Pronunciamentos

APOLO HERINGER LISBOA, Coordenador da Caravana em Defesa do São Francisco, do Semi-árido e contra a Transposição.

Discurso

Comenta o tema do evento, dentro do Painel: "Propostas de Desenvolvimento do Semi-árido Brasileiro".
Reunião 52ª reunião ESPECIAL
Legislatura 16ª legislatura, 1ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 08/12/2007
Página 45, Coluna 3
Evento Ciclo de Debates: "O Rio São Francisco e o desenvolvimento sustentável do Semi-árido".
Assunto RECURSOS HÍDRICOS. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.

52ª REUNIÃO ESPECIAL DA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 16ª LEGISLATURA, EM 22/11/2007 Palavras do Sr. Apolo Heringer Lisboa Bom-dia. Estou achando vocês meio desanimados. Vou ver se consigo contribuir positivamente, porque é um debate fundamental para o Brasil a questão da água. Aliás, em se falando do São Francisco, é um debate nacional fundamental. E, ao tratar do rio, da região semi-árida e da transposição, posso discutir não só todos os problemas brasileiros, como também os problemas do mundo inteiro. Quando discutimos transposição, estamos imbuídos de um sentimento universal, que mexe com todos os problemas do mundo. Isso não está separado. Gostaria que apagassem a luz, que ficássemos em atitude de reflexão e que assistíssemos à projeção que aparecerá no telão durante um minuto e meio. Acho que conseguiremos ficar quietinhos nesse tempo. Peço que todos acompanhem a apresentação. Terminou. Muito obrigado. Peço que acendam as luzes novamente. Essa é a bandeira do planeta Terra que estamos propondo a todos os povos da África, da Europa e da América Latina. Vamos sugerir que cada Nação, não digo Estado, coloque no mastro as suas cores nacionais, mas que a bandeira do planeta Terra seja a mesma para todos os povos. Esse negócio de cada país ter uma bandeira está-nos levando a formar exércitos, a fazer guerras, e queremos a paz no mundo. Guerra só serve a ricos e poderosos, fabricantes de armas, que mandam os filhos dos pobres para morrer e, depois, ganham muito dinheiro. A nossa luta é pela paz, pela inclusão social e está interligada. É com esse espírito que falarei alguma coisa para vocês. A miséria e o sofrimento não ocorrem somente no semi-árido e não estão ligados apenas à questão da água. Querem dizer que há miséria, porque não há água, mas o que dizer quanto à miséria das favelas de São Paulo? E a miséria das favelas de Belo Horizonte, do Rio de Janeiro, de Recife e de Fortaleza? Há casas chiques e, ao lado, uma favela, gente sofrendo, morrendo e vivendo menos. Portanto, não é só problema de água. Quem não tem água não tem dentista, não tem dente, não tem roupa, não tem carro, não tem estrada, não tem escola boa para os filhos. Estão mentindo ao povo brasileiro quando dizem que o problema é a falta de água. O problema é sociopolítico-econômico, ainda mais se me refiro aos Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte. A Caravana chegou até lá, onde estivemos. Na região do Nordeste setentrional, há o fenômeno da seca. Na época em que a seca é prolongada, morre o gado, a pessoa fica desesperada, mas direi algo que os assustará um pouco, mas vocês me darão razão. A seca não é por falta d´água no Brasil. A seca é por concentração de água. Explicarei melhor. A chuva, no clima semi-árido, na região do Norte de Minas - sou de lá, fui criado em Salinas, meu pai era agrônomo, eu viajava muito pela região -, cai pesada apenas por dois ou três meses, ficando o resto do ano sem chover. Quando chove, enchem-se os rios, depois, a água vai embora. Acabou. Se há falha de chuva por um ano, sofreremos. Por que não há uma política de coletar a água da chuva naquelas fazendas, na agricultura familiar? Por que o governo não investe em obras hídricas para coletar água e guardá-la na região ou para fazer poços? Há vários poços artesianos construídos no Norte de Minas que não funcionam, e estão estragando por falta de energia elétrica. Quanto à questão da concentração de água, no Ceará existe a maior reserva de água de todo o semi-árido brasileiro. Está lá, nos açudes, que começaram a ser construídos há 100 anos, mais precisamente em 1906. E essa água doce, equivalente aproximadamente a umas seis ou sete Baías de Guanabara, está concentrada. A concentração de água no açude não resolve o problema do povo que mora espalhado pelo sertão. Estou falando da população difusa, dispersa, que mora lá longe. Consegue-se facilmente levar água para as cidades e para projetos de irrigação, mas como levar água a uma população espalhada no meio do mato? Esse é o problema. A população difusa só pode ser atendida por oferta difusa de água. E oferta difusa de água é chuva e poço. Como levar um cano para cada casa espalhada no meio do mato? Mas, para a cidade é fácil, executando-se obras de adução de água, que são aqueles canos que levam água a uma cidade, para ser distribuída. Portanto, é mentira - não há outra palavra - dizer que se vai fazer a transposição do São Francisco para levar água para o povo pobre, o povo que sofre com a sede no sertão nordestino. Para isso não há outra palavra: é mentira, para enganar o povo. Esse é o principal argumento contra a transposição, e só esse basta. É impossível distribuir água do São Francisco para a população dispersa do sertão do Nordeste, do Vale do Jequitinhonha ou do São Francisco. É tecnicamente impossível. Posso levar água para a população de uma cidade ou de um projeto grande de irrigação. Demanda difusa, oferta difusa. Demanda concentrada, oferta concentrada. Essa é uma lei irrevogável, não há como ser contra ela. Prometer levar água para o povo que está com sede e dizer que é por isso que se fará a transposição é mentira. O governo federal tem o dever, e devia ser cassado se não o cumprir, de ir à televisão pedir desculpas ao povo brasileiro por ter mentido. Isso é mentira. Está enganando o povo, usando a sede, a fome, a miséria, e é terrível aproveitar-se de uma situação de miséria e oferecer a ilusão da água. É a mesma coisa que eu chegar a uma região pobre - o povo passando fome -, e dizer: tenho muita pena de vocês, construirei, aqui, um grande supermercado. E construo um supermercado, cheio de mantimentos, com todo o tipo de comida. E daí? Como vão comprar o que está no supermercado? É ilusão. Esse é um problema sério. A engenharia pode fazer a transposição e construir grandes obras. Não discuto a capacidade dos engenheiros; todavia, como diz João Suassuna, de Pernambuco, não há nada mais sem sentido do que fazer com competência algo sem sentido. Farei muito bem-feito algo que não serve para nada?! O problema é a concentração de água. É preciso distribuir a água dos açudes com obras de adução de água para povoados e cidades. Isso precisa ser feito. Por exemplo, fui criado em Salinas. Sempre havia água no Rio Salinas; todavia ele está começando a secar; aliás, agora já não seca, porque construíram umas barragenzinhas. Em torno das barragens do Norte de Minas, que era para o povo pobre morar, mas só há rico, casas de campo da burguesia. O povo está morando no antigo campo de aviação, numa favela. Isso acontece na região do Ceará e do Rio Grande do Norte em torno do Castanhão, do Armando Ribeiro. Fomos lá agora. Está escrito nesta revista - aliás, os senhores poderão lê-la aqui - que essa água não é para a população, mas sim para os grandes. O povo não pode nem chegar perto, pois o canal é muito grande. Tem polícia vigiando. Estamos diante de uma questão complexa. Querer fazer a transposição é complexo de faraó. Para que o faraó construía aquelas pirâmides? Será que já pensava em turismo há 2.000 ou 3.000 anos? A transposição é uma obra desnecessária, uma mentira, e custará muito caro: no mínimo, R$20.000.000.000,00. Gastarão uma e meia represa de Três Marias só no bombeamento e, depois, na água que se perde. É retirada água antes da produção de energia elétrica. Então não produzirá energia elétrica na cascata da Chesf. Há necessidade de mais água ali. Há um estudo da Chesf que foi publicado no Dossiê de Energia da USP. O engenheiro Bermann, especialista em energia, disse que há quatro turbinas em Xingó e Itaparica que não foram construídas conforme o projeto inicial das hidrelétricas, porque não havia água suficiente. Produziriam 3.500MW - aliás, 10 turbinas de energia elétrica de Três Marias não foram construídas, porque não tem água. Eles dizem que levarão só um pouco de água: 26m³, que é 1% do que vai para o mar. Se assim for, levarão apenas 1,6% da água que já existe nos açudes. Como podemos fazer uma mudança total levando um pouco só mais de água, ou seja, 1,6%? Eles dizem que, de vez em quando, levarão 127m³. Isso daria uma média de 64m³ por segundo. Se no ano inteiro se for bombeando, levariam 4,1% dos 37.000.000m³, ou seja, mais de 12 Baías de Guanabara. Na transposição, o que desejam levar, num grau máximo, equivale a 2.100.000.000 por ano na série histórica. Isso é o que evapora de água no Castanhão todo ano. Quer dizer, eles levarão o que evapora por ano. Não é possível essa transposição! Gostei muito do discurso de ontem do Sr. Tilden e dos Deputados Paulo Guedes e Almir Paraca. Temos uma afinidade, pois as nossas opiniões convergem. Realmente o imediato é a revitalização do Rio São Francisco, que está podre, matando os peixes. Por que estão morrendo? Por que o rio está assim? Porque tudo é feito para servir à ganância dos seres humanos, que querem ganhar dinheiro com tudo. Só não vendem a mãe, porque não acham quem compre. Direi algo que chocará vocês: para revitalizar qualquer bacia hidrográfica, temos de desumanizar. Enquanto tudo na natureza estiver a serviço do ser humano, não haverá saída. O ser humano arrebenta a natureza. Até o momento, isso tem ocorrido, mas, um dia, nossa consciência mudará, e seremos diferentes. É impossível revitalizar o Rio São Francisco priorizando as atividades humanas. O humanismo é coisa do diabo, é guerra, desmatamento, monocultura, agrotóxico, é transformar mata atlântica em carvão. Temos de pensar que o ser humano tem a mesma importância dos pássaros, dos peixes, das árvores. Temos de pensar o mundo desse jeito, senão não haverá saída. Justificam o desmatamento de todo o cerrado, secando o São Francisco ainda mais, para plantar cana-de- açúcar, agora cana de álcool, para salvar o planeta. O etanol salvará o planeta. O Lula, o Bush e o Al Gore salvarão o planeta com monocultura, desmatando a Amazônia para plantar capim. Isso é humanismo, o ser humano no centro de tudo. Temos de tirar o ser humano do centro de tudo. Quem é o melhor representante dos rios? Os peixes. Se é bom para o peixe, é bom para os nossos filhos. Temos de mudar o raciocínio. Antigamente, achavam que o centro do universo era a Terra. Demorou milhares de anos para esse conceito mudar. Temos de mudar essa idéia. Os passarinhos, os peixes, as árvores têm o mesmo direito à vida que nós. Até a cobra jararaca tem o mesmo direito. Com o seu veneno faz-se medicamento para tratar pressão alta. Mas, mesmo que não houvesse remédio, ela é importante. Não é por ser útil ao ser humano que a mata deve ficar de pé ou não. O uso de agrotóxico está envenenando todos. Revitalização não é apenas tratar esgoto. Deputados Paraca e Paulo Guedes, revitalização é mexer no modelo econômico de produção e consumo, que confunde riqueza com dinheiro. Riqueza são os rios vivos, as matas, as crianças nas escolas. Riqueza de um país é a floresta amazônica; não é transformar tudo isso em dinheiro, em carvão, e acabar com tudo, criando desertos. Os políticos só correm atrás de voto. Os políticos e os partidos só estão preocupados com eleição. Quem se preocupa com as futuras gerações? O calendário partidário eleitoral está criando problema ao nosso planeta. A nossa referência tem de ser a Terra. Querem levar um canal da transposição para o Nordeste, dizendo que essa água acabará com a miséria de lá. Não é o que dizem? O Rio São Francisco não é um canal de água? Resolveu o problema dos ribeirinhos, de quem mora a 10km do rio? O Rio Jequitinhonha não é perene? Resolveu o problema da miséria do Jequitinhonha? Como levar água do São Francisco em um canal para o Ceará resolverá o problema de uma região com 400.000km², quase do tamanho de Minas Gerais? Minas possui 580.000km². Levarei água de um canal para todas as roças espalhadas no mundo, com cano subindo e descendo morro, ligando energia elétrica? Quando botam fogo no mato, queima- se o cano, roubam o cano. Como controlarei o pagamento da energia elétrica? Lá custará seis vezes mais caro, no canal; no Norte de Minas, custa seis vezes mais barato, na fazenda. Peço ao pessoal do PT, Deputados e militantes - em minha juventude, ajudei a fundar o PT -, que diga ao Lula que ele está errado. Eu, muitas vezes, divergi do meu pai. Sou de origem evangélica, e hoje não tenho nenhuma religião, penso com a minha própria cabeça. Aprendi na minha igreja que o Papa podia errar. A Igreja Católica falava que o Papa era infalível, mas aprendi que o Papa erra. Se o Papa erra, o Lula não pode errar? Viajávamos com o companheiro Lula e tomávamos cachaça juntos. Agora ele não erra mais, agora que virou amigo do PMDB, de todos e daqueles que nos combatiam. Tudo bem, o seu governo tem muita coisa boa. Ele não é pior que o Fernando Henrique. Mas ele não pode errar? Será que o pessoal do PT, Paraca e Paulo Guedes, não pode chegar lá e dizer: SCompanheiro Lula, seu governo está ótimo, mas você está errando na transposição.”? Vocês não podem falar isso? Vocês estão com medo do companheiro? Não queríamos construir um partido de baixo para cima? Agora é de cima para baixo? Vamos, então, nos unir em torno da revitalização do rio e de um programa brasileiro para o semi-árido, a fim de levarmos água para a agricultura familiar e a produção animal familiar. Vamo-nos unir para acabar com o desmatamento. A Marina Silva disse que a produção pode aumentar três vezes sem se desmatar mais nada. O Brasil já foi muito desmatado, e o problema é sistema de propriedade que sempre terá de desmatar mais. Um coisa grave: estão usando o Exército brasileiro para amedrontar os povos indígenas e quilombolas que moram na região do São Francisco a fim de se fazer a transposição. Um dos maiores hidrólogos do Brasil, o Aldo Rebouças - infelizmente, ele está doente e queremos até homenageá-lo, pois não está mais com uma vida acadêmica -, autor de “Água doce no Brasil”, disse que o Nordeste do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco têm grande quantidade de água sim. Ele disse o seguinte: o pernambucano tem 1.320m3 por habitante por ano, quase igual ao alemão. A disponibilidade hídrica de um pernambucano é quase a do alemão. O baiano tem o mesmo tanto de água que um francês. O piauiense tem quase a mesma quantidade de água que um norte-americano. A água existe, mas está concentrada nos açudes e no chão, sem contar a água subterrânea e a chuva que cai. Ou seja, o problema não é a falta de água, mas a má gestão e administração da água. José do Egito aconselhou ao Faraó que, na época das vacas gordas, juntasse mantimento para a época das vacas magras. Se houvesse obras hídricas nas roças, fazendas e onde mora o povo visando capturar, coletar e armazenar água da chuva, teríamos um estoque de água para o resto do ano. Mas isso não é feito. Tais obras deveriam ser feitas com recursos do governo federal, que usaria os R$20.000.000.000,00 - não sou contra o uso dos R$20.000.000.000,00 - para o semi-árido brasileiro. Aliás, a Agência Nacional de Água - Ana -, um órgão do governo federal, propõe que o Atlas do Nordeste faça adução de água para 34 milhões de pessoas do Vale do Jequitinhonha, do Vale do Rio Pardo, do Vale do São Francisco, do Ceará e da Paraíba. Ou seja, 34 milhões de pessoas seriam beneficiadas com água para abastecimento humano e dessedentação de animais. O custo total dessa obra que atingiria uma cidade de 5 mil habitantes seria de R$3.600.000.000,00, o que é muito mais barato. É uma proposta do governo federal que mostra que a transposição não é necessária. Estamos diante de uma falsidade: não falta água na região do semi-árido, a água está mal administrada. Se utilizarmos a água da chuva e as reservas subterrâneas, fazendo uma obra hídrica de adução de água dos rios e dos açudes para as cidades pequenas, médias e grandes e povoados, resolveremos grande parte do problema. Estamos diante dessa situação. É preciso fazer a revitalização, mas não há prioridade para isso. A revitalização virou distribuição de dinheiro para fazer o tratamento de esgotos. É muito importante tratar os esgotos, mas, se não tivermos um projeto de revitalização com visão de bacia hidrográfica e não com visão municipal, não se resolverá o problema. Temos que ver o rio como um todo. O Rio São Francisco, por exemplo, não é um rio federal, estadual ou municipal. A bacia hidrográfica é nacional. A bacia do Rio Amazonas é internacional. A Bacia do Paraná e do Prata é internacional. Para os peixes, o rio é internacional. Para o vento, o mundo não tem fronteiras. Para a água do oceano, que evapora e chove para todos os lados, para os tubarões que atravessam o rio, para as correntes aéreas e marítimas, o planeta Terra é a nossa casa. O nosso raciocínio tem que ser feito também na área econômica. Enquanto estivermos dominados por um sistema econômico que visa destruir nossas matas, produzir combustível para a pessoa gastar com o carro desnecessariamente, em que não se prioriza o transporte coletivo, e sim o transporte individual, e em que há um gasto enorme de energia desnecessário, não se resolverá o problema do Norte de Minas nem o do Rio das Velhas. A globalização não existe só no capitalismo, mas também na biologia e na geologia. Essa visão fragmentada é que causa a miséria. Há um dado muito importante vindo do escritor Manuel Bonfim Ribeiro, muito conhecido no Nordeste: “O consumo de água nos Estados do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte é de 2,26 bilhões de metros cúbicos por ano para o atendimento da população e para a irrigação. Subtraindo 17 bilhões, os 37 bilhões menos 60% de evaporação que existe, resta a reserva de 14 bilhões de metros cúbicos de água, que pode atender os quatro Estados para o abastecimento da população e para a irrigação durante 6,6 anos consecutivos sem chover uma gota. As pessoas que defendem a transposição falam muito sobre D. João VI, D. Pedro I e D. Pedro II. O Cel. Mário Andreazza fez a Transamazônica, que foi o maior fracasso. Disseram que levariam o povo do Nordeste, que tinha muita gente e pouca água, para outro lugar que tinha pouca gente, muita água e muita terra. A Transamazônica resolveria todos os problemas brasileiros, mas foi o maior fracasso, foi uma ilusão. O Mário Andreazza também é autor do projeto da transposição. Se o Lula cometer o desatino de realizar a transposição, quem ficará famoso não será ele, mas o Mário Andreazza, Coronel da ditadura militar, que foi o autor do projeto. Por que apelar para a época da Colônia, com D. Pedro I e D. Pedro II? Temos que mudar o Brasil da época colonial, do coronelismo e da miséria do povo. Temos que olhar para a frente. A transposição é um projeto do passado. Hoje o mundo mudou. Temos de priorizar a educação, a inclusão social etc. A obra do canal da transposição não sairá do papel. O pessoal que defende a transposição ainda se lembrará de mim, o que é bom. A obra não sairá do papel. Se sair, se for iniciada, não haverá continuação. Pode ser que dêem prosseguimento a essa obra, porque a teimosia e a estupidez humana não têm limites, mas ela não será concluída. No entanto, vamos dizer que a terminem, não funcionará, não levará água para o povo pobre. Essa é a grande mentira. Já disse a membros do governo com os quais mantenho contatos pessoais que a transposição pode transformar-se no Iraque do governo Lula. O Bush não falou que faria a democracia no Iraque, que acabaria com a ditadura naquele país? No fundo, ele queria o petróleo. A transposição também tem segundas intenções. Os senhores acham que essa transposição é transparente? Se há transparência, porque não discutem o projeto conosco? A transposição oculta... Bom, não vou falar. Posso falar? A transposição oculta interesses tais como o financiamento de campanha; o favorecimento dos produtores de cimento e aço, como o Sr. Antônio Ermírio de Moraes, carrasco do Rio São Francisco; as empreiteiras; a Funcat, ONG de São José dos Campos, a qual sobrou da gestão do Sr. Mário Andreazza, o lobista da transposição; as campanhas eleitorais, que enganarão o povo, que posteriormente descobrirá que tudo não passou de ilusão, tal como ocorreu com Orós. Orós não seria a redenção do Nordeste? Os senhores se lembram de Orós? Do Castanhão e da água? O problema foi resolvido? Conforme previsto, o canal da transposição terá 720km de concreto, a mesma distância de Belo Horizonte a Brasília. De concreto: cimento, brita, areia, água e ferro. Vejam que loucura. Lerei informações acerca do canal: “Tem 25m de largura”. Essa medida de 25m de largura vai desta parede até depois daquela outra parede, fora do auditório. “Cinco metros de altura”, que corresponde à distância entre aquela faixa até o chão. Além disso, o canal, que terá a distância de Belo Horizonte a Brasília, possuirá 35 reservatórios de água intermediários, 8 túneis de 37km, 27 aquedutos com 4,8km, 4,4km de adutoras, 9 estações elevatórias de bombeamento e 2 centrais elétricas para reprodução posterior da água. Toda essa estrutura levará para aquela região 2.100.000.000 litros de água, em média, cerca de pouco mais de 60m³, o que corresponde ao que evapora, por ano, no Castanhão. Não gostaria que a transposição continuasse sendo motivo de problemas com o governo Lula, que poderia conversar conosco. Está aqui a carta da Caravana, cuja cópia poderá ser distribuída a todos os senhores. Quando eu terminar de falar, aparecerão anjos levando a todos tal mensagem. Essa carta da transposição propõe alternativas. O Comitê do São Francisco, a Caravana, os representantes dos índios e dos povos tradicionais, os movimentos sociais, os Promotores, os técnicos e os cientistas da bacia propõem o quê? Além disso, a carta está assinada por mim, que represento a Caravana, pelo Thomaz, Presidente do Comitê do São Francisco, e pelo Frei Luiz Flávio Cappio, que fez a greve de fome. Todos assinaram esse documento, o qual unificou a luta do São Francisco com a dos povos do Ceará, do Rio Grande do Norte, da Paraíba e de Pernambuco. A proposta foi unificada por meio dessa carta. Estamos insistindo para que o Lula nos receba. Pediria às pessoas que apóiam a transposição que leiam essa proposta. De repente, poderemos conseguir uma unificação. Aceitamos levar água, se for necessário, para certas regiões de Pernambuco e da Paraíba para abastecimento humano. O Comitê do São Francisco apóia isso. Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte não precisam da água. Algumas regiões da Paraíba, se for necessário, a aceitam. Não me refiro aos canais leste e norte, mas à adução, se for necessária. Essa concessão foi feita para eles perceberem que temos boa-vontade e que desejamos buscar uma solução. Vamos ficar nesse impasse? Precisamos unir forças em torno de um projeto de revitalização que tenha lógica, ou seja, uma revitalização racional, que possamos compreender. Hoje à tarde será apresentado o biomonitoramento. Vocês poderão perceber a maravilha que é. O governo federal pediu ao Banco Mundial que fizesse um estudo sobre a transposição. Esse banco, com seus técnicos, disse que não apóia a transposição, porque tem baixíssimo impacto social, é muito cara e existem obras mais baratas que resolveriam o problema. O Banco Mundial deu bomba na transposição. Disseram que tirarão água de Pernambuco, mas que essa água não fará falta em Minas Gerais. Todos acham isso, não? Dizem assim: “Tiraremos água em Pernambuco. Como já saiu de Minas Gerais, que falta essa água fará para vocês? Vamos levar uma caneca de água para aqueles pobrezinhos que estão com sede”. Os pobrezinhos do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha já conhecem essa história da caridade. Um pessoal do governo federal fará um estudo para a construção de barragens nos Rios das Velhas, Paracatu e Urucuia, rios da Bacia do São Francisco que mais têm água em Minas Gerais. Com isso, irão federalizar as águas de Minas e reservar água em função da possibilidade de mandá-la para a transposição do São Francisco. Essas barragens são filhotes da transposição. Inundarão terras férteis. Essas barragens acabarão com o peixe de piracema, mudarão a temperatura da água, reterão o barro, o sedimento que alimenta os peixes. Além disso, aumentarão as algas e as bactérias cianofíceas, porque o sol penetra mais profundamente nas águas mais paradas das barragens. O Deputado Gil Pereira - Apolo, quero apenas mostrar-lhe uma amostra da água do Rio das Velhas. O Sr. Apolo Heringer Lisboa - Vi uma grande quantidade de garrafas. Quem trouxe garrafas? - Procede-se à entrega das amostras. O Sr. Apolo Heringer Lisboa - Vejam a cor da água, vejam o verde das bactérias cianofíceas. Sobrevoei a região dos Rios das Velhas e São Francisco. Por favor, levante sua garrafa. Aí tem algas e bactérias cianofíceas. As bactérias são tóxicas. As pessoas estão proibidas de nadar, beber e cozinhar com essa água. Os animais não podem bebê-la. Isso é resultado de anos e anos de esgoto lançado nos rios. Não foram analfabetos que lançaram esgoto nos rios, mas “analfabestas” com diplomas nas mãos. A minha sogra, que é do sertão, do semi-árido, de Salinas, costuma dizer algo interessante: prefiro um analfabeto inteligente que um estudado besta. Quem começou a jogar esgoto e agrotóxico nos rios? Pessoas com diplomas, porque os diplomas estão a serviço do capital. Com o objetivo de ganharem dinheiro, muitas pessoas passam por cima da própria mãe, não respeitam o meio ambiente, não pensam no futuro. Isso vem desde a época da colônia: os colonizadores chegavam aqui e roubavam filhos de índios para darem de presente lá. Uma tribo ficava guerreando contra outra, porque roubavam o filho de outra tribo, a fim de não darem seu próprio filho. Lançaram a divisão entre nós. Desmatavam. A cobiça está na base de tudo. Minha contribuição aqui é que as barragens não podem ser feitas em Minas, porque não há necessidade. O Rio São Francisco está morrendo. Eles falam que não, que Sobradinho está cheio de água. Aquilo é água da chuva, mas os afluentes estão secando. É uma bacia mecânica, é como uma pessoa que perdeu a perna e anda com uma de pau ou de metal. Estamos destruindo a bacia hidrográfica por causa do desmatamento. O rio tem dois inimigos, conseqüência do modelo econômico: um é a poluição, com o lançamento de esgoto, de agrotóxico, de lixo; o outro é o desmatamento. Não tem nada pior para o rio que o desmatamento. Digamos que temos de desmatar para produzir. Algumas pessoas não raciocinam bem, e temos de explicar melhor. Nosso raciocínio é o seguinte: se desmatar, faça um mosaico na região, de tal maneira que, se um dia houver uma doença naquela cultura, aquilo não der dinheiro mais ou a humanidade acabar, a própria natureza recuperará a região por si própria. A natureza não precisa do ser humano, ele é que precisa dela. Mas não, eles desmatam tudo. Sobrevoei o Triângulo Mineiro até o Norte de Minas e São Paulo, e não tem nada mais. Não sobrou semente de animal nem de planta para o futuro. Isso é pouco inteligente. Ao discutir a transposição, estamos debatendo todo o problema brasileiro. Peço só mais um tempo para encerrar. Tenho em mãos aqui, mas não vou ler, a relação das obras inacabadas no Piauí, mais de 10; no Ceará, etc. Todas são projetos de irrigação inacabados, é como o Jaíba. E também projeto de adutora, de barragem, tudo parado há mais de 30 anos. Projetos de irrigação em Pernambuco são mais de 15, na Paraíba existe também. Por que o governo não termina essas obras primeiro? Vamos aprender, adquirir experiência e depois discutiremos se tem de fazer ou não a transposição. Essas obras inacabadas são um argumento irrespondível. Vejam aqui: “Canavial da racionalidade”, no “Estado de Minas”, o jornal mais vendido no Estado. Estão desmatando todas as nascentes do São Francisco para plantar cana e produzir o etanol para salvar o planeta Terra. Se desmato o cerrado para plantar capim, café ou o que for, vou ter água no São Francisco? O rio é filho do cerrado, gente! Aquelas raízes das plantas do cerrado foram feitas para juntar água da chuva. São muitos problemas. Quando o engenheiro fala que a transposição pode ser feita, tem de ser explicado a ele que eu poderia fazê-la se realmente aquela região precisasse muito, se não fosse muito longe e nem muito alto. Aí, tudo bem, posso fazer. Mas não posso desmatar, senão o rio vai secar. Temos de ter pensamento sistêmico. Tem gente que pensa como se fosse caixinha de botar correspondência no prédio, é tudo setorizado. Temos de ter pensamento sistêmico. Eu queria mandar um recado para o Gen. Fraxe. Gosto muito de general. Tive uma convivência na juventude, por vários meses, com generais nas prisões, na época da ditadura. Há general inteligente; outros, infelizmente, não são. O General Fraxe comanda as obras de terraplanagem e desmatamento em Cabrobó, ameaçando fazer a transposição. Estamos mandando uma carta para o Exército, dizendo o seguinte: “O Exército tem tido participação importante quando há calamidade, desastres, problemas nas fronteiras. Mas a participação do Exército dizendo que vai fazer a obra da transposição causa estranheza e revolta entre o povo brasileiro. A obra se encontra longe de fronteiras nacionais. Não está ameaçando a segurança nacional. Não tem caráter de apoio à comunidade carente. Está distante das instalações do Exército. Não se localiza em área de risco ou de calamidade. Além disso, esse projeto da transposição cria um conflito federativo. Não tem segurança jurídica e não foi licitado.” Como é que o Exército entra lá só para ganhar R$100.000.000,00? Muito espertamente, o Ministério da Integração - isso é coisa do Ciro - passou R$100.000.000,00 para o Exército. Um batalhão de obras para ganhar esse dinheiro. Se venderam para um projeto que não une o Brasil. E o pior: pertinho da região de Canudos, onde o Exército Brasileiro tem uma mancha que não acaba nunca: o massacre do Arraial de Canudos. Será que não se lembram disso e vão lá amedrontar os índios? O Exército não quis ocupar favela no Rio de Janeiro com medo dos traficantes de drogas, mas foi lá, em Cabrobó, fazer medo nos índios e ameaçar as populações quilombolas. Isso é uma vergonha e não tem justificativa. A obra não foi licitada e está “sub judice” no Supremo Tribunal Federal. O Exército não deveria ter feito isso. Entregaremos essa carta ao Comandante do Exército. Já estamos agendando horário com o Lula. Mais de 100 Municípios mineiros decretaram estado de calamidade pública por causa da seca. Não é por causa da seca, mas porque não há infra-estrutura hídrica de assistência ao trabalhador rural para evitar que ele sofra quando não há chuva. A seca não é a culpada, culpado é o ser humano, que não administra bem. É como o caso da dengue. Dizem que o culpado pela dengue é o pernilongo, mas não é. É falta de saneamento básico. O pernilongo só transmite dengue se ele foi contaminado por alguém. Nós é que contaminamos o pernilongo. O Brasil está assim: na propaganda, é de um jeito, na prática, é de outro. O Brasil não irá para a frente, se o povo depender de esmola para viver. Tem de haver emprego. O Brasil não irá para frente, se o SUS só atender pobre. Todas as pessoas responsáveis pelo SUS têm plano particular. É como dizer: o SUS, em si, é bom, em mim, não. Agradeço muito. Espero ter contribuído para o esclarecimento desse tema. Proponho aos Deputados do PT, que estão na mesa, e a todos os outros Deputados da Assembléia trabalharmos uma agenda de convergência em torno da revitalização, um programa de gestão do semi-árido brasileiro de inclusão social, uma política mais independente no Brasil, que não seja dominada pelos interesses das grandes potências internacionais, que não gostam de nós e, pelo amor de Deus, que dêem uma moratória no projeto de transposição. Vamos deixar a transposição para 2010. Aí, trabalharemos unidos e o povo sairá ganhando. Temos de ter coragem de dizer ao Lula: companheiro Lula, nesse ponto você está errado, só Deus não erra, você erra. Muito obrigado. - No decorrer de seu pronunciamento, procede-se à apresentação de “slides”.