Decreto nº 9.536, de 19/04/1930
Texto Original
Decreta luto oficial pelo falecimento do cardeal Arcoverde
O PRESIDENTE DO ESTADO DE MINAS GERAIS, usando das atribuições que lhe são conferidas por lei, e considerando a alta hierarquia eclesiástica do cardeal Joaquim Arcoverde Albuquerque Cavalcanti, arcebispo de S. Sebastião do Rio de Janeiro, os relevantes serviços que, em vida S. E. prestou ao Brasil e os profundos sentimentos católicos do povo mineiro, resolve decretar luto oficial por três dias.
Palácio da Presidência do Estado de Minas Gerais, em Belo Horizonte, 19 de março de 1930.
ANTONIO CARLOS RIBEIRO DE ANDRADA
Odilon Duarte Braga
Senhor Presidente,
Tenho a honra de submeter à esclarecida consideração de v. exc. o incluso decreto sobre a concessão de favores às três primeiras usinas de beneficiamento, torrefação e moagem de café que se montarem no Estado, acompanhado da Exposição de Motivos que sobre esse assunto me apresentou o sr. dr. Pereira Lima, presidente do Instituto Mineiro de Defesa do Café.
Belo Horizonte, 23 de abril de 1930. — José Bernardino Alves Júnior, Secretário das Finanças.
Instituto Mineiro de Defesa do Café, Rio de Janeiro, 2 de dezembro de 1929.
Ilmo. exmo. sr. dr. José Bernardino Alves Júnior d. d. Secretário das Finanças do Estado de Minas Gerais.
A interpretação mais ampla dada ao vocábulo crise, deve-se a G. Tarde, o qual entendia ocorrer esse fenômeno, sempre que, para um forte grupo de indivíduos econômicos; há expectativas malogradas.
Muitas vezes, como no caso do café, a decepção dos produtores resulta de circunstância passageira e tem por motivo precípuo um fato acidental.
A grande alta nos preços, em virtude de excessiva retenção, criou um período de exuberante atividade cultural, em paralelo com o abuso do crédito e especulações aleatórias, tudo conforme o mesmo esquema.
Pela concepção do socialismo, as crises resultam do caráter anárquico que define o regime capitalista, sob cuja égide as mercadorias são produzidas, sem se verificar a possibilidade da venda posterior, por preço remunerativo.
Na espécie que nos interessa, além da superprodução fácil de corrigir pela intermitência das colheitas exíguas e progresso do consumo, concorreu positivamente para o transe atual, uma grave perturbação nos mercados monetários, acarretando o exagero das taxas de desconto, a queda dos valores e a escassez do crédito.
Entretanto, o fato animador é que as possibilidades para a expansão mercantil do café são imensas e até mesmo dentro de nosso país pode ela adquirir notável incremento.
No exercício de 1927-1928 a produção mundial, em sacas de 60 quilogramas, cifrou-se nos algarismos seguintes:
Colômbia |
2.500.000 |
Índias Neerlandezas |
2.000.000 |
Salvador |
900.000 |
Guatemala |
850.000 |
Venezuela |
760.000 |
Haiti e S. Domingos |
750.000 |
África Oriental |
535.000 |
México |
450.000 |
Costa Rica |
270.000 |
Nicarágua |
260.000 |
Equador |
120.000 |
África Ocidental |
100.000 |
Diversos (Honduras, Jamaica, Porto Rio e Madagascar) |
267.000 |
Soma |
9.762.000 |
Brasil |
28.834.000 |
Total Mundial |
38.596.000 |
O consumo médio anual per capita durante o ano de 1927, nas principais nações e em quilogramas, especifica-se como segue:
Suécia |
7,3 |
Dinamarca |
7,3 |
Noruega |
6,5 |
Estados Unidos |
6,1 |
Bélgica |
5,3 |
Países Baixos |
5,0 |
França |
3,9 |
Suíça |
3,4 |
Alemanha |
2,0 |
Itália |
1,1 |
Espanha |
0,9 |
Inglaterra |
0,4 |
A falta de estatísticas completas entre nós, mormente no que concerne ao comércio interestadual, cada vez mais sensível, não permite fixar a taxa do consumo de café no país.
Um cálculo grosseiro atribui a cidade do Rio de janeiro, provavelmente o maior centro consumidor, 130.000 sacas por ano, ou 10.800.000 quilogramas, donde deduz-se o coeficiente individual de 6,7 admitindo a população e 1.600.000 almas.
Tomando por base a quota de 6 quilogramas, como nos Estados Unidos, teríamos um volume de 4.000.000 de sacas para 40 milhões de brasileiros, o que corresponde a pouco menos de metade do café produzido fora do Brasil. Infelizmente e por certo, a realidade fica muito aquém de semelhante estimativa aritmética, a cuja verificação é impossível proceder.
As saídas por cabotagem, no exercício de 1927-1928, referentes ao Rio de Janeiro e a Santos, para os portos do Norte e do Sul foram registradas no total de 150.000 sacas ou 9.000.000 de quilogramas. Excluindo Pernambuco, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, S. Paulo e Paraná, que abastecem os mercados próprios, bem como o Distrito Federal já atendido, temos nos demais Estados cerca de 15 milhões de habitantes e assim o respectivo consumo per capita se expressaria em fração do quilograma, da ordem de 0,6 apenas. Seja como for, é lícito convir que o consumo interno do café susceptível de grande aumento acrescendo que, mesmo aqui é necessário reprimir com maior eficiência a fraude na torrefação, comumente adulterada.
Em outro sentido, para assegurar a supremacia do gênero nacional cumpre melhorar o seu preparo no engenho e sistematicamente pôr em prática os métodos racionais de cultura.
O Instituto Mineiro tem envidado esforços no sentido de realizar esses objetivos primordiais, não só regulamentando a exportação das escolhas, como outorgando aos cafés finos e despolpados, em determinada proporção, uma saída relativamente livre.
Apesar de justificadas por sua finalidade, alegou-se contra tais medidas, a circunstância de favorecerem certas zonas em detrimento de outras, todos produzindo, entretanto, na conformidade das respectivas condições naturais.
Para maior gravame, observa-se também que os Impostos incidem no mesmo grão quer sobre os cafés baixos, quer sobre os finos, sofrendo aqueles, ainda mais, o ônus da retenção prolongada.
Essas reflexões não anulam o vital Interesse do país em melhorar os tipos de exportação, porém, fazem sobressair a necessidade de remediar os inconvenientes econômicos e sociais, que resultam dos óbices opostos à exportação do produto inferior.
Assim o objetivo do projeto que temos a honra de submeter a esclarecida apreciação de v. excia., consiste em estabelecer nos municípios que produzem cafés baixos em maior quantidade, grandes usinas de rebeneficiamento e torrefação, para manipular a parte aproveitável que, embora de aspecto defeituoso, fornecerá ao consumidor nacional um artigo legítimo e puro.
Conquanto o pó assim obtido não possa igualar o que oferece a preparação dos cafés finos, por suas qualidades intrínsecas, será incomparavelmente melhor que inúmeras marcas oferecidas à venda, conforme atestam as últimas diligências da Saúde Pública, nesta Capital.
O projeto estipula a isenção dos impostos ad valorem e da taxa ouro para os produtos das usinas, mas esse favor de aparente gravidade não deve causar receio, porquanto a diminuição dos reditos fiscais é bem compensada por consideráveis vantagens.
Efetivamente, a concessão limita se aos cafés dos tipos 9 e 10 entregues às usinas autorizadas pelo instituto e de cujo contingente tributário eximido, haveria que deduzir todas as despesas com a retenção, juros do capital empatado e avarias algumas vezes sensíveis.
O restrito sacrifício orçamentário, reverte em auxílio a pequenos produtores que não podem trabalhar com esmero, intensifica os negócios no interior, barateia o café torrado nos grandes centros e leva-lo-á a regiões do Brasil, onde é quase desconhecido em algumas, ou alcança preços proibitivos em outras.
As três primeiras usinas, constantes da presente proposta, absorverão 180.000 sacas de cafés baixos, anualmente, o que corresponde ao preço médio de 80$000 à importância total de 14.000:000$000, em números redondos. O imposto ad valorem 7%, a taxa de viação, a sobretaxa de três francos e mais um mil réis ouro, dão em soma cerca de 11$400 que se reduz a 8$000, mais ou menos, descontado o dispêndio com armazenagem durante seis meses. Dessa forma, a arrecadação pelo fisco seria apenas de 1.440:000$000 por ano, no que concerne ao café trabalhado pelas usinas em apreço, quantia ainda exagerada, tendo em vista que parte da respectiva produção será consumida no território mineiro e portanto livre de encargo. E neste ponto o tema, importa salientar que a providência ora preconizada, está em harmonia com o sábio programa concebido pelos governos de Minas, no sentido de substituir a taxa de exportação por outros tributos, menos prejudiciais à economia geral do Estado.
Ainda mais, será uma singela afirmação de sinceridade republicana, visto como o pacto federal proíbe os impostos interestaduais, que tanto atrofiam o comércio interno do país e despertam no ânimo nacional insuperável repulsa.
Para completar, todavia, o conjunto do projeto fora necessário conseguir, em bem da equidade, que as alfândegas federais se encarreguem de arrecadar o imposto de exportação, sobre o gênero preparado que for remetido para o estrangeiro. É assunto a considerar ulteriormente, mesmo que tome corpo o risco de suportar o Estado de Minas, isoladamente, esse sacrifício parcial em prol da nossa maior aspiração econômica, qual seja aumentar no mundo o consumo do café.
Finalmente, resta-nos por, em relevo outro item essencial do projeto, que vem a ser a localização das usinas no interior do Estado e de preferência nos Municípios de trabalho rudimentar.
De facto, a centralização, não só política como econômica e urbana, é um dos característicos dos tempos modernos e deu azo a hipertrofia das cidades, a afluência dos capitães para os grandes centros em detrimento do campo e à pletora governamental com prejuízo da iniciativa privada.
Na hora presente, graças ao conselho dos pensadores e a prática dos homens de ação, dia a dia são mais volumosos nos grandes países as contracorrentes que buscam combater o êxodo rural.
O progresso dos transportes e sobretudo a força motriz oriunda das quedas d'água, a substituição da hulha negra pela hulha branca, explicam a tendência dos industriais em transferir suas fábricas para as regiões silvestres.
Essa providência colima, principalmente, um menor custo de produção, conseguido pela baixa dos salários e mercê de preços mais razoáveis na compra ou locação dos imóveis.
É, pois, o regime das águas, fornecendo a energia elétrica e sua transmissão a grandes distâncias, que há de generalizar o deslocamento fabril, capaz de provocar múltiplas e profundas consequências econômicas, cuja amplitude não se pode prever.
Foi o carvão de pedra que favoreceu o êxodo rural e ocasionou as aglomerações urbanas; agora, as cachoeiras estão provocando o movimento inverso, isto é, o êxodo industrial.
Esse último fenômeno se manifesta, a partir do momento em que o custo da mão de obra se torna um fator mais importante que o preço do transporte. Assim, nas zonas servidas por estradas pertencentes ao Estado ou por ele subvencionadas, mais aplicável será a política ferroviária, como incentivo à descentralização da manufatura.
Eis aí o melhor meio de reduzir o urbanismo e os males consequentes, a saber: a alta dos aluguéis, o preço exorbitante dos terrenos, a neurastenia fiscal e a concentração das forças operárias, cujas exigências crescem com a carestia da vida e ameaçam a ordem social.
Nos Estados Unidos e na Inglaterra, é cada vez mais operosa a iniciativa dos capitalistas, fundando cidades jardins, servidas por largas estradas de rodagem, que belas árvores bordam em toda a longura.
As casas são construídas aos pares, separados por um espaço livre na base de três vezes, pelos menos, a superfície da obra e dispondo nos fundos de quintal suficiente para o plantio de legumes e pequena criação. Essas instalações conservam todas as vantagens da vida agrária, mas são providas dos melhoramentos técnicos e higiênicos peculiares às grandes aglomerações humanas.
Será necessário levar em conta, por certo, a oposição dos interesses conservadores, bem como o apego dos indivíduos aos hábitos urbanos, porém, as crises da indústria são, cada vez mais frequentes e as vilas campestres oferecem salutar derivação ao congestionamento das cidades.
Nem mesmo deve prevalecer o raciocínio da especialização na arte, porquanto, afora alguns ofícios que exigem aprendizagem demorada; há toda uma série de serviços, cujo pessoal, em número variável, passa facilmente de um ramo a outro e ao sabor das conjunturas econômicas.
Em conclusão, nosso projeto consigna várias medidas tendentes a assegurar o conforto e a dignidade da vida para o trabalhador mineiro, algumas das quais dependem, evidentemente, de autorização legislativa.
Ainda assim, tão oportunas são todas e servem tão bem aos interesses da produção cafeeira no delicado transe atual, que s. exc. o sr. Presidente Antonio Carlos, usando da alta autoridade que o povo confiou ao seu inexcedível patriotismo e excelsas virtudes, se dignará decretá-las desde logo, ad referendum do Congresso Mineiro, que, certamente, as aprovará com os merecidos aplausos.
Justifica-se por essa forma a redação do Decreto que temos a honra de submeter ao exame de v. exc.
Instituto Mineiro de Defesa do Café — J. G. Pereira Lima, presidente.