FREDERICO DUARTE GARCIA, Coordenador do Centro Regional de Referência em Drogas - CRR - da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Professor adjunto do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFMG
Discurso
Legislatura 18ª legislatura, 3ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 06/01/2018
Página 21, Coluna 1
Evento Encontro Internacional Descriminalização das Drogas
Assunto DROGA. SAÚDE PÚBLICA. SEGURANÇA PÚBLICA.
Observação No decorrer do pronunciamento, procede-se à exibição de "slides".
Proposições citadas RQC 9301 de 2017
35ª REUNIÃO ESPECIAL DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 18ª LEGISLATURA, EM 17/11/2017
Palavras do Sr. Frederico Duarte Garcia
É sempre arriscado ser o primeiro. Muito obrigado, deputado Antônio Jorge, muito obrigado a todos os presentes. Eu preparei uma apresentação pequena, mas que tem algumas informações que acho importantes.
Há mais ou menos um mês, pediram-me para fazer uma apresentação sobre o que aconteceria se liberássemos a maconha recreacional. Antes de falar de liberação, tenho que falar de conflitos de interesses. O primeiro conflito de interesses que eu tenho é o seguinte: eu faço pesquisa, por isso tenho trabalhado com um monte de parceiros. Mas eu gostaria de falar de um conflito de interesses que é o mais importante para mim que é a minha filhota que hoje está com dois anos e pouquinho. O Leandro Ramirez diz muito que tem um conflito de interesses que é o próprio filho que precisa de canabidiol para não ter convulsões. E o meu conflito de interesses é minha filha. Eu gostaria que minha filha vivesse em um mundo menos arriscado, com menos perigos, um mundo onde os riscos fossem menores, e, sobretudo, que ela não tivesse risco de se tornar uma dependente química porque, vindo de uma família onde existem vários casos de dependência química, sabemos quanto isso é difícil. É difícil ser um patinho feio quando estamos falando sobre drogas, sobretudo em um debate que está tão politizado. Hoje a questão das drogas se tornou política, e não de saúde, não é mais pensarmos o que a droga acrescenta e tira da sociedade. Dizer que só acrescenta é falso. Entraríamos em um discurso muito sem argumentos. Também não tenho bola de cristal. Não tenho como adivinhar o que vai acontecer. Teríamos que usar algumas informações do que já aconteceu e do que está acontecendo para falarmos o que poderia acontecer.
Agora vamos buscar na história o que aconteceu. Vamos falar de ópio e de China. Quando falamos da Guerra do Ópio, todos se lembram que os ingleses tinham uma balança comercial desfavorável e resolveram melhorar essa balança comercial com a China, que era o primeiro produtor de manufaturas desde o século XVII. E, quando a Inglaterra conquista o Paquistão, maior produtor de ópio do Planeta até hoje, eles resolvem mudar essa balança levando ópio para a China. Dentro das cidades portuárias acabamos tendo um grande problema, porque a força de trabalho rapidamente gostou de ópio, droga não é apenas ruim, droga é bom, e com o tempo eles começaram a ter vários problemas por causa do ópio, inclusive o de não ter estivadores para carregar navios. Se vocês pararem para pensar, um país que precisa exportar não ter gente para carregar navios é um problema. E isso começa a ser um problema.
A segunda coisa que acontece é que os produtores de manufatura começam também a não ter pessoas para produzir manufaturas, o que do ponto de vista econômico começa a ser um grande problema para a China. Isso acabou levando o imperador a proibir o consumo de ópio nessas cidades portuárias. E quando se proibiu, os ingleses, que já tinham visto que tinham uma vantagem bélica em relação à China, resolveram fazer uma guerra. Ganharam os principais portos exportadores da China como compensação de guerra, e a China deixou de exportar.
Temos uma segunda guerra do ópio, sobre a qual não vou entrar em detalhes, mas o que eu quero contar com essa história é que droga é bom, mas tem consequências e algumas dessas consequências, por vezes, são bélicas e de empobrecimento de uma nação. Estamos aqui com debatedores de Portugal e do Uruguai, países que fizeram essas perguntas, tanto é que Portugal se qualificou muito bem com relação às respostas que quis dar, mas há perguntas que a gente tem que fazer. Quantas pessoas de fato vão se beneficiar com uma liberação do “tráfico”, porque existem vários termos, vocês vão ver. Quais as consequências da queda da produtividade, no número de acidentes, na redução do bem-estar? Como isso vai colaborar ou como vamos controlar o uso as drogas entre os nossos adolescentes? Qual o impacto disso sobre o tráfico e a violência? São perguntas que ainda não estão completamente respondidas. Que bom, de fato, podemos fazer um experimento social, mudar uma lei, sobretudo uma lei que influencia tanto o comportamento. É uma espécie de experimento social que pode trazer respostas, mas que tem um custo, e não podemos negligenciar o custo.
Falando de liberação, houve um presidente que quase caiu porque tentou fazer a liberação de uma coisa tão simples em nosso país que foi o biquíni. O Jango teve um problemão quando foi liberar o biquíni, mas a sociedade tomou a decisão por si, liberando-o Por isso não teve como combater o biquíni no Brasil que hoje é moda, funciona, e é um símbolo de liberdade, prazer e várias coisas. Eu trago isso porque quem de fato vai decidir se deve ou não liberar não somos nós, médicos, não são os políticos, não são os policiais. Quem de fato tem que decidir é o povo. Quando o povo decide, a gente usa biquíni.
E qual é a opinião do povo sobre a legalização da maconha hoje no Brasil? Essa é uma pesquisa que já está um pouquinho desatualizada, foi feita em 2012. Foi o último Levantamento Nacional de Drogas – Lenad – que temos disponível. E, quando perguntados, 75% dos brasileiros discordam da liberação. Nós temos 11% que concorda. O resto não sabe ou não quis responder sobre esse tema. Eu acho que vontade do povo é vontade do povo e tem que ser ouvida.
A outra questão é: liberação de drogas é uma questão social, judicial, médica, econômica? Eu acho que todos esses aspectos devem ser pensados antes de mudarmos a legislação e acho que eles têm que ser mais bem-discutidos. É por isso que eu trago aqui essa apresentação, porque vou tentar discuti-los, com as poucas informações e conhecimentos que eu tenho sobre como isso funciona, porque ainda temos muito pouco.
A outra confusão é com tantas palavras: “liberação”, “legalização”, “regulamentação”, “despenalização”, “lei de tráfico”, “uso”, “venda”, “produção”, “microtráfico”, “tráfico”. São vários termos que estão sendo discutidos. A maior parte das pessoas com quem converso, eu inclusive, acabam se confundindo com tantas palavras complexas que temos de tentar entender e explicar.
Esses são os problemas, agora vamos atrás das soluções. Cultivo individual, cooperativa de produção, indústria estatal, indústria terceirizada pelo Estado, liberalismo. Eu acho que tudo isso também está envolvido nesse debate. Quem vai produzir, como vai produzir, como vai comercializar, como vai beneficiar, como vai distribuir, como vai publicizar. São questões muito importantes que vamos ter que enfrentar um dia.
Várias pessoas chegam a mim discutindo. Existem duas visões: a visão dos chatos, e aí eu normalmente estou entre eles, que são os médicos que dizem que há consequências, que é um problema, que isso não deve ser feito; e existe uma visão dos progressistas idealistas.
O que considero legal também, pois todo debate tem que ter, pelo menos, duas visões para que possa existir, senão não é um debate. Mas meu medo é que essa outra visão, hoje, a chamada progressista, tenha um viés escondido: o viés econômico, de que não podemos nos esquecer. A indústria do tabaco perdeu mercado em nosso país: em 1990, 42% da população adulta era tabagista e, em 2014, apenas 11% da população era tabagista. Portanto houve uma perda de mercado para produtos fumígenos, e, quando se perde mercado, vai-se buscar em outro lugar, seja mudando a qualidade, seja mudando o tipo, seja mudando o produto. Então, não podemos nos esquecer de que, por trás desse debate, existe uma questão econômica, um viés econômico que não é negligenciável. E, ao falar de viés econômico, precisamos pensar tanto do lado de quem vai ganhar, a indústria, quanto do lado de quem vai perder, o cidadão, que vai pagar com câncer do pulmão, com a prevalência de doenças mentais, com o aumento de pessoas com incapacidade. Existe um custo também. Estamos desenvolvendo um artigo sobre o custo do álcool no Brasil. Posso dizer-lhes que só o custo do álcool é pago pelos cidadãos, mais ou menos, entre 10 e 100 vezes o que é arrecadado de impostos, ou seja, como cidadãos, estamos pagando por causa da indústria alcooleira um valor muitíssimo maior do que é recebido com impostos. Portanto, existem consequências, e precisamos discuti-las.
Vou fazer uma ironia porque a considero importante aqui. O problema dessa visão idealizada é que ela pode ter distorções. Quando vamos a campo, constatamos que a realidade é diferente; a realidade da dependência química é muito dura. Essa imagem é uma das muitas veiculadas mundo afora sobre a cracolândia do Brasil, em São Paulo. Esse é um exemplo de onde a droga foi totalmente liberada, pois lá o Estado mantém um pé, mas não mantém direito – vamos dizer assim. De fato, esse espaço deveria existir? Essa é uma pergunta que sempre faço. É um espaço da exclusão social extrema, infelizmente. Esse espaço nunca deveria existir. As pessoas estão ali só por causa da droga? Não. Elas nunca estarão ali só por causa das drogas, mas devido a doenças mentais, à exclusão social, à ruptura com a família, enfim, são outras múltiplas razões. Entretanto, muitas estão ali porque a droga, em algum momento, entrou em sua vida, e o lugar para onde, infelizmente, a sociedade acaba levando essas pessoas é esse lugar de exclusão. Obviamente, precisamos debater isso, pois esse não é o lugar dessas pessoas.
Quando fizemos o censo de população de rua em Belo Horizonte – a Soraya Romina está ali para não me deixar mentir –, o que vimos foi muitas pessoas com doença mental, com dificuldades, com estigmas e também com problemas de drogas, mas essa não é a regra. Esse é um lugar perigoso para deixarmos o Estado manter, pois, de certa forma, nós estamos mantendo a existência desse lugar com pessoas em situação de exclusão extrema.
Aí, entra sempre um discurso interessante: o que aconteceu no Colorado? Todo o mundo morre de curiosidade para saber se o Colorado, de fato, se coloriu depois que se liberou a maconha e como isso funcionou. Vou citar alguns dados que considero importantes neste debate. Vamos falar de dinheiro, pois não há como falar de drogas sem falar dele; uma população sem dinheiro não consegue consumir drogas, ou seja, droga não é uma necessidade essencial do ser humano, é algo a mais que entra em sua vida quando ele tem disponibilidade de dinheiro ou oferta. Esse é um site pró-cannabis chamado Lombra, e fiz um estudo grande desses sites para fazer essa apresentação. Lá eles dizem: oito motivos urgentes para legalizar a maconha no Brasil, mas vejam a grande quantidade de propagandinha das coisinhas que podem ser usadas junto com a maconha, cultivo, etc. Então, realmente existe muito boa-vontade e desejo de ajudar as pessoas, mas existe também interesse em dinheiro nessa história, não vamos nos esquecer disso. E, quando falamos em dinheiro, vamos pensar no tabaco, que moveu e move muito dinheiro. Enquanto moveu muita grana, convenceram as pessoas de que elas precisavam fumar e, de tal forma, que chegamos a quase 60% da população adulta fumando no mundo, o que hoje custa, por ano, 5 milhões de mortes. Quero, portanto, dizer que, se não houvesse hoje o tabaco no mundo, haveria 5 milhões de pessoas produzindo e vivendo com qualidade, e não estaríamos pagando pelo tratamento de câncer, por incapacidade, por afastamento, etc.
Mas vamos continuar. Talvez vocês não consigam ver a argumentação, mas os argumentos são mais ou menos os mesmos, aliás, o que muda entre um site e outro é, mais ou menos, a forma de comunicar, o público para o qual estão comunicando: os mais jovens, os mais velhos, os mais maduros. Isso é comunicação, estão tentando levar para todo o mundo argumentos para consumirem os produtos com tranquilidade. Isso se chama construção de mercado. Entre os argumentos, um é a diminuição da violência do tráfico, e considero-o um ótimo argumento. Se conseguíssemos diminuir os aprisionamentos, se as pessoas tivessem melhores condições para sair nas ruas, tranquilas, seria perfeito; esse é um excelente argumento. Mas vamos para os dados. Quando falamos de contrabando, que seria uma forma de tráfico de droga, constatamos que o Brasil hoje é um dos campeões. Considero importante um dado da Polícia Federal: o cigarro contrabandeado no Brasil representa 70% dessa atividade no País. Estima-se que 50% do cigarro atualmente consumido é contrabandeado, ou seja, é um produto legal, lícito, é permitido produzi-lo, comercializá-lo, divulgá-lo, mas ainda assim existe contrabando, o que faz com que o Brasil deixe de recolher R$4.500.000.000,00 de impostos. Vamos resolver essa conta adiante.
E o Colorado? Coloriu? Sim. Diminuíram quase pela metade as prisões por posse. Mas esperem, não diminuiu tudo? Isso é engraçado. Diminuíram, de 6% para 3%, as prisões, ou seja, 50%, só que o número de prisões por tráfico aumentou em 1/4. Ora, se podem produzir, vender, comercializar, como o tráfico aumentou então? O número de apreensões de drogas vindas de fora para dentro do Colorado é considerado tráfico dentro do Colorado, e o número de prisões aumentou porque é mais fácil e barato produzir drogas fora do Colorado, onde não há tarifas, controle de qualidade, nada, e obviamente o consumidor não quer pagar mais por isso. Essa é uma pergunta que precisamos fazer. Quando levamos esse debate para as classes média e alta, é fácil responder: “Ora, eu compraria maconha para meu filho, pois seria bom ele não correr riscos”. Isso é ótimo. Entretanto, as pessoas das classes mais baixas vão poder, de fato, comprar mais caro? Haverá recursos para isso? A bucha a R$5,00, na boca, e a R$50,00, na farmácia, vai fazer mais ou menos exclusão social? Vamos ser francos. Vamos diminuir, de fato, a quantidade de pessoas pobres excluídas ou acentuá-la? É importante fazer essa pergunta.
Outro argumento é a geração de empregos. De um lado, realmente, vamos gerar muito emprego, mas não será para quem necessita desse emprego. Precisaremos ampliar as equipes médicas, pois, quando se aumenta a disponibilidade e a aceitação de uma droga, necessariamente se aumenta a sua experimentação e, assim, haverá um outro aumento importante: o número de dependentes. Quando há a liberação ou a autorização para que as pessoas consumam, há um selo, uma outorga do governo no sentido de que aquilo não tem problema. Assim, aumenta-se a percepção de segurança, e vamos arriscar que haja o aumento do número de dependentes.
Aqui, vemos parte das consequências, como o número de hospitalizações por drogas ilícitas, que aumentou muito em nosso país e vem caindo neste momento, mas não é uma questão negligenciável, sobretudo se vamos falar de custos.
O Colorado diz que criou 10 mil empregos, mas ainda não consegui achar em que ramos ou a quantificação precisa disso. Fala-se muito, mas a secretaria estadual de empregos não tem nenhum dado a mais publicado nem nenhum dado que ateste a verdade dessa informação. Entretanto, vou colocar na conta que se criaram 10 mil empregos.
A outra questão é a melhoria da economia e a diminuição da desigualdade social, e vamos falar disso. Legalizar a maconha poderia render até R$6.000.000.000,00 em impostos. Esse é um número vultoso, mas será que ele paga as contas? Em princípio, sim. Se olharmos a diversidade de produtos enriquecidos com maconha que foram criados, vamos nos assustar. Hoje, no Colorado, conseguimos comprar leite, barrinha de cereal, óleo, enfim, uma série de produtos enriquecidos com maconha, THC, etc. O que é isso? Vamos falar sério. O que acontece quando diversificam o número de produtos? Diversifica-se também o número de consumidores. E, forçosamente, já não estaremos mais falando do consumo de um baseado, mas sim de um leite que estará em nossa casa e que poderá ser usado na mamadeira de nossa filha; de uma barrinha de cereal que ela poderá levar para consumir na escola; enfim, de uma série de produtos que trará consequências: a exposição ao THC, ao canabidiol. Isso é bom, mas há consequências.
Vamos agora falar em quanto o Estado gasta. Vejam que interessante: comecei a fazer a minha busca e hoje percebi que, no próprio site do jornal, começaram a me dizer: “O crime é não experimentar”. Então, penso que o próprio jornal pensou que eu estava interessado no negócio e começou a me enviar propagandas. Mas vamos lá: o gasto do SUS com dependentes químicos chega a R$9.100.000.000,00 em uma década, ou seja, são gastos maiores que os benefícios que a maconha traria.
Vamos fazer uma conta? Esses dados aqui são meus. Fizemos um estudo em Belo Horizonte – a Soraya está aí para provar: o Conhecer e Cuidar. Avaliamos 9 mil domicílios na cidade e conseguimos uma informação precisa com relação ao que acontece com o consumo de drogas na cidade. Atualmente, a população brasileira gira em torno de 200 milhões. Deles, 7% experimentaram maconha, ou seja, 14 milhões de pessoas; 3% fazem uso regular, ou seja, usaram no último ano, o que representa 6 milhões de habitantes; 1% é dependente de maconha, ou seja, 2 milhões de pessoas são dependentes de maconha no País – vejam que não estamos falando de 20 mil pessoas, mas de 2 milhões, o que é um dado nem um pouco negligenciável. Agora, vamos imaginar que liberassem a maconha, de hoje para amanhã, e a prevalência de experimentação crescesse três vezes. Assim, passaríamos de 14 milhões para 42 milhões de pessoas que experimentam; de 6 milhões para 18 milhões de pessoas que fariam o uso regular; e de 1% para 3%, ou seja, de 2 milhões para 6 milhões de brasileiros que seriam dependentes, teriam transtornos por uso de maconha.
Agora, vou fazer uma outra conta: e se chegássemos à mesma prevalência de experimentação de álcool hoje no Brasil. Teríamos: 70% da população, que experimentam, ou seja, 140 milhões de brasileiros; 50% da população, que fazem uso regular, 100 milhões de brasileiros; e 5% com dependência de maconha, ou seja, 10 milhões de brasileiros. É preciso fazerem essa conta antes de se pensar em uma medida tão drástica quanto a liberação, pois tratar 10 milhões de pessoas é tratar de uma grande epidemia, é um problema para o País. E colocar 10 milhões de pessoas em uma situação de vulnerabilidade profissional ou laboral traz um impacto não negligenciável para nossa economia.
A outra conta que eu gostaria de fazer é a seguinte: quanto custa cada comissão por ano? É óbvio que não vou falar do sofrimento que existe em nossas prisões; é óbvio que não vou falar da desumanidade que é colocar uma pessoa na prisão no Brasil hoje; é óbvio que não vou falar de quanto é desumano deixar 60 pessoas numa cela de 3mx3m, com banheiro único, é óbvio que não estou falando disso.
A condição de prisão no Brasil não é uma questão de liberação de drogas, mas um caso de direitos humanos. É outra discussão. De fato, queremos punir essas pessoas dessa forma ou queremos colocá-las em uma situação das mais desumanas possíveis? Vamos falar de outro lado. Quanto custa, hoje, um preso no Brasil? É um péssimo investimento, mas ele tem um custo, e temos de pensar de quanto ele é. Se formos pensar que essa pessoa trabalhava e pagava INSS, vai receber auxílio-reclusão, o que num ano somará R$11.200,00, o custo prisional estimado, segundo o Depen, é de R$20.800,00. Vamos considerar que ela produzia um salário mínimo por mês, então essa pessoa deixa de produzir para o País R$11.200,00, somando dá um total de R$43.200,00. Estamos falando, aqui, de 700 mil presos, o que dará um valor aproximado de R$3.000.000.000,00.
Agora, vamos falar quanto custa um dependente químico. Essa é uma pergunta difícil de responder. Quando falo de dependência química, não estou falando de um doente, mas de mais de uma pessoa, porque a família sofre, o meio social sofre, há uma série de contas que não estão nesse papel e preciso fazer. Vamos pegar indicadores básicos. Ele começa a ficar doente e, se cotizou o INSS, pode ter direito a receber esse valor, que são R$20.600,00 por ano. Ele vai ter, ainda, de utilizar o SUS. Fiz o cálculo do número de pessoas que eram atendidas pelo SUS dividido pelo montante gasto pelo SUS no tratamento da dependência química. Hoje, o SUS gasta muito pouco com esses pacientes, pois R$12.800,00 é o preço de uma dose de quimioterapia.
A pessoa deixa de produzir R$21.600,00, ou seja, quando se torna dependente, custa R$56.000,00 por ano para a sociedade. Se multiplicarmos por 2 milhões, teremos R$11.200.000.000,00, ou seja, não é uma conta barata, e é complexo dizer quem é mais meritório. Acho que isso deve ser colocado na ponta do lápis, antes de se pensar em aumentar o fator de risco para as pessoas. Tirar o cinto de segurança ninguém quer, mas há quem fale em colocar drogas disponíveis para as nossas crianças.
Sobre o Colorado, libera geral ou não? Os dados de 2012 e 2014 mostram que, por mais que tenhamos liberado, por mais que falemos em melhorias da desigualdade social, a liberação não trouxe melhoria na desigualdade de aprisionamentos, o.k.? No Colorado, houve um aumento de 5% nas prisões de jovens sobretudo negros e hispânicos se comparado aos brancos. A tarifação da maconha aumentou em 28%, ou seja, 135 milhões em impostos em 2015. Isso não paga a conta.
Temos um terreno mais ardiloso. Vejo algumas das pessoas que advogam pela liberação da maconha medicinal e acho que pode haver alguma coisa, pode haver algumas pessoas que se beneficiem com isso. Agora, quero que escutem os que falam do ponto de vista da saúde pública. Infelizmente ou felizmente, sou médico e tenho de falar de minha experiência. Minha fala vai influenciar pessoas a tomar decisões médicas para si ou não, e preciso de algumas referências para me embasar. As referências empíricas são importantes? Sim, são sempre importantes, mas não me garantem dois aspectos que hoje são muito caros para a medicina e para a saúde. O primeiro é a eficácia. Funciona ou não? O segundo, mais importante, é a segurança. Não posso ser iatrogênico. Meu código deontológico me proíbe isso, minha moral me proíbe isso. Prescrever algo que não sei se é seguro é algo muito arriscado, porque posso fazer bem, num primeiro momento, e muito mal, num segundo momento. Isso é errado.
Um exemplo disso é a epidemia de dependência de opioides que se vive hoje nos Estados Unidos. É pura iatrogenia. As pessoas começaram a consumir opoioides como se fossem paracetamol, e, hoje, temos uma grave epidemia nos Estados Unidos, que incapacita cerca de 4 milhões de americanos. Escutem-me do lado da saúde pública, e não do lado de quem pode acreditar e quem acredita, porque nós temos pesquisas avaliando o uso de drogas para fins terapêuticos.
O que mostram as recentes revisões? Essa é uma revisão do Journal American Association, uma revista muito séria, uma das mais citadas e que tem peso nas decisões médicas e dos planos de saúde, o que é muito importante. O que o artigo conclui? Eles avaliaram o uso de canabinoides na medicina. É uma revisão e uma meta-análise, não é uma revisão em que a pessoa apenas pegou as informações, compilou, foi lá, buscou bancos de dados, reanalisou os bancos de dados – quando se somam as populações e se fazem as contas para saber se vale a pena. O que se concluiu? Há uma qualidade de evidência moderada para apoiar o uso dos canabinoides no tratamento das dores crônicas específicas. Há um nível de evidências baixo, sugerindo que os canabinoides melhoraram alguma coisa para náuseas e vômitos causados pela quimioterapia, perda de peso e infecção por HIV. Os canabinoides foram associados com o aumento de risco de efeitos colaterais. Isso é o que traz o estudo numa revisão muito séria que foi feita.
Também fizemos uma revisão recente sobre o uso dos canabinoides, especificamente do canabidiol, nas doenças psiquiátricas, área em que trabalho. Qual a conclusão? Em relação ao uso e à segurança do CBD nas doenças psiquiátricas, ainda é parca. Temos alguma coisa produzida pelo Prof. Carlini, ao meu lado, alguma coisa pelo Prof. Criva (…) e alguns ensaios clínicos que estão rodando, mas que ainda não são conclusivos. O resto é muito fraco se considerarmos evidências clínicas para que eu possa dizer que se pode usar, porque é seguro e melhora a vida para tratar transtorno de ansiedade, depressão e esquizofrenia.
Mais liberdade para os pesquisadores é outro argumento usado. Alega-se que, se se liberar, os pesquisadores terão acesso. A Dra. Márcia Milanez está ali para provar que existe uma certa capacidade técnica dos juízes de analisar projetos e prover essas drogas. Não é fácil, porque temos de convencer o Ministério Público e os juízes, mas conseguimos ter acesso às drogas. Sou prova disso: conseguimos produzir uma molécula terapêutica e ter acesso a uma importante quantidade de cocaína com autorização legal, como doação da Polícia Federal. Logo, é possível, e não precisamos, necessariamente, liberar o uso para ter esse acesso.
Outro argumento é a proteção dos nossos jovens. Nossos meninos já estão todos fumando maconha, então, se liberarmos, pelo menos os pais poderão controlar.
Vamos falar de marketing? Hoje, existe, no Brasil, o que se chama de cultura canábica. Há meninos absortos nessa cultura de tentar se identificar como grupo, como pessoa por meio do discurso, das práticas, da moda. Esta é uma marca de roupa pró-canábica, que lista as vantagens.
O que aconteceu no Colorado, que é um exemplo recente e importante? De 2012 a 2014, o consumo entre a população de 18 a 25 anos aumentou em 10%. Ou seja, saiu de 21% para 31% de uso regular. É um dado não negligenciável. Entre os maiores de 25, saiu de 5% para 12%. No Colorado, 33% dos adultos assumiram consumir maconha diariamente, ou seja, 1/3 da população. Lembram-se do dado que mencionamos sobre o Brasil? Existe um aumento? Eu não consegui achar o dado anterior para dizer, mas parece que sim.
Outro argumento trazido é que maconha de qualidade para todos é saúde. Temos, ainda, a defesa de que a maconha faria menos mal do que a cerveja e o cigarro. Acho que é uma falácia, porque qualquer droga tem consequências, e você terá de saber se está a fim de correr o risco. Os estudos mostram isso. Esse é um estudo do Fergusson, feito na Nova Zelândia, lugar interessante, porque é uma ilha em que todos têm acesso à escola e à universidade. É uma ilha em que houve a transição demográfica, logo saem mais pessoas do mercado do que entram. Em princípio, temos acesso ao mínimo e ao emprego de forma igualitária. Esse estudo, que já foi replicado outras vezes, é muito interessante, porque mostra que existe um efeito dose-resposta com relação ao número de cigarros de maconha que você fumou na vida e alguns aspectos sociais e econômicos.
Quanto mais cigarros de maconha você já fumou na vida, maior o risco de estar desempregado aos 35 anos. É o que mostra esse gráfico. Esse risco sai de 20% para quem nunca usou um cigarro de maconha para 55% para quem já usou, ou seja, é um aumento bastante significativo. A segunda coisa a se considerar é a renda média. Esta cai num percentual de quase 20% para quem nunca fumou maconha e para quem usou a partir de 100 cigarros de maconha.
O que quero dizer com isso? Existe um efeito platô que tem a ver com a seguridade social. A outra coisa é a percepção da qualidade de vida, que muda se a pessoa nunca fumou ou se fuma. O que estou trazendo? Devemos ter muito cuidado para argumentar que droga traz só riqueza, só vantagens.
Como vamos fazer com isso, sobretudo com a maconha, que é uma substância lipofílica, pois sabemos que ela aumenta o tempo de reflexo e diminui a capacidade de análise de certas situações complexas em pouco tempo para a condução de veículos e máquinas perigosas? Esse é um questionamento importante, pois é uma substância lipofílica, e até o 21º dia percebemos alterações nos reflexos. São alterações importantes. No simulador de carro, por exemplo, a pessoa a 100km/h, numa autoestrada, se tiver uma barreira, simplesmente vai se chocar até o 21º dia, porque o THC está sendo liberado lentamente. Temos de questionar algumas questões.
Sabemos que causa prejuízos cognitivos, pois isso já está bem-documentado nas populações que fazem uso crônico e naquelas que fazem uso recreativo. Existe, ainda, um aumento de doenças mentais, conforme já foi bem demonstrado. Com as maconhas de baixa potência, é óbvio que isso não acontecia, mas, com as maconhas de alta potência, isso já está bem registrado. Há lugares na Inglaterra mostrando que há um aumento do risco de esquizofrenia. Estima-se que, se os suecos não tivessem maconha, teriam 13% a menos de pacientes com esquizofrenia.
No Colorado, o que aconteceu? Houve aumento de 12% das multas por direção perigosa; aumento de 33% para 63% dos condutores apreendidos com resíduos de THC no organismo; aumento dos acidentes fatais de 44% para 79%; aumento das hospitalizações por uso de maconha, ou seja, de 803 para 1.000 para 2.403 para 100.000; aumento das urgências e emergências de 740 para 980 para 100.000.
Ou seja, existem consequências que precisam ser avaliadas e consideradas.
O próximo, por favor. O que é esse fenômeno que acho muito legal? Aliás, meus alunos questionam muito a minha posição em relação a isso. O que está acontecendo de fato? Vamos lá para concluir. Vou mostrar só mais alguns slides.
O próximo, por favor. O primeiro fenômeno é a grana em se tratando de valor gerado. É óbvio que isso é estimado em bilhões. A maconha geraria em torno de US$113.000.000.000,00 no mundo, fora as outras drogas. Não estamos falando de pouca grana, mas de muita grana e de muito interesse econômico.
Próximo, por favor. Maconha é inovação. Como droga, o modelo de Schumpeter é bastante interessante para descrever a destruição criadora: você cerca de um lado e aparece uma solução de outro porque o tráfico é método, um modelo econômico muito dinâmico. De fato, a inovação é sempre a estratégia dominante. Será que não estamos vivendo só um experimento dessa estratégia de destruição criadora? Hoje estamos vendo as cannabis pela internet e também as sementes.
Só para encerrar, quero deixar o meu ponto de vista. Sei que sou um patinho feio nessa discussão e que vou apanhar muito daqui a pouco, nessa argumentação, discussão e debate, mas estamos aqui para discutir mesmo. As pessoas precisam manter a cabeça aberta para poder ouvir, argumentar e contra-argumentar, e não destruir o debate e perder um espaço. A minha posição, do ponto de vista da saúde pública e do ponto de vista psiquiátrico, é a de que a liberação do tráfico não será uma solução social, econômica e de saúde. Aliás, já existem evidências que são bastante importantes e que não são desconsideráveis porque consistem no aumento de mais um fator de risco para a saúde. Não vamos trazer mais saúde para a população, mas sim colocá-la em risco. Não existe modelo ideal, e é por isso que digo que precisamos fazer outra discussão: por que a nossa rede investe tão pouco numa doença crônica, prevalente e tão grave como é a dependência química?
Muitíssimo obrigado. Estou à disposição para conversarmos mais depois.
– No decorrer de seu pronunciamento, procede-se à apresentação de slides.