Pronunciamentos

AILTON BRASILIENSE PIRES, Presidente da Associação Nacional de Transporte Públicos.

Discurso

Comenta o tema do evento.
Reunião 38ª reunião ESPECIAL
Legislatura 17ª legislatura, 3ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 05/10/2013
Página 36, Coluna 1
Evento Fórum Técnico: Mobilidade Urbana - Construindo Cidades Inteligentes.
Assunto TRANSPORTE. TRÂNSITO.
Observação No decorrer de seu pronunciamento, procede-se à exibição de slides.

38ª REUNIÃO ESPECIAL DA 3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 17ª LEGISLATURA, EM 20/9/2013

Palavras do Sr. Ailton Brasiliense Pires


Palavras do Sr. Ailton Brasiliense Pires

Bom dia. Agradeço à Assembleia Legislativa de Minas Gerais o convite formulado para discutirmos um dos assuntos mais importantes, que é a construção das nossas cidades. Quero demonstrar o que pretendemos fazer com as nossas cidades e o que realmente temos feito.

Sou presidente de uma organização não governamental chamada Associação Nacional de Transportes Públicos, que dispõe de uma diretoria regional em Minas Gerais comandada pelo Ricardo Mendanha, que foi presidente da BHTrans. Hoje a BHTrans é presidida pelo Ramon. O Ricardo é a pessoa que nos acompanha aqui.

Já que estamos falando sobre a lei relativa à mobilidade, gostaria de contar um pouquinho o que essa simpática ONG que presido andou fazendo nesse tempo todo. A nossa representação é nacional e nos constituímos em comissões técnicas. Uma das 11 comissões técnicas se chama Circulação e Urbanismo. Há exatamente 31 anos, a Comissão de Circulação e Urbanismo, após algum tempo de trabalho, chegou à elaboração de uma proposta que pretendia sugerir ao Legislativo Federal um conjunto de leis, que na verdade era uma pequena sequência de leis, na tentativa de se organizarem as cidades porque, afinal de contas, o Brasil estava chegando perto dos 90 milhões de habitantes. Aliás, nos anos 70, a nossa população já havia ultrapassado os 90 milhões.

Não estávamos crescendo. A população crescia de forma absolutamente desorganizada, o que custa muito caro. Não seria necessário pagar tão caro por uma urbanização, que é algo extremamente importante. A cidade foi uma das melhores invenções da humanidade. Se ela for bem administrada, bem planejada e se transformar em um projeto para a sociedade que nela vive, pode-se conseguir um ambiente extremamente favorável; mas, infelizmente, o contrário também pode acontecer.

Ficamos por 13 anos tentando fazer com que um deputado de qualquer estado abraçasse essa causa. Em 1995, quando já realizávamos o 10º congresso em São Paulo, conseguimos o deputado Alberto Goldman, que topou ser o autor do projeto, que tramitou no Poder Legislativo federal mais 17 anos, para, finalmente, ser transformado na lei da mobilidade, sancionada pela presidente Dilma em janeiro do ano passado.

De 1982 até hoje, o Brasil ganhou quase 100 milhões de pessoas. Somos um pouco lerdos para perceber fatos extremamente gritantes, o que nos impõe custos muito altos.

Tomarei como referência três cidades: Belo Horizonte, São Paulo e Curitiba, que é uma cidade referência. Essas cidades têm vários itens em comum. Um deles é a língua. A forma com que nos organizamos nas cidades tem um lado bom e um lado não tão bom. A população foi crescendo nessas cidades. O poder público e a iniciativa privada foram se apoderando das decisões. Isso proporcionou a cada uma dessas cidades cores diferentes.

Por exemplo, em São Paulo, em 1850, o nosso simpático imperador mandou fazer um levantamento da população. Não se tratava de um senso, pois isso só aconteceu a partir de 1940 pelo IBGE. Constatou-se que São Paulo era a 10ª cidade em população. Belo Horizonte não existia. Antes de São Paulo havia Porto Alegre, Campinas, a capital federal, Salvador, Recife, São Luís, Belém e Manaus. São Paulo era um ovo, cuja única indústria era a de velas, como aquelas que acendemos nas novenas e que iluminavam as nossas casas há, mais ou menos, 100 anos.

Entre 1850 e 1900 aconteceu algo fantástico no mundo todo, de bom e de ruim. De ruim, para nós, houve a Guerra do Paraguai; para os americanos, a Guerra da Secessão; e, para os europeus, as guerras realizadas quase todos os anos, com muitas mortes.

Isso provocou uma migração brutal. Obviamente um dos fatores mais importantes do século XIX foi a libertação dos escravos gradativamente, o que acarretou falta de mão de obra para tocar a agricultura. Naquela região, apareceu o nosso amigo Irineu Evangelista de Souza, que, felizmente, como um extraordinário empresário, montou uma ferrovia que ligava o interior, de Jundiaí, a meio caminho de São Paulo e Campinas, até o porto. Devido a essa ferrovia, no vilarejo chamado São Paulo, a língua mais falada, que em 1850 era o tupi, em 1900 passou a ser o italiano. O jornal mais vendido era escrito em italiano. Isso foi o que aconteceu com uma pequena vila chamada São Paulo.

Em 1900, a população havia quadruplicado. Surgiu um grupo canadense, chamado Light, que resolveu vender uma série de itens que São Paulo não tinha.

Ela resolveu vender energia elétrica, transporte, gás e telefone. Se o telefone hoje não é lá essas coisas, imaginem como era em 1900. O fundamental para a Light era vender energia elétrica e transporte numa cidade que era um ovo, que tinha cerca de 40km2 de área, algo na faixa de seis por seis, seis por sete. Em uma hora aquilo poderia ser atravessado a pé, mas moravam lá 200 mil pessoas, que se locomoviam a pé, de carroças e bicicletas. Em 1900 havia 16 automóveis em São Paulo. A Light apareceu para vender energia elétrica e bonde, olhou para a cidade, viu o crescimento absurdo do País - por isso estiveram no Rio, aqui e em outras cidades - e disse: “Deixem conosco”.

Ela resolveu fazer um investimento fantástico em transportes. Em apenas 17 anos construíram 220km de trilhos. São Paulo hoje não tem 220km de trilhos, até porque os trilhos do bonde foram jogados no Oceano Atlântico. Construíram tudo isso numa cidade que estava se industrializando barbaramente e crescendo feito louca. Em 1920 a população de São Paulo estava acima dos 500 mil habitantes. A população de 200 mil habitantes subiu para 500 mil habitantes em 20 anos. Eles vendiam mobilidade e energia elétrica para eles mesmos, vendiam fator de renovação. A melhor coisa do mundo era o fato de os cabos elétricos serem curtos para atender ao máximo de pessoas e o transporte ser curto para atender ao máximo de pessoas também. A tarifa era baratinha. Claro: tinham uma máquina de fazer dinheiro.

Não estou chamando a Light de predadora. Não que ela quisesse, mas foi uma grande planejadora urbana. Enquanto São Paulo esteve sob os seus domínios, até o final da década de 1940, foram implantados 500km de trilhos e bondes. Tínhamos mais 100km de ferrovias. A cidade, nessa época, tinha quase 200km2. Em 1950, São Paulo tinha mais ou menos a população que Belo Horizonte tem hoje, com uma pequena diferença: São Paulo era quatro vezes menor em área. Logo, o nosso fator de renovação, o número de pessoas que utilizam o mesmo lugar no bonde era enorme, enquanto o de vocês não deve ser nem a metade. Por isso a tarifa de vocês é alta. A Light ficou muito rica, ficou eternamente grata a nós, que a enchemos de dinheiro, mas para dizer que não ganhamos nada, ganhamos, até 1950, uma cidade extremamente densa.

A partir daí foi dado um pontapé nesse modelo, o que mostra que não aprendemos nada durante 50 anos. Resolvemos dizer para cada um dos que moravam lá: “Olha, o negócio é o seguinte com relação a transporte público: cada um que se vire, vá comprar o seu carro, a sua moto; vire-se”. E foi o que fizemos. Hoje a área é oito vezes maior, os custos também são imensamente maiores. O tempo médio de viagem em São Paulo era de 10 minutos, hoje é de 64 minutos. O transporte é muito mais caro e gasta-se muito mais tempo. Depois voltamos a falar sobre São Paulo.

Vocês, de Belo Horizonte, muito diferentemente, começaram planejados. Não sei exatamente, mas Belo Horizonte tem cento e poucos anos, 110, 115 anos - a cidade foi fundada no final de século XIX. Vocês começaram planejados, tanto que criaram uma via de contorno. Imagino que os urbanistas que desenharam Belo Horizonte disseram o seguinte: “Isso aqui vai crescer muito; vamos deixar as raízes da organização da cidade. Aqueles que nos sucederem vão entender que, se a cidade continuar sendo planejada de acordo com os interesses da maioria, será uma cidade ótima para se viver, e não aquela porcaria de São Paulo, que está lá embaixo”. Parece que vocês não seguiram bem o que queriam os urbanistas que desenharam Belo Horizonte, que discutiram Belo Horizonte, que discutiram o futuro de Belo Horizonte, que propuseram as estruturas básicas de crescimento. Vocês também não deram bola para os tios que montaram Belo Horizonte.

E onde entra essa tal de Curitiba? Curitiba não fez nada de mais. Ela resolveu aprender com os próprios erros e com os erros da cidade que ficava a 400km ao norte. Em 1840, trouxeram um urbanista, que se chamava Agache. Sempre me esqueço do nome dele. Você que é carioca, se lembra? Ele passou pelo Rio. Ele foi tentar vender urbanismo para os cariocas, mas nada conseguiu. Em seguida, foi para Curitiba, e disse, em 1940: “Isso aqui está crescendo como louco. Vocês já têm 120 mil habitantes. Vejam o que fazem. Se se organizarem sobre essas premissas, serão uma cidade melhor no futuro”. Ele estava vendo o resto do Brasil crescer numa média de 6%, 7%, 8% ao ano. Aquilo evidentemente engoliria a capital de Curitiba.

Levaram o Agache mais ou menos a sério, mas não muito. Em 1900, eles tinham dobrado a população. Olharam para cima e viram que São Paulo já tinha três milhões e meio. Resolveram então chamar um professor da universidade de São Paulo, chamado Jorge Wilheim, e lhe disseram o seguinte. Aliás, estou inventando a fala, porque evidentemente eu não estava lá. Imagino que deve ter sido o seguinte: “Escuta aqui, paulista, está vendo Curitiba? Não queremos ser você amanhã. Você é São Paulo”. Ele respondeu: “tudo bem”. E perguntou: “então por que vocês não repetem, daqui para a frente, aquilo que foi feito nas cidades do mundo, exceto nas americanas, que planejaram o uso do solo?”. Quando se planeja o uso do solo, planeja-se o transporte. Assim, tem-se tempo de viagens menores, qualidade de vida melhor. Responderam que só possuíam ônibus. O professor disse que teriam de ver o que fariam com o tal do ônibus.

De 1960 até recentemente, Curitiba tentou e conseguiu, com relativo sucesso, reestruturar-se sobre o tal do ônibus. Quem já ouviu falar em canaleta de ônibus? Isso surgiu lá. Era a canaleta do bonde. O bonde andava na área central, e o mundo se adaptava a ele. Já que não dava para fazer assim, que se colocasse ônibus de um lado e de outro. Deve haver só para ônibus um espaço que não pode ser dividido com o resto. Quando colocaram o bonde para dividir com o resto, acabaram com o bonde.

Um grande jornal de São Paulo, existente até hoje, um dia publicou uma manchete sensacional: “O bonde atrapalha o trânsito”. Não eram os carros que atrapalhavam, mas o bonde. Com essa lógica, destruímos São Paulo. Usaram, com bonde ou sem bonde, a mesma lógica, mas Curitiba não entrou nessa. Fizeram a canaleta, fizeram corredor e integração de ônibus, colocaram terminais de ônibus, os articulados e os biarticulados. Fizeram o Ligeirinho e o Ligeirão. Alguém vai lá e diz: “Grande coisa, está tudo congestionado”.

É claro, todo projeto humano tem limites. Nada resiste a um projeto para 5 pessoas se são colocadas 49. O projeto era para 5, para 49 era outra casa. É isso que Curitiba está discutindo hoje, a outra casa. Com as demandas que têm, eles terão de pensar em outro modal. O que dava para fazer de ônibus fizeram. Levaram a uma ótima posição. Daqui para a frente, gostando ou não, terão de fazer o tal do metrô, que não custa caro nem barato. Para transportar as demandas que o metrô transporta, só ele.

Nós, São Paulo e vocês, de Belo Horizonte, temos coisas em comum. Nossos centros não foram lá muito bem organizados. Há grande densidade de moradias e de empregos em vielas. Viela é uma ruazinha de 10 metros, não passa disso. Se você se atrever a transportar em ônibus todas as pessoas que moram aqui, que trabalham e vão aos postos de saúde, que fazem compras e buscam a educação, como fez Bogotá inteligentemente, verá que não será possível, porque o viário não existe. Se resolverem fazer na marra, terão de derrubar a cidade. Apareceu aqui o prefeito de Bogotá, Peñalosa. Foi brilhante para Bogotá. Em São Paulo, fez um monte de bobagens. Eu, se fosse prefeito de São Paulo, não teria feito um centímetro de metrô. Teria feito corredor de ônibus.

Não se conhece a história das cidades portuguesas - é incrível - nem a história das cidades espanholas. Alguém já esteve em Buenos Aires, Santiago, Lima, Caracas, Bogotá ou o diabo que seja? São cidades planejadas - não que os espanhóis sejam melhores que nós; eles têm outra concepção. Em Bogotá, uma via possui 50m de largura e 15km de comprimento. Acharam pouco. A cerca de 200m dessa via, para cá ou para lá, há outra, com o mesmo desenho. Também acharam pouco. Perpendicularmente a elas, há outras tantas. Uma coisa é uma cidade planejada, olhando para o futuro; outra, uma cidade como São Paulo, que cresce o tempo todo esperando uma invasão, provavelmente de marcianos ou de trogloditas. Ela é toda fechada. A Avenida Santo Amaro é o exemplo melhor que se pode ter. As ruas não atravessam na perpendicular. Uma via vem e bate aqui; a continuação dela está a 20m para cá. Não é legal? Como o engenheiro de trânsito vai fazer a sincronização dos semáforos? Rarissimamente as nossas grandes avenidas têm 10km, o resto é um monte de vielas. Querer comparar o modelo português, que tem suas qualidades, com o modelo espanhol, que também tem suas qualidades, é uma grande asneira.

É preciso fazer metrô onde não há opção. Demandas de 40, 50 ou 60 mil pessoas por hora para lá e para cá em apenas 11m, só metrô ou, se quiserem, só trem. Ônibus, corredor de ônibus, BRT, o que vocês quiserem, atendem a 15 ou 20 mil pessoas nas cidades brasileiras. Alguém disse que em Bogotá há um corredor de transporte a mais. Claro, por causa do desenho urbano em um plano. A cidade de vocês é plana? É um morro que sobe e desce. São Paulo é igual, como tantas outras. As soluções têm de ser muito bem estudadas. É muito bom ter uma referência externa, mas vá lá e aprenda o essencial, não venha com cópia. Quem faz cópia acaba propondo uma grande bobagem.

Da falta de planejamento decorrem os tempos excessivos de viagem. Por isso passamos de 10 minutos para 64 minutos. Se continuar a ser adotada a mesma forma de administração da cidade, em breve serão 70 minutos, depois 80, 90. Depois é melhor mudar de casa, de emprego ou de mulher. Alguma coisa você tem de fazer na sua vida. É brincadeira de sádico ficar andando uma hora e meia para cá, uma hora e meia para lá, apenas para você chegar aonde quer e depois começar a vida.

Há uma coisa que se vai aprendendo com todo mundo: o transporte, o trânsito e o uso do solo são questões que têm de ser pensadas conjuntamente.

Vamos voltar aos exemplos de São Paulo e Curitiba. O que o bonde fez em São Paulo? Por que a Light ficou rica pra capeta? Porque em uma mesma viagem, do ponto inicial ao final - vamos admitir que haja 100 lugares -, o bonde pode levar exatamente 100 pessoas ou 200, 300, 400 pessoas. Como se faz isso? Há um conjunto de interesses: moradia, comércio, serviço, o diabo que o carregue, fábrica. Por exemplo, todos que estão no bonde descem em um determinado ponto, e sobem outros passageiros. Estou exagerando. Imaginem que isso não ocorra no ponto seguinte, mas ao longo da via, ou seja, o mesmo lugar, para passageiro sentado ou em pé, é ocupado por diversas pessoas, porque uma chega e outra pega o bonde e ocupa aquele lugar. “Pode ficar aqui, pois vou embora; cheguei à fábrica, cheguei à loja, cheguei ao hospital, cheguei à casa da sogra, cheguei à escola.” Eu desço e sobe outro, que vai aonde quiser. Assim o mesmo lugar é ocupado por outra pessoa, por mais um trecho.

Então, foi isto que fez a Light ganhar muito dinheiro: a lógica que tentaram transferir para as cidades brasileiras. E peguei Curitiba como referência.

Em relação a Curitiba, eles fizeram o tal trinário, que é o seguinte: essa via em que está o nosso cameraman é a via principal; nessa quadra de vocês, em cada metro quadrado do terreno pode-se construir quatro vezes mais, assim como nessa outra que está margeando; naquela quadra que está ali, assim como na outra que está do outro lado, não se pode construir quatro vezes, mas menos; naquela outra, que está mais longe, para cada metro quadrado de terreno pode-se construir menos ainda. Ou seja, se fizermos um corte, vamos desenhar uma pirâmide densa no entorno do eixo principal do transporte público, cada vez mais rarefeita, longe. Para quê? Para morar muita gente perto e para as pessoas não ficarem com preguiça, andarem só 200m ou 300m e chegarem ao corredor. Aí morreu o velho, mas e daí? É o seguinte: estão vendo esse conjunto das primeiras quadras? É só escritório comercial; outro, só moradias; outro, serviços públicos; outro, moradias; e se vão alternando os corredores, vão simulando, criando estímulos, descontos e coisas do tipo. Razoável, não? Foi isso que a tal da Lignt, mas não com esse primor, fez lá. E fez onde pôde.

Não é um modelo razoável e racional? É impossível fazê-lo? “Ah, agora vai passear! São Paulo está toda torta! São Paulo não tem mais jeito! “Se continuar com a cabeça que tem, não tem mesmo; então é melhor todo mundo mudar para Belo Horizonte. Espero que vocês nos recebam bem. Mas dá para mudar. Levamos 60 anos entortando uma cidade e, com um pingo de inteligência, em 10, 20, 30 anos, podemos fazer uma correção razoável. Dá para fazer isso. Não estamos condenados lá nem vocês estão aqui condenados a viver cada vez pior, porque a nossa população não vai crescer muito mais, mas vamos ficar mais ricos, em termos de sociedade. Um cara mais rico é mais chato, viaja mais, usa mais o sistema viário, usa mais o transporte público, então esse cara vai fazer cobrança. “Então, vamos pegá-lo e colocá-lo do nosso lado”.

Vou dar um exemplo para vocês - fico olhando para esse relógio aqui e é complicado. Em 1998, a ANTP, que é essa ONG, e o Ipea, do governo federal, resolveram fazer um estudo sobre o seguinte: por conta de congestionamentos, a tarifa sofre alguma influência em termos de custo, há algum acréscimo? Convidamos 10 cidades - São Paulo, Belo Horizonte, Rio, Curitiba, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza, Brasília e Goiânia - para discutir metodologia. Ficamos um tempão discutindo metodologia, porque todo mundo inventa. Pegamos o que os outros fizeram na Europa. Levamos um ano para acertar como se mede. Definido o método, cada cidade praticou o seu. Para lá, o custo da tarifa era 16% maior do que deveria ser, se houvessem as tais faixas exclusivas, onde cabem, ou os corredores de ônibus. Então, hoje, da tarifa cobrada, R$3,00 correspondem ao valor que o mais pobre paga para andar de ônibus e R$0,48, para você andar de carro. Isto é que é democracia: a maioria favorece a minoria. É desse jeito? Hoje estima-se que isso está em 25%, ou seja, a tarifa de R$3,00 deveria custar R$0,75 a menos, desde que tivéssemos os 300 e poucos quilômetros previstos de corredores de ônibus, a malha do metrô - de que só temos a metade - e parte da malha da CBTM, que é a empresa ferroviária da cidade, num nível de oferta igual à do metrô. Vejam como custa caro privilegiar somente carros! Nada contra carro. Que cada belo-horizontino tenha um carro um dia, mas só o use de vez em quando. Por quê? Um cara que sai todo dia de casa e vai para o trabalho, faz sempre o mesmo itinerário precisa de um bom transporte, menos ir dirigindo. Se cobrarmos dele o que ele custa para os demais, vocês vão cair de costas.

Para cada um andar de carro, o custo é, em média, de R$0,60 o quilômetro, incluindo depreciação, impostos, combustível, seguro e estacionamento. Também acho que R$0,60 não é muito. Mas imaginem quem anda 10.000km por ano, o que é pouco. Isso significa R$6.000,00 por ano. Para boa parte da população, esses R$6.000,00 a mais poderiam significar morar em uma casa melhor, ou ter um plano de saúde melhor, ou pagar uma escola melhor para o filho.

Espero que as esposas esfreguem isso na cara dos maridos, que vivem andando de carro para lá e para cá, todos os dias. O marido deve trabalhar de ônibus, é preciso dar uma dura nele e vice-versa, porque nossas esposas também são um bocado madames. Elas nos perguntam: “Andar de transporte público, naquela porcaria?”. E isso é um fato, o que temos hoje é uma porcaria. Mas nem tudo é uma porcaria. Nem temos competência para fazer só porcaria, pois também há coisas boas no transporte público. E é essa tal de coisa boa que deve virar padrão. Por exemplo: estou aqui, são 10h13min, e sei que o ônibus que passa aqui em frente vai passar daqui a 5 minutos. Posso falar: “vocês vão me desculpar, tenho de ir para não sei onde, pois meu ônibus vai passar e vou embora”. Eu saio, e, daqui a 5 minutos, ele passa. Esse serviço está disponível, hoje, em quase toda a Europa. Está disponível no celular. Eu ligo para uma central, e me informam quando o ônibus passa. Por que não temos isso? Por que é caro? Porque o sistema viário não é prioridade. Se informam que leva 5 minutos para o ônibus passar, então são 50 minutos. Quem é que pode acreditar em um sistema que não tem prioridade? Isso deve ser considerado.

Chega de falar mal do passado e vamos começar a discutir a cidade que queremos. Afinal de contas, a cidade que herdamos não é a cidade dos nossos sonhos. Os que tomaram as decisões para construir essa droga que está aí foram eleitos por nós. Elegemos qualquer um para vereador, para deputado, para prefeito, senador e para presidente, mas depois queremos o milagre. Só que a tenda de milagres está vazia, temos de pensar de outra forma.

Ao final, pretendo deixar uma sugestão que vocês estão fartos de conhecer, mas é só para lembrar que todos nós sabemos por onde temos de andar para resolver o problema. Tomarei como referência São Paulo, Belo Horizonte ou Curitiba, pois parte do problema está dentro dela, e a solução, em parte, está dentro dela. Em 1950, São Paulo tinha 2.200.000 habitantes, e a futura região metropolitana, que nem existia na época, tinha 500.000 habitantes. Ou seja, quatro vezes menos pessoas, tanto que várias pessoas moravam no subúrbio. Hoje, a capital tem 11.000.000 de habitantes, e o entorno tem 9.000.000 de habitantes - são duas cidades do mesmo tamanho.

Hoje, tentar resolver os problemas de Belo Horizonte sem considerar as cidades que estão no entorno é impossível, esqueçam. Se fizerem isso, chegarão apenas a uma solução parcial. Hoje, é fundamental que os prefeitos se organizem e o nosso simpático governador idem. Todos devem discutir esse problema. Se faltar recurso, devemos pedir ao governo federal a parte dele. O mau funcionamento das cidades é um mau negócio para o governo federal, que deve ser nosso sócio, e não é só em regiões metropolitanas, mas em aglomerados também.

O Grafite foi meu companheiro de Ministério, em Brasília, ele estava na Semob, na Secretaria Nacional de Mobilidade, e eu era diretor do Departamento Nacional de Trânsito. Tivemos um ministro comum, na época, o Olívio Dutra, que comandava outras secretarias, como a de Saneamento, de Habitação e de Planejamento Urbano. Tínhamos reuniões todas as sextas-feiras, das 8 horas às 13 horas, e o Olívio ficava nos cobrando o que fazer. Dizia que já havia entendido o que íamos fazer, mas queria saber o que faríamos junto às outras áreas. É preciso que o trabalho seja integrado. Por exemplo, olhem que legal: o cara constrói um conjunto habitacional para 50 mil pessoas lá no inferno. Quem vai buscar o morador desse conjunto para vir trabalhar aqui? Quanto custa levar água e esgoto, energia elétrica, o diabo? É assim que continuaremos a fazer as cidades? Agora, cada um faz o que quer. Temos o Minha Casa Minha Vida, que repete os mesmos erros do BNH. Existe dinheiro para fazer mil habitações, então fazem 700 aqui, porque neste local há transporte, água, luz, esgoto etc. Mas querem fazer mil num local em que nada existe, querem fazer as mil habitações. Desse jeito, continuaremos deformando cidades. Temos de tomar as áreas centrais - São Paulo tem a bagatela de 400 mil imóveis vazios num raio de 8km. Se não houver uma intervenção e ficarem inabitados os imóveis, eles vão cair.

E as moradias continuam crescendo cada vez mais longe, porque o terreno é mais barato. E o transporte público ficando cada vez mais caro, assim como o saneamento, a energia etc. São lógicas óbvias, que a Light nos ensinou - e insistimos em não aprender - e que os curitibanos fizeram, assim como o fizeram os planejadores iniciais de Belo Horizonte. Não custava nada aprender alguma coisa com aqueles que agiram de maneira acertada antigamente. Da nossa parte, está muito difícil aprender.

E uma das formas de aprender e corrigir erros é olhando para os nossos corredores de transporte público. Belo Horizonte e São Paulo são absurdamente deficitárias em corredores de transporte público. Temos 75km de metrô e 130km de trilhos da CPTM dentro da cidade. Fora da cidade, temos mais 130km da CPTM. Se nada der errado nos próximos quatro ou cinco anos, e seja quem for o simpático governador, se forem mantidos os investimentos que estão sendo feitos ultimamente, São Paulo dobra a sua malha metroviária, indo para 150km de metrô, mais 130km, totalizando quase 300km. Se o prefeito atual e seu sucessor fizerem os outros 300km, serão 600km. Se colocarem 500m de cada lado, são 600km2, correspondentes a 40% da área da cidade. Tendo isso estruturado, podendo garantir os tempos de viagem, não posso estimular o adensamento justamente desses corredores nos 200m, 300m, 400m mais próximos? Será que não consigo, por meio da lei, estimular a iniciativa privada, que vive fazendo coisas onde não deve? Será que não gostam do dinheiro que ganham aqui e apenas gostam do dinheiro que ganham lá? O dinheiro não é igual? Portanto, se os prefeitos, os vereadores e a sociedade não vestirem a camisa e entenderem que têm de discutir, juntamente com os deputados e governadores, a cidade que se quer, continuaremos construindo essas porcarias, como já o fizemos. Teremos de fazer algumas opções. Temos de criar estímulos: ISS, IPTU, o diabo que o carregue... sobe aqui, desce lá.

Nós fazemos algumas bobagens fantásticas, históricas. Com relação à área empresarial, temos, em São Paulo, um bairro chamado Vila Olímpia. De vez em quando, elege-se a área mais charmosa da cidade. Mal conheço Belo Horizonte, mas disseram-me que não deixasse de ir à Savassi, porque ela é muito legal. A tal Vila Olímpia é a bola da vez de lá. Um grupo de empresários, de posse de um caminhão de dinheiro, comprou um monte de moradias, pagaram o valor de mercado e estão construindo alguns milhões de metros quadrados de escritórios que, para neles entrar, é melhor tirar os sapatos. Tomem banho, lavem a roupa, porque é enjoadíssimo entrar lá. O volume de carros, de viagens de automóvel que será levado para aquele local fará com que o sistema viário, que já está saturado, fique muito pior. E os nossos prefeitos de antanho estão deixando o barco correr.

O Pinheiro era um rio; hoje é um esgoto a céu aberto, graças à exploração comercial burra. Por causa dela, transformamos um dos rios - que também não é lá essas coisas - num enorme esgoto. Buscávamos água a 10km do centro da cidade - Billings e Guarapiranga; agora vamos buscá-la a 150km. Legal, não é? A água chega mais fresca. E a tal da Vila Olímpia, assim como a Marginal Pinheiros já estão aprovadas e em fase de construção; são mais alguns milhões de metros quadrados para escritórios e moradias de alto padrão dos únicos caras que não usam transporte coletivo; dos únicos caras que vão acabar de entupir de vez o que está lá embaixo. Nada contra fazer isso, mas tem de ser tudo lá? Não dá para tentar fazer uma reorganização em termos de cidade?

O prefeito de São Paulo tem feito com diversos prefeitos, inclusive com o Marcio, de Belo Horizonte, uma rediscussão da Cide, aquele imposto sobre combustível, para transformá-lo em imposto municipal. Vai ser um pega pra capar, um inferno e talvez seja aprovado. Se não for isso, haverá um pedágio urbano. E, se não for pedágio urbano - que não seja -, que finalmente os corredores de ônibus venham, que o sistema de trilhos venha, porque isso é inevitável. Vocês podem empurrar a solução com a barriga, mas uma hora vão pagar, e vão pagar caríssimo: congestionamento não é de graça. Segundo nossos estudos, só em São Paulo gastaremos R$8.000.000.000,00 por ano em congestionamentos. Isso é uma estupidez! Sem nexo! É uma demonstração de falta total de inteligência, de compromisso político. Olhem para aquela galeria de prefeitos, vereadores, etc. Tinha de fuzilar ou afogar - e afogar é melhor porque bala custa caro -, pois não é possível terem construído tanta coisa errada. Parece que combinaram construir a pior cidade do mundo e construíram, está lá. Só que vocês estão indo pelo mesmo caminho. Curitiba está apanhando, e outras cidades, também.

O fundamental é acreditarmos que há solução. Primeiro, porque há mesmo. Alguns vão dizer que é mais caro. É claro, mas o que se gastou daqui para trás é muito mais caro. Segundo, como fazer? Em primeiro lugar, vamos nos organizar como sociedade. Existe o instituto dos arquitetos, dos advogados, dos engenheiros, dos economistas, disso, daquilo, sindicato de metalúrgicos, de cobradores, tem o diabo. Nós temos organizações, então vamos organizar as organizações. Vamos escolher os nossos representantes para o Legislativo, e não para fazerem o que querem, mas para fazerem o que nós decidimos que deve ser feito. E vamos cobrar deles todos os dias. Todo dia você tem de ser cobrado, Fred, mas da forma adequada, inteligente, e não quebrando tudo, porque isso é coisa de bandoleiro. Mas você tem de ser cobrado: “Fred, você falou que ia defender tal projeto. Por que está mudando?”. Ele tem de dar explicação; pode até ter suas razões e nos convencer. Sociedade é um jogo de futebol: não dá para todo mundo jogar bem se o goleiro jogar contra; tem de haver um todo harmônico.

A sociedade tem de comprar o projeto da cidade. A cidade é nossa, e não dos vereadores, do prefeito, do governador, do senador ou do presidente da República. Todo mundo passa, rapidinho, e nós ficamos 60, 80 anos aqui. Esses caras passam quatro, oito anos e somem. Não queremos que eles sumam; queremos que fiquem do nosso lado, que discutam conosco, aprofundem o estudo conosco, comprometam-se conosco. É disso que precisamos para construir a cidade que a gente quer. Muito obrigado.

- No decorrer de seu pronunciamento, procede-se à exibição de slides.

O presidente - Agradecemos ao ilustre expositor. É difícil afirmar, mas, ao longo de sua fala, a palavra mais citada foi “planejamento”. Ela foi citada de forma recorrente. No meu preâmbulo, eu já havia citado a palavra “planejamento” e, ao término da sua exposição, o senhor falou sobre a importância da cobrança que deve ser feita pela participação popular. O mandato é uma representação política, tem de ser uma caixa de ressonância dos sentimentos. E, dentro dessa lógica, os vereadores são aqueles que talvez tenham uma importância transcendental. São eles que discutem e votam a Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo, o que passa tantas vezes despercebido pela coletividade.

Fui vereador em Belo Horizonte durante seis anos, participei de um processo de revisão da lei e, naquele processo, apresentei mais de uma centena de emendas ou destaques. Hoje vejo aqui nossa galeria e facilmente conto quantas pessoas estão presentes: pouco mais de uma dezena. Sabem quantas pessoas acompanharam aquilo que seria a decisão da cidade, que serviria para os próximos 10, 20, 30 ou 40 anos? Nenhuma! Sabe o que votamos? Quem é de Belo Horizonte, por favor levante a mão. Havia proposta para flexibilizar, mais uma vez, o Bairro Belvedere, que é uma ocupação, infelizmente desordenada, e acaba prejudicando o trânsito de Belo Horizonte, Nova Lima e todas as cidades que utilizam a rodovia. Já há o propósito de flexibilizar o São Bento, uma área de preservação ambiental. O Buritis já é um bairro com problemas imensos de ocupação desordenada e de trânsito.

Digo a todos que a minha consciência está absolutamente tranquila. Recordo, quando fomos votar a Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo, que todos os meus votos foram contra a ocupação desordenada. Segurei, durante três meses, a não flexibilização no Belvedere. Consegui evitar a do São Bento, que, no 1º turno, só contou com o meu voto contrário. No 2º turno, consegui fazer com que evitassem a flexibilização. Era uma enorme área de preservação ambiental. Infelizmente a população não acompanha, e isso acaba sendo bom para aqueles que desejam cometer atos que a sociedade e nós entendemos ser um desserviço à população. Todos nós, cidadãos - e falo isso porque tenho consciência de que meu mandato é efêmero e um dia vou perder as eleições. Graças a Deus, disputei três eleições e venci todas, mas isso não durará para sempre. Porém serei sempre um cidadão. Nós, cidadãos, até por força do descrédito que temos com a política e das inúmeras coisas que temos a fazer, acabamos por delegar as discussões e decisões ao nosso representante e não acompanhamos.

Portanto tenho que corroborar as palavras do senhor e concordar com elas. Espero que, com o advento sobretudo das redes sociais, que facilitam o processo de acompanhamento de fiscalização, que isso venha a melhorar.

A Assembleia Legislativa convida todos para o ciclo de debates 10 Anos do Estatuto do Idoso, a ser realizado no dia 1º de outubro, neste Plenário.

Isso me deixa entusiasmado, porque sou presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Idoso. Esse é um assunto que me motiva muito. Estarei presidindo esse evento e espero contar com a presença de vocês mais uma vez.

Quero dizer que esse evento do idoso é muito importante e vai ao encontro do que estamos discutindo. É inadmissível que o Estatuto do Idoso, ao completar uma década, até hoje não seja cumprido em sua integralidade no que diz respeito ao transporte público coletivo. Infelizmente, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, até o presente momento não existe o cartão de transposição da roleta. E também, nos nossos 853 municípios, os idosos não contam com transporte gratuito para viagem intermunicipal. Isso é lamentável. Esperamos equacionar isso para que a lei seja cumprida.