Presente e passado deram as mãos em defesa da restauração de um patrimônio do Município de Santa Luzia (Região Metropolitana de Belo Horizonte): o Teatro Rural São Francisco, também conhecido como Teatro de Curral e apontado como o único teatro rural do País. Quatro gerações das famílias que criaram o teatro, em 1954, participaram de uma audiência pública realizada em Santa Luzia nesta segunda-feira (1º/9/25) pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para defender a recuperação da casa de espetáculos.

A mobilização envolveu diversos moradores da comunidade rural de Taquaraçu de Baixo, onde fica o Teatro São Francisco. Um dos pontos altos da audiência pública foi a apresentação do principal responsável pela criação do teatro, Nelson Gonçalves Marques, o Tio Nelson. Apesar de falecido em 1989,  ele foi revivido por Deco Lobo, filho de Zé Lobo, um dos moradores de Taquaraçu que participaram da construção do São Francisco.

Em uma singela apresentação teatral, Tio Nelson foi apresentado por Maizé Verdade, personagem interpretada pela atriz Bebel Marques, também de Taquaraçu. Pouco depois de os mais velhos reencenarem parte da peça que conta a história do fundador do teatro, a geração mais nova reforçou o apelo pela recuperação do patrimônio que  permanece fechado há 12 anos. “Eu quero fazer parte dessa história”, afirmou Clara Evelyn Lima Silva, de 11 anos,  que é bisneta de Zé Lobo e fez questão de  ir ao microfone para defender a arte produzida pela comunidade rural.

Apesar de o Teatro de Curral estar fechado há 13 anos, a prática artística continua em Taquaraçu de Baixo, com 70 anos de poesia, literatura e dramaturgia, esta última montada em lugares improvisados, resistindo à falta de um espaço apropriado. 

A resiliência do polo cultural de Taquaraçu foi resumida por Luisa Marques, neta de Zé Lobo e autora de um livro sobre o surgimento do Teatro de Curral. “A história do teatro não começa com a construção de um palco, mas com um ato de imaginação e doação de toda a comunidade”, afirmou ela.

Testemunho parecido veio da presidenta da Comunidade Kolping São Benedito, Marilene dos Santos, uma das líderes comunitárias que participou da audiência pública. “As crianças de Taquaraçu lêem poesias de Cecília Meireles. Há uma cultura viva, mesmo com o teatro fechado”, afirmou ela 

Autor do requerimento para realização da audiência pública organizada pela Comissão de Cultura da ALMG, o deputado Betão (PT) afirmou que a reativação do teatro é um instrumento insubstituível para estimular a formação de atores e produtores culturais na região. Para apoiar o projeto, ele prometeu apresentar uma emenda parlamentar ao orçamento de 2026.

Apesar de a Prefeitura de Santa Luzia já ter desenvolvido um projeto para restauração do teatro, o valor total da obra ainda não foi calculado. Uma emenda parlamentar, no entanto, não deverá ser suficiente para financiar a restauração, que tem um custo estimado em R$ 2 milhões, de acordo com o secretário de Obras de Santa Luzia, Haroldo Dias. O valor não inclui a parte de renovação urbanística, que deverá ser custeada pelo município, com um valor entre R$ 800 mil e R$ 900 mil.

De acordo com Haroldo Dias, o projeto de restauração precisa incluir um dique que contenha as periódicas enchentes do Rio das Velhas. Isso porque o teatro já foi restaurado e reinaugurado duas vezes, em 1991 e 2007, após ser avariado por grandes inundações ocorridas em 1979 e 1997. “Não dá para errar pela terceira vez", argumentou o secretário de Obras.

A secretária municipal de Cultura, Regilene Rodrigues, prometeu empenho na busca de recursos para executar a obra. A representante do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), Ana Paula Gomes, afirmou que a existência do projeto adianta o processo de busca de financiamento. Ela sugeriu que o município dispute os editais de financiamento cultural do Estado.

O presidente da Associação Comunitária de Moradores de Taquaraçu de Baixo, Elisinho Pires, defendeu que a restauração não se restrinja ao teatro, mas inclua a reforma da casa da fazenda e a Igreja São Francisco. Ele pediu o tombamento estadual do patrimônio, já tombado pelo Município.

A  possibilidade de o Teatro São Francisco reabrir suas portas entusiasmou Elza Torres Lima, pensionista de 84 anos de idade. Ela disse ter participado de diversas das peças mais antigas encenadas em Taquaraçu de Baixo, como “O Anjo Gabriel" e também “A Vaca Briosa".

A realização de um inventário das peças teatrais de Taquaraçu de Baixo foi sugerida pelo co-vereador de Santa Luzia Glauco Santos. A ideia foi elogiada pelo deputado Betão, que incluiu a proposta entre os requerimentos formulados.