Pronunciamentos

FRANCELINO PEREIRA (PFL), Senador - MG. Relator do projeto de lei sobre o cooperativismo.

Discurso

Comenta as ações do Congresso Nacional para dar ao cooperativismo estrutura institucional.
Reunião 70ª reunião ESPECIAL
Legislatura 14ª legislatura, 2ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 06/05/2000
Página 27, Coluna 2
Evento II Encontro Nacional das Frentes Parlamentares do Cooperativismo.
Assunto INDÚSTRIA, COMÉRCIO E SERVIÇOS.

70ª REUNIÃO ESPECIAL DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 14ª LEGISLATURA, EM 4/4/2000 Palavras do Senador Francelino Pereira Exmos. Srs. Deputado José Braga, Presidente em exercício desta Casa; Deputado Miguel Martini, Presidente da UNALE; Odacir Klein, Consultor Jurídico da Organização das Cooperativas do Brasil; Virgílio Perius, Professor da Universidade do Vale dos Sinos e Auditor do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul; Nárcio Rodrigues, Vice-Presidente da FRENCOOP Nacional; Carlos Melles, Presidente de Honra da FRENCOOP Nacional, quero deixar o meu abraço fraternal aos representantes de 15 Estados do Brasil - os 17 Deputados Estaduais que participam deste acontecimento histórico - e desejo transmitir ao Deputado Estadual Gustavo Conde Medeiros, da Assembléia Legislativa do Piauí, o abraço e a emoção de lhe falar, em nome de 18 milhões de mineiros - dizem que o mundo é grande, mas Minas é muito mais -, saudando a terra e o povo do meu chão de nascimento - sou mineiro há 55 anos; essa é minha idade. Quero saudar também, com o sentimento da amizade, da admiração e do respeito, uma figura encantadora, a quem, desde o primeiro dia em que chegou ao Congresso Nacional, a meu lado, disse sempre que teria de ser mineiro na extensão das múltiplas identidades da terra dos libertadores do Brasil. Meu estimado amigo, a quem agradeço até a cama para dormir em minha São Sebastião do Paraíso, Deputado Carlos Melles, que hoje é uma das lideranças mais importantes do cenário nacional, dominando não apenas a atividade agropecuária ou cafeeira, mas também um sentimento de Minas, que ninguém viola impunemente. Quero também fazer uma saudação rápida a um amigo que está à minha direita, embora não seja da direita nem da esquerda, Odacir Klein, gaúcho, tenaz, competente e possuidor de uma característica que está desaparecendo da vida pública brasileira - a mídia que o diga: ele padece de algo fantástico, que é a honradez, e, mais do que isso, de inteligência, lucidez e talento. A você, meu caro Odacir Klein, o abraço também de 18 milhões de mineiros. Quero transmitir a todos o meu abraço, dizendo que, ao lado dos 17 Deputados Estaduais de 15 Estados, participam deste acontecimento, no Plenário desta Casa, nada menos que 31 Deputados representantes do povo mineiro nesta Casa legislativa. Quero saudar também a outro Deputado Federal que está ao lado de Carlinho Melles - embora a vida pública não comporte a intimidade, permita-me esse tratamento -, Nárcio Rodrigues, dizendo-lhes apenas que não concordo com ele, porque Minas não concorda, em uma coisa: que os senhores financiem as campanhas eleitorais de quem quer que seja, nem daqueles que representem o cooperativismo no Brasil - o financiamento de campanha é um sentimento de corrupção. Quero, finalmente, meus amigos, dizer-lhes que tenho o dever da brevidade; tenho de sair deste Plenário exatamente à 11h30min, porque, sobretudo às quartas e quintas-feiras, Francelino Pereira, Nárcio Rodrigues e Carlos Melles, somos escravos, na pior das hipóteses, do painel, sem o que não recebemos nossos vencimentos, nossos salários. Quero dizer que não solicitei, como não solicito, direta ou indiretamente, para relatar esse ou aquele projeto no Congresso Nacional. Ele me veio às mãos pela decisão da Comissão de Assuntos Econômicos e da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, e, em determinado momento, fui informado de que era relator da matéria. Desde logo, confesso que não sou um especialista em cooperativismo, mas, desde minhas origens, em terra distante, convivi com os sonhos, as expectativas e as experiências frustradas ou não de cooperativas que rolaram no caminho da pobreza e da indigência e de outras que se deram bem. Fiz algumas anotações e quero comentá-las rapidamente. Em primeiro lugar, desejo parabenizar os organizadores do II Encontro Nacional das Frentes Parlamentares do Cooperativismo, em especial a Assembléia Legislativa e a FRENCOOP do meu Estado. O êxito da iniciativa é expresso nos debates que envolvem temas cruciais como o cooperativismo e o desenvolvimento social. A troca de experiência entre instituições cooperativistas de vários níveis bem atesta o interesse que essa secular forma de organização econômica desperta entre nós. Cabe-me expor as ações que se desenvolvem no Congresso, em especial no Senado, destinadas a dar ao cooperativismo uma moderna estrutura institucional, ajustada às disposições de nossa Carta Magna. De fato, a legislação que define a política nacional de cooperativismo e institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, a Lei nº 5.764, de 1971, e a Lei nº 6.981, de 1982, carecem de atualização, pois muitos de seus aspectos não foram recepcionados pela Constituição de 1988. Por essa razão, estão em vigor apenas parcialmente. Como sabem, a Constituição de 1988 veio depois de um regime de base militar, em que a centralização era a tônica dominante. Quando a exceção(....) foi revogada, o Brasil se abriu, as cabeças se levantaram, e fez-se uma longa Constituição, que está sendo modificada, quase todo mês, pelo Congresso Nacional, porque é excessivamente detalhista - e foi detalhista porque, naquele momento, ela seria o oposto ao centralismo da Constituição anterior. Tramitam no Senado, como sabem, três projetos de iniciativa de Senadores, todos dispondo sobre as sociedades cooperativas. São seis autores; somos 81 Senadores e, na pior das hipóteses, nenhum deles é bobo - todos são competentes e dedicados, até porque têm grande experiência, pois quase a metade deles ocupou o cargo de governador, como fui em minha terra mineira. Mas, no caso, são três Senadores que merecem o respeito e a admiração de seus próprios colegas, pois isso é o mais importante em uma instituição parlamentar. O primeiro respeito que se deve ter é exatamente para com os colegas, porque são eles que informam ao seu Estado e ao Brasil quem é quem no Congresso Nacional. O primeiro é Osmar Dias, do PSDB do Paraná. O segundo, José Fogaça, do PMDB do Rio Grande do Sul. O terceiro é Eduardo Suplicy, do PT de São Paulo. São três figuras efetivamente exponenciais. São meus amigos; atuamos em conjunto e somos dominados pelos mesmos sentimentos de credibilidade no destino desta Nação. Coube-me a honra de ser o relator dos três projetos que estão tramitando em conjunto, por tratarem da mesma matéria, conforme dispõe o Regimento do Senado. Uma característica comum aos três projetos que desejo ressaltar é que eles resultaram, em grande parte, de sugestões apresentadas às mais diversas instituições cooperativas. Muitas dessas sugestões foram colhidas em eventos envolvendo cooperativas de diversos ramos de atividade que juntaram suas experiências em favor de um texto capaz de expressar de forma mais realista e criativa possível as necessidades e os anseios do cooperativismo brasileiro. O primeiro projeto a chegar ao Senado, de autoria do Senador Osmar Dias, que foi Secretário da Agricultura do Estado do Paraná, acolheu sugestões da Organização das Cooperativas Brasileiras - OCB -, resultantes de debates realizados nas bases do sistema cooperativista. O segundo projeto, de autoria do Senador José Fogaça, utilizou propostas aprovadas em seminário do setor cooperativista do Rio Grande do Sul e considerou também conclusões do 10º Congresso Brasileiro de Cooperativismo, realizado em março de 1998. Já o terceiro e último projeto, cujo autor é o Senador Eduardo Suplicy, absorveu um conjunto de sugestões de diversas entidades de cooperativismo, como o Instituto de Cooperativismo e Associativismo de São Paulo, a CPT, a CONCRAB, a COTRIMAIO (....), a COTEC, de Minas, a PAEB, da Bahia, e a Vianey, de Santa Catarina. Foram também recolhidas contribuições de especialistas como Daniel Hoechst, de Dinarto (....), da Universidade de (....) e Virgílio Perius, da UNI-SINOS, que nos honra com a sua presença nesta Mesa. Conversei com ele há pouco e tive uma magnífica impressão, quase que uma convicção, a seu respeito. Não é minha intenção cansar o auditório apresentando um detalhado quadro comparativo dos três projetos, até porque, no essencial, eles são semelhantes. E não poderá ser de outra forma: seguem, em muitos aspectos, o roteiro instituído pela Lei nº 5.764, de 1971. Há, contudo, três dispositivos importantes. Ouçam, por favor. Direi até que são polêmicos. Estão incluídos no projeto do Senador Osmar Dias e não constam nos projetos dos Senadores Fogaça e Suplicy. Sobre esses dispositivos desejo fazer alguns comentários, ainda que não conclusivos, pois a matéria ainda está em fase de exame mais aprofundado do ponto de vista constitucional e legal, e também da sua materialidade. O primeiro diz respeito à ampliação do conceito de ato cooperativo, definido pelo art. 79 da Lei nº 5.764, de 1971, que diz: “...os atos praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas em si, quando associadas para a consecução dos objetivos sociais...”. O Projeto Osmar Dias inova ao equiparar ao ato cooperativo assim definido: “os negócios auxiliares ou meios indispensáveis à consecução dos objetivos sociais”, ou seja, as transações e os demais atos comerciais realizados entre as cooperativas e terceiros passariam a ter a característica legal de ato cooperativo. Há distinção relevante, que tem efeito possivelmente direto na receita tributária, tanto em nível federal quanto estadual e municipal, uma vez que a Constituição, em seu art. 146, inciso III, letra “c”, garante o tratamento tributário adequado ao ato cooperativo, prevendo sua regulamentação em lei complementar. A esse respeito devo salientar que o Projeto de Lei nº 24/89, de autoria do então Senador Ruy Bacellar - ele era Senador e eu, Deputado -, já aprovado pelo Senado e ora em tramitação na Câmara dos Deputados, estabelece que o ato cooperativo não é passível de tributação. O segundo dispositivo estende à cooperativa a possibilidade de abrir seu capital de forma tal como faz qualquer outra empresa mediante emissão, autorizada por assembléia geral, de certificado de aporte de capital. Cabe salientar que os adquirentes desses certificados não se tornariam associados, mas fariam jus apenas a uma remuneração fixa ou por percentual dos eventuais ganhos provindos do negócio objeto da emissão. O projeto do Senador paranaense contempla também outra hipótese de participação de não associados nas atividades de interesse da cooperativa. Seria mediante contratos de parceria nos quais as formas de gestão e rateio dos resultados seriam previamente acordados entre a cooperativa e seus parceiros. Finalmente, o terceiro dispositivo, exclusivo do Projeto Osmar Dias, reafirma o princípio da unicidade no que diz respeito à representação do cooperativismo, ao prever apenas uma organização nacional para representar o sistema e somente uma em cada Estado e em Brasília, Distrito Federal. O autor argumenta, na justificativa do projeto, que “a experiência acumulada pelo sistema ensina que a interlocução com o Estado e a definição de diretrizes que mantenham o sistema competitivo em face da concorrência das empresas capitalistas ganham eficácia com a representação única. A dispersão, pelo contrário, debilita o movimento”. Temo, no entanto, que a manutenção do princípio da unicidade - apenas temo - entre em conflito com dispositivos constitucionais que asseguram plena liberdade de associação, uma das conquistas democráticas da Carta de 1988. De fato, o inciso XVIII do art. 5º da Constituição estabelece que “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”. Essa regra é completada pelo inciso XX do mesmo artigo que diz: “Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. E mais, quando a Constituição quis prescrever o princípio da unicidade, como em relação à associação profissional e sindical, o fez claramente. O art. VIII do inciso II admite a existência compulsória de apenas uma entidade de representação profissional ou sindical nos planos municipal, estadual e nacional. Dessa forma, para que a unicidade seja estendida à organização das cooperativas, será necessário que uma emenda à Constituição o declare explicitamente, penso eu. Compreendo as razões aduzidas pelos defensores da unicidade, em especial à crucial questão da interlocução. Muita atenção para esta expressão: interlocução com o poder público. Certamente ela seria fragilizada com a dispersão das entidades de representação e com a natural dificuldade que essa dispersão causaria para a tomada de decisões consensuais da esfera do sistema. Não desejo, contudo, na condição de relator, manifestar-me, neste instante, de forma definitiva, sobre esse assunto. Todos sabemos quão complexa é a matéria constitucional e como as divergências, as mais das vezes, acabam sendo dirimidas na esfera judicial. Há outras divergências menos significativas envolvendo os três projetos nos quais estamos trabalhando com a intenção de encontrar uma alternativa que contemple, da melhor forma possível, os legítimos interesses do cooperativismo brasileiro. Senhores, é nossa intenção concluir a elaboração do parecer único sobre os três projetos o mais breve possível e submetê-lo à Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania no Senado e, posteriormente, ao Plenário da Casa, para que a votação da matéria seja abreviada e, em seguida, enviada à apreciação da Câmara dos Deputados. Fiz aqui umas anotações finais para dizer-lhes que o debate não ficará limitado apenas à Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania do Senado da República. Irá, com certeza, à Comissão de Assuntos Sociais, cujo Presidente é o Senador Osmar Dias, e também à Comissão de Assuntos Econômicos, cujo Presidente é o Senador pela Paraíba, Ney Suassuna. A CCJ pode examinar, não conclusivamente, outros assuntos fundamentais à materialidade dos projetos. E vamos fazê-lo. Enumerei aqui 1, 2 e 3, à mão. Colocarei, com a maior brevidade possível, os três projetos, seus textos integrais, na Internet, no “site” do meu gabinete em Brasília. 4 - Ouvirei, logo, os consultores técnicos legislativos do Senado, especialmente em matéria constitucional. 5 - Solicitarei, sem demora, a realização de audiências públicas no Senado, para um debate, o mais amplo possível - adoro debates -, com as participações, é claro, das entidades empenhadas em definições claras sobre o assunto, sua constitucionalidade ou não, e sobre a materialidade de cada assunto, de cada tema. Meus amigos, aí está a democracia plena. Através dela, pela polêmica, pelo debate, pela controvérsia, é que esperamos encontrar soluções, tanto quanto possível, consensuais. Aí estarão o meu parecer e os de outras Comissões, que serão absolutamente discutidas no Plenário do Senado. A colocação na Internet significa fazê-lo com 303 artigos: o Projeto de Lei nº 171, do Senador Osmar Dias, que foi o primeiro a ser apresentado, em 25/3/98, tem 111 artigos; o Projeto de Lei nº 428, do Senador José Fogaça, apresentado em 17/6/99, tem 105 artigos; o Projeto de Lei nº 605, do Senador Eduardo Suplicy, apresentado em 5/11/99, tem 87 artigos. Ao todo, são, portanto, 303 artigos. De certa forma, estou lembrando o Código de Trânsito Brasileiro, cuja Comissão presidi por cerca de 3 anos. Confesso que viabilizei a sua aprovação, funcionando quase como relator adjunto. E aí está o Código de Trânsito para todos os brasileiros. Quero dizer-lhes que viajo, logo mais. Peço ao Deputado Paulo Piau, figura que admiro pela clareza, pela simplicidade e pelo amor que devota ao cooperativismo no Brasil, que me mande, com urgência, as peças principais desses debates. Desde logo, quero dizer que não sou só eu quem decide, mas que sou eu quem mais há de influir nas audiências públicas, nas quais farei questão de ouvir o ex-Ministro e ex-Deputado, meu amigo do Rio Grande do Sul, Odacir Klein. Quero que ele leve para lá não apenas o “r” gaúcho, mas também todo o ardor, toda a capacidade e todo o brilho da honradez, da inteligência e do talento que possui. Ele disse que é meu amigo político, mas não é só isso. Sou seu amigo pessoal. Coisa de DNA, que se revela em exame. Convido também para participar das audiências públicas um cidadão que ontem aqui falou encantadoramente, apaixonado que é pela palavra, pelo raciocínio. Refiro-me a Roberto Rodrigues, Presidente da Aliança Cooperativa Internacional, que percorre, com desprendimento, o mundo inteiro em sua pregação. Esses dois já estão com pré-aviso para comparecerem à audiência pública. Desejo e peço a todos vocês que transformem essa luta em polêmica nacional. Ninguém pode ficar indiferente à causa do cooperativismo brasileiro. Todos têm que se definir e ingressar na atividade política, porque a democracia é exercitada, excluídos, naturalmente, aqueles que roubam e furtam, porque esses não são brasileiros, assim como não são mineiros os que exercem a mesma prática. Meus amigos, muito obrigado pela presença de Minas Gerais. Tomem conta de Minas Gerais. Este Estado tem 853 municípios. Aqui estão as maiores altitudes do Brasil; daqui partiu a maioria dos gestos heróicos da construção da nacionalidade; aqui reside não apenas a coragem, mas também o murmúrio e o enigma de Minas que ninguém desvenda. Nem eu, com 55 anos de mineiridade, desvendei-o ainda. Muito obrigado e até a volta.