Pronunciamentos

ALDO DA CUNHA REBOUÇAS, Pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo - USP.

Discurso

Discursa sobre o tema do evento.
Reunião 41ª reunião ESPECIAL
Legislatura 15ª legislatura, 2ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 02/10/2004
Página 36, Coluna 1
Evento Seminário Legislativo "Saneamento Ambiental: Demandas e Intervenções Necessárias".
Assunto MEIO AMBIENTE. SANEAMENTO BÁSICO.

41ª REUNIÃO ESPECIAL DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 15ª LEGISLATURA, EM 14/9/2004 Palavras do Sr. Aldo da Cunha Rebouças Muito obrigado. Vocês, mineiros, estão de parabéns por essa iniciativa na Casa das leis. Sr. Deputado Ricardo Duarte, Presidente da Mesa, Deputado Rêmolo Aloise, coordenador dos debates, demais Deputados, Diretor-Geral do IGAM, Paulo Teodoro de Carvalho, que apresentou um trabalho muito interessante, participantes de organismos estaduais, Deputado Fábio Avelar, autor do requerimento que deu origem a este evento, demais presentes e colegas da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas - ABAS -, sou aposentado da USP e hoje estou no Instituto de Estudos Avançados, um instituto de terceira idade que recebe todos aqueles que estão dispostos a chutar o balde. Quanto a isso, não tenho nada a reclamar. Quando alguém pergunta como vai, respondo que vai tudo bem, sem nada a reclamar e a quem reclamar. E, assim, continuo a minha vida, chutando o meu balde. Lamentavelmente, os organismos internacionais têm tido muito vantagem. Tenho viajado mais para o exterior que pelo Brasil, salvo Minas Gerais. A 1ª Conferência Internacional das Nações Unidas, que reuniu pobres e ricos para definir as condições de ambiente sustentável num ambiente equilibrado, foi realizada em 1972, em Estocolmo, no momento em que havia no Brasil um regime forte. Conseqüentemente, a legislação ambiental é forte, centralizadora. Com os desafios atuais, foi preciso desenvolver uma legislação ambiental de recursos hídricos no Ministério do Meio Ambiente, porque atualmente há o Ministério do Meio Ambiente e a Amazônia legal. Muitos estrangeiros não entendem o que seja a Amazônia legal. Causava muito espanto o Ministério ser chamado Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal, como se houvesse uma Amazônia ilegal. Segundo a Constituição de 1988, que altera o Código de Águas de 1984, todos os corpos de água do Brasil, superficiais ou subterrâneos, são de domínio público. Isso é lamentavelmente um fator importantíssimo, pois se refere à omissão que se tem em relação à água subterrânea no Brasil. Há risco de pedirmos esmolas para comer, apesar de termos a maior descarga de água doce do mundo e um sol que brilha, todos os dias do ano, em qualquer ponto do território nacional. Isso é importantíssimo. Temos um cerrado que a economia clássica classificava como inoperante ou pouco valorizado. Não há solos, mas há água. A democracia no Brasil evoluiu muito. Em 1992, 20 anos depois, já tínhamos uma Constituição e um entendimento de cidadania. Isso gerou um conflito muito forte entre o saneamento ambiental e os recursos hídricos. Precisamos chegar ao ponto de considerar pouco ético o uso ineficiente da água, ou continuaremos ostentando a abundância de água, ou sua deficiência. A Lei Federal nº 9.483 é a base da política nacional de recursos hídricos. A tradição no Brasil tem sido o desperdício e a degradação da qualidade. As nossas empresas de água geralmente primam pela ineficiência porque preferem a manipulação para obtenção de recursos públicos ou investimentos a juros privilegiados em agências internacionais. “O Estado de S. Paulo” está publicando uma avaliação que diz que o Banco Mundial e o Banco Interamericano estão levando mais dinheiro do Brasil que concedendo empréstimos. Eles são os patronos da nossa lei de recursos hídricos porque pedimos os empréstimos, não os usamos e pagamos os juros, mantendo assim os nossos compatriotas, afilhados ou pessoas muito interessantes no mundo financeiro devidamente alimentados. Estive nos Estados Unidos recentemente e tive oportunidade de ter um carro Ford. A diferença do Ford americano para o Ford brasileiro equivale ao salário de um metalúrgico. Falta-nos somente pagar um salário decente. Enquanto um metalúrgico nos Estados Unidos ganha um salário mínimo de US3.500,00, nossos operários ganham R$250,00. O resto era tudo igual. Foi necessário acabar com a história de que esta era uma terra de ninguém, para onde as pessoas vinham, enchiam os bolsos e iam embora. A tradição do Brasil é o desperdício da (...) qualidade, é a política nacional de recursos hídricos que aborda a questão das águas subterrâneas e pereniza os rios. Em 90% do território nacional, os rios nunca secam, e chove de 1.000mm a 3.000mm por ano. É uma região privilegiada. Temos a maior biodiversidade do Planeta, mas há um problema seriíssimo na lei. Na virada do primeiro para o segundo milênio, a Europa se reconstituía sobre as ruínas do Império Romano. Fomos descobertos no segundo milênio pelos europeus, que chegaram pela primeira vez a uma região tropical abundante em água e vegetação, cuja população era tipicamente indígena, maior do que a população de Portugal. Esses índios não cultivavam, não viviam para comer, como os europeus, que cultivavam tudo o que comiam de forma sistemática e matavam bois todos os anos, sob pena de morrerem de frio no inverno, eram obrigados a matar o animal. As especiarias da Índia simplesmente permitiam o consumo da carne, porque não havia como conservá-la. Chegava-se ao ponto de haver um fedor muito grande. A única maneira de consumi-la era por meio das especiarias, o que tornava o seu custo muito elevado e causava problemas. Na virada do segundo para o terceiro milênio, a água se tornou um fator competitivo de mercado e passou a ter valor econômico. A recente Lei Federal no 9.433 - três anos antes da virada da milênio - estabeleceu cinco princípios, entre eles o do comitê de bacia hidrográfica. Já não compete ao Presidente da República, ao Ministro ou ao Secretário de Estado bater na mesa, dar um murro e dizer que fará a transposição da bacia “X” ou da bacia “Y”, levando a água de um lugar a outro. Isso compete ao comitê de bacia, o que significa perda de poder político. O comitê de bacia não vinga porque é ótimo para as áreas de uso conflitante, mas péssimo para as de uso não conflitante, como a Amazônia e o Nordeste. Não há condições para se estabelecer o uso adequado da água numa bacia em que a água corre esporadicamente em alguns meses do ano. O agronegócio será a base do uso eficiente da gota d´água disponível. Será a ressurreição da água subterrânea no sistema, porque se adotará, como principio, a planilha de custos. O agronegácio será, cada vez mais, baseado nessa planilha e utilizará água mais barata, aderindo-se ao recurso subterrâneo. O mercado está privilegiando o uso da água subterrânea porque é mais barata melhor que trazer água do rio e tratá-la. No futuro, os rios serão transformados em depósitos de lixo. Então, é necessário usar e conservar a água, o que é uma despesa. Durante a minha vida, sempre prestei consultoria. No início, tratávamos com os Gerentes de Produção. Depois, passamos a negociar com os Presidentes de empresas, porque a água deixou de ser despesa para se tornar um investimento, à medida que crescia a percepção de que era um fator competitivo de mercado. Hoje temos a “água-despesa” e a “água-investimento”. Em primeiro lugar, garante mais água para o processo produtivo e, em segundo lugar, é o fator imagem valorizado pelo mercado global. Não adianta pensarmos que o mercado global é apenas uma fase; veio para ficar. A convivência do Nordeste com a seca resulta na observação dos povos das regiões mais inóspitas do mundo, que sempre viveram adaptados ao ambiente. Viajamos pelo Canadá e me surpreendi ao ver que lá não existe um departamento nacional de combate ao inverno, embora só tenham três meses por ano de produção agrícola. O Canadá tem um dos maiores IDHs do mundo. Na cesta básica do Brasil, encontramos excedentes agrícolas produzidos pelo Canadá. As empresas de água do Brasil omitem a água subterrânea, a recarga abundante, a biogeoquímica intensa e a base de autodepuração. A água subterrânea é a alternativa mais barata e mais utilizada pelos países desenvolvidos para o abastecimento público. No Brasil, não se usa água subterrânea por razões diversas, como por exemplo o fato de não ser fotogênica. Já estive na inauguração de um poço em Presidente Prudente, em que o Governador disse: “Como você me convida para inaugurar uma obra dessas? É um tubo de 15cm, que emerge do solo”. Eu disse: “Governador, ao lado do poço há uma placa, que amanhã estará estampada nos jornais”. Se fosse uma barragem que estivesse gerando água para Presidente Prudente, o Governador estaria estupefato e muito lisonjeado, sentindo-se prestigiado por ter sido convidado para inaugurar um sistema de abastecimento para uma cidade de quase um milhão de habitantes. Mas, como era um poço, ficou decepcionado, porque um poço não é fotogênico, são apenas 30cm de tubo que emergem do solo. Não é uma obra atraente para um político inaugurar. A Lei Federal nº 9.433 estabelece o comitê de bacias hidrográficas, que decide sobre o uso de água, um problema de perda política. A extração da água subterrânea garante a perenização de rios que nunca secam. Em mais de 90% do território brasileiro, os rios nunca secam, porque chove muito e há muito sol. Um percentual de 25% da recarga da água subterrânea, baseada na descarga de rios, indicaria a possibilidade de oferecer 4.000m³ por ano, por habitante, o que significaria o triplo ou o quádruplo daquilo que as Nações Unidas estabelecem como descarga mínima. Em mais de 90% da área brasileira, os rios nunca secam e 60% das empresas não coletam esgotos, porque têm água sempre abundante. Tratar esgotos é caro, mas, mais caro ainda, é tratar da saúde da população. Se tivéssemos como princípio tratar todos os esgotos e não lançá-los nas praias, mangues, barragens e rios, não haveria problema nenhum e a população estaria usufruindo isso. O progresso fotossintético intenso e a água subterrânea abundante é a base do potencial agrícola dos nossos cerrados e, se não soubermos aproveitá-lo, estaremos com o pires na mão, pedindo esmola para comer. Comitê das Bacias Hidrográficas é um nome bonito, mas teria de ser absorvido pelo poder público, pelo Legislativo e pelas casas das leis do Brasil. Muito obrigado.