Pronunciamentos

AÉCIO NEVES (PSDB), Governador - MG

Discurso

Entrega do VI Prêmio Luís Eduardo Magalhães.
Reunião 1ª reunião ESPECIAL
Legislatura 15ª legislatura, 2ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 20/03/2004
Página 37, Coluna 2
Assunto HOMENAGEM. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
Proposições citadas RQS 1049 de 2004

1ª REUNIÃO ESPECIAL DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 15ª LEGISLATURA, EM 16/3/2004

Palavras do Sr. Aécio Neves


O Governador Aécio Neves - Exmos. Srs. Presidente da Assembléia Legislativa, Deputado Mauri Torres; ex-Governador Francelino Pereira; Vice-Governador de São Paulo, Claúdio Lembo; Presidente do PFL, Senador Jorge Bornhausen; Líder do PFL no Senado, Senador Agripino Maia; Senador Antônio Carlos Magalhães, meu amigo, em cuja pessoa homenageio toda a família de Luís Eduardo Magalhães; Senador da República e ex-Vice-Presidente Marco Maciel; Senadores Romeu Tuma, César Borges, Rodolfo Tourinho; Presidente do PFL de Minas Gerais, Eliseu Resende; Líder do PFL na Câmara dos Deputados, Deputado José Carlos Aleluia; Presidente do Instituto Tancredo Neves em Minas Gerais, Deputado Roberto Brant; Presidente do Instituto Tancredo Neves, Deputado Vilmar Rocha. Permitam-me, nem que seja por um gesto de saudosismo, cumprimentar meus companheiros do Congresso Nacional Deputados Aroldo Cedraz, Jorge Couri, Pauderney Avelino, Clêuber Carneiro, Antônio Carlos Magalhães Neto, Lael Varella, Luiz Carreira, Rodrigo Maia, Vic Pires, José Carlos da Fonseca, Paulo Magalhães, Gilberto Kassab e Carlos Melles. Não sei se omiti algum nome, mas certamente a presença dos senhores me faz recordar alguns dos mais importantes e marcantes momentos da minha vida pública.

Senador Heráclito Fortes, grande amigo e companheiro na Câmara dos Deputados; Deputado Elmiro Nascimento, em cuja pessoa cumprimento os Deputados Estaduais do PFL e de outros partidos; Prefeitos Municipais, que cumprimentamos na pessoa do Prefeito de Salvador, Imbassahy, e dos Prefeitos de Uberaba, Marcos Montes, e de Montes Claros, Jairo Ataíde; caro Luís Eduardo Magalhães Filho, filho do meu amigo Luís Eduardo Magalhães; senhores homenageados com o Prêmio Luís Eduardo Magalhães; membros da comissão julgadora; representantes das inúmeras entidades de classe de Minas Gerais aqui presentes, que peço licença para saudar na pessoa do Dr. Eduardo Bernis, Presidente da Associação Comercial de Minas Gerais; Secretário Danilo de Castro; demais membros da administração estadual que prestigiam esta solenidade, senhoras e senhores, vivemos todos nós em uma época de paradoxos: ao mesmo tempo em que pesquisas apressadas concluem que há certo desencanto com as instituições do Estado e as organizações partidárias, cresce a participação política dos cidadãos em organizações sociais. Para dar uma resposta a esse enigma, reclama-se a reflexão dos homens públicos e dos pensadores. É dentro desse contexto que cabe aos institutos partidários estudar as teorias políticas da atualidade, examinar as condições concretas da sociedade brasileira e encontrar respostas às dificuldades do Estado nacional em suas três esferas federativas. A inteligência política, bem como a inteligência de modo geral, não é privilégio dos eruditos. Ela se faz com a reflexão de todos os membros da comunidade nacional e se alimenta da experiência histórica e das teorias divulgadas. Os intelectuais podem propor à sociedade seus sistemas políticos, e isso tem ocorrido no decorrer da história, mas só a vontade popular deve prevalecer na escolha deste ou daquele regime de governo. Cabe, portanto, aos partidos democráticos permanecerem atentos, fomentando a discussão entre os intelectuais e os demais cidadãos. É o que está fazendo mais uma vez, hoje, o Instituto Tancredo Neves, do PFL.

Permitam-me uma rápida, mas que me parece necessária, palavra sobre aquele que empresta seu nome a esta homenagem. Tive o privilégio de, por pelo menos 12 anos, conviver na Câmara dos Deputados, Senador Antônio Carlos Magalhães, com seu filho, meu amigo Deputado Luís Eduardo. E pude ali compreender e admirar sua complexa e singular personalidade. Luís Eduardo era firme e determinado na defesa das suas convicções, independentemente de terem elas aplauso popular naquele instante. Se estava convencido de determinadas posições, as defendia com destemor único.

Mas esse mesmo Luís Eduardo, afável no trato pessoal, foi, durante todo o tempo em que esteve no Congresso Nacional, um respeitador intransigente dos direitos da minoria naquela Casa. E, quando ocupou a Presidência da Câmara dos Deputados, cargo que tive o orgulho e a honra de poder ocupar alguns anos depois, foi mais uma vez intransigente na defesa das letras do Regimento Interno daquela Casa, como instrumento fundamental para a boa convivência parlamentar. Quem sabe não possam os ensinamentos e os exemplos de Luís Eduardo inspirar aqueles que hoje têm a responsabilidade de, nas duas Casas do Congresso Nacional, conduzir os interesses daqueles que detêm a maioria.

Retorno ao Instituto Tancredo Neves, que escolheu este Plenário para entregar os prêmios outorgados a três estudantes de graduação e pós-graduação, pela redação de trabalhos relativos à democracia. Os temas propostos foram “Revolução Tecnológica, a Economia do Conhecimento e a Democracia” e “Democracia: o Espaço da Paz - Império e Ditadura: a Geopolítica da Guerra”.

São ambiciosos os desafios à inteligência e à razão política dos jovens acadêmicos. Permitam-me que sobre eles faça algumas reflexões. É constatação antiga dos historiadores - e não só dos marxistas - que as comunidades políticas estão sujeitas às mudanças impostas pela tecnologia, que, por sua vez, provocam alterações no quadro econômico. E é da mesma forma sabido que a ciência e a sua aplicação tecnológica, ao mesmo tempo em que conferem a seus possuidores a ambição de domínio econômico e político sobre outros povos, são estimuladas pelas atividades da guerra e servem à expansão dos impérios. Mas a tecnologia e a ciência não podem ser desprezadas pelo fato de servirem à violência, porque, em seu aproveitamento pacífico, contribuem para o conforto e a felicidade dos seres humanos.

A tecnologia moderna das comunicações me parece o único instrumento para a economia do conhecimento. É nela que devemos investir, em busca da igualdade entre as nações e, dentro das nações, da igualdade entre os homens. Democracia, Sr. Presidente desta Casa, tal como a viam os gregos, significa isonomia, ou seja, a igualdade essencial entre os cidadãos.

Em nosso tempo vivemos sob nova ameaça à liberdade e à independência dos Estados, com a crescente internacionalização da economia, a concentração exacerbada da riqueza nas mãos de poucos homens e de alguns países; a busca do controle das fontes de matéria-prima, mesmo mediante a guerra. Como resultado disso, são excluídos da sociedade de bem-estar centenas de milhões de seres humanos, e se agrava a intolerância religiosa e cultural. É um tempo de desesperado medo, que se manifesta em atos de terror, como os atentados da última semana em Madri. Vencer a intolerância, combater as desigualdades, dar a todos a mesma oportunidade de viver bem e em paz são os desafios que só podem ser vencidos pela política.

É nesse ponto que gostaria de lembrar uma frase do patrono, meu caro Presidente Vilmar, desse Instituto, o Presidente Tancredo Neves. Ele disse, em um de seus discursos, que a paz é uma esquiva conquista da razão política. Para ele - em conferência pronunciada em outro renomado centro de estudos, o Instituto Joaquim Nabuco, de Recife, que V. Exa., Presidente Marco Maciel, tão bem conhece - ao contrário do que disse Clausewitz, a guerra não é a continuação da política por outros meios, mas sim o malogro da política e o seu fracasso. Só quando a diplomacia política não consegue solucionar os conflitos, ou seja, quando tais esforços se frustram, é que as armas disparam seus estrondosos argumentos. Dele era também a convicção, tantas vezes manifestada, de que, enquanto houver no Brasil um só homem sem trabalho, sem pão, sem teto e sem letras, qualquer prosperidade será falsa.

Assim, devemos concluir que a ciência e a tecnologia, bem como os exércitos, devem estar sempre sob a regência da razão política. Jefferson, embaixador em Paris durante a Revolução Francesa, sugeriu à Assembléia Nacional um projeto de constituição onde o segundo artigo estipulava que toda autoridade militar deveria estar subordinada a uma autoridade civil, ou seja, a uma autoridade política. Essa é a forma adequada para impedir as aventuras bélicas e as ditaduras, embora saibamos que nem todas as ditaduras têm sido chefiadas por militares.

O Instituto decidiu homenagear Minas Gerais, na pessoa do Presidente Tancredo Neves, dando-lhe o seu nome. Não me será fácil, Sr. Presidente, esquecer o afeto do avô, ao falar sobre o grande homem público, mas procurarei deixar no coração a saudade, para relembrar as suas virtudes políticas. Faz vinte anos que Tancredo, Montoro, Ulysses e outros eminentes brasileiros decidiram ir às ruas, exigindo eleições diretas para a Presidência da República. Na verdade, Tancredo já anunciara esse propósito no momento em que assumiu o governo de Minas, ao dizer ao País que os mineiros continuavam decididos a lutar pela liberdade. Dentro dessa campanha estava a convicção de que a democracia republicana, no caso brasileiro, não se faria sem a desconcentração do poder, ou seja, sem a restauração do pacto federativo.

Frustrada a Emenda Dante de Oliveira, restava-nos a hábil articulação política, a fim de que pudéssemos reconstruir as nossas instituições políticas. É assim que nasce a Aliança Democrática, com o acordo entre o PMDB e a recém-fundada Frente Liberal. O documento, aqui hoje em nossas mãos, “Compromisso com a Nação”, expôs os objetivos da coligação política, que se concentravam na restauração do estado de direito, como passo necessário à retomada do projeto de construção nacional. Soubemos colocar, acima das divergências havidas, os interesses maiores do povo brasileiro e os fundamentos da democracia.

Aqui se encontram, em solo mineiro, algumas das principais personalidades daquela hora de entendimento. Aqui estão os Senadores Marco Maciel e Antônio Carlos Magalhães, que foram, juntamente com o Presidente José Sarney e o Vice-Presidente Aureliano Chaves, ao lado de inúmeros outros brasileiros, vários aqui presentes, os principais articuladores daquele entendimento.

A história, Sr. Senador Antônio Carlos, Sr. Senador Marco Maciel, certamente registrará a decisiva participação desse conjunto de homens públicos na criação das condições necessárias não apenas à eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, mas para o início de um novo, e quero crer, definitivo ciclo de liberdades políticas em nosso País.

Recordo-me de Tancredo, tanto nas suas conversas privadas quanto nos pronunciamentos públicos, a afirmar que a conciliação se fazia em nome do interesse nacional e que recusaria a conciliação das elites apenas em busca do poder sobre o Estado. Ele sempre pensou assim e, por pensar assim, sacrificou a vida, no esforço extraordinário de seus últimos dias, a fim de garantir a devolução do poder político ao povo, tal como a Nação exigira naqueles meses memoráveis. Ele não podia falhar na liderança daquela travessia – e não falhou. Sou testemunha próxima de suas últimas e sacrificadas horas, em que manteve toda a lucidez a serviço da Nação. Recusou-se, até os limites sobre-humanos da resistência física e mental, a buscar o tratamento médico que lhe exigia a saúde, desafiada pelos penosos esforços da organização do governo, convencido ele de que deveria esperar pela posse formal, para, então, cuidar de si mesmo: submetia-se a uma razão de Estado, que estava acima da sua própria vida.

Aproveitando aqui a presença em nossas terras de tantas ilustres figuras políticas nacionais, tenho o dever de trazer à reflexão deste qualificado plenário um tema secular, mas que me parece extremamente atual e urgente e cuja importância já era ressaltada neste documento "Compromisso com a Nação", editado há 20 anos.

Infelizmente não conseguimos, na Carta de 1988, reerguer as colunas da Federação, desabadas por décadas de concentração do poder em Brasília. Sem federação - me permitam voltar a citar Tancredo - não há República. A descentralização do poder é reivindicação do bom senso político, mas sempre se viu postergada.

Nesse documento, no quarto item dos compromissos assumidos pela Aliança Democrática, está de forma absolutamente clara e cristalina a proposta de fortalecimento da Federação e de efetiva autonomia política e financeira dos estados e municípios. Nada mais atual, senhores membros desta Mesa, senhores parlamentares. A descentralização do poder é reivindicação, como disse, do bom-senso, mas sempre se viu postergada.

No declínio da monarquia, não faltaram pensadores lúcidos que a recomendaram, até mesmo para preservar o regime, e muitos só aderiram ao movimento republicano quando a Coroa, pela influência dos príncipes estrangeiros, genros do Imperador, se recusou a aceitar a reforma. Entre outros, Ruy Barbosa foi federalista, antes de ser republicano.

Somos, nós os mineiros - me permitam os nossos visitantes -, federalistas desde o princípio do século XVIII, com o Estado dos Emboabas, que estabelecemos na defesa da autonomia econômica e política da região, contra o predomínio dos paulistas daquele tempo. Fomos federalistas, antes mesmo de contestar o domínio político português. O movimento da Inconfidência, inspirado na independência dos Estados Unidos, era, da mesma forma, federalista. E, em 1842, no movimento revolucionário em aliança com os paulistas de Sorocaba, usamos as armas em defesa da soberania nacional e da federação política. Vencidos no campo de batalha, dada a superioridade das tropas de Caxias, não esmorecemos na luta política que se seguiu e que culminou com a decisão de 15 de novembro de 1889.

Mesmo incompleta, a federação funcionou razoavelmente até o movimento de 64; de lá para cá, vem sendo crescente a concentração dos recursos tributários nas mãos da União, em detrimento de Estados e municípios. Sem que se devolva a estes o direito de arrecadar e de dispor de sua própria receita de acordo com sua própria decisão, a República será unitária na prática, embora federativa em sua denominação constitucional. Enquanto não formos capazes de redesenhar o mapa político, outorgando aos municípios e aos Estados todo o poder que possam exercer, não haverá soberania, o desenvolvimento econômico continuará contido e a democracia será sempre incompleta. Como é da lógica da política, o poder será tanto mais democrático quanto mais próximo estiver do cidadão.

Senhoras e senhores, perdoem-me pelo tempo que utilizei, mas este é realmente momento importante para aqueles que buscam reflexões objetivas que possam nos levar à construção de um tempo de mais justiça social e desenvolvimento. Encerro essas minhas palavras no momento em que agradeço a presença, em solo mineiro, de tão dignas figuras da vida pública nacional, falando neste instante em nome de Minas Gerais, como seu Governador, ao agradecer a homenagem que prestam a Tancredo de Almeida Neves. A memória de Tancredo, 19 anos depois de seu desaparecimento, é a de um brasileiro que honrou o seu povo, agiu dentro dos severos códigos da ética política e se dedicou à Pátria, até o último lampejo de sua consciência. Que seja exemplo e inspiração para esta e as futuras gerações de homens públicos. Muito Obrigado.