Pronunciamentos

APOLO HENRIGER LISBOA, Membro do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas.

Discurso

Comenta a falta de gestão competente das águas no País. Comenta o aspecto democrático da Lei Federal nº 9.433, de 1997, sobre a gestão descentralizada do território das bacias hidrográficas. Sugere a elaboração de novo manifesto dos mineiros em defesa das águas do Rio São Francisco e contrário ao projeto de transposição de suas águas.
Reunião 4ª reunião ESPECIAL
Legislatura 16ª legislatura, 1ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 31/03/2007
Página 49, Coluna 2
Evento "VI Fórum das Águas para o Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais".
Assunto RECURSOS HÍDRICOS. MEIO AMBIENTE.

4ª REUNIÃO ESPECIAL DA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 16ª LEGISLATURA, EM 21/3/2007 Palavras do Sr. Apolo Heringer Lisboa Bom dia a todos. Cumprimento o Deputado José Henrique, que dirige esta reunião; os demais Deputados presentes; o Governador Aécio Neves, tão bem representado pelo companheiro José Carlos Carvalho; os Srs. Dalvino Franca, da ANA, e João Bosco, da Secretaria de Recursos Hídricos, que aqui representam o governo federal; Lupércio, Coordenador do Fórum Nacional de Comitês; Mauro Costa Val, Coordenador do Fórum Mineiro de Comitês; e todos os companheiros do movimento social e das ONGs. Nesta oportunidade, cabe apenas reafirmar alguns princípios. No Brasil, não há escassez de água. Há diferenças climáticas regionais, mas com água suficiente para a vida e para a economia. O que há no Brasil é falta de gestão competente das águas. Em todas as regiões, do Sul do Brasil ao semi-árido, a má gestão se vê pela qualidade poluída de nossos rios, pela impermeabilização do solo, pelo desmatamento e pela falta de respeito à vazão ecológica a que os peixes têm direito. Os peixes dependem da água para viver. Por isso, em uma sociedade em que o lucro é a única coisa que movimenta os dirigentes públicos, os peixes estão trazendo a racionalidade para a espécie humana. A racionalidade trazida pelos peixes e ditada pela necessidade de sobrevivência é referência para os seres humanos. A defesa dos rios para os peixes é a defesa da própria espécie humana. A Lei nº 9.433, de 1997, e muitas congêneres estaduais estão completando 10 anos. É a lei mais democrática do Brasil, porque coloca a gestão do território das bacias hidrográficas na mão de empresários - a meu ver, a parte da sociedade civil mais encorpada e poderosa -, dos movimentos sociais representados por entidades sociais e do governo, que, muitas vezes, é minoria. A sociedade civil, os empresários e o governo podem dirigir a gestão das águas pelos comitês de bacia hidrográfica. Essa é a grande novidade democrática no Brasil. Porém, nem sempre os comitês estão sendo respeitados, porque, como propõem a descentralização da gestão, mexem com interesses políticos centralizados. Aí está o problema. Há pessoas que não querem a descentralização da gestão, e outras não querem perder o poder, porque tudo tem sido discutido nos gabinetes. Estes não querem discutir com a comunidade, com outros usuários da água. Os pescadores têm direito, o setor hidroelétrico tem direito, os irrigantes têm direito, as crianças têm direito de nadar no rio. Todos têm direito. Por isso, é preciso haver pactuação de interesses, e o comitê é o ambiente salutar para essa gestão dos rios. Quero apresentar uma questão muito oportuna sobre o Rio São Francisco. Precisamos fazer um novo manifesto dos mineiros em defesa das águas do São Francisco. Minas não pode lavar as mãos em relação as águas do São Francisco. Minas não tem o direito de se omitir porque não há causa mais importante no momento do que a luta por um programa de gestão com inclusão social do semi-árido brasileiro, dos 900.000km2. Os nove Estados, incluindo o Vale do Jequitinhonha, o Vale do São Francisco, a região do Norte de Minas para baixo, toda a região do semi-árido, têm que ter prioridade na gestão das águas no Brasil porque é uma questão vital para a população sertaneja. Faço referência à expressão do Dalvino de que não se trata de H2O para Minas Gerais, mas para o povo brasileiro, e queremos peixes nessa água. E não só para a elite, que comanda a indústria da seca no Nordeste e mantém o povo na fome e na miséria há séculos, como bem demonstrado pelos estudos de Celso Furtado. Nosso movimento contra a transposição do São Francisco, que tem sido levado como a força de choque, sem esmorecer, pelo movimento social mineiro e pelas ONGs, realizará uma manifestação que sairá da Assembléia no dia 23, na sexta-feira, às 11h30min, em direção à sede do Ibama, que simboliza a agressão à vontade do Comitê de Bacias do São Francisco, tomando decisão política com 30 ou 40 condicionantes de um projeto que não dá para aceitar. Somos a favor de água para o semi-árido de todo o Brasil, incluindo o nordeste setentrional. A Agência Nacional de Águas apresentou um atlas do Nordeste, propondo 330 obras pequenas e médias para Municípios com 5 mil habitantes ou menos, atingindo quase 30 milhões de pessoas em nove Estados. Essa é uma proposta muito oportuna para discutirmos e encontrarmos uma solução para o sertanejo, o retirante que foi representado por Portinari, que acreditava no que dizia, não usava a pintura para fazer chantagem emocional pela indústria da seca. Gostaria de propor que a estratégia do movimento contra a transposição fosse a seguinte: expor os nomes e as fisionomias dos políticos mineiros que têm poder de decisão sobre essa questão, apresentar suas posições publicamente em painéis na internet, a começar pelo Vice-Presidente José Alencar, mineiro, pelos Ministros mineiros de todos os partidos, pelos partidos mineiros, pelos Deputados Estaduais e Federais e pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal que estão decidindo, sobretudo o Ministro Sepúlveda Pertence, que deu um voto lamentável. Temos que expor os nomes e as fisionomias desses políticos, representantes e líderes para que o povo saiba quais são suas opiniões, tanto dos que são ostensivamente a favor da transposição, quanto daqueles que ficam em cima do muro, defendendo a revitalização com eufemismos, sem coragem de falar o que pensam. O povo tem o direito de conhecer a opinião de seus representantes. De outra forma, a democracia não tem sentido. Para que ter um parlamento, se os políticos não falam o que pensam? Parabenizo os Deputados desta Assembléia que se têm manifestado de forma clara e que se articulam também em nível nacional. Queremos expor os nomes e as fisionomias para que o povo saiba o que as pessoas pensam e para provocá-las para o debate. A estratégia é fugir do debate. Não encontramos ninguém para defender a transposição nos debates que fazemos nos Estados do Brasil. Há as propostas das barragens. A Codevasp contrata empresas que estão há dois ou três meses no Vale do Rio das Velhas, andando pelo Paracatu, pelo Vale do Urucuia e pelo Abaeté, entrevistando e fazendo projetos de engenharia para construir barragens que mudarão a temperatura da água e impedirão a reprodução dos peixes e a piracema, contrariando a vontade de todos. Quando expus esse argumento, um amigo me disse que isso não passaria pelo licenciamento em Minas Gerais. Todos ficaram tranqüilos. Quero fazer um alerta: se houver outorga federal para transpor água do São Francisco, os estudos mostram a falta de disponibilidade hídrica durante todo o tempo para essa obra. Aí, faz-se a transposição independentemente de barragens, não haverá pedido de licença. Depois, diante da escassez e das incertezas das mudanças climáticas, Minas Gerais será obrigada a construir barragens a fim de destinar água não apenas para agricultores, mas também para abastecimentos humano e animal. A briga assim, virá para dentro de nosso Estado, separando produtores, empresários, movimentos sociais e defensores da vida no rio. Minas não pode ficar dentro da estratégia federal, que está, principalmente, a serviço do Ceará, cujo objetivo é a produção de frutas de exportação e a criação de camarões pela elite nordestina, porque a água que vai para açudes lá está há 100 anos, não chega nunca ao pobre. Minas precisa criar uma estratégia mais abrangente: propor adiante, e não ficar na defensiva, sendo contornada pela estratégia da transposição, que não pode ir à frente, não pode ser iniciada. Se for iniciada, não pode continuar. No dia em que os Estados da Bacia do São Francisco, diante das mudanças climáticas e da má gestão das águas, não puderem enviar água para lá e tomarem alguma atitude, haverá uma guerra civil no Brasil por causa de uma política oportunista. Por que oportunista? O problema é a gestão do semi-árido. A água é necessária ao Norte de Minas, Vale do Jequitinhonha, sertões da Bahia, Pernambuco e Sergipe. Mas, nesses lugares, existem rios perenes, um canal de água não resolverá o problema. Os rios estão lá. Como levarão água para quem mora a 2km? Qual é o pobre que poderá comprar 2km de canos e pagar a conta da eletricidade? Isso é conversa fiada. Os projetos realizados pela ANA e o trabalho de articulação do semi-árido, que reúne mais de 500 ONGs, além do trabalho da Igreja, propõem o aproveitamento da coleta de água de chuva, que é suficiente, mas concentrada em três meses do ano. Essa coleta poderá criar obras locais fazendo com que a água chegue ao produtor rural e a empresas familiares por gravidade. Isso melhorará a situação dessas pessoas, que ainda estão lá porque contam com alguma água. Caso contrário, já teriam deixado a região. Precisamos tirar a mentira de nossas vidas. O grande problema da transposição do São Francisco é a mentira. Perguntei ao Bispo D. Luís Cappio, há 10 dias, em Salvador, quando participamos de uma manifestação, por que havia uma maldição nessa transposição. Ele me respondeu que isso acontece por causa da mentira. É um projeto mentiroso, suspeito de corrupção. Não podemos deixar que aconteça para depois pagarmos a conta, ou seja, mais impostos. Hoje, a vida é cobrada: tudo que fazemos temos de pagar. Não temos o direito de viver se não tivermos dinheiro. Encerrando, já que o tempo aqui passa mais depressa que em outros lugares - existem dias em que o tempo não passa -, peço a vocês que concordam com a minha proposta que participem desta manifestação, na sexta-feira, saindo daqui às 11h30min. São apenas três quarteirões. Será uma manifestação pacífica, bonita e bem organizada. Não será apenas para estudantes, mas também para quem desejar participar, como professores. Os Deputados também podem fazer manifestações, foi assim que começaram suas carreiras políticas. Manifestação também pode contar com a presença de Secretários de Estado e Governador. Por que não? Solicito também que fiquemos de pé para aplaudirmos o Bispo D. Luís Cappio, como desagravo pelos ataques que recebeu, há três dias, durante uma entrevista que o Ministro Ciro Gomes concedeu à Rádio Itatiaia ridicularizando o Bispo, que arriscou e está disposto a arriscar sua vida pela causa do povo pobre e pela causa do São Francisco. Peço que aplaudamos, de pé, o Bispo D. Luís Cappio, nosso grande líder no São Francisco. - Procede-se aos aplausos.