GISELA ALENCAR, Oficial do Programa da Unidade de Meio Ambiente, Energia, Ciência e Tecnologia do Projeto das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD.
Discurso
Comenta o tema: "Os Aspectos Jurídicos, a Pesquisa e a Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio".
Reunião
143ª reunião ORDINÁRIA
Legislatura 14ª legislatura, 2ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 29/06/2000
Página 39, Coluna 3
Evento Ciclo de debates: "Minas Gerais e os Transgênicos".
Assunto AGROPECUÁRIA. CIÊNCIA E TECNOLOGIA. SAÚDE PÚBLICA.
Observação Participantes dos debates: Adenor Martins, Rafael Izidoro, Ângela Maria da Silva Gomes.
Legislatura 14ª legislatura, 2ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 29/06/2000
Página 39, Coluna 3
Evento Ciclo de debates: "Minas Gerais e os Transgênicos".
Assunto AGROPECUÁRIA. CIÊNCIA E TECNOLOGIA. SAÚDE PÚBLICA.
Observação Participantes dos debates: Adenor Martins, Rafael Izidoro, Ângela Maria da Silva Gomes.
143ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 14ª
LEGISLATURA, EM 30/5/2000
Palavras da Sra. Gisela Alencar
Em primeiro lugar, agradeço o convite formulado pelo Deputado
Edson Rezende e já me congratulo com a organização do evento. Acho
que este é um momento importantíssimo para Minas e para o Brasil.
Precisamos discutir. Quanto mais esclarecermos essas questões,
mais poderemos discernir entre o que fazer e o que não fazer.
Tenho um reparo a fazer quanto ao título da minha exposição,
porque, recentemente, fiz uma transição profissional. Nos últimos
anos, fui Consultora Legislativa da Câmara dos Deputados para
Direito Ambiental e Biopolítica e uma advogada ambientalista
militante. Continuo sendo membro da Comissão de Direito Ambiental
do Conselho Federal da Ordem da Seccional da OAB-DF, mas, no
momento, como fui convidada como Oficial da ONU, peço licença para
falar um pouco da dinâmica internacional desse tema, porque, a
rigor, não posso mais me pronunciar sobre questões de Direito
Interno e de política interna. Assumi esse desfio de estar no meu
País trabalhando com a implementação desses acordos
internacionais, na área de biopolítica especialmente, e espero que
isso seja frutífero. Espero, daqui a três ou quatro anos, que
tenha valido a pena.
Se não estivesse falando como Oficial de Programa da ONU, estaria
também escolhendo esse tema, porque, na semana passada, foi
adotado, na Conferência das Partes, da Convenção de Diversidade
Biológica, em Nairóbi, no Quênia, o protocolo de Cartagena sobre
biossegurança. Esse é um documento internacional de extrema
importância para o fortalecimento do regime global de proteção à
diversidade biológica. Faltava esse compromisso internacional e,
coincidentemente, em 1995, foi chamado esse protocolo no âmbito da
Convenção da Biodiversidade, e passamos a ter a lei brasileira de
biossegurança. De certa forma, o Brasil se adiantou ao consenso
internacional sobre a matéria. Veremos depois que a lei de
biossegurança não representa exatamente, no Direito Interno, o que
o protocolo representa no Direito Externo. Mas, simbolicamente,
sim.
Então, esse é o momento de celebrarmos, mas com algum cuidado.
Ainda não se tem a assinatura do Brasil nesse protocolo por razões
que desconheço e que agora não me compete investigar a fundo. O
Brasil não assinou, durante a Conferência das Partes, o protocolo
de biossegurança. Isso, para quem está acostumado com o processo
de negociação internacional, não quer dizer uma coisa tão
importante; é um fato da vida internacional que pode significar
que o Brasil precisa de mais tempo para pensar no compromisso que
vai assumir, mas pode não significar isso. Sou uma otimista, como
todo ambientalista, e espero que o Governo brasileiro esteja ainda
discutindo qual o nível do compromisso que vai assumir no
protocolo. Para mim, é inconcebível que um País que tem tanto a
proteger - do ponto de vista da diversidade biológica, somos o
primeiro país em média diversidade do planeta - não se comprometa
com a questão da biossegurança em nível global. Por enquanto, está
assim. Isso não quer dizer muita coisa. O Brasil tem ainda o prazo
de um ano para assinar esse protocolo, que já saiu de Nairóbi e
está à disposição, na sede da ONU, em Nova Iorque, até 4/7/2001.
A partir daí, do ponto de vista do Direito Internacional, o
Brasil já não poderá ser signatário desse protocolo, tendo que
aderir a ele, o que dá ao Brasil um “status” inferior do ponto de
vista do compromisso, mas de forma simbólica. O Brasil fará parte
do protocolo, mas não poderá ser seu signatário. Não queremos que
isso aconteça.
O que quer dizer um protocolo do ponto de vista internacional?
Não farei uma exposição sobre Direito Internacional, mas, em
termos muito gerais, quando se tem uma convenção, elabora-se um
primeiro documento concreto, que resume um consenso internacional
sobre o assunto. Sabemos que não há um governo central mundial, e,
assim, toda a regulamentação internacional baseia-se em um
consenso. Isso, às vezes, é bom; às vezes, é ruim.
A Convenção de Biodiversidade é revolucionária e abriu espaço na
discussão internacional sobre a proteção do meio ambiente e da
cultura associada ao ambiente, assuntos cuja regulamentação é
muito difícil de implantar, por mexer com estruturas de poder já
bastante consolidadas no mundo. Esse é o primeiro consenso. A
Convenção da Biodiversidade, assinada em 1992, na Conferência do
Rio, era uma convenção-quadro, que vinha como um novo guarda-chuva
para decidir sobre a proteção de recursos genéticos de espécies e
de ecossistemas, e a variabilidade entre as três categorias de
forma na Terra. Sendo assim, não podia ser muito específica.
Chamava para o compromisso internacional na área das novas
biotecnologias e das transferências de biotecnologias, mas, em um
segundo momento, de consolidação do regime.
A Convenção de 1992 está em vigor, internacionalmente, desde
dezembro de 1993, e, no Brasil, desde março de 1994. Entretanto,
somente agora, na última semana, foi aprovado o protocolo de
biossegurança. O texto adotado foi aprovado definitivamente, em
Montreal, em fevereiro deste ano. Esse processo é lento, e esse
protocolo atende a demandas bastante amplas de vários setores que
vinham discutindo a questão. Não é um protocolo de promoção da
biotecnologia, consegue ser um protocolo que se atém à questão da
biossegurança, já que existe o risco de, em nome da biossegurança,
falar-se em promoção de biotecnologia e engenharia genética. Esses
assuntos são distintos, e eu me segurarei, como advogada, para não
fazer distinções técnicas.
O protocolo traz algo de novo para o Direito Internacional, e
devíamos celebrar. O Brasil, inclusive, deveria orgulhar-se por
fazer parte dele, pois consolida o princípio do consentimento
prévio informado. Isso significa que todas as atividades de
exportação deliberada de organismos vivos geneticamente
modificados terão que acontecer por meio de mecanismo bastante
sofisticado, de ampla informação prévia.
A brilhante palestra do Prof. Valle nos mostrou o que pode
acontecer em nome da informação. A informação prévia, que habilita
um País a admitir a importação ou não de um organismo vivo
modificado, tem que ser qualificada e considerada suficiente. Não
basta qualquer informação. E o protocolo consolida esse princípio.
Além desse, consolida outro, também muito importante para o
Direito Internacional e para o Direito Interno: o princípio
precautório, ou da precaução, que foi muito discutido nos últimos
anos, na questão da soja transgênica.
Na falta de certeza científica sobre um dano, uma ameaça de dano,
um risco ao meio ambiente, esse é o princípio maior da declaração
do Rio, de 1992, ao meio ambiente, no caso específico, da
biossegurança, da conservação e do uso sustentável da diversidade
biológica e da saúde humana. Então, no caso de haver um risco de
dano, de impacto negativo à conservação e ao uso sustentável da
diversidade biológica e à saúde humana, não se aguardará a certeza
científica sobre a sua causa. A precaução impõe-se, porque, muitas
vezes, ao se ter a certeza científica, o dano é irremediável.
Quando estamos falando de vidas, isso está muito claro, não se
pode remediar, pois não conseguimos ainda, apesar de todas as
quimeras, refazer vidas no laboratório.
Portanto, fazem parte do Protocolo de Biossegurança o princípio
precautório e o princípio da prevenção, que também é muito
importante. Quando sabemos que esse risco existe, que esse dano
existe, em nenhuma hipótese, podemos deixar de preveni-los. São
princípios diferentes. Segundo o princípio da precaução, não se
pode exigir a certeza de que a ponte vai ruir, a fim de que suas
estruturas sejam fortalecidas.
Existe ainda outro princípio, recuperado pelo mesmo Protocolo -
celebrado e comemorado, porque está na legislação -, que é o da
revisão, uma norma do direito internacional comum, ou seja, aquele
consenso mantém-se enquanto o contexto mantém-se o mesmo. Digamos
que um país autorizou uma importação baseado na informação
corrente. Foi bem informado, mas a informação corrente que estava
à disposição indicava ausência de risco ou risco controlável. Se
dali a pouco aparecer a comprovação de que é o contrário, esse
país, sem precisar recorrer a grandes mecanismos internacionais,
pode, legitimamente, inverter sua decisão. Então, pode revisar a
sua decisão com base no que julgar necessário e suficiente, porque
o país, por enquanto, ainda é soberano.
É importante celebrarmos esse Protocolo, é importante que a
sociedade brasileira saiba de sua existência, porque, neste
momento, o Brasil tem mais força, pois toda a legislação nacional
sobre biossegurança, proteção ambiental e vigilância sanitária
começa a fazer mais sentido do ponto de vista da articulação entre
direito interno e direito internacional.
Estou refletindo sobre as implicações da adoção desse Protocolo,
que, por enquanto, ainda não está em vigor internacionalmente. Nas
duas últimas semanas, em Nairóbi, setenta e poucos países o
assinaram. No entanto, ele só poderá entrar em vigor quando 50
desses países o ratificarem, porque não adianta somente assiná-lo.
Cada um desses países tem de fazer o dever de casa, “domesticando”
esse compromisso no direito interno. Os Chefes de Estado ou de
governo têm de depositar um instrumento de ratificação no
secretariado da convenção da biodiversidade, que é o mesmo
secretariado do Protocolo, em Montreal. Assim, 90 dias depois que
50 países fizerem isso, entra em vigor internacionalmente o
Protocolo de Biossegurança. Portanto, temos ainda um tempo pela
frente. No plano interno, em cada país, depois que o país o tiver
ratificado e tiver depositado no secretariado da convenção o seu
documento de ratificação, o Protocolo entrará em vigor após 90
dias.
O que significa essa articulação internacional e nacional de
biossegurança? Significa que vai ficando muito evidente que a
biossegurança é uma questão, ao mesmo tempo, de governo, de
governança e de governabilidade.
O que quero dizer com isso? É uma questão de governo, porque
temos de articular um grande concerto governamental, além de ser
uma questão de Estado, ou seja, temos de ter Legislativo,
Judiciário e Executivo entendendo o que um está falando para o
outro. Mas, principalmente dentro do Governo, temos de ter um
amplo e transparente diálogo entre os setores que trabalham com
direito do consumidor - no caso brasileiro, o Ministério da
Justiça -, porque nesses setores é que vai-se estar reproduzindo,
inclusive no nível estadual, a questão de como se regulamenta a
rotulagem, a segregação e a rastreabilidade de organismos
geneticamente modificados. Vamos precisar de uma articulação com o
Ministério do Meio Ambiente, que tem o poder de fiscalizar toda
liberação, em determinado ambiente, de organismo geneticamente
modificado e tem obrigação de observar não só a política nacional
de meio ambiente, mas também a legislação nacional de proteção
ambiental; com o Ministério da Saúde, que tem o compromisso de
fiscalizar, através da Vigilância Sanitária e dos outros órgãos
que compõem o sistema de saúde no Brasil, toda a questão dos
impactos na saúde humana, tanto dos alimentos como dos
medicamentos e outros produtos derivados dos transgênicos; com o
Ministério da Agricultura, que tem de lidar com os transgênicos,
que têm características semelhantes aos agrotóxicos, que têm
características herbicidas ou inseticidas. Ele tem de lidar com os
transgênicos da mesma maneira, portanto, e aplicar a mesma
legislação, que é muito específica. Tem, também, de trabalhar com
a proteção do solo - já está sendo desenvolvida no campo
internacional uma convenção para tratar especificamente desse bem
preciosíssimo, cada vez mais ameaçado, que é o solo -, com a
segurança alimentar e com os direitos do agricultor.
Estou falando rapidamente, pincelando o que cada Pasta do Governo
vai ter de tratar, de conversar. Todo mundo vai ter de falar a
mesma língua. E isso vai ter a mesma repercussão nos âmbitos
estadual e municipal.
E o Ministério das Relações Exteriores, junto com o Ministério do
Desenvolvimento, vai ter de trabalhar uma questão seriíssima. Por
exemplo, temos, em Estados que fazem fronteira com outros países,
a questão seriíssima da contaminação não intencional ou
intencional de produtos - estamos falando dos transgênicos - que
são plantados, o que caracteriza, por exemplo, que a soja do Mato
Grosso do Sul, na fronteira com o Paraguai, corre o risco de não
poder ser qualificada como soja limpa, porque, na agricultura do
lado paraguaio, vizinhos plantam soja transgênica.
Vamos ter de estabelecer neste País - se houver uma política de
comércio exterior que privilegie os ganhos que a agricultura
brasileira possa auferir por ter produtos não transgênicos - uma
política de faixa de fronteira, uma política que interessa,
portanto, aos Ministérios das Relações Exteriores e do
Desenvolvimento. Estou fazendo essa pincelada para dizer por que
isso é uma questão de governo.
Cada um desses temas a que me referi daria uma conferência em si.
E por que é uma questão de governança? Governança é diferente de
governo. O governo precisa estar articulado com diversas
instituições da sociedade que não são governo, mas que têm de
estar articuladas, têm de falar a mesma língua.
Esses eventos deveriam acontecer de segunda a sexta-feira, para
que todos pudessem entender o que está acontecendo. Não adianta
ninguém dizer a verdade. Eu não tenho a verdade, o Sebastião
Vieira não tem a verdade, o Sr. Sílvio Valle não tem a verdade, o
Luiz Antônio Barreto de Castro também não. Ninguém aqui, por
enquanto. Quem disser que sabe o que está falando, muito
concretamente, quando está falando de organismos geneticamente
modificados e de todos os desafios que aparecem com as novas
biotecnologias está, a meu ver, equivocado.
Então, é uma questão de governança, porque têm de estar todos
esses setores muito bem articulados, para que possamos falar da
possibilidade de se ter uma política nacional de biossegurança.
Portanto, no âmbito estadual, isso se traduz pela possibilidade de
se ter uma política estadual de biossegurança, senão não existe.
Se não há articulação, a política não acontece.
E é uma questão de governabilidade, porque, se o Brasil, como
país, não se dá ao trabalho de pensar sobre esse tema, de encarar
esse megadesafio, que é proteger a sua megadiversidade, alguém vai
fazer isso.
Esse não é um assunto que vai ficar no vácuo. Ninguém vai
esperar. A economia internacional não espera, o mundo não vai
esperar que o Brasil ou o México - mas o que estou falando pelo
Brasil serve para qualquer outro país, especialmente sobre o
desenvolvimento - forme um juízo sobre esse assunto. É importante
que, enquanto a bicicleta está em movimento, consigamos pensar e
tomar decisões, pensando no princípio do protocolo de
biossegurança, da possibilidade concreta de rever as decisões a
cada momento que somos informados com mais detalhes e precisão
sobre elas.
O que considero megadesafio, nesse caso, é o da capacitação.
Temos um dever de casa seriíssimo, que é habilitar para decidir
sobre esse tema. Médicos, cientistas, agrônomos, juristas,
especialistas das mais diversas áreas têm que se reunir,
considerar que essa é uma matéria na pauta e capacitar, das
maneiras já existentes, por meio da cooperação internacional, um
pouco a partir do que pretendo fazer, mas também em nível
nacional.
Agradeço muitíssimo pela oportunidade. Obrigada.