Pronunciamentos

HERBERT CARNEIRO, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais - TJMG.

Discurso

Comenta o tema: "Diálogo Intersetorial: perspectivas na efetivação de modelos alternativos de justiça penal", dentro do 2º painel.
Reunião 89ª reunião ORDINÁRIA
Legislatura 16ª legislatura, 3ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 17/10/2009
Página 60, Coluna 2
Evento Ciclo de debates: "Alternativas à Privação de Liberdade: outras formas de promover justiça".
Assunto SEGURANÇA PÚBLICA. DIREITOS HUMANOS.

89ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 16ª LEGISLATURA, EM 6/10/2009 Palavras do Desembargador Herbert Carneiro Boa tarde a todos e a todas. Resolvi falar de pé, primeiramente para que eu mesmo não durma e, segundo, para não contribuir para o sono de cada um dos senhores. De vez em quando, levantarei a voz, naturalmente para despertá-los um pouco. Prometo ser o mais breve possível. Desde que cheguei aqui, há quase 4 horas, com muita satisfação, ouvi elogios e referências a algumas práticas que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais vem implementando no Estado. Realçarei algumas dessas boas práticas, mas naturalmente não poderia deixar de fazer uma consideração inicial. É a de que - eu a faço, naturalmente, me enfileirando com todos que me precederam aqui - o direito penal precisa ser repensado. Precisamos caminhar para mudanças - como foi muito bem realçado aqui -, para mudança de paradigmas, para uma nova cultura. Isso foi lugar-comum aqui. Desde ontem, na fala do Prof. Cirino e nas de todos que tive aqui o privilégio de ouvir, isso é um lugar-comum. O direito penal, definitivamente, no Brasil, está indevidamente substituindo as políticas públicas, fazendo aquilo que não é o seu papel de “ultima ratio”. Ele tem sido, sim, a “prima” ou “tota ratio” do Brasil, substituindo as políticas públicas. Não tivesse ficado nada deste vertiginoso ciclo de debates, que se iniciou nesta Casa ontem, o qual tenho como um coroamento de todo um trabalho eficiente, desenvolvido pela Comissão Especial da Execução das Penas da Casa - este ciclo de debates coroa todo um trabalho do qual tive o privilégio e a honra de participar -, diria que, para mim, já ficou aquilo que é lugar-comum, o que todos nós sabemos. Nunca é demais cobrar de cada um de nós reflexão: precisamos repensar, há uma convicção, uma certeza de que o direito penal brasileiro precisa ser repensado, diminuído na sua fúria punitiva. Eu acresço a essa gratificação que tive, por essa constatação do fracasso do direito penal, a legitimidade da fala da Maria Tereza aqui, hoje. A Maria Tereza, cidadã politizada, mais do que todos nós, com certeza, demonstrou isso muito bem. E mostrou o privilégio que tive de conviver com ela durante o tempo em que estive na Vara de Execução. Ela tem uma consciência da cidadania e da civilidade como ninguém. Eu diria que ela, aqui, hoje, fez valer o seu direito de cidadã, de compor a Mesa dos trabalhos, dirigir-se à autoridade pública de igual para igual e dizer que o sistema de vistoria, de revista praticado no sistema penitenciário brasileiro tem de ser repensado, extirpado. É preciso encontrar práticas dignas e humanizadas e permitir que os visitantes adentrem o sistema penitenciário sem que seja vilipendiada e ultrajada a dignidade e a humanidade de cada um deles. Maria Tereza, com certeza, a sua fala nesta tarde, dirigida às autoridades - posso lhe garantir, diante da sua legitimidade e da legitimidade que a sociedade lhe confere, tenho esta convicção -, surtirá muito mais efeito do que qualquer ação civil pública ou mandado de segurança que pudesse cobrar do sistema de justiça uma reflexão ou até mesmo uma mudança de postura das nossas autoridades. Eu saio daqui com duas convicções: primeiro, o direito penal - para mim, esta é uma realidade antiga -, tanto quanto o direito da execução da pena propriamente dita, da forma como é praticada no sistema prisional brasileiro, sabidamente falido, não cumpre o seu papel. Segundo, saio daqui também com o conforto e a alegria de ter visto a Maria Tereza, da forma mais legítima e democrática possível, colocar uma situação que precisa, sim, ser mudada e repensada no sistema penitenciário mineiro, especificamente. Ontem, ouvi o Prof. Cirino e, hoje, alguns palestrantes que foram do direito penal mínimo ao abolicionismo do direito penal. Nós estamos em um país plural, democrata, que prima pelo exercício da cidadania - pelo menos assim está na Constituição Federal. Temos de permitir naturalmente aos cidadãos, às autoridades constituídas - e aqui eu faço a reflexão especificamente com relação ao Poder Judiciário brasileiro - a convivência com divergências de ideias e que formulemos, no debate livre da divergência das ideias, a nossa jurisprudência. O Prof. Cirino, autoridade reconhecida no País inteiro pelo seu propósito garantista, pelo seu amor, dedicação e idealismo constitucional, disse aqui muito bem - e eu ouvi - que é preciso que os Juízes brasileiros tenham mais coragem e atuem mais à luz da Constituição Federal na interpretação, especificamente, da lei penal. Eu posso dizer que isso é a mais pura verdade. Eu darei dois exemplos. O regime integralmente fechado, previsto na Lei Federal nº 8.072, vigorou no Brasil por 16 anos. E, por certo, na consciência dos Juízes brasileiros. Muitos deles já o sabiam inconstitucional, mas foi preciso que o STF, depois de uma demora de 16 anos, dissesse que o regime integralmente fechado era inconstitucional para que os Juízes brasileiros deixassem de praticá-lo. Eu, graças a Deus, faço parte de uma leva de Juízes que, antes do amor à lei, tem o amor à Constituição brasileira. Desde longa data, nunca apliquei regime integralmente fechado e sempre exerci aquilo que a própria Constituição brasileira me possibilita: o controle difuso da constitucionalidade no caso concreto. Não esperei que o Supremo demorasse 16 anos para me dizer que o regime integralmente fechado era inconstitucional. Da mesma forma, agora, em relação ao integralmente fechado, foi preciso que o Supremo declarasse e, logo em seguida, o Executivo cuidasse de fazer uma lei, a Lei Federal nº 11.464, criando novos parâmetros fracionais para possibilitar a progressão do regime nos chamados crimes hediondos ou assemelhados a tal. Não vou entrar na inconstitucionalidade da lei como um todo: me resumirei ao regime integralmente fechado para dizer aquilo que pretendo. Logo em seguida, após o reconhecimento da inconstitucionalidade pelo STF, o nosso Congresso Nacional legislou com fúria e com pressa para trazer a Lei Federal nº 11.464, para dizer que, se agora é possível fazer progredirem de regime aqueles que praticaram crimes hediondos ou assemelhados a hediondos, não se pode igualá-los aos que cometeram crimes comuns, possibilitando a eles a progressão de regime pela fração de 1/6 da pena cumprida. Era preciso criar parâmetros diferenciados, e, imediatamente, o legislador cuidou de criar 2/5 e 3/5. E, hoje, o Juiz brasileiro trabalha com isso, ou seja, a jurisprudência se faz em cima disso. Eu continuo a entender que, na maioria dos casos, ainda prevalece 1/6 da pena para a progressão de regime. Outra realidade brasileira é o famigerado regime disciplinar diferenciado, que veio com a Lei Federal nº 10.792, de 2003, a mesma lei que trouxe o enaltecimento do interrogatório, como meio de autodefesa e de prova no processo penal, obrigando o Juiz, na prática do interrogatório, que é o ato mais importante do processo penal, a respeitar a individualidade do cidadão e o seu perfil psicossocial, fazendo um juízo não só dos fatos que importam no processo, mas levando em conta também o conhecimento da formação e da vida do interrogado. Essa mesma lei que trouxe esse aspecto constitucional do interrogatório, trouxe o famigerado regime disciplinar diferenciado, aplicado indistintamente a presos condenados com sentença transitada em julgado e a presos provisórios. Não vi ação nenhuma do Ministério Público nem da Ordem dos Advogados do Brasil ou de algum dos legitimados constitucionalmente para arguir a inconstitucionalidade do RDD. Foi preciso que a sociedade brasileira fizesse um movimento de cobrança à Ordem dos Advogados para a propositura de uma ação de inconstitucionalidade do regime disciplinar diferenciado. É preciso tirar do mundo jurídico essa excrescência. A dignidade humana e a individualidade da pena não convivem com esse tipo de atrocidade. Aliás, Fernandinho Beira-Mar já o experimentou por mais de uma vez. Será que é isso que a sociedade brasileira quer para o Fernandinho Beira-Mar? Será que a sociedade brasileira se esquece que o Fernandinho Beira-Mar, com 30 anos de pena - a sentença prevê isso -, terá direito a voltar ao seio da sociedade? E o que espera a sociedade é que, com esse sentimento de vingança, Fernandinho Beira-Mar venha aqui fora para nos agradecer? Acredito que não. Espero que o STF não demore outros 16 anos para reconhecer a inconstitucionalidade do regime disciplinar diferenciado - RDD. Em Minas Gerais, nós, Juízes mineiros, reunidos no Tribunal de Justiça, Juízes da execução, firmamos o entendimento de que aqui não houvesse o RDD, embora algumas penitenciárias - digo porque fui procurado com esse fim, pela de Francisco Sá, por exemplo - já estivessem mais ou menos aparelhadas para receber presos desse regime. Mas nos posicionamos corajosamente contra o RDD. O Sr. Presidente - Lá não há nem Defensor Público. O Desembargador Herbert Carneiro - Por aí o senhor vê o grau de abuso. Até fazendo um contraponto ao que foi dito pelo Prof. Cirino ontem, tenho notícia de que, Brasil afora, Juízes corajosos não fazem o controle difuso de constitucionalidade. Eles aplicam o RDD. Mas São Paulo, Estado que tem o maior contingente prisional do País - são 170 mil presos -, que tem uma fúria muito grande na execução da pena, até porque lá estão cada vez mais fortes as organizações criminosas, aplica o RDD indistintamente para presos condenados e provisórios. Espero que o STF tome a postura de dizer: “Isso é uma excrescência política, isso viola o princípio da individualidade da pena, viola a dignidade da pessoa humana, isso é pena cruel, vedada pela Constituição Federal, que deve ser extirpada do mundo jurídico”. Quero dizer que nem todos os Juízes são iguais. Mas, se nem todos os Juizes não são iguais e a lei possibilita interpretação diferenciada, naturalmente com bons fundamentos e com boas justificativas pelo menos, sobrevivem assim, algumas delas até resistem a recursos. Se essa é a prática, a minha experiência tem dito: o Juiz só aplica, só interpreta a lei que tem. Então, vamos naturalmente trabalhar especialmente para a descriminalização de algumas condutas. Sou francamente favorável à descriminalização - e falo abertamente - do porte de droga para uso próprio. Acho que o legislador perdeu uma oportunidade muito grande. Quando poderia descriminalizar essa conduta, preferiu “desterceirizar”, preferiu manter, no art. 28, como se o Estado estivesse devidamente aparelhado para tal, para a obrigatoriedade. É pena, está lá, o tipo está previsto, há crime e a pena está imposta. Não caminhamos para a descriminalização, caminhamos para a “descarceirização”: retiramos a pena privativa de liberdade, mas mantivemos pena. E dizem: frequência a cursos de recuperação do cidadão. Pergunto, não obstante raríssimas e pouquíssimas práticas exitosas no Brasil: onde estão esses cursos? Onde está a política pública que oferece ao Judiciário a possibilidade do encaminhamento dessas situações? Aqui em Minas Gerais devo fazer uma ressalva, e, aliás, tenho feito isso no Brasil inteiro: para nós, orgulhosamente mineiros, estamos caminhando para esse tipo de estrutura. O Estado tem feito, sim, gestões eficientes, por exemplo, no que diz respeito à aplicação das penas alternativas. É uma modalidade alternativa oferecer as centrais de penas alternativas como órgão auxiliar do Juiz. E, como o Secretário disse muito bem, em Minas Gerais, lamentavelmente, ainda há Juízes e Promotores de Justiça que entendem que pena alternativa é impunidade e não deve ser aplicada. Na semana passada mesmo, fiz intervenções junto a dois deles, a pedido do Presidente do Tribunal de Justiça, tentando sensibilizá-los de que temos uma estrutura multidisciplinar colocada à nossa disposição pela Secretaria de Defesa Social, por meio da Superintendência de Prevenção, com psicólogos, assistentes sociais, um corpo técnico competente para nos auxiliar. E o Juiz diz, a pedido do Promotor de Justiça, “vamos aplicar a pena pecuniária, a pena de multa; a prestação de serviço à comunidade é impunidade”. Diante desse quadro e dessa reflexão, digo, resumidamente: para que os Juízes possam aplicá-las, é preciso que as leis venham. Como disse aos nobres Deputados Durval Ângelo, João Leite e demais membros da Comissão de Direitos Humanos, o Projeto de Lei no 4.208 está em tramitação no Congresso Nacional, mas, Prof. Virgílio, não sai por nada. Trata ele das prisões cautelares e colocaria um fim no abuso que se pratica hoje em relação às prisões preventivas e provisórias no Brasil, a ponto de depararmo-nos com decisões judiciais que dizem que a sustentação da prisão está no prestígio do Judiciário. Ora, no dia em que o Judiciário brasileiro se prestigiar em cima da prisão, é preferível acabar com ele. É preciso que o Judiciário brasileiro prime, sim, pela dignidade e humanidade das pessoas, pela consciência permanente de que a liberdade pode ser restringida temporariamente, mas que naturalmente, com essa restrição, não se pode definitivamente tirar do cidadão a dignidade e a humanidade. Mas esse projeto de lei não anda no Congresso Nacional. Nos termos dele, crimes de pequeno e médio potencial ofensivo não autorizam mais prisão preventiva ou qualquer tipo de prisão. Ou seja, o cidadão que cometer um furto, um crime de pequeno ou médio potencial ofensivo não vai para a cadeia; vai ficar sob prisão domiciliar, em casa, a aguardar a decisão do processo. E a decisão do processo só poderá vir, naturalmente se ele reunir as condições para a aplicação de uma pena restritiva de direito. Mas o que acontece hoje é exatamente o contrário: prende-se todo o mundo; ao final, o Juiz converte a pena privativa de liberdade em restritiva de direito e, quando se vê, o cidadão ficou mais tempo na cadeia do que prestaria de serviço à comunidade ou do que deveria pagar de prestação pecuniária. Mas quem possibilita isso? É a nossa legislação, que, como estou dizendo, pode ser interpretada para o bem ou para o mal. Graças a Deus, tenho na consciência a convicção de que, vencido mas não convencido, eu a estou interpretando à luz da Constituição Federal. Há uma homenagem permanente que o intérprete e o aplicador da lei devem fazer: não há lei ou punição que possa ser aplicada sem a baliza, única e exclusiva, na dignidade e na humanidade das pessoas. Faço aqui um registro: a sociedade brasileira assistiu agora a um discurso mais democrático na Conferência Nacional de Segurança Pública, de que tive o privilégio de participar. Com o envolvimento dos 5 mil Municípios brasileiros, por suas representações, do poder público à sociedade civil organizada, foram coletados 17 mil documentos no âmbito desse debate público. Não houve, nos 17 mil documentos, o mais mínimo registro de que o brasileiro quer a pena de morte ou a prisão perpétua. A legitimidade deste ciclo de debates é grande diante do paradoxo que o brasileiro vive entre respeitar a Constituição e respeitar a dignidade e a humanidade das pessoas. De outro lado, por todos os interesses mencionados aqui, dos financeiros aos políticos, é preciso fazer uma opção entre o que está na Constituição e o que a sanha e a fúria do direito penal nos impõe no dia a dia. O Congresso Nacional editou a Lei nº 12.015, que trata da dignidade dos crimes sexuais com uma rapidez sem igual, colocando a nós, intérpretes, uma dificuldade. Aquilo que era atentado violento ao pudor agora é estupro. Foi dito aqui ontem. Passam a mão numa menina dentro do ônibus, e é mais um atentado violento ao pudor, mas, na minha visão, não é crime hediondo, é regime semiaberto, e a pena é mínima. Dou um jeito até de substituir. Mas isso agora é estupro, e vale tanto para o homem quanto para a mulher. É nesse contexto, caro Deputado Durval Ângelo, em mais esta iniciativa desta Casa Legislativa, que orgulha a todos os mineiros, que está inserido este debate. Diria muito mais do que debate; é uma cobrança, uma exigência de cada um de nós que se compromete com a civilidade, com o nosso tempo, com a dignidade, com a humanidade das pessoas, para mudarmos uma postura, para acabarmos com um paradigma e criarmos outro que possa nos fazer a todos mais felizes. Falarei rapidamente sobre boas práticas, pois não posso perder essa oportunidade, Deputado, e, em três minutos, concluo. Foi dito aqui, eu disse e reitero. Ouvi, com muita satisfação, a alusão que se fez à Apac. Sou um entusiasta, um idealista e um crente das Apacs. Das Apacs não como um método, porque, quando se fala em método, fica parecendo que se faz refer~encia a uma regra; não como modelo, porque a palavra modelo dá a sensação de correção do que não tem mais como ser consertado. Na minha visão, a Apac é uma boa prática que vive com a idiossincrasia de cada comarca onde se pretende implantá-la, com a sensibilidade do Prefeito, do Presidente da Câmara, dos clubes de serviço e, fundamentalmente, da sociedade civil organizada. Se não houver a consciência do que foi dito aqui ontem, da punição e da necessidade, do que disse o Dr. Mário da Conceição, enquanto vivemos neste estado de leis, nesta ordem jurídica que está posta, se há o crime e se há a punição, enquanto isso não é mudado, enquanto o discurso abolicionista, meu caro Prof. Virgílio, não vinga por completo, enquanto temos que conviver com este sistema, vamos cuidar de humanizá-lo, vamos cuidar de implementá-lo, não só reconhecendo a dignidade do recuperando que está lá, mas também a dignidade das pessoas que estão aqui fora. A Apac faz isso. E aí estamos todos nós. Dizem que o sistema penitenciário brasileiro está falido - e está mesmo - e que a dignidade das pessoas lá dentro está vilipendiada. Mas a nossa dignidade também, como membros de uma sociedade e de um Estado, está vilipendiada. Não acredito que a sociedade brasileira se compraz e se felicita com as atrocidades que acontecem dentro do nosso sistema penitenciário. As Apacs têm feito a diferença. É boa prática porque envolve muitos. Cria no recuperando a consciência da punição no sistema que temos e fundamentalmente incute nele a responsabilidade pelo seu próprio destino, o que não acontece no sistema penitenciário convencional. Lá não se tem consciência da punição, muito menos responsabilidade e compromisso. Estou cansado de ouvir jovens dizerem: “Doutor, estou dentro do sistema, pra mim tanto faz como tanto fez na vida. Tenho a certeza de que, na primeira oportunidade, encontro a fuga e vou agarrá-la com unhas e dentes”. Na Apac, isso não acontece. A Apac envolve a comunidade, envolve a família, envolve toda a sociedade em um problema que é de todos nós. Não podemos mais ficar no discurso do escapismo, achar que segurança pública, no que diz respeito ao viés mais trágico dela, que é o sistema prisional, é responsabilidade só do Estado. Não; é responsabilidade de todos nós. A resposta da qualidade do sistema que se aplicar ao Fernandinho Beira-Mar virá para todos nós. Portanto, esse é meu recado e meu reforço em relação às Apacs. Precisamos verdadeiramente de institucionalizar as Apacs, que não devem ser um projeto de um Presidente do Tribunal de Justiça que será esquecido por outro que encontrar outro foco ou do governo do Estado, que tinha uma previsão de aplicar, durante este ano, R$9.000.000,00, mas o valor aplicado não chegou a R$9.000.000,00. É preciso que isso vire lei. O Sr. Presidente - Esses são valores insuficientes. Não se consegue ter 30% da aplicação do previsto. O Desembargador Herbert Carneiro - Tão insuficientes, Deputado, que hoje, há quarenta e poucas Apacs implantadas, em fase de implantação e em funcionamento. Em relação ao sistema prisional, essa comparação não é muito boa, mas é importante: com 47 mil presos no Estado, a Apac abriga menos de mil presos. Precisamos evoluir nessa política. Precisamos profissionalizá-la e institucionalizá-la de verdade. Tenho feito esse apelo permanentemente à Assembleia, que é a casa do povo, e tenho o instrumento legal para fazer isso na Lei de Execução Penal estadual que temos. Somos um dos três Estados do País que tem Lei de Execução Penal. É preciso que pensemos na Apac como algo na lei. Quando falamos de lei, pensamos em orçamento, em previsão orçamentária e vemos efetividade política. Está aqui meu nobre colega Luiz Carlos, muito bem reconhecido aqui pelo Deputado Durval Ângelo, um guerreiro, um amante das Apacs. Ele implantou uma Apac modelar em Lagoa da Prata e está aqui com uma missão dada pelo Presidente do Tribunal de Justiça de fazer essa articulação entre os Juízes, porque não são todos que gostam das Apacs. Primeiro, o Tribunal de Justiça tem que colocar na cabeça desse pessoal, Prof. Virgílio, desde a hora em que o Juiz entra no Poder Judiciário, na Ejef, a necessidade de alterar a lei para que o Juiz seja avaliado de maneira positiva e meritória, com a aplicação da responsabilidade social, um pouco da atividade judicante. Que ele não fique achando que prestação jurisdicional é só emitir sentença. Somente isso não resolve. A sentença, às vezes, cria mais problemas que solução. Basta dizer que o processo é de dois, e um terá que sair perdendo. É preciso que o Tribunal de Justiça tenha essa consciência de criar nos Juízes essa responsabilidade social, de não passar pela comarca como um mero agente político produtor de sentenças e cumpridor de metas de acordo com o CNJ. No que diz respeito às penas alternativas eu disse e realço, temos uma parceria que precisa também ser cada vez mais fortalecida pelo Poder Judiciário e pelo sistema de defesas sociais. Está aqui a Dra. Fabiana, que é a condutora desse processo por parte da defesa social, da prevenção de criminalidade, que luta e que me diz: “Doutor, temos dificuldades com alguns Juízes que não gostam de penas alternativas, que desprezam a nossa equipe multidisciplinar e preferem aplicar prestação pecuniária que não sabem nem se terá executividade e efetividade.” Precisamos, então, aplicar mais nas centrais de penas alternativas. O CNJ tem dado algumas ordens para o Poder Judiciário, algumas delas boas, Prof. Virgílio. Participei e sou membro de uma comissão do Conselho Nacional de Justiça. Vi lá a construção de uma resolução que diz que os Tribunais estão obrigados a especializar varas de penas alternativas. O Sr. Presidente - Obrigado a visitar cadeia e penitenciária. O Desembargador Herbert Carneiro - Estava na lei, mas precisou o CNJ determinar. Trabalhei durante sete anos numa vara de execução convivendo com pena privativa de liberdade e pena restritiva de direito que se misturavam. Havia momento em que não sabíamos com o que estávamos lidando. É preciso especializar. Há 21 experiências no Brasil. Nesse particular Minas Gerais ainda não andou porque o Tribunal de Justiça não quis que andasse. Não temos uma vara especializada nessa área. Precisamos, no mínimo, ter uma vara especializada nas cidades-polo do Estado. Juiz de Fora comporta uma; Uberlândia, outra; Montes Claros, outra. Esta Casa pode, sim, cumprir esse seu papel. Ela discute, de dois em dois anos, a nossa lei de organização. O Deputado João Leite tentou agora criar, mas sofreu resistência e foi barrado. Foi vetada a proposta dele de especialização. Então, precisamos, no que diz respeito às penas alternativas, caminhar para as especializações e o fortalecimento, por meio do Executivo, dessa estrutura multidisciplinar. Virá, em breve, uma resolução do CNJ dizendo o que os tribunais terão de fazer, que ele está recomendando que eles o façam. Por último, falarei de algo que diz respeito a uma boa prática, e a cada dia, tenho me apaixonado por ela. Refiro-me ao PAI-PJ, Programa de Atenção Interdisciplinar ao Paciente Judiciário, aquele que durante o crime, no momento do crime ou posteriormente, no curso do processo ou já no curso da execução da pena, experimenta uma situação de transtorno mental, como já foi muito bem comentado aqui pelo Dr. Rodrigo Torres. Esse cidadão quase sempre pela justiça convencional, e a lei é assim, sujeita-se a uma medida de internamento, fica acautelado indevidamente numa cadeia pública da maneira mais desumana possível, e o Juiz requisita a vaga ao sistema oficial, um hospital psiquiátrico, judicial. Essa vaga não sai. O cidadão fica lá, alimentando-se de fezes e de bichos. Esse problema não é do Estado, enquanto Executivo, enquanto governo. Por outro lado, o Judiciário diz que já cumpriu o seu papel, já deu a sua sentença, não tendo mais como falar. Tem sim! O PAI-PJ tem demonstrado, desde 2001, embora tratado simploriamente por meio de uma portaria. O Tribunal de Justiça nem sequer baixou uma resolução. Trata um programa de responsabilidade social, de cidadania e de civilidade da maneira mais simplória possível, por meio de uma portaria. Tenho dito isso. O Sr. Presidente - Faremos uma lei tornando obrigatório. O Desembargador Herbert Carneiro - Ontem peguei o final do relatório da Comissão, Sr. Deputado, e saí daqui feliz da vida. Vi lá a última frase que consta do relatório, referindo-se ao compromisso desta Casa de fazer do PAI-PJ uma lei estadual. O Sr. Presidente - Apresentar uma lei estadual. O Desembargador Herbert Carneiro - Uma lei estadual para dar a esses cidadãos a oportunidade, como já demos a mil deles que já passaram pelo programa, a despeito do problema do surto, do transtorno mental que experimentaram durante ou após o crime, de serem tratados com dignidade, com cidadania, que lhes possibilite aquilo que está muito claro no programa. E o programa é grande, pois impõe ao Judiciário a convivência intersetorial, que tenha de conviver com os técnicos, o que para nós é um tanto quanto difícil, mas que está lá no PAI-PJ. Temos de descer dos nossos pedestais, temos de conversar com os técnicos, com os psiquiatras, com os psicólogos, com os assistentes sociais, verdadeiramente, comprometendo-nos com o resgate social daquele pessoal, dentro de uma política antimanicomial, que para nossa sorte nasceu aqui em Minas, em 1998. Posteriormente, nossa lei mineira tornou-se lei federal. Demos um exemplo para o Brasil inteiro da lei antimanicomial. Não queremos mais Barbacena nas nossas vidas, não queremos mais Jorge Vaz nas nossas vidas. Para isso, é preciso que haja engajamento de muita gente - do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Ordem dos Advogados e, fundamentalmente, da sociedade -, com uma nova cultura, com uma nova mentalidade de não querer jogar debaixo do tapete, como se lixo fosse, o ser humano, que naturalmente, não porque quisesse, pelo custo do crime ou da execução da pena que lhe foi imposta, experimentou o transtorno. Nem por isso tem de ser tratado como escória. São esses os programas sobre os quais eu teria de falar, até porque o faço com algum orgulho. Participo de todas as iniciativas do Judiciário Mineiro, mas tenho a humildade de reconhecer que temos que avançar e avançar muito. Esse ciclo de debate, na minha modesta visão, na minha construção pessoal, serviu fundamentalmente para me levar a mais essa reflexão, a mais essa consciência da necessidade de criarmos um novo paradigma. É uma alegria sabermos que a Maria Teresa, cada vez mais, torna-se, na intensidade da palavra, uma cidadã, que pode e deve cobrar sempre das autoridades mudanças de postura. Muito obrigado.