DEPUTADO SÁVIO SOUZA CRUZ (PMDB), Autor do requerimento que deu origem à reunião especial.
Discurso
Legislatura 14ª legislatura, 4ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 28/03/2002
Página 50, Coluna 3
Assunto HOMENAGEM.
Normas citadas DEC nº 41517, de 2001
168ª REUNIÃO ESPECIAL DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 14ª LEGISLATURA, EM 25/3/2002
Palavras do Deputado Sávio Souza Cruz
Exmo. Sr. Presidente da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, Deputado Antônio Júlio; Exmo. Sr. Governador Itamar Franco; caro representante de Minas no Rio de Janeiro, Assessor Especial do Governo, nosso homenageado de hoje, Alexandre Dupeyrat; Deputado Federal Mauro Lopes; caro Deputado Federal Virgílio Guimarães; Exmos. Srs. Embaixador José Aparecido de Oliveira, Secretário de Governo Henrique Hargreaves, Secretários José Pedro, Luiz Márcio, Omar Peres, Manoel Costa, Sérgio Bruno, Procurador-Geral de Justiça Nedens Ulisses Freire Vieira, Djalma Bastos Morais, Marcelo Siqueira e Álvaro Ricardo Souza Cruz, Procurador da República.
Gostaria ainda de ressaltar, entre as mencionadas presenças, uma que não pode ser esquecida: a presença de vários setores do funcionalismo do Estado de Minas Gerais, em reconhecimento da passagem de V. Exa. pelo Governo e da maneira como se conduziu nos seus verdadeiros compromissos com o Estado.
Estão presentes os representantes da FAEMG, da Associação dos Aposentados do Estado e dos Inspetores Escolares. Há uma ampla participação dos servidores do DER, do Sindicato do DER e da Associação dos Engenheiros do DER. O Sindicato dos Fiscais do Estado também se faz presente. Desculpem-me se me esqueci de algum setor da representação do funcionalismo do Estado, porque penso ser importante esse registro. Quando Carlos Drummond de Andrade murmurou, em um dos seus antológicos poemas, a sua “Prece de Mineiro no Rio”, pressupôs, ao invocá-lo, que existe um espírito de Minas e que este pode alcançar em terra estrangeira os filhos que as circunstâncias obrigaram ao exílio e que se submeteram depois a momentos de dor ou de escuridão.
O que o autor não pressupôs como exigência foi que esse espírito mineiro, sensível ao movimento, somente se deslocasse no tempo e no espaço para acolher filhos naturais desta terra, necessariamente nascidos sob a transparência desses céus e sob a proteção dessas imensas barreiras de montanhas, pois o autor, dizendo-o sem que o dissesse, muito avaliava que o espírito de Minas, mais que preso a índices de vinculação exterior, como o do local do nascimento, procurava antes alcançar quem já se tivesse dado a conhecer por um conjunto de essencialidades específico, definidor de um modo especial de ser. Eis porque o espírito de Minas poderia estar fora de Minas e, nesse novo lugar, poderia estar junto de um cidadão nascido naquela outra paragem.
Vastos são os horizontes a que essa distensão do significado original do poema nos permite chegar, e eu, que neste momento o tomo como referência, não poderia deixar de interromper esta minha modesta fala e deixar que a dele seja ouvida. Assim, convido todos a que ouçamos, neste momento, o poeta mineiro em seu colóquio com o espírito de Minas. Com o apoio do ator Cláudio Dias, transportemo-nos todos para o Rio de Janeiro, terra natal do Exmo. Sr. Dr. Alexandre de Paula Dupeyrat Martins, e ali encontremos Carlos Drummond de Andrade para com ele proferir, naquele seu instante de recolhimento e de reflexão, a sua “Prece de Mineiro no Rio”.
- Procede-se à declamação do poema.
Minas além do som, Minas Gerais. Inspirado pelo espírito de Minas, o portulano, carta de navegar, leva à Minas imaterial, ao nome puro, as isentas essencialidades dos mineiros. Leva a uns e a outros, a quantos se unam pelas mesmas afinidades, a quantos mineiros possam estar, metaforicamente, no Rio de Janeiro.
Diante da expressiva presença de V. Exa., Exmo. Sr. Dr. Alexandre de Paula Dupeyrat Martins, vemo-nos compelidos a concluir que exatas são as assertivas que extraímos do pensamento do mestre de Itabira, pois outro não é o modo de ser de V. Exa., senão aquele que carrega as essencialidades próprias dos mineiros e aquele que é, extirpadas as vinculações do tempo ou do espaço, protegido, continuada e invariavelmente pelo transcendental espírito de Minas.
Em V. Exa., Dr. Dupeyrat, encontramos a primeira dessas essencialidades já em sua tenra juventude, quando o estudante nascido no Rio de Janeiro, dono de invulgar capacidade e de dedicação ímpar, se consagrou protagonista de uma operosa e bem-sucedida vida acadêmica, que culminou por levá-lo a obter na Alemanha, anos mais tarde, o alto título, raro naqueles tempos árduos, de Doutor em Direito pela Universidade de Estrasburgo.
O doutoramento em Direito completou em V. Exa. a definição de uma opção profissional pelas leis, mas não por elas em si mesmas, e sim pelo que elas permitem compreender da vida humana, das questões sociais, das liberdades e da plena e absoluta justiça. Assim, a opção lapidar pelo Direito não extinguiu em V. Exa. o interesse multidisciplinar a que sempre o levara uma mente inquieta: continuou V. Exa. a acompanhar os temas da Geografia, da História, da Antropologia, da Economia, das letras e das artes.
Essas grandes áreas da cultura humana, as chamadas humanidades, em realidade vieram a lhe fornecer as suplementações necessárias para que V. Exa. prosseguisse sempre, de forma racional, mas também sensível e bem-humorada, à procura do secreto semblante da verdade, um outro dos portos essenciais a que pode conduzir o espírito mineiro.
Muito trabalho foi investido por V. Exa. em formação tão ampla e multidisciplinar. Mas não seria menor o trabalho empregado simultaneamente na construção de uma excepcionalmente produtiva folha de serviços. E é nessa folha de serviços que encontramos uma outra definidora essencialidade de grandes cidadãos de Minas: a de que os serviços quase sempre foram prestados à causa pública, eleita destinatária de uma idealista, abnegada e apaixonada dedicação.
V. Exa. ocupou sucessivamente os cargos de Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, Advogado-Geral da União, Consultor-Geral da União, Assessor Jurídico do Senado Federal, Consultor-Geral do Senado Federal, Ministro da Justiça no Governo do Presidente Itamar Franco, Secretário de Estado da Fazenda de Minas Gerais no Governo Itamar Franco, ocupando hoje o cargo de representante de Minas no Rio e exercendo função de assessor especial desse mesmo Governo, Coordenador em Minas do Núcleo de formulação de políticas públicas e análise de conjunturas.
No exercício de cada um desses cargos, guiou-se V. Exa. por uma honestidade de princípios incomum e por uma postura arrojada e destemida, uma postura responsável simultaneamente pela imposição de rompimentos e pelo prenúncio da chegada de tempo de outra mais clara e pura ordem. Enquanto no Legislativo e no Senado Federal, inspirou-o a firmíssima convicção de que essas Casas são de pertencimento do povo e ao povo devem servir. Assim é que V. Exa. pôde colaborar, decisivamente, em momentos tão importantes para o povo, para a democracia e para a dignidade brasileira, quanto para as Diretas Já e para a Constituinte de 1988.
Enquanto no Executivo, não foi menor a generosidade com que V. Exa. ofereceu dedicação, de corpo e alma, colocando os seus conhecimentos e a sua elevada capacidade de trabalho a serviço da sociedade. Assim é que, como Ministro da Justiça, V. Exa. estimulou o trabalho de todas as secretarias, debateu exaustivamente as questões afetas à mulher, ao negro, ao índio, ao direito econômico; percorreu o País em visita aos presídios, que desejava mais humanos e menos onerosos; desembarcou em terras ianomâmis, na época em que primeiro se cogitou de sua demarcação; combateu o narcotráfico, merecendo destaque a sua participação em congresso realizado na Itália em junho de 1994; deu apoio irrestrito aos Defensores Públicos, reconhecendo a importância da categoria; instituiu programa para a profissionalização de meninos carentes de Brasília, levando-os a trabalho supervisionado, de ampla repercussão na imprensa nacional.
Não foi menos dedicada e brilhante a atuação de V. Exa. quando, no início do Governo Itamar Franco, coube-lhe a Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais.
V. Exa. bem avaliou, naquela decisiva ocasião, que parcelas importantes das receitas dos Estados e municípios haviam sido redirecionadas para a União, e à centralização de recursos, não havia correspondido, como contrapartida, a centralização das responsabilidades. Pelo contrário, parcelas cada vez mais importantes da prestação de serviços sociais públicos vinham migrando da responsabilidade da União para a dos Estados e municípios.
Paralelamente, conforme bem avaliou V. Exa., a taxa de juros praticada pela União elevava, em alto grau, as dívidas públicas, ao mesmo tempo em que deprimia a produção e, portanto, as receitas, além de aumentar as demandas sociais, fruto do desemprego e do empobrecimento crescente da população. Ao quadro, vinha se somar, conforme ainda bem avaliou V. Exa., a renegociação das mencionadas dívidas públicas, imposta pelo Governo Federal, a qual comprometia, de modo quase absoluto, as deprimidas receitas estaduais.
Como em outras tantas vezes na história de Minas, impunha-se a necessidade de resistência, e V. Exa. a ela não fugiu, quando forneceu ao Governador Itamar Franco os corretos subsídios para decidir que, em detrimento do pagamento das dívidas estaduais, fosse mantido o oferecimento dos serviços públicos essenciais; para que se exigisse a renegociação da dívida dos Estados e dos municípios; para que se pedisse a revisão das Leis Kandir e do Fundo de Estabilização Fiscal; para que se exigissem as Reformas Tributária e Fiscal e o fim da guerra fiscal; para que se fortalecesse o Pacto Federativo, definidor da própria Federação.
O gesto de resistência repetia o de outros mineiros antigos, como o do heróico Tiradentes, a resistir contra a derrama em Vila Rica, ou o de Teófilo Otôni, em 1842, que chefiou em Minas a Revolução Liberal, contra a centralização federal ditada pela Regência; o de Antônio Carlos, quando, à frente da Revolução de 30, opôs-se às manobras para a continuidade de um governo distante do povo, como era o do Presidente Washington Luís; o dos mineiros signatários do Manifesto de 1943, prenúncio do término da Era Vargas, dois anos depois; o daqueles que selaram o Acordo de Minas, que pôs fim aos anos de exceção iniciados em 1964. Em todos esses gestos, figuram, como denominadores comuns, a afirmação plena de idéias, a clareza absoluta de posições, a transparente intransigência e, sobretudo, a resistência contra a violação de quaisquer direitos, o que corresponde, inversamente, à defesa da democracia e da liberdade.
Se não fossem essas marcas que acabamos de apontar suficientes para identificar em V. Exa. a mineiridade essencial, teríamos de notar suplementarmente que o mineiro presente em V. Exa. não deixaria, também, de trazer as marcas da simplicidade e da discrição, daquela espécie de força, como diz Drummond, que leva alguém a retrair-se. Retrai-se V. Exa. em modéstia, em displicência aparente, no distanciamento daquelas exigências protocolares que torna difícil, até mesmo, a obtenção de um mínimo “curriculum vitae”. “Curriculum” do Dr. Dupeyrat? “Ele não tem”: resposta unânime de toda a assessoria. Ah, se não tivéssemos sido já advertidos por Drummond de que a gente de Minas faz da humildade o seu orgulho, faz do despojamento uma riqueza, faz do desapego uma bandeira!...
Com a licença de quem conhece já essa sua nuclear indiferença ao universo das exterioridades, permito-me passar a cumprir as regras protocolares que me recomendam nomeá-lo nesta cerimônia pelo cargo mais alto que ocupou. Faço-o para destacar em V. Exa., Exmo. Sr. Ministro Dr. Alexandre de Paula Dupeyrat Martins, uma última, porém irrecorrível, característica de mineiridade: trata-se de seu devotamento acentuado à casa paterna, representativa dos valores de nascença, os quais, para V. Exa., a vida não esgarçou.
Sou testemunha do amoroso anelo que liga V. Exa. aos valores daquela casa e às pessoas que, dentro dela, são as suas duas grandes referências de afeto: o pai, o Dr. Alexandre Martins, e a mãe querida, D. Cecy Martins. Pude testemunhar, durante longos meses, a dedicação ilimitada com que V. Exa. acompanhou, ao lado de D. Cecy, a saúde fragilizada do Dr. Alexandre Martins, no Rio de Janeiro. Por vezes, esta cerimônia de hoje foi marcada e desmarcada, sempre à espera de que a saúde dele, alcançando o estágio da necessária melhora, permitisse que aqui estivesse o casal amoroso, junto do filho que homenageamos.
Sabemos, porém, com o espírito de Minas, que as essencialidades não se curvam às exigências exteriores.
Ignorando-as, abrimos espaço, nesta reunião, para homenagear o Dr. Alexandre Martins, de saudosa memória, e para abraçar com o nosso carinho a querida D. Cecy Martins, a quem peço saudemos com uma salva de palmas. (- Palmas.)
Ao casal formado por Dr. Alexandre Martins e D. Cecy Martins, que viveu em comum uma extensa jornada de 62 anos, agradecemos, os mineiros, a sólida formação moral e a primorosa educação que proporcionou ao Dr. Alexandre de Paula Dupeyrat Martins e que hoje repercute no trabalho prestado a Minas.
Arquiteto de fina formação, o Dr. Alexandre Martins levou a família a residir em grandes países do mundo, o que foi um poderoso fomentador da larga visão e ampla bagagem que ia adquirindo o menino Alexandre, a aprender várias línguas ainda em tenra idade e a assimilar traços de diferentes manifestações da cultura humana.
D. Cecy, no aconchego de um lar amigo, propiciou que o menino Alexandre apreendesse o leque extenso não só dos melhores valores éticos, mas também dos gestos de sensibilidade e de ternura, de quem tanto viria a se beneficiar depois a filha muito querida, Ana Carolina Scheiner, a quem também estendemos nossa homenagem.
Exmo. Sr. Ministro Dr. Alexandre de Paula Dupeyrat Martins, em quem, com o auxílio do poeta de Minas, reconhecemos um mineiro no Rio: o título de Cidadão Honorário do Estado de Minas Gerais, que hoje lhe é entregue, constitui, por tantos motivos, acredito, já exaustivamente expostos, o reconhecimento do cidadão de Minas que existe por afinidade em V. Exa. Tomando-o como a formalização desse sincero reconhecimento, os mineiros lhe entregam, por meio dele, os seus céus e as suas serras, a crosta mineral que lhes pertence e que, eles bem sabem, V. Exa. sempre soube transformar em solo que é vida e história, em solo que é verdadeiramente humano.
Reconhecida a afinidade e feita a entrega simbólica do que somos, nós, os mineiros, saudamos em V. Exa. o cidadão do Estado de Minas Gerais. Muito obrigado.