APARECIDO ALVES DE SOUZA, Diretor da Cooperativa Agroextrativista Grande Sertão.
Discurso
Comenta o tema do evento.
Reunião
24ª reunião ESPECIAL
Legislatura 15ª legislatura, 2ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 30/06/2004
Página 30, Coluna 4
Evento Fórum Técnico: "Cerrado Mineiro: Desafios e Perspectivas".
Assunto DESENVOLVIMENTO REGIONAL. MEIO AMBIENTE.
Legislatura 15ª legislatura, 2ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 30/06/2004
Página 30, Coluna 4
Evento Fórum Técnico: "Cerrado Mineiro: Desafios e Perspectivas".
Assunto DESENVOLVIMENTO REGIONAL. MEIO AMBIENTE.
24ª REUNIÃO ESPECIAL DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 15ª
LEGISLATURA, EM 14/6/2004
Palavras do Sr. Aparecido Alves de Souza
Bom dia a todos, sou um representante da Cooperativa Agrol
Extrativista Grande Sertão, do Norte de Minas. Venho colaborar
neste evento que discute o cerrado.
- Procede-se a apresentação de “slides”.
Como título desta apresentação, coloquei: Extrativismo como
Estratégia Sustentável de Sobrevivência nos Gerais. Isso porque,
quando falamos no cerrado, estamos falando de uma forma ampla,
contando com as populações que sobrevivem naquela região, que são
chamadas de “geraizeiros”.
Para falar do cerrado, trouxemos o pequi como símbolo da riqueza
natural que existe no cerrado. O pequi é reconhecido mundialmente
como o símbolo do cerrado, o rei da vitamina A. Então, quando
falamos do cerrado, estamos falando de toda essa riqueza natural
que existe lá. São várias frutas e plantas medicinais bastante
utilizadas pela população local.
Estamos mostrando o mapa de Minas. A parte marrom é a região do
cerrado; a parte azul é a região de caatinga. Quando falamos em
ocupação do cerrado, temos que deixar claro que já passamos por
três etapas. A primeira ocupação foi quando os portugueses
chegaram ali e não consideraram o índio como gente. A segunda
ocupação foi na década de 70, quando foram desenvolvidas políticas
para o cerrado. Ele foi olhado como um vazio econômico, como se
não houvesse gente. Ali existe uma grande população de
“geraizeiros”, com uma cultura muito rica de sobrevivência. Para
se pensar no cerrado, hoje, temos que pensar na população que lá
sobrevive, que tem de ser ouvida. Aqui deveria haver
representantes das pessoas que moram nos grotões para dar a sua
posição. É preciso criar espaços de discussão sobre o cerrado
envolvendo a população local.
Hoje, pairam várias ameaças sobre o cerrado. Historicamente, o
cerrado predomina em mais de 50% do território mineiro. A partir
da década de 70, Governos mineiros e brasileiros promoveram
políticas de ocupação do cerrado através de diversos programas que
já foram citados. Houve a expansão de monoculturas de pastagens,
soja, café e eucalipto. E, como conseqüência disso, temos a
biodiversidade ameaçada pela expansão do modelo monocultor,
agroexportador e todo o complexo associado a barramentos,
hidrovias, pivôs centrais etc.
O cerrado é visto como mero suporte físico de sustentação do
superávit comercial. Há a apropriação do território das chapadas
pelas monoculturas em detrimento das comunidades indígenas e
quilombolas. Em conseqüência, no Norte de Minas, milhares de
nascentes secaram. De 1.200 rios e córregos, 680 já secaram,
conforme pesquisa realizada. Houve o encurralamento de várias
famílias das populações tradicionais. Os agricultores familiares
não têm acesso às chapadas, onde plantaram eucaliptos, e encontram-
se encurralados nas grotas, com dificuldade de acesso à água.
Houve também o empobrecimento generalizado dos municípios. O
efeito das queimadas é devastador. Sabemos que sempre houve
queimadas no cerrado, mas hoje elas causam mais problemas, porque
as chapadas estão cercadas, atingindo diretamente os animais. O
desmatamento em prol do eucalipto acabou com a riqueza natural, o
que facilita as erosões. Ressalto a dificuldade das populações
tradicionais no acesso à água. Cito também as grandes carvoeiras,
produtoras de carbono.
Hoje o cerrado está sendo ocupado pela grande fronteira agrícola.
No Norte de Minas, vemos o eucalipto. Em outras regiões, vemos a
expansão da soja nas áreas de chapadas. Portanto, precisamos
pensar num novo modelo de utilização do cerrado. A Cooperativa
Grande Sertão trabalha com essas populações, principalmente as
nativas, desenvolvendo agricultura associada ao extrativismo. No
Norte de Minas, a experiência é de conservação do cerrado e de
geração de renda, o que fortalece o agroextrativismo.
Historicamente, essas populações trabalhavam a agricultura e, ao
mesmo tempo, a coleta de frutos.
Como exemplo, cito o processamento do pequi. As populações locais
sempre se envolveram nesse trabalho, reforçando sua renda
familiar. Na transparência, vemos a coleta e o transporte do fruto
em carroças. Há as unidades comunitárias de aproveitamento dos
frutos nativos, nas quais eles são selecionados e preparados para
a comercialização. As pessoas os lavam, empacotam e extraem seu
óleo. Atualmente a cooperativa trabalha com sete unidades de
beneficiamento de frutos.
No ano agrícola de 2003 e 2004, os agricultores, juntamente com a
cooperativa, extraíram cerca de 15 mil dúzias de pequis e os
congelaram e 5.200 litros de óleo. Para 2005, a projeção é
aumentar a produção para 45 mil dúzias e 8 mil litros de óleo de
pequi.
O trabalho que temos feito na região leva em conta o
aproveitamento de todas as frutas nativas do cerrado, como o panã,
o maracujá-nativo, o coquinho-azedo e a pinha. São várias frutas
que precisam ser valorizadas. Associado a isso, também trabalhamos
a conscientização para a preservação e o uso dos recursos
naturais.
O nosso trabalho é feito com 15 espécies de frutas nativas e
cultivadas, num total de 60t de frutas processadas nas safras de
2003 e 2004. Isso gerou uma produção de 22t de polpa integral de
frutas e o envolvimento de 253 famílias de agricultores.
Por esse quadro, vemos o exemplo de uma comunidade de Campos, no
Município de Serranópolis de Minas, onde é trabalhado o coquinho-
azedo, também chamado coco-butiá, um grande potencial da região.
Em seguida, vemos como é feito o transporte desses frutos para
uma unidade de beneficiamento, onde vimos trabalhando o seu
aproveitamento com o envolvimento das comunidades.
Na fábrica, as frutas são processadas nessa despolpadeira, por
meio de um processo de envasamento, transformadas em polpa e
comercializadas por meio de uma marca regional chamada Grande
Sertão, criada pela cooperativa.
Estrategicamente, trabalhamos em duas microrregiões no Norte de
Minas: a primeira é a região de Porteirinha, que engloba cinco
municípios; e a segunda, de Varzelândia. Isso envolve 14
municípios empenhados em trabalhar as pequenas unidades
comunitárias. Esses pontinhos vermelhos que vocês estão vendo no
mapa são as comunidades.
Hoje existe uma fábrica que, além de produzir a polpa de fruta,
também a transforma em suco. Uma outra unidade está sendo
instalada nessa microrregião, dentro dessa discussão dos
territórios. No tocante ao território da serra Geral, os recursos
serão investidos para a implantação de uma unidade de
beneficiamento de frutos, em prol do fortalecimento do
extrativismo no Norte de Minas.
Isso gera propostas de utilização e reconversão de áreas em que o
eucalipto está acabando e o pequi e as outras frutas estão
regenerando. As pesquisas apontam que, para um hectare de cerrado
em que há bastante pequi, chegando, em média, a 30 pés de pequi,
há capacidade para se produzir uma média de quatro a seis caixas
por pé.
Este quadro mostra onde uma família pode trabalhar o pequi e o
agroextrativismo, pensando em 15ha. Em 1 ha, podem ser produzidas
100 caixas de pequi. Portanto, seriam 1.500 caixas de pequi em
15ha. Considerando um valor médio de R$3,00 a caixa, daria um
total de R$4.500,00. Segundo este quadro, é possível associar a
produção e o extrativismo no cerrado. Estamos propondo a
utilização das áreas em que o cerrado está regenerando,
principalmente as áreas de eucalipto, no Norte de Minas.
Temos algumas propostas: apoiar as experiências comunitárias de
reapropriação de territórios e o uso sustentável da
biodiversidade, o controle social e comunitário da ocupação e do
uso do território e a reconversão agroextrativista de terras
devolutas, principalmente onde o pequi e as outras frutas estão
regenerando, mesmo dentro de áreas plantadas com eucalipto.
Modelo sustentável de assentamentos rurais: é preciso associar a
questão dos assentamentos, principalmente os que estão nas regiões
de cerrado, com o extrativismo e a biodiversidade local e
fortalecer experiências e ações produtivas que conciliem a
articulação do saber local e do conhecimento tradicional.
Extrativismo e beneficiamento da diversidade vegetal do cerrado,
frutos, plantas medicinais, mel, óleos, artesanato, etc.
Articulação entre extrativismo e a criação racional de bovinos ou
caprinos nas chapadas. É possível associar a criação de animais às
pastagens nativas, preservando também o cerrado. Criação
sustentável de animais silvestres; agregação de valor;
verticalização da produção e versão socioeconômica dos
empreendimentos.
Esta transparência mostra a imagem das veredas do cerrado, que
estão em extinção. As veredas estão comprometidas, principalmente
nas regiões em que se plantou eucalipto nas chapadas.
A agricultura familiar tem de estar contextualizada nas políticas
para o cerrado. Temos uma população passando fome, e as políticas
para o cerrado visam à exportação de alimentos. O Brasil pode
chegar a ser o primeiro país na produção de alimentos, mas tem uma
grande população passando fome, porque a produção brasileira é
exportada. Hoje, é a agricultura familiar que põe comida na mesa
do brasileiro e precisa ser contemplada nas políticas que propomos
para o cerrado. Muito obrigado.