BRUNO TERRA DIAS, Juiz. Presidente da Associação dos Magistrados Mineiros - AMAGIS.
Discurso
Comenta o tema: "Condutas vedadas na campanha eleitoral", dentro do 2º
painel: "Ilícitos eleitorais".
Reunião
42ª reunião ORDINÁRIA
Legislatura 16ª legislatura, 4ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 12/06/2010
Página 84, Coluna 2
Evento Ciclo de debates: "Legislação Eleitoral e Eleições 2010".
Assunto ELEIÇÕES.
Legislatura 16ª legislatura, 4ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 12/06/2010
Página 84, Coluna 2
Evento Ciclo de debates: "Legislação Eleitoral e Eleições 2010".
Assunto ELEIÇÕES.
42ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 16ª
LEGISLATURA, EM 1/6/2010
Palavras do Juiz Bruno Terra Dias
Boa tarde! Cumprimento os membros da Mesa; o Deputado Gustavo
Corrêa, Presidente da reunião; o Dr. José Anchieta, Presidente do
Instituto dos Advogados de Minas Gerais, correalizador deste
evento; e o Desembargador José Nepomuceno da Silva, luminar do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que já esteve também no TRE e
abrilhanta todos os encontros dos quais participa com sua habitual
argúcia e inteligência.
Gostaria de cumprimentar todos aqui presentes, na pessoa do Dr.
José Brígido Pereira Pedras, homem que abrilhanta todos os locais
por onde passa.
Coube-me, nesta oportunidade, o debate sobre as condutas vedadas.
Na verdade, podemos recolher as condutas vedadas na legislação e,
exaustivamente, considerá-las à luz da jurisprudência e da
evolução da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o que é
muito apropriado. Mas ocorreu-me uma outra abordagem. Por que
temos essas condutas vedadas? Que caminhos percorremos até chegar
a esse modelo? A partir dessa compreensão, do caminho percorrido
para se chegar a esse momento, podemos, quem sabe, ter talvez um
melhor vislumbre das razões por que estamos aqui e do melhor que
podemos fazer para que os nossos filhos estejam debatendo outros
temas mais avante, no processo da democracia.
De acordo com o tempo que temos, podemos fazer uma breve
digressão. Então não terá de ser necessariamente algo corrido,
digamos assim. O Brasil tem uma formação muito peculiar, que nos
permite fazer esse gancho histórico e sociológico. Para a nossa
compreensão, buscaremos em dois autores de direito autoral, como
Fábio Josgrilberg e outros, e especialmente em outros
profissionais e autores, as bases da compreensão do Brasil
contemporâneo, como Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda,
Capistrano de Abreu e daí por diante.
Numa visão de sobrevoo, veremos que, já no século XVI, naquela
colônia, o Brasil começou a ser povoado mais no interesse da Coroa
portuguesa. As feitorias atuavam, sim, na busca do lucro para a
Coroa. Portugal tinha dificuldades econômicas terríveis no século
XVI. E ainda na colônia, à medida que o povoamento e os ciclos
econômicos ocorrem, veremos que o Brasil começou com Municípios
ou, na linguagem de época, cidades. Segundo Capistrano de Abreu, a
povoação era de 60% no litoral e 40% dispersos por esse interior
afora, rompendo as linhas e os limites do Tratado de Tordesilhas.
Mesmo as chamadas cidades eram ambientes quase rurais e, na
verdade, locais em que se concentravam a fama e a fortuna dos
poucos donos de terras - aliás, quando saíam de suas terras.
Nas cidades, havia o governo das Câmaras e não tinha Prefeito, ou
seja, o Chefe do Executivo Municipal. As Câmaras eram eleitas
pelos chamados “homens de bem” - homens no sentido estrito, e não
para designar a humanidade, ou seja, o gênero humano, mas pessoa
do sexo masculino dotada de propriedade. O governo da Câmara
contava, além dos eleitos que se revezavam entre si, com os Juízes
que exerciam o Poder Executivo. Portanto era tudo um tanto
diferente do que ocorre hoje. Não víamos essa tripartição de
funções essenciais.
Seguindo ainda nesse sobrevoo, chegamos ao Império - início do
século XIX. Veremos que aqui se forjará uma força muito grande,
que transporá o próprio Império e chegará à República. Lembro-me
de que ontem a Ministra Cármen Lúcia citou “Coronelismo, Enxada e
Voto”, de Victor Nunes Leal, que discorre sobre isso muito bem.
Surgem os coronéis da Guarda Nacional, que tinham por missão
assegurar o Império, ou seja, a força da Coroa imperial no Brasil.
É desse tempo o chamado voto censitário. Evidentemente, a partir
da assinatura da Independência, houve necessidade da constituição
regular dos Poderes, até do Poder Moderador, na pessoa do
Imperador. Enfim, havia o voto censitário. De um lado, os coronéis
assegurando a ordem; de outro, o poder da força patrimonial
elegendo e sendo condição não só de elegibilidade, mas também de
cidadania - apenas quem tinha certo patrimônio poderia ser
eleitor, e quem tinha ainda mais patrimônio poderia ser eleito -;
de acordo com o cargo, havia a exigência patrimonial. Isso talvez
explique a vocação cartorária do Brasil, aquela coisa tão achegada
a um carimbo a ponto de, às vezes, uma assinatura não valer sem
carimbo, mas um carimbo valer sem assinatura. Esse é bem um traço
da personalidade do brasileiro.
Vem, então, a República e, em todo esse tempo, o processo
eleitoral sob controle do Legislativo, até o Ministro da
República. Pois bem. Os coronéis da Guarda Nacional perdem sua
importância sensivelmente. Mas eles têm o poder da força, da
determinação e têm patrimônio fundado na terra. Eles transpõem o
Império e chegam à República com essa força tão própria que se vê
no folclore nacional e que também é do conhecimento de todos.
Ainda hoje é muito comum dizer que um político influente de
determinada região é o coronel que manda ali, especialmente se
esse dirigente político não tem muito perfil democrático, vamos
dizer assim.
Foi de toda essa experiência e da condição do início da República
que, em dado momento, transferiu-se o comando do processo
eleitoral do Legislativo para o Judiciário, criando-se um ramo
judicial próprio em 1982 com a Justiça Eleitoral. Ela assume o
controle - desde 1932 houve comandos e desmandos, avanços e
retrocessos bem conhecidos de todos nós -, e vamos experimentar
momentos de aperfeiçoamento do nosso processo eleitoral. Esses
momentos de aperfeiçoamento chegarão em 1997 com a Lei nº 9.504,
que traz nos arts. 73 e seguintes as condutas vedadas na busca não
apenas do equilíbrio entre os postulantes aos cargos públicos, mas
também em função da probidade da administração pública. Isso
porque é da experiência comum de nossa vida não só republicana,
mas de império e colônia, a privatização do espaço público, a
transformação do Estado em algo a bem do indivíduo com patrimônio
e não a bem da população em geral. Aí então há o surgimento das
três correntes a que aludiu o Dr. Gambogi neste instante: a
objetivista, a subjetivista e a da proporcionalidade. Lembro que
um grande debate aberto - parece-me que ainda não está
inteiramente superado - é justamente em relação à distinção entre
os atos vedados do art. 73 e os atos do art. 22 da Lei
Complementar nº 64, dividindo-se aí também as opiniões.
Vejo aqui que o tempo corre, é muito rápido. A sucessão dessas
correntes de pensamento no TSE, embora, de alguma maneira, possam
trazer para o desavisado alguma noção de insegurança, na verdade
faz parte do nosso avançar democrático.
Apenas para dar o toque final, lembro o que a Dra. Edilene disse
ao defender a democracia. Talvez, se Samuel Rosa fosse o Estado
cortejando a democracia, usasse a mesma letra de música para
dizer: “Te ver e não te querer é improvável, é impossível. Te ter
e ter que esquecer é insuportável, é dor incrível”. Enfim, o poeta
sintetizou melhor do que nós o nosso namoro com a democracia. Que
seja um grande casamento e siga séculos afora. Muito obrigado.