público e bem privado são dois universos distintos, duas realidades distintas e independentes na ciência econômica. Produção de bens privados e públicos são coisas diferentes. Quem produz aqui: o setor privado ou o público? Vemos, nesse “slide”, a economia de mercado e a teoria do consumidor que, imagina-se, explica tudo e determina a eficiência e uma área sombreada em que o governo produz e intervem em bens privados, por razões estratégicas de desabastecimento ou por qualquer outra imperfeição de mercado. Do lado de cá estão os bens públicos, que não admitem exclusão, pois são universais. Por definição, o mercado é excludente. Como vimos no fenômeno do ônibus, se não houver exclusão, não há mercado. O mercado exclui pessoas e firmas. Empresas são marginalizadas, porque não tiveram eficiência para concorrer com outras e quebraram. Pessoas foram alijadas, não são consumidoras, ainda que desejem, porque não têm renda. O preço é o equilíbrio entre a oferta e a demanda. Isso é lei de mercado. Bem público não segue essa lógica. Educação e saúde não estão sujeitas à exclusão. Isso é inadmissível, inclusive porque seriam ineficientes. É ineficiente excluir pessoas da vacinação pública, da educação, da saúde pública, do transporte público. Não podemos falar que o transporte público seja deficitário. Transporte deficitário é ônibus lotado, como é deficitário o sistema de saúde que não consegue atender todos que dele necessitam. A falta de leito hospitalar é déficit do sistema de saúde. Déficit no sistema de transporte não é no caixa das empresas de ônibus; é falta de ônibus qualificado, é falta de metrô. A lógica de produzir é outra, a viabilidade é outra. É viabilidade social. Contabilizamos os custos e os benefícios sociais. Quando alguém diz que é muito caro fazer metrô, a verdade é que é muito caro viver sem metrô. Os bens públicos são bens que não estão limitados a um consumidor. O princípio da exclusão é inaplicável ou ineficiente. Quanto aos bens privados, a exclusão é essencial; sem exclusão não existe mercado. Tarifa não pode ser colocada como custo médio por passageiro pagante transportado. Tarifa é um valor que, quando se cobra - porque pode nem sequer ser cobrado -, complementa o orçamento público entre os diversos modos e por política de transporte. A tarifa não pode excluir ninguém. Falarei rapidamente, pois meu tempo acabou, o que é uma pena. Diretrizes de uma política de transporte procuram induzir a matriz para um sistema mais eficiente. Se tivermos um sistema mais eficiente, ninguém andará de motocicleta, porque ficará mais caro andar de motocicleta que num transporte público que tenha muito mais qualidade, grande oferta, ônibus e metrô de alta qualidade. Então, há um sistema que pode funcionar melhor. Usarei somente um “slide”. Isso aconteceu em Madri, em 1985. Foi criado o Consórcio de Madri, e foram definidos recursos fiscais de impostos vinculados a ele. Esse consórcio passou a planejar o transporte para os próximos 10 anos. No ano seguinte, já com recursos, criou o abono, o subsídio - aliás, já era subsidiado - estabelecendo que ninguém com menos de 20 anos e acima de 65 pagaria tarifa e que quem pagasse não pagaria o que custava. O transporte é subsidiado. O transporte perdia posição e a recuperou, em número de passageiros. Essa recuperação iniciou-se em 1986. Madri tem construído 13km de metrô subterrâneo por ano, a um preço extremamente reduzido, porque tem escala e investiu na sua engenharia, na sua indústria ferroviária, fazendo trens de alta velocidade por toda a Espanha. É essa a realidade que precisamos abraçar rapidamente. - No decorrer do pronunciamento, procede-se à exibição de “slides”. A Sra. Presidente - Obrigada, Sr. João Luiz. Precisamos de pessoas como o senhor e os outros palestrantes, que são entusiasmados e têm experiência, para nos ajudar a resolver a questão da mobilidade urbana e do metrô.