Produtores apontam impactos negativos de classificação da tilápia como espécie invasora
Durante a audiência, foi comunicada a publicação de nota do Ministério do Meio Ambiente suspendendo temporariamente a elaboração de lista de espécies consideradas exóticas invasoras.
A produção de tilápia representa quase 70% do pescado que é consumido no Brasil. Diante dessa importância, a Comissão de Agropecuária e Agroindústria da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) debateu, nesta quinta-feira (4/12/25), a proposta da Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio) de incluir a tilápia como uma espécie exótica invasora e os impactos dessa inclusão na cadeia produtiva da piscicultura no Estado.
Durante a reunião, o presidente da comissão, deputado Raul Belém (Cidadania), comunicou a nota publicada às 9h21, assinada pela Assessoria Especial de Comunicação Social do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, com a suspensão temporária do processo de elaboração da lista nacional de espécies exóticas invasoras presentes no Brasil.
Pedro Rivelli, presidente da Associação da Cadeia Produtiva do Pescado em Minas Gerais (Peixe-MG), apresentou o histórico da atividade pesqueira no Estado, o contexto socioeconômico que a sustenta e a falta de embasamento técnico científico na ação do Conabio. “A lista de peixes que são classificados como espécies invasoras contempla 100% dos peixes ornamentais comercializados, mas o impacto maior é na tilápia por ela representar 68% da produção nacional”, disse.
Além de apresentar contradições nos documentos de órgãos oficiais que apresentam os critérios para a classificação de espécies como exóticas invasoras, Pedro acredita que a medida vai aumentar as restrições para o licenciamento ambiental e jogará os produtores para a clandestinidade. Na sua avaliação, a medida não é uma proibição estrita, mas velada, o que poderia ser revertido com o aperfeiçoamento das leis de biossegurança.
O vice-presidente da comissão, deputado Dr. Maurício (Novo), lembrou o caso do javali-europeu, considerado espécie invasora prejudicial. “Tivemos o exemplo do javali, que causa enormes problemas nas lavouras, e nós apoiamos a legislação para o controle. Esse não é o caso da tilápia, que está em nosso País há mais de 70 anos”, acredita.
Médico veterinário e servidor aposentado da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), José Rasguido apresentou o trabalho desenvolvido com piscicultura na Emater por mais de 40 anos. “Visitei mais de 700 municípios divulgando o trabalho da piscicultura e ajudando as famílias a ter renda. Não há ninguém mais preocupado com o meio ambiente do que o produtor de peixe, que sempre está pensando na qualidade da água e do seu entorno”, acredita.
Visivelmente emocionado, o veterinário usou sua origem boliviana para exemplificar, em tom de brincadeira, o que está acontecendo com a tilápia: “sou uma espécie exótica de fora, mas não me considero um invasor, pois eu não estou aqui para prejudicar”, disse.
Hermano de Moura, prefeito de Morada Nova de Minas (Região Central), maior município produtor de tilápia do Brasil, falou que a produção desse tipo de peixe acontece há dez anos, por meio de incentivo da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). “Depois desse início, nunca mais recebemos apoio federal ou estadual para essa produção. O setor se desenvolveu muito apenas com o trabalho das pessoas envolvidas, apesar de estarmos num local de difícil acesso, com boa parte das saídas por via fluvial”, lembrou.
Qualidade da tilápia importada também foi debatida
Outro ponto levantado na audiência foram os interesses políticos que poderiam estar por trás da decisão do Conabio. “No dia 17 de dezembro chegarão 700 toneladas de peixe vindos do Vietnã trazidos pela JBS, enquanto a produção brasileira está sendo prejudicada”, apontou Marilsa Fernandes, secretária-executiva da Associação de Piscicultores em Águas Paulistas e da União Peixe SP
Além de cobrar um diálogo maior com a comunidade científica e produtores, ela leu documento que solicita ao Conabio estudos científicos, revisão de bibliografia atual, dados brutos e sistemáticos, considerando a diversidade climática das regiões, além de outras informações mensuráveis que embasaram a decisão do órgão.
Eduardo Lage, fiscal agropecuário do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), reforçou a preocupação com a condição sanitária dos peixes que estão sendo exportadas do Vietnã e reafirmou a qualidade dos peixes mineiros. E disse que existe um programa de qualidade para os peixes ornamentais produzidos em Minas, que atesta a alta qualidade dos peixes.
O deputado Antonio Carlos Arantes (PL) acrescentou, ainda, que 110 mil propriedades produzem tilápia em Minas, a maior parte delas de produtores familiares. “São 700 mil empregos gerados por essa cadeia. Estamos falando de um alimento nutritivo e barato, acessível a muitas famílias”.
É o caso do produtor de agricultura familiar de Felixlândia, Rodolfo Cheloni, que está preocupado com o próprio futuro e o de outras famílias que venderam vacas ou pegaram financiamento para investir em cinco ou seis gaiolas de tilápias para começar seu negócio. “O governo, por uma infeliz ideia, está tirando sonhos e, mesmo que isso não dê em nada, já estamos perdendo tempo de vida discutindo isso”, afirmou.
Mariana Ramos, gerente de sustentabilidade da FAEMG, acredita que esse debate é urgente, pois a lista ainda não foi publicada e ainda é tempo de revertê-la. “Essa lista vai prejudicar a exportação de peixes produzidos no Brasil. Como incluir a tilápia e não incluir o bagre africano? Essa decisão não considerou critérios sociais, econômicos e ambientais”, disse.
O deputado Ricardo Campos (PT) também se posicionou a favor dos agricultores e piscicultores de Minas Gerais. Ele acredita que o tema da audiência precisa ser debatido. “Se for mantida da forma como se encontra, a decisão poderá comprometer toda a cadeia produtiva no Estado. Estou disposto a dialogar com os ministérios envolvidos para reverter essa decisão” propôs.
Renato Cardoso, representante do Ministério da Pesca e Aquicultura, corroborou o posicionamento dos presentes e disse que a medida merece mais diálogo e estudos antes de ser implementada. Para ele, uma mudança desse impacto deve ser melhor discutida com todos os órgãos públicos envolvidos.
