HERALDO PANHOCA, Professor de direito desportivo da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo – ESA-OAB-SP.
Discurso
Legislatura 17ª legislatura, 4ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 06/12/2014
Página 47, Coluna 1
Evento Ciclo de debates: Muda Futebol Brasileiro: desafios de uma renovação.
Assunto ESPORTE. LAZER.
Observação O número que acompanha o Requerimento Sem Número, constante do campo Proposições, é para controle interno, não fazendo parte da identificação da Proposição referida.
Proposições citadas RQS 2802 de 2014
62ª REUNIÃO ESPECIAL DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 17ª LEGISLATURA, EM 24/11/2014
Palavras do Sr. Heraldo Panhoca
O Sr. Heraldo Panhoca - Caro deputado, acho que a melhor apresentação que poderíamos ter é o mens legis. Estamos na Casa das leis, e, sucedendo ao Ministério Público, não poderia deixar de falar de legislação também. Como meus próprios colegas e amigos disseram, fui citado a manhã inteira, em todos os depoimentos, mas com imensa felicidade, porque 85% desse texto nasceu de uma comissão da qual tive o prazer de fazer parte no Ministério, presidida pelo Pelé, na oportunidade. Então é com muito orgulho que venho a Minas, terra do Pelé, para falar de um trabalho que fizemos a 10, 12 mãos. Parabenizo-o. Realmente o senhor nos deu uma aula sobre formação de atleta. Farei uma pequena complementação, porque realmente entendi que o senhor explicou muito bem o trabalho feito lá em 1997, pelo art. 29 da Lei Pelé, o direito do clube formar, como o direito do cidadão de ser formado. Parabenizo-o, porque é esse o entendimento que gostaríamos que todos aqui tivessem.
Entretanto trarei algumas peculiaridades, porque estamos discutindo futebol, como bem disse o senhor. Por que apanhamos de 7x1 vamos renovar? Só que teremos uma olimpíada daqui a dois anos, que também é desporto com “d”, e não esporte, que é modalidade. Meu jovem, na imprensa, vocês ensinaram mal, o nosso povo está escrevendo “esporte” nos jornais. Somos lusófonos, e é desporto com “d”. E o desporto pode ter, na olimpíada, o mesmo resultado de 7x1, porque estamos preocupados com o futebol. E a Lei Pelé se refere a normas gerais do desporto, para todos, para todas as práticas. Dentro de todas as práticas há essa diferenciação, porque é rendimento.
Terei que ser repetitivo em algumas coisas, porque fizemos uma compilação de palestras muito próximas, e fico feliz por isso. Tentarei complementar o que o senhor disse; e aquilo que eu não disser, o senhor já disse. Então conseguiremos trazer a este Plenário a grande preocupação, que é o nascedouro. O nascedouro vem exatamente do desporto educacional, em que ele não é atleta. O Brasil teve a petulância de dizer ao mundo, em 1997: “Atleta nasce aos 14 anos - atleta de desporto de rendimento; antes ele é educando em iniciação desportiva e não pode ser submetido à hipercompetitividade”.
Isso chocou o mundo num primeiro momento. Na sequência, vimos que o mundo adota 14 anos no vôlei e no basquete e 15 anos no atletismo. A Fifa ainda fica com 12 anos para os países subdesenvolvidos. Na Europa, realmente são 18 anos. Tínhamos um problema. Todas as vezes que levávamos para a comunidade brasileira a idade de 14 anos para o início da atividade de atleta, recebíamos... Só que as nossas campeãs mundiais de ginástica, seja olímpica ou rítmica, têm 11 e 12 anos. No entanto o tempo veio, coroou e deu a grande Medalha de Ouro à Lei Pelé. Em Beijing 2008, a ginástica eleva a idade da ginasta para as olimpíadas em 16 anos, porque abaixo de 14 anos não é prática esportiva, mas mutilação precoce da nossa criança. Felizmente, embora só em 2006 e 2007... Talvez o senhor não saiba, mas tive oportunidade de participar do ministério em São Paulo, levando o exemplo do Audax, que era um clube essencialmente formador de atleta, onde 95% das normas foram cumpridas e as 5% restantes foram acrescentadas por pedido, o que norteou, de certa forma, a cartilha apresentada pelo ministério. Houve um trabalho grande do Audax, um projeto do Abílio Diniz que, infelizmente, acabou porque o grupo Pão de Açúcar foi vendido. No Brasil, tem muito disso, os bons exemplos, às vezes, nessas mudanças.
O Ministério Público veio ao encontro da proteção da nossa criança. O Conselho Regional de Educação fez o que o Conselho Federal de Educação Física não fez, porque vimos aqui a solicitação do Ministério Público. Hoje o profissional de educação física, na faculdade, tem duas formas de se formar: três anos ou quatro anos. Para se formar em três anos, não pode dar prática desportiva, ou seja, é impedido pelo seu diploma. Aí, pergunto: como farei desporto educacional se o professor de educação física não está legitimado para prestar atenção a essa criança? Precisamos pensar de forma diferente.
Fiquei feliz, doutor. Desculpem-me, mas foi a grande notícia boa do dia, porque foi o primeiro que aqui passou e leu a Lei Pelé na íntegra. Ela tem 16 anos. Para discutir uma legislação, é preciso conhecê-la toda, além de conhecer o desporto. O que passou o Ruy, a Margarida e o João, não importa a modalidade... Outro dia, dentro de formação, tivemos... Vou mostrar o efeito nefasto do art. 94. O senhor já está autorizado a fazer uma ação civil pública contra o governo federal para revogar esse artigo por meio de qualquer medida. O art. 94 diz exatamente o que ouvimos aqui, do meu amigo dos árbitros. Ele disse que o árbitro não tem o seguro para entrar em campo que o torcedor tem. Vou desfazer uma afirmação. O art. 94, editado em 2011, excluiu o seguro de acidentes e a obrigatoriedade de dar escolarização ao atleta maior de 14 anos praticante de todas as demais modalidades, exceto o futebol. Nada mais odioso. Está aí, senhores. Procurem a Lei Pelé e vejam o que diz o seu art. 94.
De 1997 para cá - aliás, a lei foi aprovada em 1998 -, viemos criando mecanismos e melhorando. Em 2003, o art. 29, por meio do ministro Agnelo, teve uma grande melhoria. Sentíamos já, nos cinco primeiros anos, que precisava melhorar. Tivemos agora, em 2011, a grande perda. O Ministério Público e o Ministério do Trabalho precisam agir.
Não podemos permitir que tenhamos um artigo tão violador de direito quando a Constituição diz que todos são iguais perante a lei. Estamos vendo que a lei acabou se transformando só para o futebol. Ela não nasceu assim; ela foi, ao longo do tempo, nas suas quatro alterações, chegando ao ponto de tornar opcional na relação clube-atleta ter um seguro contra acidente, um plano de assistência médica. Se o senhor não leu, eu posso ler aqui para o senhor. Essa situação tivemos há um ano e meio. Laís Souza, atleta da ginástica, que acabou indo para os desportos no gelo, sofreu uma lesão muito grande em um treinamento. Como ela estava albergada pelo art. 94, porque ela não praticava futebol, não tinha nenhuma garantia de seguridade social apesar de ter mais de 15 anos de atividade desportiva e vinte e poucos anos de idade. A presidente Dilma, cantada em prosa e verso pelo Ruy, que vai fazer as grandes mudanças, edita uma medida provisória, dando a ela 10 salários de referência como aposentadoria por invalidez. Não teria sido mais fácil ela ter revogado o art. 94, porque aí seria para todos? Ou vamos precisar, todos os dias que houver um atleta lesionado, ligar para o Palácio e pedir uma medida provisória? É tão simples: basta a revogação de um artigo.
Deputado, não sei quantos daqui da Assembleia Legislativa foram para a Câmara Federal. Reúna os seus colegas e peça que reivindiquem a revogação do art. 94. Assim já melhora muito e ainda talvez ainda dê tempo de salvar uma medalha na Olimpíada de 2016. O que tenho absoluta certeza é que o nosso fracasso será tal qual os 10 a 1.
Por falar em 10 a 1, vou pegar o gancho do nosso Ministério Público. Ouvimos aqui futebol, futebol, futebol, dentro de uma lei de norma geral do desporto. E a lei divide, pela própria Constituição, em duas situações. É obrigação do Estado. Passamos cento e tantos anos sem o desporto ser citado na Constituição Federal. No Brasil, o desporto sempre foi, como disse o representante dos árbitros, uma imposição estatal, e nós a obedecíamos. Vinham RDIs dos CNDs e tudo o mais, e éramos obrigados a assumir. Um dia, a Constituição veio e nos deu o direito: a prática desportiva é um direito de todos, e uma obrigação do Estado o seu fomento. Criou-se uma relação: o Estado é obrigado a nos dar o fomento. Depois veio a lei ordinária - a Lei Pelé é a explosão do que está na Constituição -, seguiu tudo isso e veio trazendo os nossos direitos, que ela dividiu em dois, porque a própria Constituição já assim obrigava: tratamento diferenciado ao atleta profissional e ao atleta não profissional. Ela trata do desporto profissional, porque não existe modalidade amadora, não existe modalidade. Então não tem futebol profissional, não tem futebol amador, não tem basquetebol ou voleibol amador. A modalidade é única, ela traz a sua internacionalidade pela regra. Nós, agentes do Estado, ou o nosso Congresso ou a nossa presidente, com medida provisória, não podemos alterar a regra de prática. Sabemos disso. Mas é a única imposição internacional que nos é colocada. Quanto ao resto, toda regência é feita pela Constituição, que diz que é obrigação do Estado e um direito meu. Então devo pleiteá-lo.
Temos R$400.000.000,00 por ano de lei de incentivo dentro dessa renúncia. Já foi feita.
Se o governo tem a obrigação de fomentar e é incapaz de chegar a todos, porque a prática desportiva não é atividade governamental, ele chamou a sociedade e delegou: “Vocês estão autorizados a levar o meu fomento àquele atleta, àquela entidade, porque, sozinho, não consigo”. Chamou a sociedade civil, que, no momento maior, mostrou que tinha 6 bilhões de dívidas de impostos federais. Então, tínhamos um governo incompetente, pela falta de capilaridade, e um usuário incompetente pela irresponsabilidade da possibilidade de receber o recurso. Mas, ainda assim, a Constituição reservou a esse grupo o direito à liberdade. Não preciso de dinheiro estatal para tocar a minha. Então, é onde há a separação.
Recentemente, saiu o art. 18, “a”, de infeliz ideia, segundo o qual quem quiser dinheiro do governo tem de se submeter a uma série de situações, e quem não quiser está livre. Estamos discutindo futebol, que não quer o governo com ele. Ele tem capacitação própria, é independente, tem prerrogativa constitucional e não depende de ninguém. Estamos tentando incutir no dirigente do futebol algo que nunca vamos conseguir, porque o futebol é livre. A constituição dele lhe dá autonomia quanto à sua organização e ao seu funcionamento. Isso quer dizer que não há dependência, e o governo não pode intervir porque é uma norma constitucional.
No outro caso, tomemos como exemplo os clubes ou entidades que dependem do Estado. Aí, há normas bem rígidas, porque não há a unicidade do entendimento. Com isso, quero concluir que temos o INSS, órgão que arrecada a contribuição previdenciária tanto do empregador quanto do empregado. Ao citar o INSS, estou citando o desporto de rendimento à atividade profissional. O futebol tem uma regra clara de INSS, que arrecada 5% de toda a receita bruta do clube, e o seu empregado, atleta do futebol, de 8% a 11%, de acordo com a tabelinha na sua escala, limitado a um teto de 10 salários diferentes.
Num determinado momento, a lei também trouxe, nessa liberdade, no art. 87, que o atleta pode explorar sua imagem através de uma atividade comercial ou de uma relação civil. Novamente, a decisão do Estado contrariou essa lei que ele mesmo sancionou. Ao sancionar a lei, ele disse que todos os artigos eram válidos, porque o presidente da República tem o direito de vetar aquilo ou, por mecanismos próprios, buscar a inconstitucionalidade dela. Se ela não for declarada inconstitucional, o presidente sancionará que a norma é válida.
Então, o INSS tributa o atleta em 8% a 11%, e o clube em 5% sobre suas receitas. Consequentemente, está desatrelado da folha de pagamento. Quando faço R$20.000,00 de salários e R$1.800.000,00 de imagem, a Previdência, a Receita Federal ou o Poder Judiciário do trabalho diz que é fraude ao contrato de trabalho. Não posso admitir que seja fraude quando fiz rigorosamente o que está na lei, sem a presença da vítima. Não fraudei ninguém.
Eu, clube, contribuí com 5% de todas as minhas receitas para o INSS na forma da lei, e o atleta contribuiu sobre R$4.700,00 hipotéticos hoje. Atingiu o seu teto. Por que é fraude se eu alcancei o teto daquilo que a lei me impõe? Onde está o elemento fraudado, onde está a vítima da fraude, qual foi o segmento que violei?
Mas temos hoje aqueles 2 ou 3 bilhões, sendo que 45% são infrações fiscais dessa fórmula, que também bastava uma linha. Hoje estamos no Senado discutindo se a presidente Dilma vai dar um jeito de minimizar, dividir, perdoar isso. Não precisa, basta tirar a dívida que não é líquida e certa. É só cumprir a lei e reduziríamos isso violentamente. Porque fiz com o amparo da lei, e ao fazer com o amparo da lei, alguém presumiu ser fraude sem mostrar o dano causado. O único terceiro nessa relação é o INSS, porque todos os outros valores envolvidos na relação, segundo o art. 26 da Lei Pelé, ou o art. 444 da CLT, é uma relação de vontade manifestada pelas duas partes. Portanto, se livremente pactuei com o meu empregador ou com meu empregado, é absolutamente lícito e cristalino que aquele contrato é válido. Mas o Estado, que tem obrigação de fomentar, não consegue unificar a própria lei, e acaba gerando esse tipo de situação.
Hoje, o Poder Judiciário já discute isso. Já tivemos a primeira grande manifestação em 2006 e até um processo de Belo Horizonte, quando o ministro Levenhagen, que hoje preside o TST, separou salário, imagem e arena. Recentemente, no final de 2012, o ministro Caputo Bastos pelo menos no TST participou: “Não é fraude o contrato de trabalho, a bipartição, desde que respeitados os limites de contribuição”.
Só que hoje temos na Justiça Federal centenas de processos contra os clubes de futebol, e também outros tantos contra os clubes que praticam as demais modalidades, e que o art. 94 diz que não é uma atividade profissional, mas que estão sendo penalizados por fraude ou contrato de trabalho porque cumpriram o art. 94. A reformulação começa pura e simplesmente pelo cumprimento da lei que aí está. A lei é de 1997, sancionada em 1998. Bastam a leitura e a vontade política de fazer. Depois de colocada em prática, ver onde erramos e consertar. Muito obrigado.